versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.5 São Paulo set./out. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562017000500001
O termo momento pode ser utilizado em vários sentidos distintos, desde uma conotação eminentemente temporal, representando um período determinado ou indeterminado de tempo, passando pela descrição de uma circunstância específica, até chegar ao sentido utilizado na física, o qual representa a força imposta a um sistema rotacional, gerando impulso e/ou mudança.
Na área médica, podemos reconhecer os mesmos usos e situações. O desenvolvimento de novas ferramentas diagnósticas e/ou intervenções terapêuticas mudam significativamente o panorama de reconhecimento e mesmo de avanço no conhecimento relacionado a diferentes situações clínicas.
O desenvolvimento de novas técnicas de angiotomografia de tórax aumentou significativamente o reconhecimento do tromboembolismo pulmonar agudo; até em demasia, segundo alguns autores.1 Embora não se possam fazer associações causais, há, desde então, o desenvolvimento de novas abordagens e estratégias terapêuticas.2
Ainda nas doenças vasculares, o desenvolvimento de medicações específicas para o tratamento da hipertensão arterial pulmonar teve impacto inequívoco no desenvolvimento do conhecimento associado a essa situação clínica tão peculiar, tanto para o reconhecimento de sua realidade em nosso meio e no exterior, quanto para estabelecer estratégias de tratamento e seus riscos.3-6 A hipertensão arterial pulmonar evidencia que essa não é uma questão relacionada à prevalência da doença, que determina isoladamente o momento de mudança.
De forma análoga, tomemos as doenças intersticiais pulmonares. Sem dúvida, a TCAR permitiu o reconhecimento de padrões radiológicos distintos,7,8 os quais, juntamente com as análises clínicas e anatomopatológicas, resultaram no sistema atual de sua classificação. Mais recentemente, o desenvolvimento de alternativas terapêuticas trouxe novo momento de crescimento.9 Caminha-se para outro ponto de mudança, no qual a interpretação dos exames de imagem deixa de ser meramente visual e tende a ter um aspecto matemático agregado altamente significativo.10 O impacto disso na clínica diária e no manejo dos pacientes é algo ainda difícil de especular, dadas as limitações terapêuticas existentes, mas não é difícil imaginar que, com o desenvolvimento de novos fármacos, a análise diagnóstica mais fina se aproximará da medicina personalizada na abordagem ao paciente com doença intersticial pulmonar. A presente edição do JBP traz um ensaio pictórico que discute, de forma bastante didática, todas as certezas e inconsistências que envolvem o diagnóstico da pneumonia intersticial usual, a forma mais prevalente das doenças intersticiais pulmonares idiopáticas.11
Há, entretanto, exemplos de situações clínicas que não apontam para uma mudança de momento há muito tempo, seja pelo não desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas ou diagnósticas, seja ainda pelo número pouco representativo de estudos conduzidos na área, inclusive estudos epidemiológicos. Ao analisar o JBP, é evidente o papel crescente que a tuberculose tem em nosso meio e internacionalmente. Em contrapartida, há muito não publicávamos estudos relacionados às doenças pleurais. Neste número publicamos um estudo muito interessante avaliando o melhor momento para a realização de toracoscopia na abordagem do derrame parapneumônico em pediatria.12 Além do claro aspecto científico da informação gerada pelo estudo, pode-se entender a oportunidade existente na área para futuros estudos. O que justifica, portanto, a baixa representatividade das doenças pleurais em nosso contexto científico? Claro que o desenvolvimento de ferramentas diagnósticas e de fármacos traz investimentos financeiros inquestionáveis associados, e esses certamente estimulam as linhas de pesquisa ainda mais. Porém, se esse for o único fator, não seria isso uma inversão perversa do papel dos centros de pesquisa e/ou universitários? Ou ainda uma demonstração de que o papel de agências independentes de fomento precisaria ser repensado? Ou, ulteriormente, o reflexo de que é necessária a organização de grupos interinstitucionais de pesquisa, principalmente para áreas de menor representatividade, independentemente de quaisquer aspectos epidemiológicos da situação clínica estudada? Cabe aqui uma reflexão não apenas dos pesquisadores mas também dos órgãos de divulgação científica, principalmente aqueles ligados a sociedades científicas, como é o caso do JBP, para que se estimulem diretamente áreas com menor visibilidade. Talvez seja necessária a demonstração direta de interesse pelas publicações científicas a fim de colaborar na mudança desta situação. Tal demonstração, todavia, não é sem riscos, uma vez que ela pode causar um impacto direto nos índices bibliométricos; quanto menor for o número global de publicações em uma determinada área, menor será o potencial de citação dessas publicações. Daí a importância desta discussão, particularmente dentro das sociedades médicas.
Com vistas a essas reflexões, o momento atual de nosso jornal passa a contar com uma força ainda maior. Foi eleito para o cargo de Vice-Editor o Dr. Bruno Baldi, professor colaborador da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ele exercerá essa função até o final de 2018, quando então assumirá as funções de Editor-Chefe. Sem dúvida, um ganho muito significativo para o JBP e, particularmente, para a gestão atual do jornal. Aproveito esse momento de reflexão para desejar ao Bruno uma excelente jornada à frente do nosso jornal.