Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.30 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2017
https://doi.org/10.1590/0102-6720201700040009
Nos últimos anos foi desenvolvida técnica cirúrgica conhecida como derivação gástrica com anastomose única ou mini-bypass gástrico. A frequência com que este procedimento vem sendo realizado aumentou consideravelmente na última década.
Descrever a técnica do procedimento, sua implementação e resultados preliminares em um hospital universitário.
Estudo prospectivo em andamento para avaliar os efeitos em longo prazo do mini-bypass gástrico. As principais características do mini-bypass gástrico laparoscópico foram: uma bolsa gástrica com cerca de 15-18 cm (50-150 ml) com anastomose gastroentérica em alça isoperistáltica pré-cólica a 200 cm do ângulo duodenojejunal (alça biliopancreática).
Foram operados 17 pacientes. Nenhum procedimento necessitou conversão para laparotomia. A morbidade global em 30 dias foi de 5,9% (um caso de obstrução por brida). Não houve mortalidade.
O mini-bypass gástrico é procedimento cirúrgico bariátrico factível e seguro.
DESCRITORES: Cirurgia bariátrica; Derivação gástrica; Obesidade; Refluxo biliar; Gastroenterostomia.
In recent years, a surgical technique known as single-anastomosis gastric bypass or mini-gastric bypass has been developed. Its frequency of performance has increased considerably in the current decade.
To describe the mini-gastric bypass technique, its implementation and preliminary results in a university hospital.
This is an ongoing prospective trial to evaluate the long-term effects of mini-gastric bypass. The main features of the operation were: a gastric pouch with about 15-18 cm (50-150 ml) with a gastroenteric anastomosis in the pre-colic isoperistaltic loop 200 cm from the duodenojejunal angle (biliopancreatic loop).
Seventeen individuals have undergone surgery. No procedure needed to be converted to open approach. The overall 30-day morbidity was 5.9% (one individual had intestinal obstruction caused by adhesions). There was no mortality.
Mini-gastric bypass is a feasible and safe bariatric surgical procedure.
HEADINGS: Bariatric surgery; Gastric bypass; Obesity; Bile reflux; Gastroenterostomy
A prevalência do excesso de peso atingiu proporções epidêmicas nas últimas décadas, com estimativas da Organização Mundial de Saúde demonstrando que cerca de 2 bilhões de pessoas apresentam sobrepeso ou obesidade em todo o mundo9,29.
A cirurgia bariátrica tem sido realizada com frequência cada vez maior em todo o mundo nas últimas décadas, especialmente após a observação de resultados muito superiores em relação à perda sustentada de peso em longo prazo e resolução de comorbidades ao observados com o tratamento não-operatório da obesidade4,5,7,8,27. O impacto global da cirurgia bariátrica já foi demonstrado, com redução de 40% de mortalidade por todas as causas, 56% por doença coronariana, 92% por complicações do diabete e 60% por qualquer neoplasia maligna1.
Após quase 50 anos de evolução desde as descrições iniciais propostas por Mason e Ito16, a derivação gástrica em Y-de-Roux por videolaparoscopia se tornou o procedimento cirúrgico de referência para tratamento da obesidade mórbida. Entretanto, apesar de suas reconhecidas eficiência e segurança, ele apresenta dificuldade técnica considerável, inclusive para cirurgiões experientes e com treinamento adequado14.
Nos últimos anos, foi desenvolvida uma técnica cirúrgica conhecida como derivação gástrica com anastomose única (single anastomosis gastric bypass ou mini-bypass gástrico (MBG), cuja frequência de realização tem crescido consideravelmente. Inicialmente descrito por Rutledge26, este procedimento propõe uma simplificação da derivação em Y-de-Roux através da realização de uma única anastomose, com significativa redução da complexidade técnica, menor tempo operatório e redução potencial de morbidade e mortalidade. Diversos estudos demonstraram os benefícios proporcionados por este procedimento, incluindo perda de excesso de peso e resolução de co-morbidades equivalentes ou até superiores às observadas após a derivação gástrica em Y-de-Roux3,6,10,12,13,17,19,21,23,25,28.
Este estudo tem por objetivo descrever a técnica do mini-bypass gástrico, sua implementação e resultados preliminares.
Este trabalho foi delineado para descrição detalhada de uma técnica cirúrgica e seus resultados preliminares. É parte de estudo prospectivo em andamento cujo objetivo é avaliar os efeitos em longo prazo do MBG. Ele foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas sob a referência Unicamp/1.957.057. A operação bariátrica foi indicada conforme o consenso dos National Institutes of Health (NIH)20 e as recomendações do Ministério da Saúde do Brasil18. Todos os indivíduos participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os procedimentos foram realizados pela mesma equipe cirúrgica. Os desfechos avaliados foram: tempo cirúrgico, sangramento intra-operatório estimado, morbidade e mortalidade em 30 dias, tempo de permanência hospitalar e número de disparos de grampeadores cirúrgicos.
A operação é realizada com o paciente em decúbito dorsal horizontal com membros inferiores abertos, em posição proclive de 45º. O paciente é fixado à mesa cirúrgica através da colocação de cinturão abaixo da linha da cintura e nos membros inferiores ao nível das coxas. Ele permanece entre os membros inferiores com o 1º assistente à esquerda manuseando a câmera e a pinça auxiliar, e o instrumentador ao seu lado direito. Não é realizada sondagem vesical de demora. Antibioticoprofilaxia é usada rotineiramente. A prevenção de eventos trombóticos é feita com uso de meias elásticas de compressão graduada, e dispositivos pneumáticos de compressão intermitente. Sonda orogástrica descartável de Fouchet 32 Fr é colocada.
O pneumoperitônio é realizado por meio de uma punção direta com agulha Veress no quadrante superior esquerdo, perto da margem costal ao nível da linha medioclavicular (ponto de Palmer). A pressão inicial é fixada em 15 mmHg e mantida até atingir a esperada em torno de 15 mmHg. A operação inicia-se pela colocação dos trocárteres permanentes de 10 mm para a introdução da ótica de 30º colocada no mesogástrio cerca de 15 cm abaixo do processo de xifóide e 3 cm à esquerda da linha média, considerada como trocarte número 1. O número 2, de 5 mm, é colocado perto do processo de xifóide para o uso do afastador de fígado, que geralmente é um bastão segurado pelo segundo auxiliar. O número 3, descartável de 12 mm, é usado pela mão esquerda do cirurgião, colocado no lado direito do paciente em posição intermediária entre os dois anteriores, 3-5 cm lateral à linha média. O número 4, também permanente de 5 mm, é colocado ao longo da margem costal esquerda na linha axilar anterior para o 1º assistente. O último trocarte, número 5, descartável de 12 mm, é colocado adjacente à margem costal esquerda na linha hemi-clavicular para a manipulação da mão direita do cirurgião. O pneumoperitônio é mantido pelo trocarte número 5. A Figura 1 apresenta a colocação dos trocárteres22.
FIGURA 1 Posicionamento dos trocárteres (Adaptado de Ramos et al.22)
A operação inicia-se com a dissecção do ângulo esofagogástrico e a abertura do ligamento gastrofrênico esquerdo com pinça de energia, de modo a expor o aspecto lateral do pilar diafragmático esquerdo. Em seguida, é realizada a ressecção do coxim gorduroso da junção esofagogástrica (gordura de Belsey). Então, o cirurgião procede a ligadura do omento menor distal, ao lado da inserção do nervo anterior da curvatura menor (nervo anterior de Latarjet), usando pinça de energia, até a exposição da parede gástrica posterior. A bolsa gástrica deve ser longa e estreita, medindo cerca de 15-18 cm, com capacidade de 50-150 ml. A bolsa é criada usando uma unidade de cartuchos azuis de 45 mm para executar a secção horizontal e duas a três unidades para executar a secção vertical. As linhas de grampeamento da bolsa e o estômago excluso são então reforçados com uma sutura contínua de polidioxanona 3-0. O ligamento duodenojejunal é então identificado e o intestino delgado contado distalmente até 200 cm dele, determinando a exclusão de parte do estômago, duodeno e jejuno proximal da via alimentar. Este segmento é então fixado à bolsa e é feita uma anastomose gastroentérica laterolateral, em alça, pré-cólica e isoperistáltica, com 25 mm de extensão, através de disparo paralelo vertical ou ligeiramente oblíquo, utilizando um cartucho branco de 45 mm. O orifício para a inserção do grampeador é fechado por meio de uma sutura contínua com polidioxanona 3.0 reforçada com pontos separados de poliéster 3-0. O defeito ou espaço de Petersen é fechado por meio de uma sutura contínua com seda 3.026. A colocação de um anel de silicone ao redor da bolsa gástrica é decidida aleatoriamente, conforme protocolo de pesquisa para avaliação dos efeitos do uso de anel. A randomização é realizada por meio eletrônico e os pacientes são comunicados previamente ao procedimento sobre o resultado do processo de randomização. Entre os indivíduos nos quais o anel de silicone de 6,5 cm é colocado, ele é fixado à bolsa com pontos de polipropileno 3-0. A Figura 2 apresenta representação esquemática da técnica cirúrgica24.
FIGURA 2 Representação esquemática do mini-bypass gástrico (Adaptado de Park et al.24)
Todos os indivíduos submetidos à operação permanecem em jejum durante 48 h. Em seguida são realizados teste oral com azul de metileno e radiografia contrastada. Se não há evidência de fístulas, dieta oral é iniciada e os indivíduos recebem alta hospitalar no 3º dia do pós-operatório9.
Até à submissão deste trabalho, 17 indivíduos foram submetidos ao procedimento. Nenhum necessitou conversão para laparotomia. A morbidade global de 30 dias foi de 5,9% (um caso de obstrução intestinal por brida). Não houve mortalidade. Os resultados detalhados são apresentados na Tabela 1.
TABELA 1 Características do grupo de estudo e resultados pós-operatórios (n=17)
Gênero | M=4 (23,5%); F=13 (76,5%) |
Via | Laparoscópica=17 (100%) |
Conversões laparotomia | 0 |
Tempo operatório (min) | 64,3 (45-120) |
Sangramento estimado (ml) | 14,7 (0-100) |
Tempo de internação | 3,1 (3-5) |
Disparos de grampeador | 4,3 (4-5) |
Reinternações | 1 (5,9%) - Obstrução por brida |
Morbidade | 1 (5,9%) - Obstrução por brida (Reoperação - PO 20) |
Mortalidade | 0 |
A principal preocupação em relação à técnica do MBG é o risco potencial de câncer gástrico e esofágico devido à possibilidade de refluxo biliar na bolsa gástrica e na junção gastroesofágica. No entanto, uma série de particularidades foram adicionados a essa técnica cirúrgica desde a sua criação, especialmente para minimizar esses riscos25,26. O bypass gástrico de Mason e a gastrectomia parcial de Billroth II são os dois procedimentos que, à primeira vista, parecem ser muito parecidos com o MBG16. Embora sejam baseados nas mesmas premissas, o MBG apresenta evolução substancial em relação às limitações desses procedimentos. Em primeiro lugar, a bolsa, que é mais longa e mais estreita que a do bypass gástrico clássico, é projetada para minimizar o refluxo da secreção entérica através da anastomose. Em segundo lugar, a própria anastomose, que é vertical ou ligeiramente oblíqua na parede posterior da bolsa, favorece o esvaziamento gástrico e potencialmente evita o refluxo significativo. Tanto o bypass de Mason quanto a gastrectomia à Billroth II eram baseados em bolsas grandes e horizontais, que não facilitavam o esvaziamento gástrico e também poderiam propiciar a ocorrência de estase gástrica, favorecendo o refluxo biliar. Além disso, a distância do ângulo duodenojejunal - que faz alça biliopancreática longa (cerca de 200 cm) no MBG - permite a reabsorção de grandes quantidades de secreção biliar. Assim, o suco entérico que chega à anastomose não está tão concentrado quanto o que chegava na gastrectomia à Billroth II15,25,26.
Além desses aspectos de design, também há outras questões levantadas em relação à carcinogênese do refluxo biliar. Com base em estudos in vitro e em animais, sugeriu-se que a reconstrução com uma configuração em alça em pacientes submetidos ao bypass gástrico poderia aumentar o risco de câncer gástrico e esofágico2,11. No entanto, apesar de, nas décadas de 1960 e 1970, milhares de bypass gástricos de Mason terem sido realizados, houve apenas um único relato de caso de câncer na bolsa gástrica após este procedimento2. Da mesma forma, mesmo depois de dezenas de milhares destes procedimentos realizados desde 1997, houve apenas um câncer gástrico após o MBG, relatado em um paciente, no estômago excluso e não na bolsa30. Como a incidência anual global de ambos os cânceres é estimada em cerca de um caso por 7.000-10.000, esse dado histórico é significativo15.
O estudo atual revelou bons resultados em relação aos desfechos iniciais. O MBG associou-se à morbidade e mortalidade precoces comparáveis às observadas após o bypass em Y-de-Roux. Além disso, devido ao seu design simplificado e à necessidade de realizar uma única anastomose, é mais simples e potencialmente mais econômico, uma vez que são necessários menos cargas de grampeador.
As limitações deste estudo foram a pequena amostra de indivíduos submetidos à cirurgia e o tempo escasso de seguimento pós-operatório, fatores que inviabilizam uma avaliação de custo/benefício em longo prazo e não permitem inferências sobre os resultados tardios do procedimento. Contudo, como o objetivo principal foi mostrar a viabilidade do procedimetno, mais pesquisas e acompanhamento em longo prazo são necessários para fornecer evidências em relação aos seus resultados em longo prazo.
O MBG é procedimento cirúrgico bariátrico viável e seguro.