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Mobile application for data collection in health research

Mobile application for data collection in health research

Autores:

Irene Mari Pereira,
Daiana Bonfim,
Heloisa Helena Ciqueto Peres,
Ricardo Fernandes Góes,
Raquel Rapone Gaidzinski

ARTIGO ORIGINAL

Acta Paulista de Enfermagem

On-line version ISSN 1982-0194

Acta paul. enferm. vol.30 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700069

Introdução

Os estudos sobre a medição e gestão do tempo têm como finalidade observar a duração e os movimentos necessários para a realização das atividades laborais, possibilitando identificar a distribuição do tempo despendido no desempenho dessas atividades e assim obter parâmetros para o cálculo da carga de trabalho dos profissionais. Dessa maneira, torna-se possível subsidiar o dimensionamento de profissionais para atender às necessidades do usuário, além de ser importante fonte para reestruturação dos processos de trabalho em saúde, análise da produtividade dos trabalhadores e da qualidade da assistência prestada.(1)

Uma das formas de se obter informações sobre como os trabalhadores distribuem o tempo nas atividades laborais, consiste na aplicação da técnica amostragem do trabalho. Essa técnica se baseia em realizar observações diretas de modo intermitente, instantâneo e ao acaso, durante a jornada de trabalho.(25)

Para coleta de dados, pela técnica de amostragem do trabalho é imprescindível desenvolver um instrumento que contemple a relação de intervenções/atividades que devem ser realizadas pelos profissionais a serem observados. Entretanto, o uso de instrumentos em papel, para o registro da observação do tempo gasto pelos profissionais, durante a jornada de trabalho, gera grande quantidade de dados a ser digitado em planilhas eletrônicas, frequentemente, aumentando a possibilidade de erros.

Assim, a utilização de ferramenta tecnológica se faz necessária na conformação de pesquisas de tempo e movimento, para garantir agilidade na organização e processamento de uma grande quantidade de informações produzidas, em pequeno intervalo de tempo, almejando atingir margem de erro igual à zero.(5,6)

O uso de tecnologia móvel para o registro de expressiva quantidade de dados produzidos em pesquisas se mostra adequado para otimizar etapas de organização e processamento de informações; favorece gestão do fluxo de dados; oferece segurança e agilidade para disponibilizá-los rapidamente, o que contribui para o desenvolvimento da pesquisa e análise dos resultados.

Estudo realizado em atenção primária à saúde na Etiópia comparou a precisão dos dados de paciente coletados usando formulários eletrônicos em telefones inteligentes com o coletado por formulários em papel e observou que a utilização de formulários eletrônicos bem desenhados melhorou, significativamente, a completude de dados em 8% quando comparado aos registros em papel, concluindo que com treinamento e supervisão, os profissionais de saúde foram capazes de usar formas eletrônicas para avaliação de pacientes e coleta de dados rotineiros de modo apropriado e com precisão.(7)

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi descrever o desenvolvimento de aplicativo para dispositivo móvel, para coleta de dados em pesquisas de tempo e movimento dos profissionais de saúde em unidades com Estratégia de Saúde da Família (ESF) na realização das intervenções/atividades de cuidado, durante a jornada de trabalho.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa aplicada de produção tecnológica que teve como finalidade encontrar soluções imediatas para um problema existente, por meio da criação de produtos.(8)

Este tipo de pesquisa foi adotado, neste estudo, por tratar-se da necessidade de desenvolver um aplicativo, para dispositivo móvel, para auxiliar a coleta de dados da distribuição do tempo despendido em intervenções/ atividades de equipes da ESF, durante a jornada de trabalho, por meio da técnica de amostragem do trabalho, como parte de uma pesquisa de abrangência nacional, intitulada: “Método de Dimensionamento da Força de Trabalho na Atenção Primária à Saúde”, desenvolvida pelas Estações de Trabalho da Rede Observatórios em Recursos Humanos das Escolas de Enfermagem da USP de São Paulo e de Ribeirão Preto, da Faculdade de Odontologia da USP e do Instituto de Medicina Social, Faculdades de Odontologia e de Enfermagem da UERJ, financiada pela Organização Pan-americana de Saúde e Ministério da Saúde.(5)

Nesse estudo o grupo de pesquisadores, das Estações de Trabalho dos Observatórios de Recursos Humanos, construiu e validou um instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária, composto por intervenções/atividades de cuidado para as categorias profissionais: médico, cirurgião dentista, enfermeiro, técnico/auxiliar de saúde bucal, técnico/auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde.(9)

O instrumento construído compreendeu intervenções de cuidado direto e indireto, atividades associadas ao trabalho, atividades pessoais, tempo de espera, ausência e sem observação (Quadro 1).

Quadro 1 Intervenções e atividades do instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais na atenção primária à saúde 

Intervenções
Intervenções de Cuidado Direto Intervenções de Cuidado Indireto
Administração de medicamentos Ações educativas dos trabalhadores de saúde
Apoio ao médico Apoio ao estudante
Assistência em exames/procedimentos Avaliação de desempenho
Assistência na amamentação Coleta de dados de pesquisa científica
Atendimento a demanda espontânea Controle de Infecção
Consulta Controle de suprimentos
Controle de doenças transmissíveis Organização do processo de trabalho
Controle de eletrólitos Desenvolvimento de processos e rotinas administrativas
Controle de imunização/vacinação Desenvolvimento de protocolos de cuidados
Cuidados de urgência/emergência Documentação
Desenvolvimento da saúde comunitária Identificação de risco
Monitoração de sinais vitais Interpretação de exames laboratoriais
Orientação quanto ao sistema de saúde Mapeamento e territorialização
Procedimentos ambulatoriais Referência e contrarreferência
Procedimentos coletivos Reunião administrativa
Promoção de ações educativas Reunião para avaliação dos cuidados multiprofissionais
Punção de vaso: amostra do sangue venoso Supervisão dos trabalhadores da unidade
Transporte interinstitucional Supervisão segurança
Vigilância em saúde Troca de informações sobre cuidados de saúde
Visita domiciliar
Atividades
Atividade Associada Atividade Pessoal
Atender telefone/ligar para outras unidades Alimentação/hidratação
Verificar e-mails da unidade Atender telefone/realizar ligação pessoal
Limpeza da unidade Socialização com colegas
Agendamento de consulta Leitura de jornal, revistas, internet
Agendamento de exames Eliminações fisiológicas
Recepção Confraternizações
Fornecimento de atestado de comparecimento Outras atividades pessoais
Auditoria de prontuários
Convocação de usuários com alteração nos resultados de exames
Conferência de recebimento de resultado de exames
Entrega de insumos aos usuários
Pegar/procurar exames e prontuários
Outras atividades associadas
Organização de sala
Tempo de Espera
Ausência
Sem Observação

Fonte: Bonfim D, Pereira MJ, Pierantoni CR, Haddad AE, Gaidzinski RR. Instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária: desenvolvimento e validação. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(Esp 2): 25-34.(9)

As intervenções de cuidado direto e indireto correspondem respectivamente em tratamento realizado por meio da interação com o usuário, família e comunidade, configurando-se nas ações de aspectos fisiológicos e psicossociais que envolvem as ações práticas e as de apoio e aconselhamento; e tratamento realizado distante do usuário, família e comunidade, mas, em seu benefício que abrangem ações voltadas ao gerenciamento da unidade e de colaboração interdisciplinar.(10)

As atividades associadas ao trabalho são aquelas que podem ser executadas por outros trabalhadores de outras categorias, mas que os profissionais de saúde assumem, já as atividades pessoais são consideradas as pausas necessárias na jornada de trabalho para o atendimento das necessidades fisiológicas e de comunicação pessoal e que estão relacionadas às necessidades dos trabalhadores.(11,12)

O conteúdo do instrumento de medida de carga de trabalho foi testado em três unidades de saúde da família, localizadas na região sudeste do Brasil, e validado por contemplar 100% das intervenções observadas na prática dos profissionais, com 90,4% de concordância entre os observadores de campo em observações paralelas.(5,9)

As intervenções e atividades foram agrupadas em 20 intervenções de cuidado direto, 19 intervenções de cuidado indireto, 14 atividades associadas, sete atividades pessoais e tempo de espera, ausência e sem observação, conforme quadro 1.

A caracterização das unidades estudadas e dos profissionais observados foi identificada em instrumentos específicos.

Para operacionalizar a coleta de dados da pesquisa “Método de Dimensionamento da Força de Trabalho na Atenção Primária à Saúde”, desenvolvida nas cinco regiões geográficas do Brasil, foi necessário transformar o instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária em um aplicativo, fundamentado no ciclo de vida de desenvolvimento de sistema que parte do conceito de prototipagem, considerando as fases de definição, desenvolvimento e manutenção.(13)

Essas fases estão presentes em qualquer elaboração de aplicativo, independente do ciclo de vida adotado, da área de aplicação, do tamanho do projeto e da sua complexidade, e oferecem ao desenvolvedor apoio para a construção de um sistema com qualidade e com recursos para o controle durante todo o processo.(13)

Fase de definição

Nessa fase foram identificadas as informações que deveriam ser processadas, o instrumento foi codificado (quadro 2), a função e o desempenho do aplicativo foram definidos, bem como, as interfaces possíveis para o registro das informações necessárias para a análise.

Quadro 2 Codificação das intervenções/atividades para uso do tablet durante a coleta de dados 

Intervenções em Atenção Primária à Saúde
Ações educativas dos trabalhadores de saúde
Administração de Medicamentos
Apoio ao estudante
Apoio ao Médico
Assistência em exames/ procedimentos
Assistência na amamentação
Atendimento à demanda espontânea
Avaliação de desempenho
Coleta de dados de pesquisa científica
Consulta
Controle de Doenças transmissíveis
Controle de Eletrólitos
Controle de Imunização/ vacinação
Controle de Infecção
Controle de Suprimentos
Organização do processo de trabalho
Cuidados de urgência/emergência
Desenvolvimento da saúde comunitária
Desenvolvimento de processos e rotinas administrativas
Desenvolvimento de protocolos de cuidados
Documentação (material administrativo)
211 - Registros relativos à Consulta e a Procedimentos clínicos
212 - Registros relativos à Visita Domiciliar
213 - Registros relativos à Vigilância
Identificação de Risco
Interpretação de dados laboratoriais
Mapeamento e territorialização
Monitoração de sinais vitais
Orientação quanto ao Sistema de Saúde
Procedimentos Ambulatoriais
Procedimentos coletivos
Promoção de ações educativas
Punção de vaso: amostra do sangue venoso
Referência e contra referência
Reunião administrativa
Reunião para avaliação dos cuidados multiprofissionais
Supervisão dos trabalhadores da unidade
Supervisão Segurança
Transporte interinstitucional
Troca de informações sobre cuidados de saúde
Vigilância em saúde
Visita Domiciliar
80. Organização de sala
Tempo de espera Atividades pessoais
51. Tempo de espera Alimentação/hidratação
Atender telefone/realizar ligação pessoal
Socialização com colegas
Descanso (ler revistas, Internet)
Eliminações fisiológicas
Organizar/participar de confraternizações
Atividades associadas Outras atividades
Atender telefone/ligar para outras unidades/verificar e-mails da unidade
Limpeza da unidade
Agendamento consulta
Agendamento exames
Recepção
Fornecimento de atestado de comparecimento
Auditoria prontuários
Convocação de usuário com alteração nos resultados dos exames
Conferência de recebimento de resultado de exames
Entrega de insumos aos usuários
Pegar/procurar exames e prontuários
60 a 79. Reclassificada de acordo com a observação
97. Outras atividades associadas
98. Outras atividades pessoais
94. Sem observação
95. Ausência (profissional não estava na unidade, seja por atraso, seja por saída antecipada)
96. Não encontrado (profissional não encontrado na unidade no momento da observação)
99. Horário de almoço do profissional observado
Atender telefone/ligar para outras unidades/verificar e-mails da unidade
Limpeza da unidade
Agendamento consulta
Agendamento exames
Recepção
Fornecimento de atestado de comparecimento
Auditoria prontuários
Convocação de usuário com alteração nos resultados dos exames
Conferência de recebimento de resultado de exames
Entrega de insumos aos usuários
Pegar/procurar exames e prontuários
60 a 79. Reclassificada de acordo com a observação:
97. Outras atividades associadas
98. Outras atividades pessoais
94. Sem observação
95. Ausência (profissional não estava na unidade, seja por atraso, seja por saída antecipada
96. Não encontrado (profissional não encontrado na unidade no momento da observação)
99. Horário de almoço do profissional observado

Fonte: Bonfim D, Pereira MJ, Pierantoni CR, Haddad AE, Gaidzinski RR. Instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária: desenvolvimento e validação. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(Esp 2): 25-34.(9)

Sendo assim, o levantamento dos requisitos para desenvolver o aplicativo partiu das informações do instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária, que contemplava as intervenções e as atividades identificadas para os profissionais da equipe de saúde das unidades de saúde da família (USF) (Quadro 1).(9)

As intervenções/atividades constantes no instrumento foram codificadas para facilitar o registro das observações e o armazenamento local e virtual das informações com uso dos instrumentos em dispositivo móvel (quadro 2).(9)

Fase de desenvolvimento

Nessa fase foram estruturadas a entrada de dados e a arquitetura do projeto, decididos os detalhes procedimentais para implementação da linguagem de programação e a aplicação de testes necessários.

O desenvolvimento do aplicativo teve como foco o uso em tablet Motorola®, sistema operacional Android® versão 3.2 e interface Web.

As informações, sobre cada intervenção codificada, foram armazenadas em banco de dados desenvolvido em um Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados denominado My Structured Query Language® (MySQL®) versão 5.4 que utiliza como interface a Linguagem de Consulta Estruturada -Structured Query Language (SQL), como ferramentas de exportação dos dados para outros programas de análise das informações coletadas durante a pesquisa de campo.

Para a sincronização das informações dos equipamentos de coleta para o devido armazenamento dos dados em servidor próprio, foram utilizados os softwares DropSync® e Dropbox® a partir de uma conexão Wi-Fi ou 3G de acordo com as características de cada campo observado. O DropSync® é um aplicativo que permite sincronizar a conta do usuário ao tablet às pastas do Dropbox® que é um serviço de armazenamento e gerenciamento de arquivos de dados na nuvem (cloud management).

A interface Web foi desenvolvida em Hypertext Preprocessor® (PHP®), versão 5.3.6, software gratuito de código aberto, cuja linguagem interpretada é de forma livre e utilizado para o desenvolvimento de aplicações capazes de gerar conteúdos dinâmicos. Isso propiciou a entrada de dados em situações adversas quando, por exemplo, o equipamento do pesquisador deixou de funcionar por falta de bateria. A base e o gerenciamento dos dados foram organizados dentro dos protocolos de segurança previstos para os recursos online utilizados.

O aplicativo foi testado pelo supervisor da pesquisa e por um observador de campo. O teste teve duração de três horas, nesse período, o supervisor e o observador realizaram observações dos profissionais em uma USF, com a finalidade de verificar se o aplicativo permitia o cadastro adequado dos trabalhadores observados, se o registro, gravação e armazenamento dos dados observados estavam corretos e se era possível identificar o envio incorreto de dados.

Fase de manutenção

Na fase de manutenção foram realizadas as adaptações, correções de erros, alterações necessárias, identificadas no teste realizado pelo supervisor da pesquisa e pelo observador, a fim de melhorar a utilização do aplicativo.

Em seguida, todos os observadores de campo (n=16) realizaram o treinamento teórico-prático cujo programa consistia em: objetivos da pesquisa “Método de Dimensionamento da Força de Trabalho na Atenção Primária à Saúde”; etapas metodológicas; técnica de amostragem do trabalho; preenchimento e significado do instrumento em campo e utilização do aplicativo para a coleta de dados.

O treinamento prático foi realizado em duas USF o que permitiu o novo teste do aplicativo, identificar a viabilidade e dinâmica da coleta de dados, as potencialidades do programa, bem como, a avaliação e análise da interface expressas em opiniões dos observadores.(5,9)

Uso do Aplicativo para a fase de coleta de dados

Pesquisas que envolvem o estudo do tempo de trabalho devem ser realizadas em realidades consideradas de boas práticas assistenciais.

Nessa direção, o Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde estabeleceu o plano amostral de 45 USF, distribuídas nas cinco regiões geográficas brasileiras, sendo selecionadas 27 unidades que compuseram uma amostra intencional, segundo os critérios: contemplar três municípios em cada região geográfica, preferencialmente, que não fossem na mesma unidade federativa; ter desempenho ótimo na avaliação do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB, ciclo 1); ter no mínimo, três unidades de saúde da família com equipe completa (médico, enfermeiro, técnico/auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde, dentista e técnico/auxiliar de saúde bucal).

Os pesquisadores julgaram e decidiram o número de trabalhadores que cada observador conseguiria acompanhar de forma sequencial, e estabeleceram quatro observadores e um supervisor de campo para cada USF.(5,9)

A coleta de dados, com uso do aplicativo, ocorreu de março a outubro de 2013, quando foram observados os profissionais presentes nas 27 unidades que consentiram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, número 170278.

As observações, utilizando o aplicativo, foram realizadas seguindo os princípios da técnica de amostragem do trabalho. Os intervalos entre as observações foram fixados e cada observador registrou as intervenções/atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde a cada 10 minutos, durante o período de funcionamento da USF, em cinco dias de uma semana típica de trabalho.

Nesse caso, foram requeridas algumas capacidades do observador de campo, como percepção acurada, atenção e concentração nos aspectos que constituíam o foco da sua observação, habilidades que foram desenvolvidas ao longo do treinamento teórico-prático.(14,15) Além disso, foi necessário que o observador mantivesse uma atitude de imparcialidade no sentido de observar, apenas, os aspectos selecionados, honestidade na forma de apresentar os dados que realmente foram observados sem omissões, discrição para que dados sigilosos não fossem divulgados de forma inadequada e inoportuna e prudência, a fim de evitar inferências e especulações prematuras.(14,15)

O teste de confiabilidade foi realizado, diariamente, por uma hora com cada observador, durante a coleta de dados nas 27 USF. As observações simultâneas obtiveram uma concordância em média de 80%, considerada satisfatória pela literatura.(16,17)

Resultados

O conteúdo validado do instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária, constituído por 39 intervenções/atividades foi codificado, conforme quadro 2, e adaptado para o formato de um formulário eletrônico para dispositivo móvel.

Os testes do aplicativo ocorreram em duas situações. O primeiro teste foi realizado pelo supervisor e por um observador em uma sessão de três horas de observação em uma USF. Os quesitos cadastro dos trabalhadores a serem observados, o registro, a gravação, o armazenamento correto das intervenções observadas e o envio adequado dos dados foram considerados satisfatórios por ambos.

O segundo teste do aplicativo foi realizado durante o treinamento teórico-prático para a coleta de dados da pesquisa, com os 16 observadores de campo, em três USF. Os quesitos cadastro dos trabalhadores observados, o registro, a gravação, o armazenamento das intervenções observadas e o envio adequado dos dados foram considerados satisfatórios, por todos. Foi verificada, também, habilidade em usar a ferramenta de coleta de dados, a facilidade com os observadores localizaram os profissionais a serem observados e a capacidade de registrar as intervenções/atividades a cada 10 min. Neste contexto, cada observador conseguiu acompanhar seis trabalhadores de forma sequencial.

Ainda, nesta fase, foi realizado o teste de confiabilidade entre cada um dos observadores e o supervisor de campo. Durante uma hora o supervisor acompanhava, simultaneamente, o observador e cada um registrava em seu tablet o código da intervenção observada e em seguida o supervisor interpretava se o registro estava correto. Foi atingida a concordância de 90,4% entre os observadores e o supervisor na identificação das intervenções, utilizando o aplicativo em observações paralelas.

A utilização do Aplicativo na fase de coleta de dados

Os tablets foram numerados, configurados com seu próprio diretório no qual eram armazenados os arquivos e pastas com as respectivas identificações, neles os arquivos eram guardados em subdiretórios com a numeração correspondente.

Cada observador ficou responsável por um tablet, conforme figura 1. Para acessar o aplicativo o observador precisava estar cadastrado no sistema. Na primeira tela o observador realizava a sua identificação, o que possibilitou relacionar as informações observadas e salvas nas pastas dos diretórios, com o responsável pela observação.

Fonte: Bonfim D, Pereira MJ, Pierantoni CR, Haddad AE, Gaidzinski RR. Instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária: desenvolvimento e validação. Rev Esc Enferm USP 2015; 49(Esp 2): 25-34.(9)

Figura 1 Apresentação do aplicativo de coleta de dados informatizado 

Em seguida, o observador realizava o cadastro dos profissionais, segundo a maneira como este era chamado no ambiente de trabalho (apelido), para facilitar o processo de identificação do profissional durante a coleta de dados, na sequência era selecionada a categoria profissional, conforme figura 2.

Fonte: Bonfim D, Pereira MJ, Pierantoni CR, Haddad AE, Gaidzinski RR. Instrumento de medida de carga de trabalho dos profissionais de saúde na atenção primária: desenvolvimento e validação. Rev Esc Enferm USP. 2015; 49(Esp 2): 25-34.(9)

Figura 2 Tela do registro das observações das intervenções realizadas pelos trabalhadores do aplicativo de coleta de dados informatizado. 

As observações foram realizadas em intervalos fixos de 10 minutos durante o período de funcionamento de uma USF, durante cinco dias de uma semana típica de trabalho. Para as intervenções externas à USF, como por exemplo, visita domicil iar, os observadores registraram o período que o profissional permaneceu fora da unidade, realizando esta atividade.

O conteúdo relacionado às intervenções/ativi- dades foi distribuído em abas onde eram realizadas as seleções das intervenções observadas e os registros (Figura 2). A tela do aplicativo descrita, nesta figura, se refere diretamente à coleta das informações do tempo empregado nas atividades e intervenções por meio da técnica de amostragem do trabalho, tais como a frequência que foi estipulada para a observação das atividades e codificação em intervenções durante a coleta de dados. Nesta tela o observador realizava o registro das intervenções observadas, que ficavam armazenados por uma hora, em seguida os dados eram gravados e uma nova tela era gerada.

Após a realização do respectivo registro das observações diárias foi possível realizar o armazenamento local dos dados sincronizado ao servidor externo, pois ambos foram organizados com a mesma hierarquia para os diretórios, arquivos e pastas. Os observadores acionavam o tablet em área com acesso à internet (Wi-Fi) e enviavam as informações para o banco de dados online.

A transmissão e a extração dos dados eram realizadas diariamente, por meio de armazenamento e sincronização dos arquivos no Dropbox®, sendo possível acessar os dados de qualquer computador, protegido por senhas, o que garantiu a segurança do acesso à informação somente por pessoas autorizadas.

A etapa gravar foi planejada para ocorrer a cada hora, após este intervalo de tempo não era permitido realizar alterações nos dados, sendo assim, quando havia envio incorreto de dados os observadores de campo comunicavam ao supervisor e à coordenação do projeto, que realizavam as alterações necessárias no banco de dados.

Antes de iniciar a marcação dos códigos das intervenções/atividades nos espaços determinados, o observador foi orientado a selecionar o código da USF em que estava sendo realizada a pesquisa e a ordem de observação dos profissionais. Este processo garantiu manter a mesma sequência de profissionais observados no decorrer do dia de observação, o que favoreceu a efetividade da técnica de amostragem do trabalho.

Na tela do registro das intervenções/atividades observadas foi desenvolvido um espaço para esclarecimentos, se necessário, acerca da intervenção registrada para cada profissional observado (figura 2). Na célula do código da intervenção/atividade foi criada uma entrada que permitiu a digitação de até dois numerais e uma letra, para registrar as seguintes situações: identificar intervenções/atividades que permaneciam em execução entre uma observação e outra, com o mesmo usuário (foi utilizada a letra U); e quando o profissional observado estava realizando a intervenção/atividade na presença de estudantes (letra E).

O aplicativo eletrônico de coleta de dados foi utilizado durante as observações dos 418 profissionais de saúde das USF, dos quais 48 eram da categoria médico, 34 cirurgiões dentista, 37 técnicos ou auxiliares de saúde bucal, 48 enfermeiros, 94 técnicos ou auxiliares de enfermagem e 147 agentes comunitários de saúde, o que gerou um total de 85.398 observações registradas nas 27 USF.

Discussão

Contar com o apoio do aplicativo para dispositivo móvel na coleta de dados da pesquisa proporcionou registros adequados das observações das intervenções/ atividades realizadas pelos profissionais de saúde. Esse processo foi otimizado com a utilização de um sistema capaz de registrar e armazenar as informações coletadas e enviá-las ao banco de dados para posterior análise.

Os aplicativos para dispositivos móveis, tablets e smartphones, têm sido utilizados como os novos geradores de fontes de informação por apresentarem bom desempenho, facilidades de transporte e armazenamento.(18,19)

As principais características dos aplicativos móveis estão relacionadas com a quebra da limitação da mobilidade, uma vez que podem acompanhar o usuário onde estiver e a pessoalidade que o equipamento proporciona aos seus usuários, considerando que pode ser utilizado como aparelho pessoal, com o qual se está acostumado a lidar diariamente.(18,19)

As vantagens do uso de aplicativos para dispositivos móveis podem ser caracterizadas por possuírem custo mais acessível, serem mais fáceis de operar, além de serem multitarefas e portáteis. Em relação à versatilidade destaca-se que um aparelho móvel oferece ferramentas Web para colaboração da interatividade e acesso aos aplicativos desenvolvidos, especialmente, para esses aparelhos.(19)

A computação móvel pode ser aplicada em várias vertentes dentro da área da saúde. Entre essas aplicações podem se destacar o monitoramento remoto, o apoio ao diagnóstico e o apoio à tomada de decisão.(7,1821)

No Brasil, os estudos sobre aplicativos móveis desenvolvidos para a área da saúde, revelam que as publicações na linha de pesquisa de tecnologia móvel aplicada à saúde é um campo novo e em crescente expansão em decorrência da popularização dos smatphones e tablets.(22,23)

O desenvolvimento de aplicativos para dar suporte ao paciente foi destacado como uma lacuna a ser explorada por representar um importante auxílio na adesão ao tratamento atitudinal e/ou medicamentoso.(22,23)

Na literatura internacional, os aplicativos na área da saúde documentados foram classificados segundo as categorias de aplicação para os profissionais de saúde com foco no auxílio ao diagnóstico médico, referência de fármacos, pesquisa de literatura, comunicação clínica, treinamento médico e de enfermagem e aplicação para os pacientes com foco no manejo de doenças crônicas e aplicação para estudantes de medicina e enfermagem.(24)

O presente estudo revelou que o uso do aplicativo para dispositivo móvel para tablet melhorou o desempenho do observador que conseguiu acompanhar seis trabalhadores de forma sequencial e potencializou o processo de coleta de dados. Otimizou a transmissão e extração desses dados sincronizados ao Dropbox® realizadas diariamente o que facilitou a transferência para o servidor que era acessado com a utilização de usuário e senha. Na sequência os dados eram disponibilizados e organizados de forma que fosse possível observar a duplicidade de registros sendo necessário realizar ajustes.

Considera-se que se trata de uma boa alternativa em pesquisas onde o tempo disponível para o trabalho de campo e os recursos são limitados.

Dentre suas funcionalidades foi observada a capacidade de ser um canal de comunicação entre o dado gerado e o banco de dados, o que demonstra a facilidade de dois sistemas trocarem informações.

Diante da grande quantidade de observações (85.398) a utilização do aplicativo, pelos pesquisadores, permitiu a organização, rapidez e comodidade na coleta de dados o que possibilitou a exclusão do preenchimento dos instrumentos em papel e posterior digitação do banco de dados e a redução dos erros.

As informações a respeito das intervenções observadas foram armazenadas e processadas eletronicamente, assim, o registro, a recuperação e a manipulação da informação foram possíveis de serem efetuadas. A obtenção dos dados da distribuição das frequências, do tempo utilizado nas intervenções para a análise do tempo de trabalho produtivo, foi assegurada com a utilização do instrumento eletrônico.

Entende-se que o desenvolvimento de aplicativos móveis relacionados a pesquisas científicas é importante, pois os conteúdos tendem a ser analisados e testados por profissionais que conhecem as reais necessidades dos usuários finais. Reconhecer as necessidades desses usuários é essencial para planejar e implementar novas tecnologias de maneira coerente e adequada, de acordo com as demandas específicas, testadas na pesquisa e implementadas na prática.

O aplicativo desenvolvido, neste estudo, possibilitou que as informações coletadas fossem disponibilizadas de forma rápida o que facilitou avaliar a saturação dos dados, ainda durante a coleta, isto é, quando o dado passa a se repetir e a variação de informações novas deixa de aparecer nos registros. A utilização mostrou-se satisfatória e mais ágil, o que sugere que o aplicativo poderá ser usado para a coleta de dados em outras pesquisas que empreguem a técnica de amostragem do trabalho observacional, com a intenção de melhorar o gerenciamento de dados gerados em observações realizadas.

Com o desenvolvimento do aplicativo para essa pesquisa, espera-se despertar o interesse para que novos aplicativos sejam elaborados para a prática de coleta de dados. A enfermagem deve aproveitar ao máximo as vantagens oferecidas pelas tecnologias móveis e seus aplicativos, capacitando pesquisadores, docentes e discentes de modo que estes possam incorporar e usufruir com sucesso as novas tecnologias na saúde. Esse campo ainda carece de investigações, trocas de experiências e práticas inovadoras.

Conclusão

A contribuição deste artigo consiste na descrição de uma metodologia para desenvolvimento e uso de um aplicativo para dispositivo móvel para a coleta de dados de estudos de tempo e movimento em equipes de saúde, por meio da técnica de amostragem do trabalho. O desenvolvimento e o uso do aplicativo, contendo as intervenções/atividades do instrumento de carga de trabalho dos profissionais de saúde, auxiliou a coleta e a gestão dos dados da pesquisa. Demonstrou ser seguro com relação ao registro, armazenamento e envio das informações, possibilitou que a coleta de dados fosse dinâmica, com rapidez, segurança e integridade no compartilhamento dos dados e informações coletadas. Vale registrar, como limitação de uso desse tipo de ferramenta, a oscilação do sinal para a transmissão por tecnologia móvel, com 3G e Wi-Fi, bem como, a sua indisponibilidade em várias regiões brasileiras, tendo em vista que o serviço de telefonia, utilizado para isso, ainda é precário ou limitado a uma determinada operadora de telefonia móvel.

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