versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.2 São Paulo abr./jun. 2018 Epub 07-Maio-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-3916
A ultrassonografia point-of-care (POCUS), isto é, realizada à beira do leito, é um procedimento rápido, não invasivo e seguro que possibilita ao clínico obter informações vitais ao realizar o exame do paciente, além de ser possível guiar vários procedimentos médicos.1 Essa iniciativa estimulou várias escolas de medicina na América do Norte a introduzir o ensino da ultrassonografia (US) em seus currículos de graduação médica.2-5 Entre os temas ensinados nessas instituições, a hidronefrose, um sinal indireto de obstrução urinária que pode ocorrer devido à obstrução do ureter por diferentes patologias, foi listada entre os 90 tópicos clínicos básicos sobre US que todo estudante deveria aprender, com base nos currículos desenvolvidos por 32 coordenadores de curso de US em medicina.6 No entanto, durante o treinamento prático do US, é comum ter de usar os próprios alunos como modelos, uma prática que não permite aos novatos identificarem anormalidades como a hidronefrose em seus ambientes de treinamento. Assim, o uso de phantoms de simulação se torna não apenas uma opção para obter competência na identificação de patologias, como a dilatação da pelve renal por um processo obstrutivo, como também permite a familiarização do aluno com a máquina de US para obter imagens de boa qualidade.7-11
Neste artigo, descrevemos um phantom caseiro, de baixo custo e preparação rápida como modelo para treinamento de estudantes de medicina e residentes na identificação ultrassonográfica da hidronefrose.
Este artigo descreve a produção e o aspecto de um phantom caseiro para a simulação da hidronefrose no treinamento prático de US. Com base em publicações anteriores que descrevem técnicas para criar phantoms usando gelatina como um dos componentes,12,13 conseguimos desenvolver um rim hidronefrótico que permite a diferenciação ultrassonográfica entre rim normal e obstruído. O phantom foi montado utilizando rim de porco, luva de procedimento não estéril, fio dental, lâmina de bisturi, bisturi, pinças cirúrgicas, água, plástico filme, óleo de cozinha, um recipiente plástico padrão de armazenamento de alimentos, fogão e geladeira, além dos ingredientes: gelatina sem sabor e sem açúcar, glicerina bidestilada e violeta de genciana a 1%. A hidronefrose foi criada com uma luva de procedimento pequena, com dois dos dedos (primeiro e quinto) previamente amarrados e seccionados. Então adicionou-se água à luva, tomando-se o cuidado de remover todo o ar restante antes de amarrá-la na altura da palma. Em seguida, a luva com água foi cuidadosamente acomodada em uma bolsa previamente confeccionada por incisão longitudinal na pelve renal e mantida no lugar, envolvendo-se o rim com plástico filme (Figura 1).
O tecido que envolve o rim foi simulado a partir de uma mistura composta de 86 gramas de gelatina derretida, 400 mL de glicerina e 20 gotas de violeta de genciana (para deixar a mistura com tom mais escurecido). Para reproduzir a profundidade de um rim humano adulto, o rim de porco foi acomodado sobre uma camada da mistura de gelatina previamente solidificada por três horas em geladeira, no fundo de um recipiente plástico untado com óleo de cozinha. Em seguida, o recipiente plástico foi preenchido com uma quantidade da mistura de gelatina, o suficiente para manter o tecido renal a 3,5-4,0 cm do topo, seguido do resfriamento térmico na geladeira por mais 3 horas antes do uso. Se mantido na geladeira, o phantom pode ser utilizado por cerca de 3 a 4 semanas. A ultrassonografia do phantom de hidronefrose foi realizada em Modo B, usando uma sonda curvilínea de 2-5 MHz conectada a uma máquina SONOSITE M-TURBO.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Pró-Reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora (protocolo nº 025/2017).
O phantom imerso em mistura de gelatina não transparente, feito para simular um rim hidronefrótico, permitiu imagem ultrassonográfica de alta qualidade e bastante comparável a um rim humano obstruído (Figura 1).
Ao longo dos últimos 25 anos, a POCUS vem sendo utilizada por médicos não especializados em imagens para obter, imediatamente, novas informações para utilização no processo diagnóstico ou guiar procedimentos médicos. A US também tem sido incluída com sucesso em vários currículos médicos de graduação como uma extensão do exame físico, e os estudantes de medicina consideram o aprendizado da US gratificante.14-15 O ensino da anatomia normal com a US realizado com os próprios alunos não é totalmente eficaz, pois frequentemente não dispomos de modelos humanos com patologias para serem demostradas nos ambientes de treinamento prático. Assim, são necessários modelos de simulação adequados que reproduzam condições clínicas patológicas durante as sessões de ensino prático.
Neste estudo, desenvolvemos um phantom de hidronefrose feito a partir de um rim de porco como modelo do rim humano hidronefrótico para o ensino da POCUS. O phantom descrito foi montado usando materiais de valor acessível (cerca de R$ 75,00), de fácil montagem e que reproduz a imagem ultrassonográfica do rim humano obstruído. Embora não tenhamos feito uma avaliação formal da eficácia do phantom neste artigo, ele foi submetido a teste em um grupo de estudantes de medicina e residentes que deveriam responder à pergunta: “Nesta imagem ultrassonográfica obtida de um jovem com dor de flanco, há presença de hidronefrose?”. Todos os participantes responderam corretamente. Outro aspecto do phantom foi a cor escura da gelatina obtida pela adição de violeta de genciana, importante para evitar que o examinador visualize a olho nu o rim embebido na gelatina. Além disso, o phantom descrito pode ser utilizado para capacitar os residentes de nefrologia e urologia a melhorarem suas habilidades e ter mais segurança na introdução de agulhas percutâneas guiadas pelos US e, consequentemente, permitir que eles adicionem essa habilidade em suas práticas médicas de cuidados ao paciente.
Em conclusão, descrevemos o desenvolvimento de um rim hidronefrótico a partir de um rim de porco para simulação prática da US. O baixo custo, além da rápida e simples confecção, permite a demonstração de hidronefrose humana, uma condição clínica comum no departamento de emergência, recentemente identificada entre os tópicos de ensino em US recomendados para serem ensinados aos estudantes de graduação médica.6