versão impressa ISSN 0021-7557
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.1 Porto Alegre jan./ev. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.06.008
De maneira geral, sabe-se que a derivação da esquerda para a direita em defeitos do septo ventricular (DSV) aumenta o fluxo sanguíneo arterial pulmonar e o retorno venoso pulmonar para o lado esquerdo do coração. Essa sequela fisiopatológica poderá resultar em sobrecarga de volume do átrio esquerdo (AE) e do ventrículo esquerdo (VE) e, posteriormente, aumento do VE, dilatação do anel mitral, regurgitação mitral (RM) e, consequentemente, aumento do AE, possibilitando equilíbrio homeostático da pressão do AE.1 - 3 No curso natural dessas alterações após o fechamento cirúrgico, evidencia-se que o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VDFVE) volta ao normal nos primeiros dois anos de vida. Contudo, o volume atrial esquerdo (VAE) permanece elevado.4 O curso natural da RM em crianças com DSV também foi estudado, e acredita-se que o problema de RM em crianças com aparelho valvar mitral (VM) normal e DSV hemodinamicamente grande é resolvido espontaneamente, após o fechamento cirúrgico do DSV.5 Contudo, encontramos poucas informações sobre a relação entre RM e sobrecarga de volume do lado esquerdo do coração.
Trabalhamos com a hipótese de um grau mais elevado de RM estar associado a uma dilatação mais severa do lado esquerdo do coração, e de a reversibilidade do miocárdio precisar de um tempo maior, com um grau mais severo de dilatação desse lado do coração. Portanto, investigamos o momento da resolução desta dilatação, segundo o grau de RM em crianças submetidas a fechamento cirúrgico de DSV.
Foi obtida uma aprovação do conselho de revisão institucional para uma análise de dados retrospectivos (CNUH-12-192). Analisamos retrospectivamente os dados ecocardiográficos de 40 pacientes com menos de 15 anos, submetidos a fechamento cirúrgico de DSV isolado por um único cirurgião cardíaco, entre janeiro de 2009 e novembro de 2011. Foram incluídos pacientes com pequenos defeitos do septo atrial (DSA) ou forame oval patente (FOP). Contudo, excluímos pacientes com outras cardiopatias congênitas associadas, anormalidades na VM, disfunção ventricular e doenças sistêmicas, inclusive anomalias cromossômicas. Os pacientes com DSV foram divididos em três grupos, segundo o grau de RM pré-operatória, que é o grau de dilatação do lado esquerdo do coração: sem RM (grupo sem RM), com RM insignificante a leve (grupo RM leve) e com RM moderada a grave (grupo RM moderada a grave). Analisamos retrospectivamente as características ecocardiográficas do lado esquerdo do coração dos pacientes nos três grupos, com acompanhamento em série após o fechamento cirúrgico do DSV.
A RM foi classificada como inexistente, insignificante, leve, moderada ou grave, com base no mapeamento qualitativo de fluxo em cores. Examinamos, também, as alterações no grau da RM no pré-operatório e um, três e 12 meses após a cirurgia naqueles que tinham RM antes do fechamento cirúrgico do DSV.
Analisamos os seguintes parâmetros por meio de ecocardiografia, aproximadamente um mês antes da cirurgia: tipo de DSV, tamanhos e gradientes de pico do DSV pelo Doppler e grau de RM. Peso corporal, altura, área de superfície corporal (ASC) e sobrevida pós-operatória também foram examinados. Em todos os momentos, inclusive cerca de um mês antes da cirurgia, e um, três e 12 meses após a mesma, foram avaliados os seguintes parâmetros, na ecocardiografia: características do ventrículo esquerdo (VE); inclusive a dimensão diastólica final do ventrículo esquerdo (DDFVE); dimensão sistólica final do VE (DSFVE) e volume diastólico final do VE (VDFVE); anel da VM; dimensões sistólicas finais do AE; e volume sistólico final do AE (volume do AE). Avaliamos, então, as alterações nos parâmetros ecocardiográficos variadas vezes, em série, e as comparamos entre os três grupos. A DDFVE e a DSFVE foram obtidas por ecocardiografia modo M, e foram convertidas para escores z. O escore z da DDFVE (z da DDFVE) e o escore z da DSFVE (z da DSFVE) foram calculados de acordo com o número de desvios-padrão do valor médio da população normal com relação à ASC. Indexamos o VDFVE à ASC e definimos esse volume como o índice do VDFVE. O anel da válvula mitral foi medido a partir do apical de quatro câmaras em diástole média, e os dados foram convertidos para escores z para fins de comparações entre os indivíduos. Medimos também as dimensões de três planos do AE linear: o eixo longo paraesternal (ELP), o lateral (LAT) e o súpero (SU).6 O volume do AE foi medido segundo as recomendações de quantificação das câmeras,7 seguindo a seguinte equação: volume do AE = 4π/3 × (ELP/2) × LAT/2) × (SU/2). Indexamos todas as dimensões lineares do AE e o volume do AE à ASC e definimos esses valores como índices ELP, LAT, SU e VAE.
Realizamos o teste Qui-quadrado e uma análise de variância (ANOVA) unidirecional com a análise post-hoc para testar as diferenças nas características dos indivíduos entre os três grupos de RM. A ANOVA de medidas repetidas bidirecionais com análise post-hoc de Tukey foi utilizada para comparar os parâmetros ecocardiográficos do lado esquerdo do coração entre os três grupos de RM, de acordo com o tempo. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o pacote de software estatístico SPSS, versão 20.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).
Um total de 40 pacientes com DSV satisfizeram os critérios de inclusão: 16 pacientes apresentaram DSV com RM pré-operatória; 15 pacientes RM insignificante a leve; e nove deles apresentaram RM moderada a grave. No grupo sem RM, 12 pacientes (75,0%) apresentaram DSV perimembranoso, três (18,7%) DSV subarterial, e um apresentou DSV infundibular (6,2%). No grupo com RM insignificante a leve, 12 pacientes (80,0%) apresentaram DSV perimembranoso e três (20,0%) DSV subarterial. No grupo com RM moderada a grave, todos os nove pacientes (100,0%) apresentaram DSV perimembranoso (p = 0,002). Não houve diferenças estatisticamente significativas na idade, peso corporal, ASC, gradiente pressórico por meio do DSV, gradiente pressórico da regurgitação tricúspide ou presença de DSA ou FOP entre os três grupos (tabela 1). Não havia mortalidade pós-operatória.
Sem RM | RM leve | RM moderada a grave | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
(n = 16) | (n = 15) | (n = 9) | ||
Idade no momento da cirurgia, meses | 37,2 ± 55,6 | 13,4 ± 24,6 | 4,5 ± 4,4 | 0,119 |
Peso, kg | 13,3 ± 13,3 | 8,7 ± 9,4 | 4,9 ± 1,6 | 0,221 |
ASC, m2 | 0,52 ± 0,40 | 0,39 ± 0,31 | 0,26 ± 0,05 | 0,161 |
Tipo de DSV | 0,002 | |||
Perimembranoso | 12 (75,0) | 12 (80) | 9 (100) | |
Subarterial | 3 (18,7) | 3 (20) | 0 ( 0) | |
Muscular | 1 ( 6,2) | 0 ( 0) | 0 ( 0) | |
Tamanho do DSV, mm | 5,1 ± 1,6 | 5,4 ± 2,2 | 5,9 ± 1,7 | 0,276 |
GP por meio do DSV, mmHg | 41,2 ± 34,0 | 45,2 ± 28,5 | 26,7 ± 33,5 | 0,089 |
GP RT, mmHg | 29,3 ± 17,2 | 36,1 ± 29,6 | 40,6 ± 32,3 | 0,748 |
Presença de FOP ou DSA | 6 (37,5) | 5 (33,3) | 4 (44,4) | 0,449 |
ASC, área de superfície corporal
DAS, defeito do septo atrial
DSV, defeito do septo ventricular
FOP, forame oval patente;
GP, gradiente pressórico
RM, regurgitação mitral
RT, regurgitação tricúspide
Todos os dados foram apresentados em média ± desvio-padrão ou n (%).
Pacientes que não apresentaram RM pré-operatória não progrediram para surgimento de RM após o fechamento cirúrgico do DSV. Todos os pacientes regrediram no grau de RM. No grupo RM leve (n = 15), 11 pacientes apresentaram RM insignificante e quatro apresentaram RM leve pré-operatória; um mês após a cirurgia (n = 15), a RM em 12 pacientes foi resolvida, e três deles regrediram para um grau insignificante de RM; três meses após a cirurgia (n = 12), 11 pacientes tiveram o problema resolvido e um continuou com RM insignificante até 12 meses após a cirurgia. No grupo RM moderada a grave (n = 9), seis pacientes apresentaram RM moderada e três apresentaram RM grave pré-operatória; um mês após a cirurgia (n = 9), a RM foi resolvida em três pacientes, regrediu para insignificante em três, reduziu para moderada em dois, e um paciente continuou com RM moderada. Três meses após a cirurgia (n = 7), a RM de quatro pacientes regrediu para insignificante e três pacientes continuaram sem RM. Os dados de acompanhamento de seis pacientes foram disponibilizados12 meses após a cirurgia, e, dentre eles, a RM continuou insignificante em dois pacientes (fig. 1).
Os valores ecocardiográficos do VE, do anel da VM e do aumento do AE são mostrados na tabela 2. O índice do VDFVE pré-operatório, o z da DDFVE e o z da DSFVE foram significativamente maiores no grupo RM leve (p = 0,034, p = 0,034 e p = 0,039) e no grupo RM moderada a grave (p = 0,036, p = 0,035 e p = 0,020) que no grupo sem RM.
Sem RM | RM leve | RM moderada a grave | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(n = 16) | (n = 15) | (n = 9) | ||||||
Índice do VDFVE, mL/m2 | ||||||||
Antes da operação | 63,4 | ± | 30,3 | 94,3 | ± | 20,6a | 97,7 | ± 36,8b |
1 mês após a operação | 64,3 | ± | 14,7 | 54,9 | ± | 15,3 | 52,5 | ± 32,7 |
3 meses após a operação | 62,6 | ± | 12,2 | 54,8 | ± | 8,0 | 54,2 | ± 15,5 |
12 meses após a operação | 56,6 | ± | 24,3 | 49,0 | ± | 12,5 | 43,0 | ± 10,8 |
Escore z da DDFVE | ||||||||
Antes da operação | 1,4 | ± | 2,8 | 3,2 | ± | 1,4a | 3,5 | ± 2,8b |
1 mês após a operação | 1,0 | ± | 1,5 | 0,5 | ± | 1,5 | 0,8 | ± 2,1 |
3 meses após a operação | 0,6 | ± | 1,2 | 0,1 | ± | 0,8 | -0,1 | ± 1,1 |
12 meses após a operação | -0,1 ± | 1,3 | -0,7 ± | 0,9 | -1,2 ± 1,3 | |||
Escore z da DSFVE | ||||||||
Antes da operação | 0,7 | ± | 2,3 | 2,0 | ± | 1,1a | 2,7 | ± 2,1b |
1 mês após a operação | 2,4 | ± | 1,8 | 1,5 | ± | 1,7 | 1,3 | ± 1,6 |
3 meses após a operação | 1,4 | ± | 1,1 | 0,9 | ± | 0,8 | 1,8 | ± 1,4 |
12 meses após a operação | 0,1 | ± | 1,2 | 0,9 | ± | 1,1 | 2,6 | ± 0,9 |
Escore z do anel da VM | ||||||||
Antes da operação | -0,1 ± | 1,1 | 1,0 | ± | 0,8 | 1,5 | ± 1,3b | |
1 mês após a operação | -0,7 ± | 1,0 | 0,5 | ± | 0,9 | -0,3 | ± 1,4 | |
3 meses após a operação | -0,2 ± | 1,2 | -0,6 | ± | 0,6 | -0,3 | ± 1,3 | |
12 meses após a operação | -1,1 ± | 0,6 | -0,6 ± | 1,1 | -0,6 ± 1,0 | |||
Índice de volume do AE, mL/m2 | ||||||||
Antes da operação | 12,1 | ± | 5,1 | 15,4 | ± | 5,8 | 23,3 | ± 10,6b,c |
1 mês após a operação | 10,0 | ± | 3,4 | 8,0 | ± | 2,9 | 9,5 | ± 4,6 |
3 meses após a operação | 7,8 | ± | 1,8 | 7,4 | ± | 2,0 | 8,0 | ± 2,5 |
12 meses após a operação | 7,7 | ± | 2,5 | 6,8 | ± | 3,1 | 8,0 | ± 2,4 |
Dimensões do ELP do AE, mm/m2 | ||||||||
Antes da operação | 38,1 | ± | 14,9 | 49,1 | ± | 13,2 | 73,7 | ± 15,4b,c |
1 mês após a operação | 39,3 | ± | 16,9 | 40,1 | ± | 11,8 | 47,6 | ± 10,2 |
3 meses após a operação | 31,5 | ± | 11,8 | 37,7 | ± | 8,5 | 29,3 | ± 6,5 |
12 meses após a operação | 26,3 | ± | 10,7 | 29,7 | ± | 13,4 | 34,1 | ± 6,5 |
Dimensões laterais do AE, mm/m2 | ||||||||
Antes da operação | 51,5 | ± | 16,4 | 70,3 | ± | 21,6 | 85,8 | ± 10,4b |
1 mês após a operação | 47,0 | ± | 14,1 | 50,1 | ± | 14,8 | 57,0 | ± 6,9 |
3 meses após a operação | 43,1 | ± | 11,8 | 49,2 | ± | 6,3 | 48,9 | ± 0,8 |
12 meses após a operação | 32,5 ± 13,6 | 35,4 ± 16,0 | 45,7 ± 6,1 |
AE, átrio esquerdo
DDFVE, dimensão diastólica final do ventrículo esquerdo
DSFVE, dimensão sistólica final do ventrículo esquerdo
ELP, eixo longo paraesternal
LAT, lateral
RM, regurgitação mitral
SI, superior-inferior
VDFVE, volume diastólico final do ventrículo esquerdo
VM, válvula mitral
Todos os dados estão apresentados em média ± desvio padrão.
a p < 0,05, DSV com RM leve em comparação a sem RM.
b p < 0,05, DSV com RM moderada a grave em comparação a sem RM.
c p < 0,05, DSV com RM moderada a grave em comparação a RM leve.
O escore z do anel da VM pré-operatório no grupo RM moderada a grave foi significativamente maior que no grupo sem RM (p = 0,038).
Houve uma diferença significativa no índice de volume do AE e no índice ELP do grupo RM moderada a grave, em comparação aos do grupo sem RM (p = 0,008, p = 0,001) e aos do grupo RM leve (p = 0,047, p = 0,006) antes da cirurgia.
O índice LAT pré-operatório no grupo RM moderada a grave foi significativamente maior que no grupo sem RM (p = 0,001). Não houve diferença significativa nos valores ecocardiográficos dos parâmetros do VE, do anel da VM e do AE entre os grupos em qualquer momento posterior.
O grupo sem RM não apresentou redução significativa no índice do VDFVE, no z da DDFVE, no z da DSFVE e no escore z do anel da VM em momento algum após o fechamento do DSV. O grupo RM leve apresentou uma redução significativa no índice do VDFVE e no z da DDFVE um (p < 0,001, p < 0,001), três (p = 0,004, p < 0,001) e 12 meses após a cirurgia (p = 0,002, p < 0,001), em comparação a um mês após a mesma. O grupo RM moderada a grave apresentou uma redução significativa no índice do VDFVE e no z da DSFVE apenas 12 meses após a cirurgia (p = 0,035, p = 0,003), em comparação a um mês antes da cirurgia. Houve quedas significativas no z da DDFVE três e 12 meses após a cirurgia (p = 0,043, p = 0,027). Não houve diferenças significativas entre os grupos (figs. 2A e B).
O grupo RM leve apresentou uma redução significativa no escore z do anel da VM 12 meses após a cirurgia (p = 0,028), em comparação a um mês antes da mesma. Não houve diferenças significativas entre os grupos (fig. 2C).
O grupo sem RM apresentou uma redução significativa no índice do volume do AE apenas três meses (p = 0,023) após o fechamento do DSV. O grupo RM leve apresentou uma redução significativa no índice do volume do AE um mês (p = 0,011), três (p = 0,020) e dozes meses (p = 0,006) após a cirurgia, em comparação a um mês antes da mesma. O grupo RM moderada a grave apresentou uma redução significativa no terceiro (p = 0,021) e 12º meses (p = 0,015). Também houve uma diferença significativa entre o grupo RM e o grupo RM moderada a grave (p = 0,011), e entre o grupo RM leve e o grupo RM moderada a grave (fig. 2D).
O grupo sem RM apresentou uma redução significativa no índice ELP um (p = 0,023) e três meses (p = 0,014) após a cirurgia. O grupo RM leve apresentou uma redução significativa no índice ELP três (p = 0,030), seis (p < 0.001) e 12 meses (p < 0,001) após a cirurgia, em comparação a um mês antes. O grupo RM moderada a grave também apresentou uma redução significativa no primeiro (p = 0,034), terceiro (p = 0,006) e 12º meses (p = 0,002). Houve uma diferença significativa entre os grupos sem RM e RM moderada a grave (0,019).
O grupo sem RM apresentou uma redução significa no índice LAT três (p = 0,041) e 12 meses (p = 0,005) após o fechamento do DSV. Os grupos RM leve e RM moderada a grave apresentaram uma redução significativa no índice LAT um (p < 0,001, p = 0,002), três (p = 0,003, p < 0,001) e 12 meses (p < 0,001, p < 0,001) após a cirurgia, em comparação a um mês antes da mesma. Houve uma diferença significativa entre os grupos sem RM e RM moderada a grave (p = 0,028).
Todos os grupos apresentaram uma redução significativa no índice SU um (p = 0,05, p = 0,028 e p = 0,014), três (p = 0,029, p = 0,049, e p < 0,001) e 12 meses (p = 0,014, p = 0,004, e p < 0,001) após a cirurgia, em comparação a um mês antes da mesma. Não houve diferenças significativas entre os grupos.
No presente estudo, avaliamos o VE, o anel da VM e a dilatação do AE medindo o VDFVE, a DDFVE, o anel da VM, as dimensões do AE e o volume do AE, e observamos que todos os parâmetros ecocardiográficos associados à dilatação do lado esquerdo do coração apresentaram redução, independentemente de RM em um ano.
Papadimitriou et al.8 relataram a reversibilidade estrutural criando derivações porto-cava em cães. Eles examinaram o volume do VE, a massa do VE e as alterações histológicas no momento da insuficiência cardíaca congestiva, também e avaliaram dois outros grupos de dois e seis meses após a derivação criada ser fechada. De acordo com seus resultados, a sobrecarga de volume na câmara esquerda levou a alterações estruturais no nível dos miócitos, que eram reversíveis após a carga da derivação ser removida. Outro estudo clínico sobre a reversibilidade da dilatação ventricular esquerda mostrou que crianças com sobrecargas de volume moderadamente grande do DSV e do VE, sem hipertensão pulmonar ou insuficiência cardíaca congestiva, apresentaram redução espontânea da dilatação do VE.9 Em nosso estudo, com uma derivação crônica da esquerda para direita, o VDFVE, a DDFVE e a DSFVE foram significativamente maiores em pacientes com RM, em comparação aos sem RM. Após a remoção da carga da derivação, não houve diferenças estatísticas entre os três grupos em qualquer momento do acompanhamento em série. Além disso, o VDFVE e a DDFVE apresentaram redução significativa após o fechamento cirúrgico em todos os momentos depois disso em crianças com DSV e RM insignificante a leve.
A dilatação do anel do VM é considerada uma sequela fisiológica da sobrecarga de volume no lado esquerdo do coração, e a RM é desenvolvida de forma secundária à dilatação do anel.8 Hisatomi et al.10 relataram casos de crianças com DSV submetidas a reparo da VM, e concluíram que, em caso de desenvolvimento de RM secundária à dilatação do anel, não há necessidade de reparo da VM. Em contrapartida, Honjo et al.11 também relataram o caso de 17 crianças submetidas a reparo da VM, dentre elas, cinco pacientes com DSV, dois com DSA, dois com divertículo do ventrículo esquerdo, um com retorno venoso pulmonar anômalo parcial e um com coarctação da aorta e DSV. Eles concluíram que o reparo da VM é viável e possui uma baixa taxa de nova operação. Contudo, Mahadin et al.5 declararam que uma abordagem mais agressiva para reparar a VM prejudicaria o crescimento das crianças se o curso natural da RM não recebesse total atenção. Eles sugeriram que a RM com um aparelho valvar mitral normal melhora após o fechamento cirúrgico do DSV, e o reparo da VM deve ser realizado cautelosamente. Neste estudo, medimos os escores z do anel da VM e realizamos as comparações de acordo com o grau de RM. O anel da VM mostrou-se significativamente maior em crianças com RM moderada a grave, em comparação a crianças sem RM. Além disso, descobriu-se que o anel da VM apresenta redução significativa após o fechamento cirúrgico naqueles com RM insignificante a leve em um ano. Nossos achados justificam o fato de que crianças com DSV apresentam restauração de sua competência valvular normal e da zona de coaptação após o fechamento cirúrgico do DSV sem reparo da VM.5 Descobrimos, também, que a RM foi reversível após o fechamento cirúrgico do DSV, e isso acontece, em grande parte dos casos, no primeiro ano após a cirurgia. Em especial, o grau de RM apresentou redução em menor grau um mês após o fechamento cirúrgico. Com base nesses achados, não é necessária uma abordagem agressiva quanto ao reparo da VM em crianças com DSV, considerando o curso normal da RM.
Havia poucos dados a respeito da relevância do volume do AE. O volume do AE também é importante, porque pode contribuir para o enchimento diastólico do VE.12 Recentemente, Sakata et al.13 desenvolveram um método de controle do volume do AE e destacaram a importância de medir o volume do AE em pacientes com sobrecarga crônica de volume do VE. Cordell et al.4 mediram o VDFVE e o volume máximo do AE por cateterismo e demonstraram que o VDFVE voltou aos níveis normais após fechamento cirúrgico do DSV; contudo, o volume máximo do AE continuou elevado. Eles indicaram isso como uma alteração permanente na elasticidade do AE. Em contraste com este estudo, utilizamos ecocardiografia e medimos as dimensões do AE no eixo longo paraesternal e no apical de quatro câmaras, calculamos o volume do AE utilizando o cálculo recomendado e o indexamos à ASC. O volume pré-operatório do AE indexado à ASC foi significativamente maior em crianças com DSV e RM moderada a grave, em vez daquelas com menor grau de RM. Em contrapartida a outros parâmetros do VE e da dilatação do anel da VM, que não apresentaram redução significativa em crianças sem RM em nenhum momento posterior após a cirurgia, o volume e as dimensões do AE reduziram significativamente três meses após o fechamento cirúrgico em todos os graus de RM, inclusive DSV sem RM. Não houve diferença no tamanho da câmara em momento algum após a cirurgia, com relação ao grau de RM.
O estudo contou com um número relativamente pequeno de pacientes analisados, principalmente entre aqueles com RM moderada a grave, isso porque normalmente não esperarmos a cirurgia caso o grau de RM seja maior que leve a moderada. Além disso, não encontramos os dados de acompanhamento de nove dos 40 indivíduos três meses após a cirurgia, e de sete dos 40 indivíduos 12 meses após a cirurgia. Foram utilizados métodos qualitativos para determinar o grau de RM, sendo possível deturpação da gravidade.
Este estudo é o primeiro a avaliar as alterações em série nos parâmetros ecocardiográficos do lado esquerdo do coração antes da cirurgia e um, três e 12 meses após o a cirurgia, ao prever o curso natural em crianças com fechamento cirúrgico do DSV. Os parâmetros ecocardiográficos, incluindo a DDFVE, o VDFVE, o anel da VM, as dimensões do AE e o volume do AE apresentaram diferenças significativas com relação ao grau de RM. Além disso, em todos os pacientes com DSV, independentemente de RM, a dilatação do AE reduziu em três meses após o fechamento cirúrgico do DSV; contudo, a dilatação do anel do VE e da VM reduziu em 12 meses, o que geralmente leva mais tempo apenas em pacientes com RM. São necessários estudos adicionais para determinar a necessidade de momentos diferentes para a resolução da dilatação do VE, da VM e do AE.
Este estudo foi financiado por uma bolsa (CRI 13024-1) do Instituto de Pesquisa de Medicina Clínica do Chonnam National University Hospital.