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Mobilidade urbana ativa de adultos com perda auditiva e a percepção sobre o ambiente: um estudo multicêntrico

Mobilidade urbana ativa de adultos com perda auditiva e a percepção sobre o ambiente: um estudo multicêntrico

Autores:

Danúbia Hillesheim,
Karina Mary de Paiva,
Cassiano Ricardo Rech,
Júlio Celso Borello Vargas,
Ingrid Luiza Neto,
Hartmut Günther,
Eleonora d’Orsi

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.35 no.11 Rio de Janeiro 2019 Epub 31-Out-2019

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00209418

Resumen:

El objetivo de este estudio fue estimar la asociación entre la pérdida auditiva y la movilidad urbana activa (a pie y/o en bicicleta), según la percepción sobre el ambiente en adultos de tres capitales brasileñas. Se trata de un estudio transversal con 2.350 adultos (18-59 años), residentes en las ciudades de Brasília (Distrito Federal), Florianópolis (Santa Catarina) y Porto Alegre (Rio Grande do Sul), evaluados por el estudio multicéntrico Movilidad Urbana Saludable (MUS), en 2017 y 2018. La variable de resultado fue la movilidad urbana activa (≥ 10 minutos/semana) y la exposición principal fue la pérdida auditiva autoinformada. Los análisis fueron estratificados por la variable percepción del ambiente -percepción de los lugares para caminar y montar en bicicleta (negativa; positiva). Se utilizó el análisis de regresión logística, estimando las odds ratio (OR) brutas y ajustadas, con intervalos de 95% de confianza (IC95%). La prevalencia de pérdida auditiva autoinformada y de movilidad urbana activa fue de un 17% (IC95%: 15,4; 18,4) y 55,4% (IC95%: 53,4; 57,4), respectivamente. Adultos con pérdida auditiva y que percibían el ambiente de forma negativa para caminar y montar en bicicleta poseían un 34% menos de oportunidad de realizar movilidad urbana activa ≥ 10 minutos/semana (OR = 0,66; IC95%: 0,45; 0,97). Se concluye que hubo asociación entre la pérdida auditiva y la movilidad urbana activa de los adultos de las tres capitales brasileñas, según la percepción negativa sobre el ambiente. Las personas con pérdida auditiva que perciben negativamente el barrio tienden a desplazarse menos a través de medios de transportes activos.

Palabras-clave: Pérdida Auditiva; Derecho a la Libre Circulación; Área Urbana; Planificación Ambiental; Entorno Construido

Introdução

De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2010, mais de um bilhão de pessoas conviviam com alguma forma de deficiência ou incapacidade, correspondendo a aproximadamente 15% da população mundial 1. No Brasil, nesse mesmo ano, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram que 23,9% da população referiu possuir, ao menos, uma das deficiências pesquisadas (visual, auditiva, motora, mental ou intelectual). Com relação aos déficits sensoriais investigados pelo IBGE, destaca-se, em números absolutos, a deficiência auditiva, afetando cerca de 2,2 milhões de brasileiros 2.

A deficiência auditiva é multifatorial e se manifesta em diferentes graus 3. O indivíduo surdo é aquele que possui uma perda auditiva caracterizada pela ausência de respostas auditivas que caracterizam a sua audição como não funcional. A aquisição da linguagem para o surdo pode ser limitada, sendo a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) uma das principais estratégias para o seu desenvolvimento linguístico. Assim, na população adulta, poderemos encontrar indivíduos surdos, sem resíduo auditivo funcional; e indivíduos com perda auditiva adquirida, que ainda possuem determinado resíduo auditivo.

A perda auditiva adquirida na população adulta pode estar relacionada à exposição contínua a elevados níveis de pressão sonora (NPS), caracterizando a perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados (PAINPSE) 4. Esse tipo de perda pode comprometer a participação e a integração social do indivíduo em função de mudanças na estrutura de vida, impulsionadas pelas dificuldades comunicativas impostas pelo déficit, que acarretam prejuízos afetivos e profissionais, aumentando, assim, o risco de declínio cognitivo, quedas, depressão, isolamento social e baixa autoestima 5,6.

Poucos autores relacionaram a presença desse déficit com a mobilidade urbana ativa de adultos e discutiram questões relacionadas ao ambiente urbano 7,8. Destaca-se que a mobilidade urbana ativa se refere aos deslocamentos nas cidades envolvendo os modais caminhada e bicicleta. Esses são modos de viagem considerados benéficos à saúde, pois possibilitam a prática de atividade física do indivíduo 9,10, além de reduzir a poluição do ar pelo transporte motorizado.

Um estudo de revisão apontou que impedimentos no deslocamento por obstáculos físicos e falta de sinalizações sensoriais são algumas das barreiras enfrentadas nos ambientes urbanos por essas populações 11. Ao depararem-se com essas barreiras em seus percursos, indivíduos com essa perda sensorial podem acabar isolando-se em suas casas e, consequentemente, limitando sua independência e sua mobilidade, diminuindo consideravelmente suas frequências de saídas para atividades diárias 12.

No Brasil, recentemente, visualizou-se a publicação de importantes trabalhos sobre a temática. Autores lançaram, em 2017, o primeiro livro sobre acessibilidade e mobilidade urbana na perspectiva da pessoa surda 7 e, em 2018, um livro sobre acessibilidade e mobilidade urbana na perspectiva da equidade e inclusão social 8. Nessas obras, são debatidas questões sobre as interfaces da mobilidade urbana, inclusão social e as barreiras do ambiente construído, dando voz às pessoas com deficiência, incluindo a auditiva, frente a esses desafios.

Em outros países, estudos epidemiológicos foram desenvolvidos, mas com populações distintas deste estudo. Mikkola et al. 13 avaliaram uma coorte de idosos na Finlândia e encontraram associação entre a presença de déficits auditivos, a desistência de atividades de lazer e a redução do tempo gasto fora de casa nos últimos sete dias, independentemente do modo de transporte utilizado. Contudo, a maioria dos estudos que investigam o ambiente construído como moderador da relação entre ter uma deficiência (física, sensorial ou cognitiva) e níveis mais baixos de mobilidade por modais ativos é realizada com uma população mais velha, evidenciando a necessidade de pesquisas com foco em adultos, porque os jovens com deficiências têm experiências diferentes com o ambiente construído 14.

Diante desse contexto, ressalta-se a importância de estudos epidemiológicos que investiguem as relações entre a perda auditiva de adultos e a mobilidade urbana ativa. Também existe a necessidade de aproximar diferentes áreas do conhecimento (fonoaudiologia, medicina, arquitetura e urbanismo, psicologia, engenharia, educação física) para que juntas possam aprimorar e/ou criar políticas públicas eficazes, que tenham as mudanças do contexto ambiental no centro das discussões. Além disso, é importante reconhecer a mobilidade urbana ativa como uma atividade que pode proporcionar amplos benefícios à saúde das pessoas com deficiência - principalmente em sua qualidade de vida. Sua prática efetiva pode ser utilizada como estratégia para a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade 7.

Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo estimar a associação entre perda auditiva e mobilidade urbana ativa (a pé e/ou de bicicleta), segundo a percepção sobre o ambiente em adultos de três capitais brasileiras.

Métodos

Delineamento e local do estudo

Trata-se de um estudo transversal, realizado com dados do inquérito domiciliar de adultos do estudo multicêntrico Mobilidade Urbana Saudável (MUS) (https://www.hum-mus.org). O objetivo principal do macroprojeto MUS é a compreensão do impacto da (i)mobilidade diária sobre a saúde e o bem-estar de diferentes grupos sociais. O estudo foi realizado em três cidades brasileiras - Brasília (Distrito Federal), Florianópolis (Santa Catarina) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul) - e em uma cidade no sul do Reino Unido - Oxford. Essas cidades foram escolhidas por suas diferentes características espaciais e demográficas e em decorrência dos desafios que enfrentam em relação à promoção da mobilidade urbana saudável e ativa. Nesta pesquisa, foram utilizados apenas os dados das cidades brasileiras: Florianópolis, Porto Alegre e Brasília.

Porto Alegre é a capital do Estado do Rio Grande do Sul e, segundo o IBGE, a população estimada da capital, em 2017, era de 1.484.941 pessoas e possuía o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de 0,805. A cidade de Florianópolis é a capital do Estado de Santa Catarina, e sua população estimada era de 485.838 pessoas, com o IDH-M de 0,847. Por fim, Brasília é a capital federal do Brasil com uma população de 3.039.444 e IDH-M de 0,824 (IBGE. https://cidades.ibge.gov.br/, acessado em Out/2018).

Em cada cidade, três áreas de estudo foram selecionadas. Em Florianópolis, foram selecionadas áreas dos bairros Costeira do Pirajubaé, Saco Grande e Jardim Atlântico; em Porto Alegre, os bairros Cruzeiro, Menino Deus e Tronco; e, em Brasília, Varjão, Vila Planalto e SQN 409/410. As áreas foram escolhidas de acordo com alguns critérios de inclusão: (a) distância ao centro da cidade inferior a 10km; (b) condição socioeconômica homogênea; (c) tipo de tecido urbano - projetado ou informal, segundo padrão do traçado viário. Assim, a coleta de dados se deu em três áreas por cidade: duas com renda domiciliar até o segundo quintil da distribuição - sendo uma delas informal e outra projetada - e uma terceira área com renda até o quarto quintil.

Procedimentos de amostragem e coleta de dados

No Brasil, o período de realização da coleta de dados foi entre os meses de maio de 2017 e junho de 2018. Com relação ao cálculo da amostra de domicílios, em Florianópolis e Porto Alegre, após a identificação do total de endereços registrados em cada área de estudo junto aos órgãos oficiais (IBGE, Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos - CNEFE, Geoportal), foram utilizados um nível de 95% de confiança e um intervalo de confiança de ± 5%, adotando, como universo, o total de domicílios localizados nos polígonos correspondentes a cada uma das áreas. A amostragem aleatória foi realizada por meio do método não espacial “subset”, no software de geoprocessamento ArcGIS 10.2.2 (http://www.esri.com/software/arcgis/index.html). Essa técnica, amplamente utilizada em linguagens de programação, pacotes estatísticos e planilhas de cálculo, divide os dados (o total de endereços da lista) em dois subgrupos: o primeiro tem L endereços, e o segundo terá N - L, sendo L igual a 500 e N o número total de endereços no universo. Essa divisão é feita por meio da geração de valores aleatórios a partir de uma distribuição uniforme (valores entre 0 e 1). Se o valor gerado é menor do que L/N, ele é alocado no primeiro subconjunto, se não, é alocado no segundo. Além disso, o OpenEpi (https://www.openepi.com) foi utilizado para realizar o cálculo do poder do estudo, obtendo-se o poder de 100% para esta pesquisa.

Na cidade de Brasília, a amostragem foi definida por seleção randômica simples a partir da lista geral de endereços, selecionando-se 500 residências, por meio do software IBM SPSS (https://www.ibm.com/). Contudo, em um dos bairros, optou-se pela utilização da técnica de bola de neve, em decorrência de situações de violência e insegurança vivenciadas pelos pesquisadores ao visitarem os endereços previamente selecionados.

A técnica da bola de neve é uma forma de amostra não probabilística, que utiliza cadeias de referência. Lança-se mão de documentos e/ou informantes-chave, nomeados como sementes, a fim de localizar algumas pessoas com o perfil necessário para a pesquisa, dentro da população geral. Isso acontece porque uma amostra probabilística inicial é impossível ou impraticável, e assim as sementes ajudam o pesquisador a iniciar seus contatos e a tatear o grupo a ser pesquisado. Em seguida, solicita-se que as pessoas indicadas pelas sementes indiquem novos contatos com as características desejadas, a partir de sua própria rede pessoal, e assim sucessivamente, e, dessa forma, o quadro de amostragem pode crescer a cada entrevista, caso seja do interesse do pesquisador 15.

Foram incluídos, nesta pesquisa, adultos com idades entre 18 e 59 anos. Foram excluídos do inquérito indivíduos acamados, gestantes e com alguma incapacidade mental limitante percebida pelo entrevistador no momento da entrevista. Para a coleta de dados, entrevistadores devidamente treinados aplicaram um questionário padronizado e pré-testado durante entrevistas face a face. O questionário foi programado no sistema operacional Android, em um tablet modelo M9 QUAD Multilaser, por um técnico especializado. A consistência dos dados foi verificada semanalmente, e o controle de qualidade foi feito via telefone, por meio da aplicação de um questionário reduzido em 10% dos participantes, selecionados aleatoriamente. O inquérito total era constituído por 375 questões, divididas em 16 blocos de perguntas. Por meio dessas perguntas, buscou-se conhecer, entre os moradores desses bairros, a percepção sobre o local onde vivem, suas formas de deslocamento (meios de transporte), além de investigar questões sobre a saúde dos participantes.

Variável de desfecho

Para avaliar o desfecho deste estudo, foi utilizada a variável mobilidade urbana ativa (caminhada e/ou bicicleta), categorizada em < 10 minutos/semana e ≥ 10 minutos/semana, seguindo publicações prévias que utilizaram esse ponto de corte para investigar deslocamentos ativos 16,17. Os entrevistadores questionavam a frequência que o participante havia saído, na última semana, para caminhar ou andar de bicicleta, e quanto tempo haviam gasto em cada trajeto. Os tempos foram transformados em minutos e multiplicados pelo número de saídas dos indivíduos, obtendo-se, assim, o tempo total de deslocamento por caminhada e/ou bicicleta na última semana em minutos de cada indivíduo, independente do motivo. Essa variável faz parte do instrumento Impact of Constructing Non-motorised Networks and Evaluating Changes in Travel (Iconnect), amplamente utilizado por pesquisadores ingleses (http://www.iconnect.ac.uk).

Variável de exposição principal

A variável de exposição principal foi a perda auditiva autorreferida (sim; não), questionada pelos entrevistadores por meio da pergunta “Você sente que você tem uma perda auditiva?”. Essa pergunta foi validada por Ferrite et al. 18 para utilização com adultos em inquéritos populacionais.

Covariáveis

Foram utilizadas as seguintes variáveis de ajuste: (a) sexo (masculino; feminino); (b) anos completos de estudo (0-8 anos; 9-12; 13 ou mais); (c) cor da pele (branca; preta; parda; amarela ou indígena) e (d) idade em anos completos (18-29; 30-39; 40-49; 50-59).

Variável modificadora de efeito

Foi utilizada a variável percepção do ambiente (positiva; negativa). Foram utilizadas apenas as questões do domínio sobre locais para caminhar e andar de bicicleta, do instrumento Neighborhood Environment Walkability Survey Abbreviated (A-NEWS), traduzidas e validadas para a realidade brasileira 19. Autores apontam que a percepção dos indivíduos com perda auditiva sobre o ambiente, inclusive a qualidade das calçadas e ciclovias, pode desestimular ou estimular sua mobilidade urbana ativa 7.

As questões que compuseram o domínio foram: “Existem calçadas na maioria das ruas da sua vizinhança?”; “As calçadas da sua vizinhança são bem cuidadas (pavimentadas, lisas e sem muitos buracos)?”; “Existem vagas de estacionamento ao longo das calçadas da sua vizinhança?”; “Existem ciclovias na maioria das ruas da sua vizinhança?”; “As ciclovias da sua vizinhança são bem cuidadas (pavimentadas, lisas e sem muitos buracos)?”; “Você pode ir caminhando facilmente até a ciclovia mais próxima da sua casa?”; “As ciclovias na sua vizinhança são separadas das ruas/avenidas por locais para estacionar carros?”; “As ciclovias da sua vizinhança são separadas das ruas por faixas sem pavimento?”.

Os itens apresentavam as seguintes opções de resposta: discordo totalmente (0), discordo em parte (1), concordo em parte (2) e concordo totalmente (3). Foi calculado o escore dessa variável, que variou entre 0 e 24, sendo dividido em tercis: o primeiro tercil foi considerado o mais baixo (percepção negativa), e o segundo (moderado) e terceiro tercis (alto), considerados os mais altos (percepção positiva). A medida de consistência interna desse conjunto de perguntas foi avaliada por meio do alfa de Cronbach, obtendo-se o valor de 0,836, considerado confiável pela literatura 20.

Análise dos dados

As análises foram estratificadas pela variável percepção do ambiente, com o objetivo de identificar diferenças na intensidade da associação/modificação do efeito entre mobilidade urbana ativa e perda auditiva. Para a descrição das variáveis categóricas da amostra, os dados foram apresentados em frequências absolutas e relativas, com seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). Foi realizada a análise de associação entre a variável de exposição principal (perda auditiva autorreferida) e covariáveis com o desfecho (≥ 10 minutos/semana), por meio do teste estatístico de qui-quadrado.

Tanto para a análise bruta (bivariada) quanto para a ajustada, a odds ratio (OR) foi utilizada como medida de associação, estimada por meio da análise de regressão logística. A variável de exposição principal (perda auditiva) foi ajustada por todas as variáveis (sexo, escolaridade, cor da pele, idade), independentemente do valor de p. As variáveis foram incluídas de forma simultânea na análise ajustada. A análise dos dados foi conduzida no software Stata versão 14.0 (https://www.stata.com).

Aspectos éticos

O projeto MUS foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) (16 de novembro de 2016), sob o número do parecer: 1.831.179 e CAEE: 58214416.9.1001.0030. Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Foram entrevistados 2.350 adultos nas três cidades, com média de 39 anos de idade (DP = 12,3), sendo a maioria da amostra (67,1%) composta por mulheres e indivíduos autodeclarados brancos (52,3%). Dentre os participantes, 55,4% deslocaram-se por dez ou mais minutos na última semana por meios de transporte ativo (bicicleta e/ou caminhada). Houve maior percepção negativa do bairro em Florianópolis (53%), e maior percepção positiva em Porto Alegre (57%) e Brasília (74,2%). Quanto ao déficit sensorial investigado, a presença de perda auditiva foi referida por 17% dos indivíduos (Tabela 1).

Tabela 1 Descrição da amostra segundo características sociodemográficas, perda auditiva, percepção do ambiente, mobilidade urbana ativa e cidade de origem. Estudo Mobilidade Urbana Saudável (MUS), Florianópolis (Santa Catarina), Brasília (Distrito Federal) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Brasil, 2017. 

Variável Florianópolis (n = 651) Brasília (n = 937) Porto Alegre (n = 762)
n (%) IC95% n (%) IC95% n (%) IC95%
Sexo (n = 2.350)
Masculino 189 (29,0) 25,6; 32,6 326 (34,8) 31,8; 37,9 259 (34,0) 30,7; 37,4
Feminino 462 (71,0) 67,3; 74,3 611 (65,2) 62,0; 68,1 503 (66,0) 62,5; 69,2
Anos de estudo (n = 2.168)
0-8 229 (35,4) 31,6; 39,0 139 (18,0) 15,4; 20,8 250 (33,5) 30,2; 37,0
9-12 256 (39,4) 35,7; 43,2 266 (34,4) 31,0; 37,7 265 (35,6) 32,2; 39,0
13 ou mais 164 (25,2) 22,0; 28,7 369 (47,6) 44,1; 51,2 230 (30,9) 27,6; 34,2
Cor da pele (n = 2.322)
Branca 503 (77,3) 73,8; 39,0 265 (29,0) 26,1; 32,0 445 (58,8) 55,2; 6,2
Preta 52 (8,0) 61,0; 10,3 179 (19,6) 17,1; 22,2 157 (20,7) 17,9; 23,7
Parda/Amarela/Indígena 96 (14,7) 12,2; 17,6 470 (51,4) 48,1; 54,6 155 (20,5) 17,7; 23,5
Idade em anos (n = 2.350)
18-29 105 (61,1) 13,4; 19,1 323 (34,5) 31,4; 37,5 214 (28,1) 24,9; 31,3
30-39 124 (19,2) 16,2; 22,2 226 (24,1) 21,4; 26,9 182 (23,9) 20,9; 27,0
40-49 180 (27,6) 23,3; 31,2 209 (22,3) 19,7; 25,0 160 (21,0) 18,2; 24,0
50-59 242 (37,1) 33,5; 40,9 179 (19,1) 16,7; 21,7 206 (27,0) 23,9; 30,3
Perda auditiva (n = 2.336)
Não 544 (83,6) 80,5; 86,2 774 (83,6) 81,0; 85,8 623 (82,1) 79,1; 84,6
Sim 107 (16,4) 13,7; 19,4 152 (16,4) 14,1; 18,9 136 (17,9) 15,3; 20,8
Percepção do ambiente (n = 2.225) *
Negativa 309 (53,0) 48,8; 56,9 234 (25,8) 23,0; 28,7 315 (43,0) 39,3; 46,5
Positiva 275 (47,0) 43,0; 51,1 673 (74,2) 71,2; 76,9 419 (57,0) 53,4; 60,6
Mobilidade urbana ativa (n = 2.327) **
< 10 minutos/semana 393 (60,7) 56,9; 64,4 367 (39,8) 36,6; 43,0 277 (36,5) 33,1; 40,0
≥ 10 minutos/semana 254 (39,3) 35,5; 43,0 555 (60,2) 56,9; 63,3 481 (63,5) 59,9; 66,8

IC95%: intervalo de 95% de confiança.

* Percepção do ambiente sobre a facilidade para caminhar e andar de bicicleta;

** Deslocamento em minutos nos últimos sete dias, na forma de caminhada e/ou bicicleta.

Na Tabela 2, observa-se que a mobilidade urbana ativa ≥ 10 minutos/semana, sem efeito da percepção do bairro (para todos os participantes), ocorre majoritariamente entre os indivíduos na faixa etária mais jovem (61,6%) e com cor da pele referida como preta (62,1%). Entre os que percebem negativamente o ambiente, indivíduos com perda auditiva apresentaram menor prevalência de mobilidade urbana ativa na última semana (≥ 10 minutos/semana) (41,1%), quando comparados aos que não referiram perda (51,7%; p = 0,020). Por outro lado, entre os que percebem positivamente o ambiente, houve maior proporção de pessoas com perda auditiva que se deslocaram por 10 ou mais minutos na última semana (61,2%), embora não exista significância estatística (Tabela 2).

Na Tabela 3, é apresentada a análise bruta da associação entre mobilidade urbana ativa, perda de audição e demais variáveis do estudo. Entre os que percebem negativamente o ambiente, indivíduos com perda auditiva apresentaram uma OR de 0,65 (IC95%: 0,45; 0,95), demonstrando que esses indivíduos têm 35% menos chance de realizar mobilidade urbana ativa (≥ 10 minutos/semana) quando comparados aos participantes sem perda de audição.

Tabela 2 Prevalência de mobilidade urbana ativa segundo características da amostra e estratificada pela percepção do ambiente sobre a facilidade para caminhar e andar de bicicleta. Estudo Mobilidade Urbana Saudável (MUS), Florianópolis (Santa Catarina), Brasília (Distrito Federal) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Brasil, 2017. 

Variável Percepção negativa do ambiente Percepção positiva do ambiente Todos
≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana
% IC95% Valor de p * % IC95% Valor de p * % IC95% Valor de p *
Sexo 0,062 0,551 0,959
Masculino 45,0 39,0; 51,1 60,8 56,3; 65,0 55,5 51,9; 59,0
Feminino 51,9 47,9; 55,9 59,1 55,8; 62,3 55,4 52,9; 57,8
Anos de estudo 0,167 0,208 0,385
0-8 53,4 47,3; 59,3 56,4 50,7; 62,0 54,4 50,4; 58,3
9-12 46,8 41,4; 52,2 58,5 53,7; 63,2 53,1 49,6; 56,6
13 ou mais 45,7 39,3; 52,3 62,5 58,1; 66,6 56,6 53,0; 60,1
Cor da pele < 0,001 0,506 0,004
Branca 42,5 38,1; 47,1 60,0 56,2; 63,6 52,6 49,7; 55,4
Preta 65,9 57,7; 73,3 61,7 55,0; 68,0 62,1 57,1; 66,8
Parda/Amarela/Indígena 53,8 47,3; 60,1 57,4 52,6; 61,9 55,8 52,1; 59,4
Idade (anos) 0,008 0,032 < 0,001
18-29 56,6 49,7; 63,1 65,0 60,1; 69,6 61,6 57,7; 65,3
30-39 54,7 47,9; 61,3 61,0 55,2; 66,4 57,7 53,4; 61,9
40-49 43,7 36,6; 51,0 54,8 49,4; 60,2 50,5 46,3; 54,7
50-59 44,2 38,0; 50,5 57,3 51,9; 62,6 51,4 47,5; 55,3
Perda auditiva 0,020 0,623 0,347
Não 51,7 48,0; 55,4 59,4 56,5; 6,2 55,9 53,6; 58,1
Sim 41,1 33,3; 49,3 61,2 54,4; 67,5 52,3 48,3; 58,2

IC95%: intervalo de 95% de confiança.

* Teste qui-quadadro de Pearson.

Tabela 3 Análise bruta da associação entre mobilidade urbana ativa, perda auditiva e demais variáveis da amostra, estratificada pela percepção do ambiente quanto à facilidade para caminhar e andar de bicicleta. Estudo Mobilidade Urbana Saudável (MUS), Florianópolis (Santa Catarina), Brasília (Distrito Federal) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Brasil, 2017. 

Variável Percepção negativa do ambiente Percepção positiva do ambiente Todos
≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana
OR bruta (IC95%) Valor de p OR bruta (IC95%) Valor de p OR bruta (IC95%) Valor de p
Sexo 0,062 0,551 0,959
Masculino 1,00 1,00 1,00
Feminino 1,32 (0,98; 1,77) 0,93 (0,74; 1,17) 0,99 (0,83; 1,18)
Anos de estudo 0,085 0,081 0,77
0-8 1,00 1,00 1,00
9-12 0,76 (0,55; 1,06) 1,08 (0,80; 1,46) 0,95 (0,76; 1,17)
13 ou mais 0,73 (0,51; 1,05) 1,28 (0,95; 1,71) 1,09 (0,88; 1,35)
Cor da pele 0,001 0,415 0,092
Branca 1,00 1,00 1,00
Preta 2,61 (1,77; 3,86) 1,07 (0,78; 1,47) 1,47 (1,16; 1,87)
Parda/Amarela/Indígena 1,57 (1,14; 2,15) 0,89 (0,70; 1,14) 1,13 (0,94; 1,37)
Idade (anos) 0,002 0,011 < 0,001
18-29 1,00 1,00 1,00
30-39 0,92 (0,63; 1,35) 0,84 (0,61; 1,15) 0,85 (0,67; 1,07)
40-49 0,59 (0,39; 0,88) 0,65 (0,48; 0,88) 0,63 (0,50; 0,80)
50-59 0,60 (0,41; 0,88) 0,72 (0,53; 0,97) 0,66 (0,52; 0,82)
Perda auditiva 0,020 0,623 0,347
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,65 (0,45; 0,93) 1,07 (0,79; 1,45) 0,90 (0,72; 1,11)

IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.

Na Tabela 4, é apresentada a análise ajustada da variável de exposição principal pelas demais variáveis do estudo. Na análise ajustada, manteve-se associada a perda auditiva com o desfecho (≥ 10 minutos/semana), na presença da percepção negativa do ambiente (OR = 0,66; IC95%: 0,45; 0,97). Esse dado reforça que pessoas com perda auditiva das três capitais brasileiras que percebem negativamente o bairro, em termos de estruturas para caminhar e pedalar, tendem a se deslocar menos por meios de transportes ativos.

Tabela 4 Análise ajustada da associação entre mobilidade urbana ativa e perda auditiva, estratificada pela percepção do ambiente sobre a facilidade para caminhar e andar de bicicleta. Estudo Mobilidade Urbana Saudável (MUS), Florianópolis (Santa Catarina), Brasília (Distrito Federal) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Brasil, 2017. 

Variável Percepção negativa do ambiente Percepção positiva do ambiente Todos
≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana
OR ajustada * (IC95%) Valor de p OR ajustada * (IC95%) Valor de p OR ajustada * (IC95%) Valor de p
Perda auditiva 0,039 0,387 0,699
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,66 (0,45; 0,97) 1,15 (0,83; 1,60) 0,95 (0,75; 1,20)

IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.

* Ajustada por sexo, escolaridade, cor da pele e idade.

Na Tabela 5, observa-se a análise ajustada estratificada pelas cidades avaliadas neste estudo. Na percepção negativa do ambiente para caminhar e andar de bicicleta, participantes com perda auditiva possuem menor chance de realizar mobilidade urbana ativa ≥ 10 minutos/semana, quando comparados aos indivíduos sem perda de audição (28% menos chance em Brasília, 35% em Porto Alegre e 45% em Florianópolis), embora não tenha sido observada significância estatística.

Tabela 5 Análise ajustada da associação entre mobilidade urbana ativa e perda auditiva, estratificada por cidade e pela percepção do ambiente sobre a facilidade para caminhar e andar de bicicleta. Estudo Mobilidade Urbana Saudável (MUS), Florianópolis (Santa Catarina), Brasília (Distrito Federal) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Brasil, 2017. 

Cidade/Variável Percepção negativa do ambiente Percepção positiva do ambiente Todos
≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana ≥ 10 minutos/semana
OR ajustada * (IC95%) Valor de p OR ajustada * (IC95%) Valor de p OR ajustada * (IC95%) Valor de p
Brasília
Perda auditiva 0,412 0,794 0,770
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,72 (0,33; 1,56) 0,93 (0,56; 1,54) 0,94 (0,62; 1,41)
Porto Alegre
Perda auditiva 0,160 0,532 0,947
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,65 (0,36; 1,18) 1,21 (0,66; 2,22) 0,98 (0,66; 1,47)
Florianópolis 0,093
Perda auditiva 0,516 0,309
Não 1,00 1,00 1,00
Sim 0,55 (0,27; 1,10) 1,25 (0,62; 2,52) 0,79 (0,51; 1,23)

IC95%: intervalo de 95% de confiança; OR: odds ratio.

* Ajustada por sexo, escolaridade, cor da pele e idade.

Discussão

A prevalência de perda auditiva autorreferida neste estudo foi de 17%. Os participantes das três capitais brasileiras com perda de audição e percepção negativa do ambiente apresentaram uma OR de 0,66, demonstrando que esses indivíduos têm 34% menos chance de realizar mobilidade urbana ativa (≥ 10 minutos/semana), quando comparados aos indivíduos sem perda auditiva. Esses dados reforçam a importância do ambiente urbano como um moderador do deslocamento ativo nas cidades, especialmente entre o público-alvo do presente estudo.

No Brasil, são poucos os estudos que investigaram a prevalência de perda de audição entre a população e, quando realizados, seguiam métodos distintos, dificultando a comparação entre os achados desta pesquisa com trabalhos prévios 3,21. No entanto, a prevalência de 17% de perda auditiva encontrada nesta pesquisa entre adultos é semelhante aos dados encontrados, em 2011, pelo National Health Interview Survey (NHIS) nos Estados Unidos 22, com uma prevalência de 16% de distúrbios auditivos dentre 231.376 indivíduos maiores de 19 anos. Já o estudo de base populacional de Cruz et al. 3, realizado em quatro localidades do Estado de São Paulo com indivíduos maiores de 12 anos, encontrou prevalência inferior de perda auditiva autorreferida (5,2%). Além disso, destaca-se que, no presente estudo, investigou-se a prevalência de perda entre adultos, e essa poderá elevar-se com o envelhecimento da população 22.

O deslocamento dos indivíduos sem deficiência nas cidades já é alvo de investigação, pois são inúmeras as dificuldades observadas no espaço urbano, especialmente decorrentes da priorização do modo de transporte motorizado individual, desvalorizando, assim, o pedestre e o ciclista. Contudo, a mobilidade urbana ativa e a capacidade de ir e vir das pessoas com deficiência é tão importante quanto a mobilidade dos indivíduos que não possuem déficits. Além disso, ter uma boa mobilidade é fundamental para a identidade, experiências de vida e oportunidades desses indivíduos 23.

A audição é o principal sentido que fornece informações sobre os acontecimentos no ambiente. É uma forma de vínculo socioemocional e fornece sinais de alerta importantes para a segurança física dos indivíduos. Na perspectiva do próprio deficiente auditivo, em um trabalho anterior, pessoas com perda auditiva referiram que órgãos competentes poderiam simplificar seus deslocamentos oferecendo maiores informações visuais de forma clara e precisa, visto que a dificuldade de locomoção pode surgir da falta de placas de informação, somada à dificuldade desses em pedir informações a transeuntes 7.

Em um estudo experimental realizado na Itália com 62 indivíduos adultos com deficiência, foram identificados os principais obstáculos percebidos ao acesso a áreas urbanas. Dentre os participantes, 19 possuíam deficiência auditiva, e os autores concluíram que o ato de atravessar a rua é particularmente perigoso em indivíduos com problemas auditivos, pois eles devem ter cuidado ao tentar chegar ao lado oposto da calçada e neutralizar sua incapacidade de perceber os ruídos dos veículos que se aproximam. Os autores concluíram que os indivíduos podem perceber o ambiente urbano como hostil e adverso, e essas barreiras podem limitar seu desejo de conhecer pessoas e lugares, podendo contribuir para seu isolamento social, diminuição do tempo que permanecem fora de casa e da frequência de saídas, corroborando, de certa forma, os achados do presente estudo 24. Outro estudo realizado com uma população distinta (767 idosos finlandeses) encontrou associação entre problemas auditivos e tempo gasto fora de casa e desistência de atividades de lazer. Pessoas com perdas auditivas apresentaram menor tempo fora de casa (média estimada: 161 minutos/semana) do que indivíduos que referiram boa audição (média estimada: 242 minutos/semana) 13.

Neste estudo, pessoas com perda de audição que percebem negativamente o ambiente apresentaram menor prevalência de mobilidade urbana por modais ativos ≥ 10 minutos/semana. Diante desse contexto, destaca-se a questão da acessibilidade de pessoas com esse déficit sensorial, e como o caminhar e/ou andar de bicicleta é impactado pela forma que o indivíduo percebe o ambiente, muitas vezes visto como não acessível, pouco convidativo ou desfavorável. Cidades acessíveis são fundamentais para que as pessoas com deficiência possuam mobilidade urbana de qualidade. A Lei nº 10.098/200025, regulamentada pelo Decreto nº 5.296/2004, no Brasil, preconiza a eliminação das barreiras nos espaços sociais, perímetros urbanos e visa à criação de técnicas alternativas que possibilitem a comunicação e a sinalização às pessoas com deficiência sensorial. Além disso, a NBR 905/2004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece normas de acessibilidade a edificações, mobiliários, espaços e equipamentos urbanos. Os parâmetros estabelecidos por essa norma compreendem toda a instrumentalização necessária para que qualquer indivíduo possa se adaptar às condições ambientais do espaço edificado. Contudo, a maioria das cidades brasileiras não está em consonância com essa norma 26.

Estudos apontam que a percepção do ambiente construído está muito atrelada à escolha do modo de transporte a ser utilizado pelos indivíduos 27,28, pois a segurança percebida pelas pessoas é outra característica capaz de incentivar ou desestimular seu uso. O estudo de Sallis et al. 29 investigou o uso de bicicleta entre 1.780 adultos estadunidenses. Os autores concluíram que havia maior chance de utilização de bicicletas quando os ciclistas relatavam sensação de segurança em relação ao tráfego de carros. Esse quadro se agrava ainda mais no deficiente auditivo, visto que a audição, como mencionado, fornece importantes sinais de alerta para sua segurança. Verifica-se, portanto, que os indivíduos tendem a se sentir inseguros ao perceber o ambiente de maneira desfavorável, preferindo utilizar modos de transporte mais convenientes ou avaliados subjetivamente como mais seguros.

Destaca-se que alguns elementos devem ser considerados ao interpretar os resultados desta pesquisa. O uso de medidas autorreferidas pode ser considerado uma limitação, sobretudo as medidas de percepção ambiental, pois essas refletem as percepções dos indivíduos, e não medidas objetivamente aferidas. Essas medidas podem, inclusive, estar sujeitas à desejabilidade social. Contudo, para avaliar a percepção ambiental e a perda de audição, foram utilizados instrumentos validados, amplamente utilizados em estudos prévios, apresentando resultados válidos. Além disso, esta pesquisa foi realizada apenas com adultos de distintas áreas das cidades de Florianópolis, Porto Alegre e Brasília, não sendo possível generalizar esses resultados para outras populações.

Com relação às contribuições desta pesquisa, essas se deram, principalmente, nos seguintes aspectos: no contexto no qual se insere, envolvendo uma temática pouco abordada e de fundamental importância, contribuindo para futuras discussões sobre a acessibilidade e a mobilidade brasileira perante uma deficiência considerada invisível. Os métodos utilizados também são um ponto positivo do estudo, ressaltando que os inquéritos de saúde se constituem em um importante método de coleta de dados epidemiológicos, capazes de embasar ações de promoção de saúde mais eficazes.

Para o futuro, sugerimos a realização de pesquisas que incluam, em suas análises, medidas objetivas do ambiente construído. Além disso, para a pesquisa da perda de audição, além do autorrelato, poderiam ser utilizadas outras medidas viáveis em estudos de inquérito domiciliar. Em março de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma ferramenta para o rastreio de perdas auditivas, por meio de um aplicativo, apontando que os indivíduos que falharem nesta triagem deveriam ser alertados e encaminhados para testes de diagnóstico, como a audiometria. Segundo os desenvolvedores, essa ferramenta possui sensibilidade e especificidade maior que 85% 30.

Discutir sobre a mobilidade urbana ativa para as pessoas com deficiência é fundamental para sua inclusão social. O ambiente construído deve proporcionar condições adequadas e seguras de mobilidade para possibilitar a autonomia do indivíduo, eliminando os obstáculos arquitetônicos. Os espaços urbanos devem ser acessíveis a todos, oferecendo oportunidades equitativas e inclusivas aos seus usuários, em especial quando se trata de uma sociedade ouvinte majoritária, representando uma ação de planejamento participativo em busca de mobilidade urbana ativa.

Conclui-se que houve associação entre perda auditiva e mobilidade urbana ativa dos adultos das três capitais brasileiras, segundo a percepção negativa sobre o ambiente. Pessoas com perda auditiva que percebem negativamente o bairro, em termos de estrutura para caminhar e pedalar, tendem a se deslocarem menos por meios de transportes ativos. É necessário motivar gestores públicos e membros da sociedade civil, em diversos setores das políticas sociais, a desenvolver e a implementar estratégias que tenham o contexto ambiental no centro das discussões. Dessa maneira, será possível promover a melhoria das condições de saúde da população urbana, principalmente da população com esse déficit sensorial.

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