versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.5 São Paulo nov. 2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170166
A atividade parassimpática anormal do coração tem sido associada a várias formas de bradicardia sintomática, principalmente em jovens e indivíduos considerados saudáveis. A síncope vasovagal, a parada sinusal e o bloqueio atrioventricular (AV) avançado oferecem alto risco de lesões e consequências à qualidade de vida. No entanto, até recentemente, seu manejo clínico, baseado principalmente em medidas comportamentais e implantes de marca-passo, tem se mostrado ineficaz ou inadequado. Parece ser necessária uma abordagem alternativa para tratar essa população específica, evitando-se o implante de aparelhos e o uso contínuo de medicamentos.
A ablação dos plexos ganglionares (PGs) foi primeiramente descrita em 2005,1 visando principalmente os principais gânglios parassimpáticos e com objetivo de promover uma atenuação vagal. Durante a última década, vários autores2-8 apresentaram seus resultados clínicos, com significativa remissão dos sintomas e melhora nos achados eletrocardiográficos, de modo que a modulação autonômica estabeleceu-se como uma modalidade terapêutica.
O sistema nervoso autônomo cardíaco, no entanto, não é um alvo simples; pelo contrário: consiste em uma complexa interface entre o sistema nervoso central e o coração, envolvendo tanto componentes intrínsecos como extrínsecos (PGs epicárdicos). Já está bem estabelecido que a maioria dos nervos torácicos e dos gânglios cardíacos recebe tanto estímulos parassimpáticos como simpáticos (com exceção do nervo vago, exclusivamente parassimpático, e do gânglio cervicotorácico, exclusivamente simpático), e apresenta heterogeneidade anatômica e funcional marcante. A variação e a sobreposição dos nervos autonômicos no miocárdio tornam difícil o tratamento intervencionista, apesar de que a predileção de certas estruturas por áreas específicas do coração poder ser útil nesse propósito.
O sistema nervoso cardíaco intrínseco, uma densa rede de corpos neuronais e de fibras pré- e pós-ganglionares conectoras, é o principal alvo dos procedimentos de modulação autonômica. Uma vez que quase todos esses gânglios epicárdicos possuem dupla inervação, deve-se realizar uma ablação titulada que resulte em atenuação vagal.
A maioria dos autores consideraram elegíveis para tratamento aqueles pacientes sem doença cardíaca estrutural e bradicardia funcional recorrente (síncope cardioinibitória, bloqueio AV avançado ou parada sinusal), após falha do tratamento médico. Alguns autores9 recomendam a realização de um teste pré-ablação com atropina (0,04 mg/Kg), e uma resposta positiva ao teste é considerada como critério de elegibilidade. A denervação também foi proposta como tratamento da bradicardia grave (pausas maiores que 10 segundos) em pacientes assintomáticos,7 uma manifestação pouco frequente com riscos cardiovasculares ainda desconhecidos.
Vários métodos para identificar os principais PGs envolvidos na bradicardia funcional foram estudados, isoladamente e de forma combinada. A estimulação endocárdica com alta frequência foi amplamente utilizada em estudos prévios,2,5,6 apesar de algumas limitações impostas por distúrbios imediatos no ritmo e pela necessidade de equipamentos específicos.
A análise espectral dos eletrocardiogramas é um método alternativo. Áreas com espectro (> 120 Hz) orientado para a direita correlacionam-se com locais de respostas vagais,10 o que tem sido usado como um parâmetro diagnóstico para se identificar locais de PGs.1,3,7,9,11
Devido às limitações técnicas dos métodos citados acima, a localização anatômica, conduzida com base em estudos anatômicos prévios,12,13 surgiu como uma estratégia simples e atrativa de mapeamento em artigos mais recentes.6-8,14 O método baseia-se no conceito de que, apesar de a organização estrutural do sistema autonômico intrínseco variar de coração para coração, os principais locais de inervação para o nó sinusal e o nó AV localizam-se em áreas previsíveis.
As fibras nervosas do sistema nervoso autônomo do coração distribuem-se por toda a superfície epicárdica dos átrios; assim, uma extensa ablação atrial seria necessária para promover uma modulação autonômica atrial significativa. Entretanto, a maioria dos gânglios autonômicos estão concentrados em áreas específicas dos átrios. Essa característica anatômica permite que a ablação focal dessas áreas produza modulação autonômica clinicamente relevante, evitando lesões atriais extensas e potenciais complicações. Observações clínicas recentes contribuíram para nosso entendimento sobre a inervação do nó sinusal e do nó AV,2,3,6,7,8,14,15 e a região do septo interatrial destacou-se como área crítica, estando frequentemente envolvida nas mudanças de tônus parassimpático.2,14 A ablação de ambos os lados do septo, próximo ao PG anterior e inferior direito do átrio esquerdo, e ao PG superior e inferior do átrio direito, teve o maior impacto sobre a frequência cardíaca e o intervalo entre o átrio e o feixe de His.14 Esses dados apresentam a perspectiva de se realizar ablação, tendo, como alvo, o septo interatrial.
Em casos específicos, foi possível observar que certas áreas do PG tiveram efeitos diferenciados sobre os nódulos sinusal e AV, indicando a presença de vias seletivas nessas estruturas.8,14 Esses dados levantaram a possibilidade de se tratar a parada sinusal com denervação seletiva do nódulo sinusal, e de controlar o bloqueio AV avançado com terapia seletiva no nódulo AV, apesar de ainda faltarem evidências clínicas de que esses padrões sejam consistentes em grandes populações.
Entre todos os aspectos clínicos do procedimento de denervação autonômica, encontrar os principais desfechos para medir a modulação vagal é uma das questões mais controversas na área.14-20 A identificação da resposta vagal é uma forma grosseira de se localizar os PGs, assim como a abolição dessa resposta para demonstrar denervação clínica. O mapeamento espectral com eliminação de sinais orientados para a direita pode ser útil, porém trata-se de um desfecho substituto, podendo resultar em lesões inespecíficas por radiofrequência.
Em estudos recentes,3,8,14,21,22 a avaliação objetiva da função do nódulo sinusal e do nódulo AV tem sido considerada como um desfecho duro durante a denervação. Os autores observaram uma redução significativa da frequência cardíaca, do intervalo entre o átrio e o feixe de His e da duração do ciclo de Wenckebach; esses achados, combinados com uma resposta negativa ou significativamente reduzida à atropina (0,04mg/Kg), foram considerados desfechos primários.
Um estudo recente de Pachon et al.,11 propôs um método de estimulação vagal, utilizando um cateter eletrofisiológico posicionado na veia jugular interna. Essa técnica extracardíaca trouxe dados valiosos para confirmar a denervação, apesar de sua eficácia poder ser limitada pela presença de fibras parassimpáticas na maioria dos nervos simpáticos torácicos no coração.23
Resultados de acompanhamento por longo prazo demonstram que alguns aspectos técnicos devem ainda ser superados, tais como as taxas de recorrência de sintomas variando entre 0 e 27%.1,4,5,9,14 As limitações clínicas do procedimento de denervação cardíaca baseiam-se na complexidade do sistema autônomo intrínseco: os PGs atuam como centros de integração, com extensa modulação de sinal, que torna improvável a ocorrência de um desfecho uniforme e permanentemente bem sucedido. A densa neuroanatomia dos átrios levanta a possibilidade de que uma parcela significativa da inervação permanece inibida, porém funcionalmente íntegra após a ablação. Nesse caso, executar uma nova ablação pode ser útil.
A recuperação tardia do tônus vagal é outra causa importante de recorrências. Estudos de imagens com metaiodobenzilguanidina revelaram que a denervação persiste por pelo menos 4 meses,24 mas ainda é necessária uma avaliação em longo prazo.
Um grande ensaio clínico multicêntrico, delineado para determinar qual o método mais apropriado para realizar denervação torna-se essencial. Entretanto, alguns dados consistentes já disponíveis são de grande valia, na medida em que as intervenções de regulação autonômica cardíaca adquire o status de procedimento padrão em todo o mundo para o manejo da bradicardia funcional: 1- a denervação é útil para pacientes resistentes; 2- o mapeamento anatômico emerge como uma abordagem simples e eficaz; 3- o septo interatrial tem um papel crítico, e 4- a avaliação fisiológica (estimulação extracardíaca, frequência cardíaca e encurtamento do intervalo entre átrio e feixe de His) em combinação com um teste da atropina negativo parecem ser os desfechos mais apropriados.