versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.19 no.4 São Paulo out./dez. 2014 Epub 09-Dez-2014
http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312014000400001426
No Brasil, desde a década de 1980, vem ocorrendo maior inserção do fonoaudiólogo em instituições das áreas da Saúde, Educação e Empresarial, demandando mudanças na sua formação inicial e continuada.
Embora tais mudanças sejam em âmbito nacional, não acontecem linear e homogeneamente. Envolvem diferenças regionais que determinam os diversos perfis que devem ter os fonoaudiólogos brasileiros(1,2).
Estudos acerca da inserção do fonoaudiólogo em diversas regiões do Brasil e as diferentes áreas de atuação permitem a construção de um panorama histórico da profissão e oferecem elementos para a avaliação do papel social desse profissional(3-7).
O presente estudo tem por objetivo realizar a análise comparativa do perfil dos fonoaudiólogos atuantes nos Estados de Santa Catarina e Paraná nos anos de 2000 e 2011.
Pesquisa realizada a partir de parceria técnico-científica firmada entre o CREFONO 3 e pesquisadores da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 00096/08). A assinatura do Termo de Consentimento Livre e esclarecido foi dispensada pelo comitê, pois foi utilizado o banco de dados do CREFONO 3, sem identificação dos respondentes.
Trata-se de um estudo descritivo-analítico, de natureza retrospectiva. Para a seleção dos sujeitos da pesquisa foram adotados, simultaneamente, três critérios de inclusão: ter inscrição ativa na jurisdição do CREFONO 3 nos anos de 2000 e/ou 2011; atuar no Paraná e/ou em Santa Catarina; ter respondido ao questionário de recadastramento profissional elaborado por tal Conselho, nos anos de 2000 e 2011.
Em 2000, do total de 1485 fonoaudiólogos inscritos no CREFONO 3, 846 (56%) responderam ao questionário enviado via correio. Em 2011, dos 3825 inscritos, 3021 (78%) responderam ao questionário enviado via internet (email). O presente estudo contou com um total de 3867 respondentes.
O questionário contemplou dados de: identificação (idade e gênero); formação em graduação (instituição de ensino e ano de colação de grau); formação em pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado, ano de conclusão, instituição de ensino e programa de pós-graduação); condições de trabalho (área e local de atuação, vínculo empregatício, tipo de empresa, adesão a planos de saúde, rendimento salarial).
Os dados obtidos foram tabulados e tratados estatisticamente por meio do software SPHINX. A comparação do perfil dos fonoaudiólogos respondentes foi realizada por meio do teste de Diferença de Proporções, sendo considerado estatisticamente significativo o resultado menor que 5% (p<0,05)
Em 2000, 97% (n=817) dos respondentes eram do gênero feminino e 3% (n=29) do masculino; em 2011, 96% (n=2904) eram do gênero feminino e 4% (n=117) do masculino.
Quanto à faixa etária, em 2000, a média de idade dos sujeitos era de 27 anos, a mínima de 21 e a máxima de 57. Em 2011, a média de idade aumentou para 36 anos, a mínima manteve-se em 21 e a máxima aumentou para 66.
O número de fonoaudiólogos atuantes em cidades do Paraná e de Santa Catarina que ofereciam cursos de graduação em Fonoaudiologia, em 2000 e 2011, está descrito na Tabela 1.
Tabela 1 Distribuição comparativa dos respondentes do Paraná e Santa Catarina, por cidades
Cidade | 2000 | 2011 | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Paraná | |||||
Curitiba** | 427 | (50,07) | 989 | (32,24) | 0,0000* |
Maringá*** | 15 | (1,77) | 155 | (5,13) | 0,0000* |
Londrina** | 32 | (3,78) | 151 | (4,99) | 0,1427 |
Cascavel** | 12 | (1,41) | 42 | (1,39) | 0,9650 |
Ponta Grossa | 11 | (1,30) | 36 | (1,21) | 0,8337 |
Foz do Iguaçu | 23 | (2,71) | 31 | (1,19) | 0,0014* |
Irati** | 2 | (0,23) | 26 | (0,86 | 0,0558 |
Guarapuava | 2 | (0,23) | 21 | (0,69) | 0,0155* |
Santa Catarina | |||||
Florianópolis** | 67 | (7,91) | 224 | (7,41) | 0,6260 |
Joinville | 34 | (4,01) | 91 | (3,01) | 0,1459 |
Itajaí** | 36 | (4,25) | 82 | (2,71) | 0,0213* |
Blumenau | 23 | (2,71) | 65 | (2,15) | 0,3341 |
Chapeco | 3 | (0,35) | 32 | (1,54) | 0,0065* |
Criciúma | 2 | (0,23) | 27 | (0,91) | 0,0044* |
Cidades com menos de dez profissionais inscritos | 157 | (18) | 1049 | (34,72) | 0,0000* |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de diferença de proporções
**Cidades que ofertavam um curso de Fonoaudiologia em 2011
***Cidades que ofertavam três cursos de Fonoaudiologia em 2011
Em 2000, 59,70% dos respondentes haviam concluído o curso de Fonoaudiologia em Instituição de Ensino Superior (IES) situada no Paraná e 16,89% em Santa Catarina. Em 2011, 58,70% concluíram tal formação no Estado do Paraná e 20,48% em Santa Catarina, conforme apresentado na Tabela 2.
Tabela 2 Distribuição comparativa dos respondentes em relação à instituição de formação em graduação em Fonoaudiologia
2000 | 2011 | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Paraná | |||||
UTP | 150 | (12,61) | 662 | (21,9) | 0,0000* |
PUC/Pr | 202 | (17,06) | 632 | (20,9) | 0,0137* |
UNOPAR | 96 | (8,11) | 347 | (11,48) | 0,0052* |
CESUMAR | -- | (00) | 105 | (3,47) | 0,0000* |
UNICENTRO | -- | (00) | 16 | (0,52) | 0,0356* |
UNINGÁ | -- | (00) | 11 | (0,36) | 0,0806 |
Santa Catarina | |||||
UNIVALI | 200 | (16,89) | 592 | (19,59) | 0,0769 |
UNESA | -- | (00) | 27 | (0,89) | 0,0059* |
Outras IES de fora da jurisdição | 198 | (23,41) | 629 | (20,82) | 0,1045 |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de diferença de proporções
A formação dos respondentes em nível de pós-graduação e a comparação dos resultados obtidos nos dois períodos estão especificadas na Tabela 3.
Tabela 3 Distribuição comparativa dos respondentes quanto à formação em nível de pós-graduação
2000 | 2011 | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Somente graduação | 514 | (60,75) | 1695 | (56,10) | 0,0158* |
Especialização | 284 | (33,56) | 1184 | (39,19) | 0,0029* |
Mestrado | 30 | (3,54) | 148 | (4,89) | 0,0975 |
Doutorado | 6 | (0,70) | 34 | (1,12) | 0,2845 |
Não respondentes | 12 | (1,41) | 0 | (00) | 0,0000* |
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de diferença de proporções
Resultados relacionados às condições de trabalho dos respondentes estão apresentados na Tabela 4.
Tabela 4 Distribuição comparativa dos respondentes em relação ao vínculo empregatício, tipo de instituição onde atuavam e local de trabalho
2000 | 2011 | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Vínculo empregatício | |||||
Autônomo | 470 | (55,54) | 796 | (26,34) | 0,0000* |
Empregado | 268 | (31,67) | 1542 | (51,04) | 0,0000* |
Sem resposta | 108 | (12,76) | 683 | (22,60) | 0,0000* |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) | -- |
| |||||
Tipo de Instituição | |||||
Pública | 174 | (20,56) | 1838 | (60,84) | 0,0000* |
Privada | 364 | (43,02) | 526 | (17,41) | 0,0000* |
Filantrópica | 82 | (9,69) | 34 | (1,12) | 0,0000* |
Sem resposta | 226 | (26,71) | 623 | (20,06) | 0,0000* |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) | -- |
| |||||
Local de trabalho | |||||
Consultório | 441 | (52,12) | 1006 | (33,30) | 0,0000* |
Escola regular | 22 | (2,60) | 178 | (5,89) | 0,0001* |
Escola especial/APAE | 98 | (11,58) | 124 | (4,10) | 0,0000* |
Prefeitura/Estado | 68 | (8,03) | 259 | (8,57) | 0,6178 |
Docência | 29 | (3,42) | 45 | (1,48) | 0,0003* |
Hospital | 11 | (1,30) | 67 | (2,21) | 0,0957 |
Indústria | 12 | (1,41) | 77 | (2,54) | 0,0523 |
Outros | 115 | (13,50) | 322 | (10,65) | 0,0458* |
Sem resposta | 50 | (5,91) | 943 | (31,21) | 0,0000* |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100%) | -- |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de diferença de proporções
Dados referentes à adesão dos respondentes a planos de saúde e ao seu rendimento salarial estão apresentados na Tabela 5.
Tabela 5 Distribuição comparativa dos respondentes em relação à adesão a planos de saúde e ao rendimento salarial
2000 | 2011 | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
n | % | n | % | ||
Adesão a plano de saúde | |||||
Atende por planos de saúde | 342 | (40,42) | 785 | (25,98) | 0,0000* |
Não atende por planos de saúde | 465 | (54,96) | 2091 | (69,21) | 0,0000* |
Sem resposta | 39 | (4,60) | 145 | (4,79) | 0,8184 |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) | -- |
| |||||
Rendimento salarial** | |||||
1 a 10 salários mínimos | 538 | (63,59) | 1264 | (41,84) | 0,0000* |
11 a 20 salários mínimos | 103 | (12,17) | 967 | (32,01) | 0,0000* |
Mais que 21 | 24 | (2,83) | 434 | (14,36) | 0,0000* |
Sem resposta | 181 | (21,39) | 356 | (11,78) | 0,0000* |
| |||||
Total | 846 | (100) | 3021 | (100) | -- |
*Valores significativos (p≤0,05) – Teste de diferença de proporções
** Em 2000 o valor do salário mínimo era de R$ 136,00 e, em 2011, de R$ 545,00
O perfil dos fonoaudiólogos respondentes, relativo ao gênero, manteve-se praticamente inalterado no período de 2000 a 2011. A exemplo de outras regiões do Brasil e de outros países, a classe fonoaudiológica, nesses Estados, é constituída, predominantemente, por mulheres(1,8).
Quanto à faixa etária dos respondentes, o aumento na média de idade e idade máxima de, aproximadamente 10 anos, acompanha a tendência apontada pelo relatório do Banco Mundial(9).
O número de fonoaudiólogos ativos no Paraná e em Santa Catarina, nos anos de 2000 e 2011, praticamente triplicou. Embora em 2000 e 2011 tenha ocorrido uma concentração de fonoaudiólogos nas capitais dos referidos Estados, observa-se, em 2011, uma tendência de deslocamento desses profissionais para cidades do interior.
Tal deslocamento evidencia uma expansão regional do mercado de trabalho, que pode resultar em maior acesso da população aos serviços fonoaudiológicos em locais próximos de suas residências, bem como maior proximidade dos profissionais com especificidades regionais próprias às condições de vida da população(3).
Entende-se que a aproximação dos fonoaudiólogos a realidades diversificadas pressupõe que os processos formativos, iniciais e continuados, devem contemplar as diretrizes contidas nas políticas públicas de Saúde e Educação e oferecer subsídios para a sistematização de ações fonoaudiológicas que considerem os determinantes sociais envolvidos com a atuação profissional(6,7,10,11).
Acerca da formação acadêmica dos respondentes, quanto à instituição de origem, verificou-se que, em 2000 e 2011, a maioria dos respondentes havia concluído a graduação em Fonoaudiologia na jurisdição do Conselho.
Quanto ao nível de formação acadêmica nos anos de 2000 e 2011 houve uma diminuição significativa de respondentes que tinham realizado apenas curso de graduação e aumento dos que haviam concluído especializações.
A especialização, modalidade que, em 2000 e 2011, contemplou maior número de respondentes, tem se configurado como o tipo de formação de maior interesse da classe fonoaudiológica brasileira, pois objetiva aprimorar e diferenciar o desempenho profissional, representando um recurso para o profissional competir no mercado de trabalho(2,10).
Em relação ao número de respondentes que tinham concluído cursos de pós- graduação stricto sensu, não ocorreu aumento significativo, fato que concorda com alguns estudos nacionais(3,10), porém difere de outros(1).
Nesse contexto, ressalta-se que, nos estados do Paraná e Santa Catarina, apenas a Universidade Tuiuti do Paraná possui curso de pós graduação stricto sensu na área, com mestrado e doutorado reconhecidosem 1998 e 2007, respectivamente.
Com relação às condições de trabalho dos respondentes, dados obtidos em 2000 e 2011 evidenciam diferenças significativas quanto ao vínculo empregatício e ao tipo de instituição em que os respondentes atuavam. Verificou-se a diminuição de profissionais autônomos atuantes em consultórios particulares e em empresas privadas e o aumento daqueles com vínculo empregatício e atuantes em instituições públicas.
Para a análise de tal fato, convém tecer considerações acerca de condições de trabalho que caracterizam a atuação de profissionais da saúde em geral (11) e, especificamente, de fonoaudiólogos em consultórios particulares. Eles são profissionais liberais, que atuam em clínicas privadas de propriedade de terceiros, recebem honorários a partir de porcentagens pagas pelos clientes aos proprietários da clínica e arcam, financeiramente, com os tributos fiscais provenientes dos atendimentos realizados. Recebem, por meio do sistema de convênios, valores inferiores aos indicados por órgãos representativos da classe. Além disso, o fluxo sazonal de atendimentos concorre para instabilidades nos seus rendimentos.
O deslocamento do fonoaudiólogo do setor particular para o público, verificado entre outros profissionais da saúde(11), está relacionado, especialmente, à estabilidade de emprego, característica do vínculo empregatício do funcionário público.
O aumento de respondentes empregados em instituições públicas, observado no presente estudo, acompanha a expansão de fonoaudiólogos atuantes no SUS(4,7), verificada, desde 1990, em função da criação do Comitê de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia(12); das alterações das diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em Fonoaudiologia, que passaram a priorizar o sistema de saúde vigente no país(13); do trabalho em equipe e da atenção integral à saúde e da inserção do fonoaudiólogo em serviços vinculados à Estratégia de Saúde da Família(6).
Ainda, quanto às mudanças referentes ao local de trabalho, destaca-se que o aumento de atuação dos respondentes em escolas regulares e a diminuição em escolas especiais estão atrelados às políticas educacionais brasileiras, que definem que a escolaridade de alunos portadores de necessidades educacionais especiais (PNEEs) tem que ocorrer no sistema regular de ensino.
Ações destinadas ao atendimento educacional especializado, capazes de promover a inclusão dos PNEEs no ensino regular, devem ser implementadas por equipes multidisciplinares, compostas por profissionais da educação e saúde, incluindo fonoaudiólogos(14).
Considerando que a educação seja um direito de todos(15), entende-se que a atuação do fonoaudiólogo deve objetivar a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis da educação(14).
Esse estudo realizou a análise do perfil profissional em apenas dois Estados nacionais, envolvendo cerca de 10% dos fonoaudiólogos ativos no Brasil. Ressalta-se a necessidade do desenvolvimento, em âmbito nacional e/ou regional, de estudos que pretendam apreender perfis que caracterizem o papel social da Fonoaudiologia.
Este estudo permitiu verificar uma mudança no perfil dos fonoaudiólogos atuantes nos Estados do Paraná e Santa Catarina, nos anos de 2000 e 2011, que pôde ser apreendida por meio da constatação do deslocamento de ações, prioritariamente desenvolvidas em instituições privadas, de caráter clínico-reabilitativo, para ações em instituições públicas de saúde e educação, voltadas à prevenção e promoção. Tal deslocamento aponta para a necessidade de aprimoramento na formação acadêmica e profissional do fonoaudiólogo, visando à apropriação de conhecimentos e práticas capazes de subsidiar a sistematização de intervenções alinhadas às diretrizes que orientam as políticas e os serviços públicos de saúde e educação.