versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.41 no.1 São Paulo jan./mar. 2019 Epub 24-Jan-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0086
Há evidências na literatura de que o comprometimento cognitivo se demonstra com maior prevalência nos indivíduos com Doença Renal Crônica (DRC) do que na população em geral, levando em conta qualquer uma das fases da doença.1,2 Considera-se que as próprias doenças de base e comorbidades da DRC são fatores de risco para o comprometimento cognitivo do paciente. Além da hipertensão arterial sistêmica e da Diabetes mellitus, o predomínio de fatores para risco vascular, a diminuição na taxa de filtração glomerular,3 as toxinas urêmicas, a polifarmácia, os processos imunoinflamatórios, a anemia, o estresse oxidativo e a própria Terapia Renal Substitutiva (TRS) podem ser responsáveis por afetar a cognição desses pacientes.4 Os mecanismos fisiopatológicos que promovem o comprometimento neurológico podem causar alterações degenerativas crônicas tanto nos rins quanto no cérebro.3
Identificar o comprometimento cognitivo permite aperfeiçoar adequadamente o cuidado à realidade cognitiva do paciente. Auxilia nos processos de orientação, de encorajamento do paciente na escolha do tratamento, no envolvimento de membros da família e cuidadores nas consultas clínicas. Conhecer os aspectos cognitivos do paciente simplifica o cuidado e permite um melhor aproveitamento das informações, de modo a auxiliar na adesão ao tratamento,5 uma vez que a disfunção cognitiva se associa a maiores riscos de óbito e menor adesão.6
O uso de rastreios cognitivos fornece evidências objetivas de comprometimento cognitivo moderado a grave em até 70% dos pacientes com DRC. As alterações encontradas normalmente indicam uma combinação de Demências neurodegenerativas, como doença de Alzheimer e demência vascular. E mesmo na ausência de alterações neurológicas evidentes, o comprometimento cognitivo pode ser detectado em pacientes com DRC através do uso de instrumentos psicométricos, como, por exemplo, o Montreal Cognitive Assessment (MoCA).3
O MoCA vem sendo considerado um instrumento superior ao Mini Exame do Estado Mental para o rastreio de comprometimento cognitivo em diversas patologias que envolvem danos em estruturas subcorticais do sistema nervoso, como a doença de Parkinson e a diabetes mellitus.2 O MoCA é um dos testes de triagem mais recentes, que pode ser utilizado por qualquer profissional da saúde treinado. É um teste desenvolvido especificamente para a triagem de formas mais leves de comprometimento cognitivo, e apresenta alta sensibilidade e especificidade para a detecção de comprometimento cognitivo leve, com tempo de aplicação média de 10 minutos. Abrange importantes domínios cognitivos e possui versões de aplicação em diversas línguas.7
Existem poucos estudos a respeito da utilização do MoCA no contexto da DRC. Portanto, o objetivo deste estudo é realizar uma revisão sistemática sobre a aplicação do MoCA na avaliação da cognição dos doentes renais crônicos no contexto da DRC.
De acordo com o protocolo PRISMA8 para a condução de métodos de revisão, torna-se importante identificar a População (P), a Intervenção (I), a comparação (C; quando pertinente) e os desfechos que se quer avaliar (O). Neste caso, pretendeu-se pesquisar na população doente renal crônica (P) o uso do instrumento MoCA para avaliação da cognição (I), a fim de avaliar sua eficiência para o contexto (O). A seleção e a extração dos artigos foram realizadas de forma individual por apenas um dos autores. Foram pesquisados, durante o mês de outubro de 2018, trabalhos originais indexados nas bases de dados da PubMed, Scopus, LILACS, PePSIC e SciELO. Foram utilizadas as palavras-chave "Montreal Cognitive Assessment", "Kidney Disease" e "Doença Renal Crônica", sem estabelecer restrições do ano de publicação. A estratégia completa de busca eletrônica pode ser conferida no Material Suplementar deste artigo. Os critérios de inclusão foram: a) artigos empíricos; b) abordar o comprometimento cognitivo na doença renal crônica; c) trabalhos na língua portuguesa, inglesa e espanhola. Os critérios de exclusão foram: a) não utilização do instrumento MoCA no estudo; b) artigos que não falem sobre doença renal crônica; c) artigos de revisão de literatura; d) trabalhos em demais idiomas. O estabelecimento para os critérios de exclusão é justificado pela função da revisão, buscando avaliar como os estudos empíricos na população doente renal crônica utilizam o instrumento. A seleção dos artigos foi realizada por meio da leitura do resumo e dos métodos de pesquisa, verificando se estavam adequados aos critérios de inclusão e exclusão. Na sequência, foram removidos os artigos duplicados, obtendo o banco de dados final.
A extração de dados dos artigos foi realizada por meio de uma tabela ordenada, extraindo-se os seguintes dados: 1) Base de dados de origem, 2) Ano de publicação, 3) Periódico do artigo, 4) País de pesquisa, 5) Amostra de tratamento renal pesquisada, 6) Objetivos, 7) Métodos, 8) Instrumentos associados, 9) Número de amostra, 10) Principais achados, 11) Limitações apresentadas e 12) Conclusão.
A seleção dos artigos analisados foi realizada conforme exemplificado na Figura 1. No total, foram encontrados 45 artigos por pesquisa com as palavras-chave nas bases de dados. A remoção de artigos duplicados resultou em 34 artigos para serem avaliados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Na exclusão dos artigos, quatro deles foram retirados no primeiro critério, pois não utilizavam o MoCA como parte da metodologia (critério A), seis artigos foram retirados por não tratarem sobre a DRC (critério B), sete artigos não eram estudos empíricos (critério C), e outros dois artigos possuíam apenas versões em chinês (critério D). A análise final foi realizada baseando-se em 16 artigos.
O ano de publicação dos 16 artigos analisados concentraram-se entre 2014 e 2018, sendo seis deles publicados no ano de 2017, dois nos anos de 2015 e 2018 e três nos anos de 2014 e 2016. Estão apresentadas na Tabela 1 informações referentes ao país de pesquisa, amostra de doentes renais crônicos estudada, tamanho da amostra do estudo e dos periódicos em que os estudos foram publicados.
Tabela 1 Descrição dos estudos por periódicos, país de pesquisa, amostra doente renal crônica pesquisada, tamanho de amostra e desenho de estudo
Estudos | Periódico | País de pesquisa | Amostra DRC | Tamanho de amostra | Desenho de estudo |
---|---|---|---|---|---|
Lee et al., 2018 | Renal Failure | Coreia do Sul | HD | 30 + 30 controles | Transversal |
Kim, Kang e Woo, 2018 | Journal of Korean Medical Science | Coreia do Sul | HD | 102 | Transversal |
Otobe et al., 2017 | Nephrology (Carlton) | Japão | Pré-diálise; | 120 | Transversal |
Gupta et al., 2017 | Nephron | Estados Unidos | TX | 157 | Transversal |
Zheng et al., 2017 | BMC Nephrology | China | DP | 72 | Transversal |
Iyasere, Okai e Brown, 2017 | Clinical Kidney Journal | Londres | Pré-diálise; HD; DP | 102 | Longitudinal |
Gupta et al., 2017 | BMC Nephrology | Estados Unidos | TX | 226 | Transversal |
Angermann et al., 2017 | Clinical Science | Alemanha | HD | 201 | Transversal |
Paraizo et al., 2016 | Jornal Brasileiro de Nefrologia | Brasil | Pré-diálise | 72 | Transversal |
Foster et al., 2016 | American Journal of Nephrology | Canadá | Pré-diálise; | 385 | Transversal |
Lambert et al., 2016 | Nephrology (Carlton) | Austrália | Pré-diálise;HD; TX | 155 | Transversal |
Shea et al., 2015 | Peritoneal Dialysis International | China | DP | 114 | Longitudinal |
Kang et al., 2015 | Hemodialysis International | Coreia do Sul | HD | 101 | Transversal |
Tiffin-Richards et al., 2014 | Plos One | Alemanha | HD | 48 DRC + 42 controles | Transversal |
Palmer et al., 2014 | American Journal of Nephrology | Estados Unidos | DRC em estágios iniciais | 263 | Transversal |
Nikić et al., 2014 | BioMed Research International | Sérvia | HD | 86 | Transversal |
HD = Hemodiálise; DP = Diálise Peritoneal; TX = Transplante
Com relação ao país de origem, evidencia-se a produção de países orientais no assunto. A maior parte da amostra foi composta por pacientes em tratamento de hemodiálise. 41,1% dos artigos possuem amostra acima de 150 participantes. Os estudos foram publicados em sua maioria em periódicos específicos de nefrologia.
Em uma apreciação sobre métodos de pesquisa, observou-se que apenas dois dos estudos foram de natureza longitudinal.9,10 Todos os estudos analisados tiveram amostra composta por pacientes com mais de 18 anos. A Tabela 2 sumariza os dados demográficos e clínicos, assim como resultados da aplicação do MoCA nos estudos analisados.
Tabela 2 Dados demográficos, clínicos e do instrumento Montreal Cognitive Assessment nos estudos analisados
Amostra | Idade média (dp) | Sexo (masculino) | < 12 anos escolaridade | Doença de base prevalente | TGF estimada Média (dp) | Critério de corte | Prevalência de CC | Escore MoCA Média (dp) | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Lee et al., 2018 |
HD | 64,90 (7,88) | 40,0% | - | - | - | Definido por idade e escolaridade | - | 20,35 (4,54) |
Kim, Kang e Woo, 2018 | HD | 57,1 (12) | 53,9% | - | Nefropatia diabética (52,0%) | - | 22 | - | 19,26 (7,78) |
Otobeet al., 2017 | Pré-diálise | 77,3 (6,8) | 76,7% | 43,3% | Nefropatia hipertensiva (41,7%) | 30,2 (12,5) |
26 | 62,5% | 24,4 (2,8) |
Gupta et al., 2017 |
TX | 55 (14,8) | 57,0% | 36,9% | - | 50,3 (13,3) |
26 | 30,0% | 26,6 (2,9) |
Zheng et al., 2017 |
DP | 56,2 (16) | 37,5% | 40,3% | - | - | 26 | 86,8% | 21,7 (5,6) |
Iyasere, Okai e Brown, 2017 | DRC | 72,5 (1,5) | 63,9% | 65,5% | Nefropatia diabética (40,0%) | 17 (0,9) |
26 | 53,8% | 25 |
HD | 68,9 (1,3) | 70,7% | 61,1% | Glomerulonefrite (26,8%) | - | 63,3% | 23 | ||
DP | 72,8 (1,6) | 76,0% | 100,0% | Nefropatia diabética (63,9%) | - | 64,3% | 24 | ||
Gupta et al., 2017 | TX | 54 (13,4) | 60,6% | 57,5% | - | 52 (21) |
26 | 58,0% | |
Angermann et al., 2017 | HD | 64,5 | 70,1% | 39,2% | - | 26 | 60,2% | 24,14 | |
Paraizo et al., 2016 |
Pré-diálise | 56,74 (7,63) | 55,6% | - | - | - | 24 | 73,6% | 21,83 (4,16) |
Foster et al., 2016 |
DRC 4 e 5 | 68 | 60,6% | - | - | 19 | 24 | 61,0% | 22,75 |
Lambert et al., 2016 |
Pré-diálise | 70 | 45,8% | 54,2% | - | 11,9 (4,7) |
24 | 16,7% | 22,07 |
HD | 70 | 52,0% | 72,0% | - | - | 48,0% | 24,8 | ||
DP | 70,2 | 66,7% | 63,0% | - | - | 55,6% | 23,12 | ||
TX | 58,5 | 61,5% | 44,2% | - | 58,3 (18,3) |
19,2% | 26,77 | ||
Total | 66 | 59,4% | 56,8% | - | 43,1 (26,7) |
36,1% | 25,23 | ||
Shea et al., 2015 |
DP | 59 (15) | 53,0% | 44,7% | Nefropatia diabética (31,6%) | - | 21/22 | 28,9% | 23 (5,3) |
Kang et al., 2015 | HD | 57,3 (12,2) | 53,9% | - | - | - | 22 | 56,4% | 19,04 (8,07) |
Tiffin-Richards et al., 2014 |
HD | 58,3 (13,9) | 52,1% | - | Nefropatia diabética (27,1%) Glomerulonefrite crônica (27,1%) | - | 24 | - | 24,0 (4,0) |
Palmer et al., 2014 |
DRC | 60,5 (9,8) | 40,7% | 56,0% | - | 75,3 (28) |
- | - | 19,27 (3,73) |
Nikic, Andric e Stojimirovic, 2014 | HD | 60,9 | 69,7% | 48,8% | - | - | 26 | 75,6% | 22,5 |
HD = Hemodiálise; TX = Transplante; DP = Diálise Peritoneal; DRC = Doente Renal Crônica; TGF = Taxa de Filtração Glomerular; CC = Comprometimento Cognitivo; MoCA = Montreal Cognitive Assessment
A maior parte dos estudos apresentou prevalência de comprometimento cognitivo acima de 50% da amostra. Como critério para identificação do comprometimento cognitivo, os estudos apontaram diferentes pontos de corte, fazendo referência a critérios distintos para o estabelecimento desses valores. Sete estudos utilizaram o ponto de corte originalmente proposto de 26 pontos, quatro utilizaram 24 e outros dois estudos utilizaram a pontuação 22. Dois estudos não especificaram o critério utilizado. Com relação aos valores de Ktv nos pacientes em diálise, apenas quatro estudos apresentaram os valores, todos acima de 1.2, como idealizado pelos parâmetros de saúde.
Apenas dois estudos apresentaram a definição do que era entendido por comprometimento cognitivo, concordando entre si, explicando o termo como alteração na cognição em um ou mais domínios, com preservação das habilidades funcionais e independentes, sem prejuízo nas atividades de vida diária.2,5 Um dos estudos não define, mas exemplifica que comprometimento cognitivo seria uma condição entre o declínio cognitivo esperado para a idade e a demência.11 A Tabela 3 apresenta dados em referência aos objetivos dos estudos, os métodos utilizados e as limitações apresentadas pelos autores sobre o estudo.
Tabela 3 Descrição dos objetivos, métodos, critério e limitações dos estudos
Autores | Objetivos | Método | Limitações apresentadas |
---|---|---|---|
Lee et al., 2018 | Examinar a função cognitiva dos pacientes em HD comparando dois rastreios comumente utilizados para identificar déficits cognitivos. | Dados demográficos e clínicos Exames laboratoriais Seoul Neuropsychological Screening Battery (SNSB) Escala de Depressão Geriátrica MoCA MEEM |
Amostra relativamente pequena; Dados clínicos para o grupo controle foram limitados; Testagem das habilidades cognitivas imediatamente antes da diálise. |
Kim, Kang e Woo, 2018 | Determinar a relação entre fatores psicossociais e QV em pacientes com DRC submetidos à hemodiálise. | Dados clínicos Exames laboratoriais WHOQOL-BREF Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão Escala Multidimensional de Suporte Social Percebido MOCA Índice de qualidade de sono de Pittsburg Zarit Burden Interview |
Viés de seleção na escolha dos fatores médicos e psicossociais; Amostra relativamente pequena; Amostra composta por um único centro. |
Gupta et al., 2018 | Avaliar a vantagem da cognição medida com ferramentas de triagem padrão sobre a cognição percebida em pacientes de transplante. | Dados demográficos e clínicos MOCA Escala Likert para percepção de demência |
Generalização dos resultados limitada devido às características demográficas da amostra; Falta de uma avaliação neuropsicológica detalhada; Necessidade de validação da escala Likert utilizada. |
Otobe et al., 2017 | Avaliar a prevalência de CCL e a relação entre o CCL e a função física em idosos com DRC pré-diálise. | Dados demográficos e clínicos Exames laboratoriaisÍndice de Barthel MEEM MOCA Velocidade da marcha Força de preensão manual Força muscular do extensor do joelho Postura unilateral |
Utilização apenas do MoCA para avaliação da cognição; Não utilização de grupo controle da mesma idade; Não avaliação de outros fatores influentes na cognição (como depressão, tempo de DRC); Exclusão de pacientes com provável demência. |
Zheng et al., 2017 | Investigar Doenças de Pequenos Vasos Cerebrais (DPVC) nos pacientes em DP e determinar o possível mecanismo patogênico da doença e suas alterações funcionais. | Dados demográficos e clínicos Índice de Massa Corporal Exames laboratoriais Ressonância magnética (DISCOVERY MR750; General Electric, Milwaukee, WI) Entrevistas MEEM MOCA |
Amostra relativamente pequena; Fatores de confusão para RM e alterações cognitivas; Utilização do MOCA e MEEM como variável contínua ao invés de dicotômica. |
Iyasere, Okai e Brown, 2017 | Comparar as tendências cognitivas entre pacientes em diálise e com DRC e, posteriormente, entre HD e pacientes com DP. | Dados demográficos e clínicos MoCA Questionário de Saúde do Paciente-9 (PQH-9) Ferramenta de Avaliação de Competência MacArthur |
Exclusão de pacientes com significante CC; Amostra relativamente pequena. |
Gupta et al., 2017 | Avaliar a prevalência de comprometimento cognitivo em pacientes candidatos ao transplante de rim. | Dados demográficos e clínicos MoCA |
Exclusão de pacientes com significante CC; Metodologia transversal impossibilitou análises longitudinais relevantes. |
Angermann et al., 2017 | Identificar fatores de risco com alto impacto sobre a patogênese do comprometimento cognitivo e demência em pacientes em HD, com foco especial no papel da rigidez vascular. | Dados demográficos e clínicos MoCA Batimentos cardíacos Pressão arterial Velocidade da onda de pulso |
Exclusão de pacientes com significante CC; Utilização de apenas um instrumento de avaliação cognitiva; O método escolhido para a medição de PWV. |
Paraizo et al., 2016 | Determinar a prevalência de CC em pacientes não idosos com DRC pré-dialítica; Identificar testes neuropsicológicos de fácil aplicação e interpretação, para o rastreio de CC com desempenho semelhante ao MoCA. | Anamnese estruturada Questionário clínico de depressão MoCA Escala de Pfeffer |
*Não apontada no estudo. |
Foster et al., 2016 | Determinar a prevalência e os fatores de risco para CC em pacientes com DRC estágios 4 e 5, fora de TRS. | Dados demográficos e clínicos Questões para avaliação de fragilidade MoCA |
Falta de valores normativos no MoCA; Não coleta ou não avaliação dos valores séricos de laboratório. |
Lambert et al., 2016 | Comparar a extensão do comprometimento cognitivo e os tipos de déficits cognitivos em quatro grupos de pacientes com DRC. | Dados demográficos e clínicos MoCA | Exclusão de pacientes com significante CC; Falta de registro de fatores que interferem no CC (depressão); Falta de valores normativos no MoCA. |
Shea et al., 2015 | Investigar a prevalência de CC em pacientes recém-iniciados em DP e o impacto do CC em peritonites relacionadas à diálise. | Dados demográficos e clínicos Exames laboratoriais MoCA |
Falta de levantamento de história cognitiva detalhada da amostra; Amostra relativamente pequena. |
Kang et al., 2015 | Identificar os possíveis preditores de QVRS entre os fatores clínicos e psicossociais de pacientes em HD. | Dados demográficos e clínicos Exames laboratoriais Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão Escala Multidimensional de Apoio Social Percebido Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh Questionário Europeu de Qualidade de Vida 5 dimensões MoCA |
Amostra relativamente pequena; Falta da coleta de questões longitudinais sobre fatores clínicos, psicossociais e de QVRS; Realização do estudo em um centro único. |
Tiffin-Richards et al., 2014 | Avaliar o MoCA como uma ferramenta de triagem breve para CC em pacientes em HD em comparação com um teste cognitivo abrangente. | Dados clínicosMoCA Dígitos inversoTeste StroopTeste de Nomeação de Boston Escala de Percepção Espacial e do Objeto Escala de Sonolência de Epworth Breve Inventário de Fadiga Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão |
Exclusão de pacientes com significante CC; Amostra relativamente pequena. |
Palmer et al., 2014 | Avaliar as relações entre a doença renal leve e o desempenho cognitivo na população afroamericana com DM2. | Dados demográficos e clínicos Exames laboratoriais MoCAMEEMTeste de aprendizagem auditivo-verbal de ReyTeste StroopFluência verbal para animaisCódigo - WAIS IIIExames laboratoriais |
Dificuldade de generalização dos resultados; Questões metodológicas sobre os participantes da pesquisa. |
Nikic, Andric e Stojimirovic, 2014 | Explorar o efeito do consumo habitual de café e consumo normal de cafeína na função cognitiva em pacientes de HD de manutenção. | Dados demográficos e clínicos Questionário dietético sobre o consumo habitual de café MoCA Inventário de Depressão de Beck II Inventário de Ansiedade de Beck Escala de Fadiga FACIT Escala Epworth de Sonolência Escala de Insônia AthensÍndice de Qualidade do Sono de Pittsburgh |
Amostra relativamente pequena; Falta de valores normativos no MoCA. |
Nota: DRC = Doença Renal Crônica; HD = Hemodiálise; DP = Diálise Peritoneal; CC = Comprometimento Cognitivo; PWV = Pulse Wave Velocity; TRS = Terapia Renal Substitutiva; QVRS = Qualidade de Vida Relacionada à Saúde; DM2 = Diabetes Mellitus tipo 2; MoCA = Montreal Cognitive Assessment; MEEM = Mini Exame do Estado Mental.
Os estudos se distribuem heterogeneamente em três principais funções: a) estimam a prevalência de comprometimento cognitivo na população com DRC; b) utilizam o MoCA como ferramenta de mensuração cognitiva para estratégias de intervenção/exposição; c) comparam o MoCA a outros instrumentos para rastreio cognitivo. A análise dos principais achados e limitações das pesquisas será realizada por meio dessas funções.
Com relação aos estudos que buscavam em algum nível estimar a prevalência de comprometimento cognitivo na população com DRC,2,5,9,11-13 o principal achado é alta prevalência de comprometimento cognitivo encontrada nas amostras. Foram evidenciados que idade, educação, doenças de base e estar em terapia renal substitutiva podem exercer influência no comprometimento cognitivo,5,9,10,12,13 entretanto não foram encontradas diferenças significativas entre as modalidades de diálise nos escores gerais.9 Foi observado também que a etiologia do comprometimento cognitivo pode não ser inteiramente atribuída a índices baixos de filtração glomerular11,12 demonstrando que a albuminúria foi associada a pior desempenho estatisticamente significativo.14 Os resultados sugerem que o comprometimento cognitivo em pacientes em diálise pode não ser inteiramente reversível após transplante.12
Como a limitação possivelmente mais influente, apontada em mais de um estudo, há o fato de o MoCA não possuir valores de padronização de escores que auxiliem a identificação do comprometimento cognitivo na população com DRC. Além disso, outras limitações importantes envolvem questões metodológicas, como: a exclusão de pacientes com comprometimento cognitivo significativo e a não mensuração de características que poderiam exercer influência no comprometimento cognitivo (como valores séricos, depressão, dados clínicos). O tamanho da amostra e a falta de um grupo controle também são indicados como limitações, porém parecem exercer menos influência sobre o objetivo proposto.
Os estudos que utilizaram o MoCA como ferramenta de mensuração cognitiva para estratégias de intervenção/exposição10,11,15-18 encontraram que a cognição é um fator importante para melhorar a condição clínica dos pacientes, mesmo sem estar relacionada diretamente à qualidade de vida. Apontam que a redução na velocidade da marcha, a rigidez arterial e o infarto lacunar são importantes preditores do declínio cognitivo. Com relação às limitações presentes nesses estudos que podem influenciar os resultados, são apontadas a utilização apenas de um instrumento para avaliação da cognição e a não avaliação de outros fatores influentes no comprometimento cognitivo. Outros fatores observados, porém considerados menos influentes aos seus objetivos são: a exclusão de pacientes com provável demência e o tamanho da amostra relativamente pequena ou de apenas um centro.
Por fim, dois estudos que comparam o MoCA a outros instrumentos para rastreio cognitivo2,19-21 apontaram que o instrumento possui características importantes para ser considerado um bom instrumento de avaliação nessa população. Evidencia-se que o MoCA demonstra bons níveis de sensibilidade e especificidade, abrangendo as principais funções cognitivas,2,21 dentre elas as funções executivas, que exercem um papel importante no desempenho cognitivo de pacientes DRC. O tempo de aplicação breve para o contexto também foi apresentado como uma vantagem do instrumento.2 O instrumento é apresentado como um complemento essencial para a prática clínica, pois auxilia na utilização de recursos de assistência de saúde, com o objetivo de melhorar o resultado individual, e oferece a possibilidade de medições longitudinais devido às versões alternativas disponíveis.21 As principais limitações dessa categoria foram: amostra relativamente pequena, falta de uma avaliação neuropsicológica detalhada, testagem das habilidades cognitivas imediatamente antes da diálise e exclusão de pacientes com possível demência.
De modo geral, as conclusões dos estudos sugerem novas pesquisas longitudinais e com amostras maiores. Sugerem também que os rastreios cognitivos sejam incorporados à prática clínica de rotina, utilizando dados de comprometimento cognitivo para planejar a educação do paciente e o monitoramento da aderência. Além disso, os estudos também apontam a necessidade de intervenções e estratégias para melhorar a cognição dos pacientes nesse contexto.
O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática sobre a aplicação do MoCA na DRC. Os resultados evidenciaram que o MoCA é um instrumento eficaz para a avaliação cognitiva dos pacientes em diversos estágios da doença e modalidades de tratamento da DRC. Todavia, não há consenso na literatura em relação ao melhor ponto de corte para detectar a melhor sensibilidade e especificidade do instrumento. Apesar de o instrumento ter sido desenvolvido em 2005, seu uso tornou-se rotineiro para essa população nos últimos cinco anos. Pode-se atribuir o uso recente às pesquisas que demonstram sua superioridade ao Mini Exame do Estado Mental na identificação do comprometimento cognitivo.2
Sua eficiência tem-se demonstrado devido à sensibilidade e especificidade do instrumento,5,22 abrangência dos principais domínios cognitivos e também pela facilidade de aplicação no contexto.2 O instrumento demonstrou ser facilmente aplicável e sensível para levantar o comprometimento dos pacientes nas diversas fases da doença, oferecendo a possibilidade de estudos longitudinais.22 Do ponto de vista das equipes de saúde, demonstra-se eficaz, considerando tempo de aplicação e acessibilidade ao instrumento,2 pensando em custos e em operacionalização de protocolos.
A prevalência da realização de estudos com pacientes em hemodiálise ocorre devido ao fato de essa população apresentar maior fator de risco de desenvolvimento de comprometimento cognitivo,1 pior qualidade de vida22 e requerer práticas mais severas de adesão ao tratamento. Dessa maneira, é importante aos profissionais da saúde identificar o comprometimento cognitivo visando buscar intervenções que se mostrem melhor adaptadas ao paciente.
É inegável a importância da coleta dos dados clínicos e histórico médico dos pacientes quando se realiza uma pesquisa de avaliação cognitiva em pacientes renais crônicos. Esses dados tornam-se fundamentais, uma vez que a disfunção cognitiva pode estar presente antes mesmo do estabelecimento da DRC, e a alteração ser causada pelas doenças de base, comorbidades e/ou doenças do histórico passado do paciente. Do mesmo modo que o rim, ao ser exposto à um fluxo sanguíneo de alto volume, pode apresentar lesões, o cérebro pode ser igualmente suscetível a esses danos vasculares e patologias microvasculares.3 A diabetes mellitus, outra doença que é fator de risco para o desenvolvimento da DRC, também causa certo nível de comprometimento de algumas funções cognitivas ao longo dos anos de doença,23 sendo o descontrole glicêmico a causa de lesões neurológicas severas.24
Os estudos analisados não apresentaram correlações do comprometimento cognitivo sobre as diferentes patologias e exames laboratoriais atuais, portanto é interessante para novas pesquisas buscar as diferenças entre o perfil cognitivo dos pacientes com as distintas doenças de base, comorbidades e situação clínica. Apesar da não distinção entre os fatores apresentados anteriormente, os estudos encontraram índices elevados de comprometimento cognitivo na amostra, que foram de 28,9%10 até 74,6%.2 O menor índice foi encontrado no estudo com pacientes em diálise peritoneal, com prevalência de ensino superior; entretanto outros seis artigos5,9,11,12,15,17 apresentaram prevalência acima de 58% de comprometimento cognitivo na amostra.
Outra das limitações apresentadas pelos estudos foi relacionada aos métodos propostos em relação ao desenho de pesquisa e amostra. Os desenhos transversais são mais comumente preferidos na população devido a altas taxas de mortalidade no início do tratamento,25 à hospitalização e a outros fatores que podem comprometer a participação do paciente na pesquisa. A idealização de pesquisas com amostras maiores, com maior potencial para generalização, tende a suprir a limitação de alguns desses limites das amostras transversais atuais. Entretanto, não se descarta a necessidade de estudos longitudinais no contexto.
Considera-se que os estudos foram prejudicados pela falta de padronização dos escores para identificação do comprometimento cognitivo. Supõe-se que a estimativa é facilmente manipulada ao alterar o valor de corte.26 Confirma-se isso quando, em um mesmo estudo, obteve-se diferentes prevalências de comprometimento cognitivo na população, passando de 61% com ponto de corte 24, para 75% com ponto de corte 26,5 valor proposto pelos desenvolvedores do teste.7
Apesar de a pesquisa de Tiffin-Richards et al.21 incluída nesta revisão, apresentar 24 pontos como o escore para corte ideal para a população doente renal crônica analisada, o estudo apresenta diversas limitações metodológicas que dificultam a generalização. A amostra pequena e as questões sociodemográficas apresentadas, como, por exemplo, grau de escolaridade elevada, não abrangem a realidade dos paciente renais de muitos contextos, principalmente nos países em desenvolvimento e nas populações mais pobres, em que cresce a taxa de pacientes com DRC.27
As questões referentes a dificuldades com pontuação de corte também são abordadas em estudos do Montreal Cognitive Assessment não específicos à nefrologia. Recentemente, uma meta-análise realizada no Canadá,28 com versões do MoCA em inglês, apontou os problemas em relação à sensibilidade e especificidade do escore, e demonstrou que o ponto de corte de 23 ofereceu maior precisão de classificação (90%) e melhor equilíbrio entre questões de falso e verdadeiro positivo (índice de Youden = 0,79). Um dos poucos estudos realizados com a versão brasileira do MoCA, realizado por Sarmento,29 sugeriu um corte 24 para o MoCA na língua portuguesa, com sensibilidade 70,0% e especificidade 62,5%. Entretanto, nessa versão, a autora encontrou baixa consistência interna do instrumento em sua tradução.
Desse modo, a análise dos estudos revisados demonstra que ainda há necessidade de estudos mais completos sobre pontuação e a adaptação do Montreal Cognitive Assessment para as diversas línguas. É importante que sejam consideradas as particularidades sociodemográficas dos diferentes países, principalmente referentes à escolarização e à versão traduzida do instrumento a ser utilizada. Em âmbito clínico, é recomendado aos profissionais de saúde que procurem, para a interpretação dos resultados, estudos mais relacionados ao contexto vivido pelos pacientes.
A análise dos estudos pode sofrer riscos de viés. O principal risco de viés ao qual este estudo pode estar relacionado é o de publicação, uma vez que há maior propensão de que autores publiquem resultados positivos obtidos pela pesquisa. A presente revisão também apresentou algumas limitações. Apenas um dos autores foi responsável pela seleção e extração dos dados dos artigos. Como forma de contornar essa limitação, os critérios de busca são apresentados como material suplementar, de modo a diminuir o possível risco de viés. Outra limitação apresentada é a não realização da avaliação de qualidade dos estudos por meio de ferramentas validadas para estudos observacionais. A seleção de artigos somente em português e em inglês também pode ser considerada uma limitação do estudo, entretanto parece ser de menor força, uma vez que somente dois trabalhos não foram incluídos por terem sido publicados em outra língua.
O MoCA tem sido utilizado de modo eficaz em diversos estágios e modalidades de tratamento da DRC. Evidencia-se, entretanto, que não há consenso na literatura a respeito do ponto de corte com melhor sensibilidade e especificidade para a detecção do comprometimento cognitivo. Em suma, sabe-se que há alta prevalência de comprometimento cognitivo na população doente renal crônica, presente nos diversos estágios da doença, nas diferentes modalidades de tratamento e apresenta-se de modo irreversível. Considera-se então que os artigos analisados proporcionam um embasamento importante para a verificação da necessidade de adaptação de práticas clínicas realizadas por profissionais da saúde, além de trazerem ideias de novas pesquisas para essa população. Apesar de serem necessários mais estudos em relação ao critério de identificação do comprometimento cognitivo, os estudos demonstram a versatilidade do uso do MoCA no rastreio cognitivo do doente renal crônico, fornecendo resultados sobre o grau de comprometimento e as funções com maiores prejuízos.
A partir das informações levantadas, torna-se importante motivar a reflexão e estimular a criação de estratégias por parte dos profissionais de saúde sobre práticas que possam contribuir para a prevenção ou o retardo do comprometimento cognitivo do paciente. Acredita-se que contribuições sobre o assunto não devam ser restringidas a nefrologistas, neurologistas e neuropsicólogos, e sim que todos os profissionais da área da saúde possam oferecer estratégias, dentro da sua rede de conhecimento, para o enfrentamento e a adaptação desse quadro clínico.