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Minieditorial: O Polimorfismo Genético do Receptor Beta-Adrenérgico Tipo 1 Ser49Gly é Preditor de Morte em Pacientes Brasileiros com Insuficiência Cardíaca

Minieditorial: O Polimorfismo Genético do Receptor Beta-Adrenérgico Tipo 1 Ser49Gly é Preditor de Morte em Pacientes Brasileiros com Insuficiência Cardíaca

Autores:

Antonio Carlos Pereira-Barretto

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 São Paulo abr. 2020 Epub 29-Maio-2020

https://doi.org/10.36660/abc.20200183

A insuficiência cardíaca (IC) é uma doença que evolui com elevada morbi/mortalidade. No entanto, não são todos os pacientes que evoluem mal. Os sintomáticos e aqueles que necessitaram ser hospitalizados para tratamento são grupo de pior prognóstico. A intensidade dos sintomas vem se mostrando um bom preditor prognóstico. No entanto, em pacientes pouco sintomáticos temos capacidade muito mais limitada para identificar aqueles que terão pior evolução.1

No artigo “O Polimorfismo Genético do Receptor Beta-Adrenérgico tipo 1 Ser49Gly é Preditor de Morte em Pacientes Brasileiros com Insuficiência Cardíaca” nesta edição, os autores discutem um tema atual, no qual mostram que a evolução dos pacientes pelo menos em parte é relacionada ao seu perfil genético, e que este perfil determina a intensidade da IC e o desenvolvimento dos sintomas.2

Na IC a estimulação neuro-hormonal tem papel fisiopatológico importante, com os ensaios clínicos multicêntricos documentando de maneira cabal que o bloqueio dos sistemas renina angiotensina aldosterona e simpático hiperativados modificam a evolução da doença. E neste contexto o papel do sistema nervoso simpático está bem estabelecido e possivelmente tem o papel de maior vilão na história da IC. A resposta à estimulação neuro-hormonal não é igual em todos os pacientes e o polimorfismo genético influencia esta resposta.

A atividade simpática é mediada pelos receptores beta-adrenérgicos do tipo 1 e tipo 2.3 Tem-se avaliado o polimorfismo genético destes receptores e a atividade simpática difere conforme este polimorfismo. Para o receptor beta-1 dois polimorfismos têm sido mais estudados: o Ser19Gly e o Arg389Gly e para o receptor beta-2 também dois: Gly16Arg e Gln27Glu.3

O polimorfismo dos receptores beta-1 tem mostrado ter papel na incidência de IC, na resposta aos betabloqueadores, nos desfechos ecocardiográficos, na capacidade funcional, na incidência de arritmia cardíaca e na evolução clínica dos pacientes.2 , 3 No entanto, a maioria dos estudos foi realizado com população pequena e os resultados não tem mostrado resultados homogêneos, mas permitiu verificar que a constituição genética determina a evolução dos pacientes, inclusive a reposta ao tratamento.

Podemos verificar isto, em relação ao polimorfismo do receptor beta-2, quando no estudo FAST-Carvedilol. Na avaliação da sobrevida podemos documentar que analisando os pacientes considerando o polimorfismo, avaliando os genótipos DD-ID e II, que os portadores do polimorfismo II tiveram maior mortalidade do que as variantes DD e ID. Mas, o resultado mais interessante foi que estes pacientes II, quando receberam dose de carvedilol otimizada (>50% da dose alvo), apresentaram expressiva redução de mortalidade, enquanto nos portadores das variantes DD e ID a dose não modificou a evolução.4 Como resultado do estudo observamos que o grupo II tratado com dose baixa de carvedilol apresentou chance 6 vezes maior de morrer do que o grupo que recebeu dose otimizada de carvedilol.4

Na mesma linha de pesquisa, no estudo MERIT-HF, analisando polimorfismo dos receptores Beta-1 observou-se que havia pacientes recebendo doses elevadas de betabloqueador que não respondiam ao tratamento, ao lado de outros que apresentavam melhora importante.3 No estudo BEST o polimorfismo genético foi imputado na falta de resposta ao betabloqueador bucindolol. Este foi um dos poucos estudos multicêntricos com número expressivo de pacientes que analisou prospectivamente o papel do polimorfismo na resposta terapêutica de um betabloqueador. O polimorfismo foi analisado neste ensaio multicêntrico com mais de 1.000 pacientes e mostrou que os pacientes com o polimorfismo selvagem Gly389 do receptor beta-1 não responderam ao tratamento com bucindolol. Por outro lado, aqueles sem este polimorfismo tiveram redução de mortalidade com o bucindolol.3 Os pesquisadores consideram que os dados sobre o polimorfismo não são sempre concordantes e que no momento é melhor não utilizar esta ferramenta para orientar o tratamento.2

Mas, seu papel na evolução dos portadores de IC continua nos enriquecendo de informações permitindo um melhor entendimento desta complexa síndrome. Os estudos vêm mostrando que a resposta do sistema adrenérgico mediada pelas variantes genéticas dos adrenorreceptores centrais ou periféricos tem papel na fisiologia da IC. Como já apresentado essa variabilidade interindividual modifica inclusive o prognóstico da IC, com alguns pacientes apresentando mais eventos cardíacos a despeito da estabilidade clínica moderada disfunção ventricular e preservada capacidade de exercício. Inversamente, outros, classificados clinicamente como portadores de IC avançada, evoluem com uma prolongada e não esperada sobrevida. E que os dados mostraram que parte das diferenças percebidas na eficácia dos betabloqueadores, bem como a variabilidade de respostas a estes, podem ser atribuídas a algumas variações genéticas que afetam os receptores beta e suas vias de sinalização.2 , 3

No Brasil o polimorfismo dos receptores beta-1 foi objeto de estudo no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.2 , 5

No estudo objeto deste minieditorial, os autores destacam que o receptor cardíaco beta-adrenérgico do tipo 1 (Rβ1) é a principal estrutura responsável por mediar os efeitos da adrenalina e que a estimulação sustentada desse sistema promove múltiplos efeitos deletérios, destacando-se a cardiotoxicidade. As variantes genéticas estão associadas a diferente atividade desse receptor. Os autores estudaram o polimorfismo genético identificado na posição 145 do nucleotídeo, na qual a serina é substituída pela glicina na posição 49 (Rβ1-Ser49Gly).2

Este trabalho descreve, em população brasileira, a relação entre os genótipos do polimorfismo genético do receptor beta1 – Ser49Gly e a evolução clínica em 178 pacientes com IC, com seguimento médio de 6,7 anos.2 Trata-se de trabalho com genotipagem do Ser49Gly no contexto da IC com maior tempo de seguimento já publicado. Seu principal achado foi a associação do polimorfismo genético Gly-Gly com um efeito protetor para desfechos clínicos, com melhor evolução clínica avaliada pela classe funcional NYHA e menor risco de morte. O maior tempo de seguimento permitiu avaliar melhor os aspectos evolutivos da IC e verificar que alelo Gly está associado a melhor evolução clínica; no entanto, observou-se uma potencial influência da etnia sobre esses genótipos, invertendo esse comportamento benigno em algumas populações. Ponto importante foi permitir avaliar prognóstico em pacientes pouco sintomáticos, ampliando a acuidade da avaliação prognóstica também para esses pacientes.

Quanto ao prognóstico os resultados deste estudo foram semelhantes aos obtidos no trabalho do Rio Grande do Sul,5 agregando importante contribuição ao identificar que pacientes com o perfil Gly-Gly, menos frequente, permaneceram pouco sintomáticos durante todo o seguimento, identificando desta forma grupo de pacientes com menor potencial evolutivo.3

No entanto, deve-se ressaltar que a amostra testada é pequena e estudos confirmatórios são necessários para a verificação dessa hipótese, no intuito de mostrar se as variantes genéticas dos receptores beta-adrenérgicos podem ajudar a identificar os pacientes com IC que irão ter menor progressão da doença e se serão mais responsivos aos betabloqueadores e, como consequência, uma melhor evolução clínica.

Os resultados permitem supor que, no futuro, antes de iniciarmos um tratamento com bloqueador neuro-hormonal ou betabloqueador, será indicado identificar o perfil genético e prescrever os medicamentos somente para os responsivos.

REFERÊNCIAS

1. Comitê Coordenador da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, Rohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC; Sociedade Brasileira de Cardiologia.. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436-539.
2. Shin J, Johnson JA. Beta-blocker pharmocogenetics in heart failure. Heart Fail Rev. 2010;15(3):187-96.
3. Albuquerque FN, Brandão AA, Silva DA e cols. Ser49Gly Beta1-adrenergic Receptor genetic Polymorphism as a Death Predictor in Brazilian Patients with Heart Failure. Arq Bras Cardiol. 2020; 114(4):616-624.
4. Melo DSB, Pereira-Barretto AC, Cardoso JN, Oliveira AI, Ochiai ME, Melo FSA, et al. Polimorfismos genéticos como preditores prognósticos em pacientes com insuficiência cardíaca avançada após rápida titulação com betabloqueadores. In: 11 Congresso Brasileiro de Insufiiência Cardíaca. Recife (PE);2012. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2 supl 2):1-148.
5. Biolo A, Clausell N, Santos KG, Salvaro R, Ashton-Prolla P, Borges A, et al. Impact ofβ1-adrenergic receptor polymorphisms on susceptibility to heart failure, arrhythmogenesis, prognosis, and response to beta-blocker therapy. Am J Cardiol. 2008;102(6):726-32.