versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1658
Apesar dos alertas lançados pela literatura, ainda não se conseguiu atingir, no Brasil, os índices ideais preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para realização de cesáreas(1). Estudo brasileiro mostrou taxa de 72% nos hospitais privados e de 31% nos públicos(2). De acordo com a OMS, apenas 15% do total de partos apresentam indicação precisa de cesariana, ou seja, existem situações em que a sua prática é fundamental para a preservação da saúde materna e/ou fetal(1).
Alguns autores admitem que a taxa aceitável de cesarianas para maternidade de atenção terciária seria entre 10 e 12% para gestações únicas, com a ressalva de que se pode ter uma atitude mais intervencionista na presença de recém-nascidos de muito baixo peso(3). Revisão feita em 2003 sobre a operação cesariana mostrou que as taxas aceitáveis seriam de 15 a 30% para gestações de baixo e médio risco, e de 40% para gestações de alto risco obstétrico e/ou perinatal(4).
É alta a incidência de cesariana nos hospitais brasileiros e, intrigante que seja, mais elevada nas instituições privadas. Foi constatada taxa de 72% de cesarianas nos hospitais privados e de 31% nos públicos estudados no Brasil(2). Segundo dados do DATASUS, a proporção de cesáreas pagas pelo SUS em 2003 foi de 26,39% dos partos. Nesse mesmo período, a média no setor privado foi de 81,69%, conforme informações enviadas pelas operadoras de saúde suplementar ao Sistema de Informações de Produtos (SIP) da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Ministério de Saúde(2).
No Brasil, o órgão que normatiza o funcionamento de convênios e seguros-saúde é a ANS, que adota como um dos indicadores da qualidade de assistência ao parto justamente a proporção de cesáreas por determinada operadora (entende-se por isso operadora de planos de assistência à saúde). Essa proporção é conceituada como a relação entre o número total de cesáreas e o total de partos normais mais cesáreas realizados por uma operadora no período considerado(2). Segundo a ANS, esse indicador permite avaliar a qualidade da assistência prestada, uma vez que o aumento do índice pode estar refletindo um acompanhamento pré-natal inadequado ou indicações equivocadas do parto cirúrgico em detrimento do parto normal(2).
Revisão sistemática da literatura publicada recentemente mostrou que os partos cesarianos fora do trabalho de parto, com idade gestacional menor que 40 semanas, são menos recomendados devido à sua associação com aumento do risco de morbidade respiratória no recém-nascido (RN). Desse modo, crianças nascidas de cesárea eletiva às 37 semanas têm cinco vezes mais chances de ter doença respiratória grave do que o parto a termo; com 38 semanas, essa chance passa a ser quatro vezes maior e, com 39 semanas, é duas vezes maior. Mas o aumento de risco com 39 semanas não é estatisticamente significativo(5).
Essas observações levam, naturalmente, ao questionamento a respeito da qualidade da assistência ao parto oferecida pelos hospitais, principalmente os privados. Em documento da ANS, a taxa informada pelas operadoras do setor de saúde suplementar (convênio) foi de 81,69% em 2003, enquanto a de partos cesáreos pagos pelo SUS foi de 26,39% no mesmo ano. A comparação da evolução clínica de recém-nascidos por via vaginal e por via abdominal pode mostrar quais são as morbidades associadas a uma e outra via de parto. Pelo exposto, estudos comparando a evolução no período neonatal de crianças nascidas por via abdominal e via vaginal são pertinentes, visando à obtenção de dados que venham a contribuir para promover a melhor assistência à mãe e ao seu filho.
O objetivo do presente estudo foi analisar comparativamente os efeitos, sobre o recém-nascido, dos partos realizados por via abdominal e dos partos vaginais em uma grande maternidade privada da cidade de São Paulo.
O estudo teve desenho transversal, retrospectivo, incluindo as pacientes consecutivamente internadas para darem à luz no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) entre Janeiro de 1995 e Dezembro de 1998.
O HIAE é um hospital privado que atende pacientes com bom poder aquisitivo, que possuem bons planos de saúde ou que pagam particularmente sua internação. Estudos existentes mostram que a totalidade da população de gestantes atendida nesse hospital recebe atenção pré-natal, sendo que 94,6% fazem seis consultas ou mais, 61,1% têm curso superior completo, 97,9% possuem seguro saúde, 0,9% são adolescentes, com média de idade de 31,1 anos(6).
Foram analisados prontuários de 8.457 gestantes internadas no HIAE para dar à luz, estando ou não em trabalho de parto e em qualquer idade gestacional. Foram excluídas 460 gestações múltiplas e 517 gestantes com afecções obstétricas (tais como pré-eclâmpsia e outras) e/ou clínicas (hipertensão arterial preexistente e cardiopatias, entre outras). A amostra, após as exclusões, foi composta por 7.480 pacientes.
Os dados foram obtidos dos prontuários perinatais preenchidos pelos pediatras que prestavam atendimento aos recém-nascidos na sala de parto e durante a estada do RN na instituição. Tais dados compõem um banco de dados digitalizado e organizado para este tipo de pesquisa. A coleta dos dados teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HIAE.
As variáveis estudadas incluíram:
–. incidência de anoxia conforme definição do assistente neonatologista marcada em prontuário;
–. incidência de desconforto respiratório;
Foram considerados como desconforto respiratório os seguintes diagnósticos: taquipneia transitória, membrana hialina, hipertensão pulmonar, broncopneumonia, desconforto respiratório adaptativo, pneumomediastino, pneumonia, pneumonia congênita, pneumotórax.
–. incidência de tocotraumatismo;
–. Cada uma dessas variáveis foi avaliada em relação a:
–. tipo de parto (vaginal ou abdominal), intercorrências e uso de manobras e procedimentos, como o auxílio do fórcipe;
–. idade gestacional calculada de acordo com a regra de Näegele;
–. idade gestacional estimada após o nascimento de acordo com o método de Capurro;
–. peso ao nascer em gramas.
O teste utilizado para se observar a existência de associações entre duas variáveis qualitativas foi o χ2. As variáveis quantitativas de peso ao nascer, idade gestacional calculada e idade gestacional estimada pelo método de Capurro não seguem a distribuição normal e, portanto, as comparações entre os dois grupos (com afecção e sem afecção) foram realizadas pelo teste nãoparamétrico de Mann-Whitney, representado pelo valor de Z. Foram considerados significativos os valores de probabilidade (p) menor que 5%.
Foi utilizado o programa de computador Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.5, para a análise de dados.
A amostra total foi constituída de 7.480 recém-nascidos no período do estudo no hospital, dos quais 5.205 (69,6%) nasceram por cesárea, 477 (6,4%) pela via vaginal com aplicação de fórcipe e 1.798 (24%) de parto normal.
A anoxia ocorreu em 388 RN (5,2% do total da amostra). Desses, 240 nasceram por cesárea (3,2% do total de RN com anoxia), 58 (0,8%) com aplicação de fórcipe e 90 (1,2%) por parto normal. O teste de χ2 mostrou que houve associação estatisticamente significativa entre tipo de parto e anoxia (χ2 = 50,78; p < 0,001). Quando comparados dois a dois, verificou-se que não houve diferença entre parto normal e cesariana quanto à ocorrência de anoxia, mas houve associação significativa com o parto por fórcipe, tanto quando comparado com o parto normal (χ2 = 31,72; p < 0,001) como com cesariana (χ2 = 50,10; p < 0,001) (Tabela 1).
Tabela 1 Frequência de complicações conforme o tipo de parto na amostra total
Tipo de parto | Anoxia χ2 = 50,78; p < 0,001 | Desconforto respiratório χ2 = 11,20; p = 0,004 | Tocotraumatismo χ2 = 329,05; p < 0,001 | ||||||
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Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | |
Cesariana | 4.965 (66,4) | 240 (3,2) | 5.205 (69,6) | 5.005 (66,9) | 200 (2,7) | 5.205 (69,6) | 4.911(65,7) | 294 (3,9) | 5.205 (69,6) |
Fórcipe | 419 (5,6) | 58 (0,8) | 477 (6,4) | 457 (6,1) | 20 (0,3) | 477 (6,4) | 344 (4,6) | 133 (1,8) | 477 (6,4) |
Normal | 1.708 (22,8) | 90 (1,2) | 1.798 (24,0) | 1.758 (23,5) | 40 (0,5) | 1.798 (24) | 1.689 (22,6) | 109 (1,4) | 1.798 (24,0) |
Total | 7.092 (94,8) | 388 (5,2) | 7.480 (100) | 7.220 (96,5) | 260 (3,5) | 7.480 (100) | 6.944 (92,9) | 536 (7,1) | 7.480 (100) |
Verificou-se que 394 RN (5,3% do total de partos) tinham menos de 37 semanas de idade gestacional e foi possível observar que a anoxia ocorreu em 39 RN dessa faixa de idade, o que corresponde a 10% dos nascidos de pré-termo. Esteve presente também em 27 (6,9%) RN por cesariana, em 5 (1,3%) dos nascidos com complicação de fórcipe e em 7 (1,8%) dos nascidos por parto normal. Não se encontrou significância estatística para essa afecção na comparação entre os três tipos de partos nessa faixa de idade gestacional (χ2 = 2,73; p = 0,256) (Tabela 2).
Tabela 2 Incidência de complicações entre os recém-nascidos com menos de 37 semanas de gestação
Tipo de parto | Anoxia χ2 = 2,73; p = 0,256 | Desconforto respiratório χ2 = 0,33; p = 0,846 | Tocotraumatismo χ2 = 18,29; p < 0,001 | ||||||
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Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | |
Cesariana | 263 (66,7) | 27 (6,9) | 290 (73,6) | 226 (57,4) | 64 (16,2) | 290 (73,6) | 271 (68,8) | 19 (4,8) | 290 (73,6) |
Fórcipe | 21 (5,3) | 5 (1,3) | 26 (6,6) | 19 (4,8) | 7 (1,8) | 26 (6,6) | 18 (4,6) | 8 (2,0) | 26 (6,6) |
Normal | 71 (18,0) | 7 (1,8) | 78 (19,8) | 60 (15,2) | 18 (4,6) | 78 (19,8) | 72 (18,3) | 6 (1,5) | 78 (19,8) |
Total | 355 (90,0) | 39 (10,0) | 394 (100) | 305 (77,4) | 89 (22,6) | 394 (100) | 361 (91,7) | 33 (8,3) | 394 (100) |
No grupo de 7.086 RN que tinham idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas, a afecção anoxia atingiu 349 (4,9%) crianças, sendo 213 (3,0%) nascidos de cesariana, 53 (0,7%) nascidos de fórcipe e 83 (1,2%) nascidos de parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre os tipos de parto (χ2 = 48,59; p < 0,001) (Tabela 3), com maior incidência em casos de fórcipe.
Tabela 3 Incidência de complicações entre os recém-nascidos com 37 semanas de gestação ou mais
Tipo de parto | Anoxia χ2 = 48,59; p < 0,001 | Desconforto respiratório χ2 = 12,43; p = 0,002 | Tocotraumatismo χ2 = 31,77; p < 0,001 | ||||||
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Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | |
Cesariana | 4.702 (66,4) | 213 (3,0) | 4.915 (69,4) | 4.779 (67,4) | 136 (1,9) | 4.915 (69,3) | 4.640 (65,5) | 275 (3,9) | 4.915 (69,4) |
Fórcipe | 398 (5,6) | 53 (0,7) | 451 (6,3) | 438 (6,2) | 13 (0,2) | 451 (6,4) | 326 (4,6) | 125 (1,8) | 451 (6,4) |
Normal | 1.637 (23,1) | 83 (1,2) | 1.720 (24,3) | 1.698 (24,0) | 22 (0,3) | 1.720 (24,3) | 1.617 (22,8) | 103 (1,4) | 1.720 (24,2) |
Total | 6.737 (95,1) | 349 (4,9) | 7.086(100) | 6.915 (97,6) | 171(2,4) | 7.086 (100) | 6.583 (92,9) | 503 (7,1) | 7.086 (100) |
Entre as crianças com peso entre 1.500 e 2.499 g (317), foram encontradas 29 com anoxia, o que correspondeu a 9,1% dessa faixa de peso. Haviam nascido por cesárea 24 (7,6%), por parto a fórcipe 3 (0,9%) e 2 (0,6%) por parto normal. Foi observada uma associação estatística significativa entre os três tipos de parto e anoxia (χ2 = 8,76; p = 0,013) (Tabela 4), sendo a maior incidência em nascimentos por fórcipe.
Tabela 4 Ocorrência de complicações entre recém-nascidos com peso ao nascer entre 1.500 e 2.499 g
Tipo de parto | Anoxia χ2 = 8,76; p = 0,013 | Desconforto respiratório χ2 = 0,30; p = 0,859 | Tocotraumatismo χ2 = 1,29; p = 0,524 | ||||||
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Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | |
Cesariana | 225 (71,0) | 24 (7,6) | 249 (78,6) | 205 (64,7) | 44 (13,9) | 249 (78,6) | 239 (75,4) | 10 (3,1) | 249 (78,5) |
Fórcipe | 6 (1,9) | 3 (0,9) | 9 (2,8) | 8 (2,5) | 1 (0,3) | 9 (2,8) | 9 (2,8) | – | 9 (2,8) |
Normal | 57 (18,0) | 2 (0,6) | 59 (18,6) | 48 (15,1) | 11 (3,5) | 59 (18,6) | 55 (17,4) | 4 (1,3) | 59 (18,7) |
Total | 288 (90,9) | 29 (9,1) | 317 (100) | 261 (82,3) | 56 (17,7) | 317 (100) | 303 (95,6) | 14 (4,4) | 317 (100) |
Entre os nascidos com peso igual ou maior do que 2.500 g, foram incluídos 7.163 RN, e encontramos anoxia em 359 (5,0%). Desses, 216 (3,0%) nasceram por cesárea, 55 (0,8%) por fórcipe e 88 (1,2%) por parto normal. Foi encontrada associação estatística significativa entre anoxia e os três tipos de parto (χ2 = 49,12; p < 0,001) (Tabela 5), sendo a maior incidência para fórcipe.
Tabela 5 Ocorrência de complicações entre recém-nascidos com peso ao nascer ≥ 2.500 g
Tipo de parto | Anoxia χ2 = 49,12; p < 0,001 | Desconforto respiratório χ2 = 12,85; p = 0,002 | Tocotraumatismo χ2 = 33,11; p < 0,001 | ||||||
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Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | Não n (%) | Sim n (%) | Total n (%) | |
Cesariana | 4.740 (66,2) | 216 (3,0) | 4.956 (69,2) | 4.800 (67,0) | 156 (2,2) | 4.956 (69,2) | 4.672 (65,2) | 284 (4,0) | 4.956 (69,2) |
Fórcipe | 413 (5,8) | 55 (0,8) | 468 (6,6) | 449 (6,3) | 19 (0,2) | 468 (6,5) | 335 (4,7) | 133 (1,8) | 468 (6,5) |
Normal | 1.651 (23,0) | 88 (1,2) | 1.739 (24,2) | 1.710 (23,9) | 29 (0,4) | 1.739 (24,3) | 1.634 (22,8) | 105 (1,5) | 1.739 (24,3) |
Total | 6.804 (95,0) | 359 (5,0) | 7.163 (100) | 6.959 (97,2) | 204 (2,8) | 7.163 (100) | 6.641 (92,7) | 522 (7,3) | 7.163 (100) |
Verificou-se que desconforto respiratório esteve presente em 260 RN (3,5% do total). A distribuição de sua ocorrência foi: 200 (2,7%) RN nascidos de cesariana, 20 (0,3%) com aplicação de fórcipe e 40 (0,5%) por parto normal. O teste do χ2 mostrou associação estatisticamente significativa entre desconforto respiratório e cesariana e/ou fórcipe quando comparados com o parto normal (χ2 = 10,57; p = 0,001 para normal/cesariana e χ2 = 5,69; p = 0,017 para normal/fórcipe) (Tabela 1).
A afecção desconforto respiratório esteve presente em 89 RN com menos 37 semanas de idade gestacional, ou seja, 22,6% do grupo considerado. Dentre os nascidos por cesariana, esta ocorreu em 64 (16,2%) RN. Entre os nascidos por fórcipe, esteve presente em 7 (1,8%) casos e em 18 (4,6%) dos nascidos por parto normal. Não houve associação estatisticamente significativa entre tipo de parto e desconforto respiratório nessa faixa de idade gestacional (χ2 = 0,33; p = 0,846) (Tabela 2).
Na afecção desconforto respiratório, o número total de RN com idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas foi 171 (2,4%), dos quais 136 (1.9%) haviam nascido por cesárea, 13 (0.2%) com uso de fórcipe e 22 (0.3%) por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre essa afecção e os três tipos de parto (χ2 = 12,43; p = 0,002) para esta faixa de idade gestacional, sendo que o parto normal foi o que apresentou menor incidência (Tabela 3).
A afecção desconforto respiratório foi observada em 56 RN com peso entre 1.500 e 2.499 g (17,7%), dentre os quais 44 (13,9%) nasceram por cesárea, um (0,3%) a fórcipe e 11 (3,5%) por parto normal. Não houve associação estatística entre desconforto respiratório e tipo de parto para essa faixa de peso ao nascer (χ2 = 0,30; p = 0,859) (Tabela 4).
Entre os nascidos com peso igual ou maior que 2.500 g para a afecção desconforto respiratório, 204 crianças (2,8%) fizeram parte desse grupo. Cento e cinquenta e seis (2,2%) nasceram por cesárea, 19 (0,2%) por fórcipe e 29 (0,4%) por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre os três tipos de parto e o desconforto respiratório (χ2 = 12,85; p = 0,002), sendo que a incidência dessa afecção foi menor no parto normal (Tabela 5).
A afecção tocotraumatismo esteve presente em 536 RN, o que correspondeu a 7,1% do total considerado. Esteve presente em 294 (3,9%) RN por cesariana. Nos que foram submetidos à aplicação de fórcipe, ocorreu em 133 (1,8%) e nos de parto normal ocorreu em 109 (1,4%). O teste de χ2 revelou uma associação entre essa afecção e o uso de fórcipe tanto quando comparado com normal (χ2 = 188,82; p < 0,001), como com cesariana (χ2 = 310,80; p < 0,001) (Tabela 1).
A afecção tocotraumatismo esteve presente em 33 RN com menos de 37 semanas de idade gestacional, equivalendo a 8,3% das crianças estudadas no grupo considerado, assim distribuídos: 19 (4,8%) RN nascidos de cesariana, 8 (2,0%) nascidos por fórcipe e 6 (1,5%) nascidos por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre tocotraumatismo e os três tipos de parto (χ2 = 18,29; p < 0,001) (Tabela 2), sendo que a maior incidência foi de tocotraumatismo em aplicações de fórcipe.
Nesta afecção, o número de crianças com idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas acometidas foi 503 (7,1%), sendo 275 (3,9%) nascidos de parto cesárea, 125 (1,8%) de fórcipe e 103 (1,4%) de parto normal. Houve uma associação estatisticamente significativa com os três tipos de parto (χ2 = 310,77; p < 0,001) (Tabela 3), com maior incidência em fórcipe.
A afecção foi encontrada em 14 RN com peso entre 1.500 e 2.499 g, sendo que 10 (3,1%) nasceram de parto cesárea e 4 (1,3%) de parto normal. Nesta faixa de peso, não houve parto realizado com fórcipe. O teste do χ2 não foi estatisticamente significativo (χ2 = 1,29; p = 0,524) (Tabela 4).
Entre os nascidos com peso igual ou maior do que 2.500 g para a afecção tocotraumatismo, 522 deles (7,3%) fizeram parte desse grupo, sendo 284 (4.0%) nascidos de cesárea, 133 (1,8%) de fórcipe e 105 (1,5%) de parto normal, havendo associação estatisticamente significativa entre tocotraumatismo e os três tipos de parto (χ2 = 331,11; p < 0,001) (Tabela 5), com maior incidência no parto com fórcipe.
Não houve diferença significativa quanto à idade gestacional, idade gestacional estimada pelo método de Capurro e peso entre os RN que apresentaram ou não tocotraumatismo, tanto no parto vaginal quanto na cesariana.
Considerando os partos do tipo “vaginal” (normal mais fórcipe), o teste de Mann-Whitney não revelou associação entre anoxia e idade gestacional (Z = 1,001; p = 0,313). O mesmo teste foi aplicado para idade gestacional estimada pelo método de Capurro versus presença de anoxia, e aqui também não se encontrou associação significativa (Z = 1,37; p = 0,170); e para o peso (Z = 0,77; p = 0,439), também não houve associação significativa.
Para as cesáreas, foi aplicado o mesmo teste e encontrou-se diferença significativa da presença de anoxia nos RN com menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro (Z = 2,67; p = 0,007), assim como menor peso (Z = 2,65; p = 0,008).
Ao se aplicar o teste de Mann-Whitney para o grupo de RN com desconforto respiratório, verificou-se que, nos partos vaginais, esses RN tinham idade gestacional significativamente menor (Z = 7,319; p < 0,004), menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro (Z = 7,63; p < 0,001) e menor peso (Z = 6,25; p < 0,001). Também nos RN de cesariana, os resultados foram significativos: Z = 12,19; p < 0,001 para idade gestacional; Z = 12,78; p < 0,001 para idade gestacional estimada pelo método de Capurro e Z = 8,46; p < 0,001 para peso.
Ao analisar as afecções estudadas na amostra total deste estudo, isto é, independentemente da idade gestacional ou do peso, constatou-se que anoxia teve presença significativamente maior em crianças nascidas de parto a fórcipe. O achado da associação da morbidade ao uso de fórcipe se deve provavelmente à própria indicação de seu uso. Por exemplo, uma das indicações maternas seria o período expulsivo prolongado, em que o fórcipe é utilizado para ultimar o parto, principalmente se o feto está apresentando sinais de sofrimento. Segundo o manual da FEBRASGO(7), as indicações fetais são as manifestações de sofrimento fetal agudo (condição na qual os batimentos cardíacos fetais não voltam ao normal 30 segundos após o fim das contrações ou batimentos cardíacos fetais que permaneçam abaixo de 100 bpm na pausa contratural)(8), prolapso de cordão umbilical e a proteção do crânio do feto prematuro, evitando-se que a descompressão súbita venha a ser causa de hematoma intracraniano. É clássico o aforismo, “não há fórcipe inócuo”(8).
Entre os afetados por anoxia, quando se comparam tipos de parto, peso, idade gestacional calculada e idade gestacional estimada pelo método de Capurro, somente no grupo de RN nascidos por cesariana observou-se menor média da idade gestacional estimada pelo método de Capurro e menor peso, não havendo essa diferença nos outros tipos de parto. Isso sugere que cirurgias estão provavelmente sendo realizadas e marcadas antes da hora ideal para o nascimento. Seria só a presença de sofrimento fetal nesse grupo de crianças que explicaria a presença de anoxia ao nascer? Vale a pena questionar a diferença citada, já que o número total de nascidos por essa via foi de 5.205, e a percentagem de cesariana foi de 69,6%. Quantas dessas crianças não nasceram antes do momento adequado, ou seja, a denominada prematuridade iatrogênica, como já referido exaustivamente(9–13).
Ao se analisar a afecção ‘desconforto respiratório’ na amostra total sem considerar idade gestacional, houve associação estatística entre a síndrome e o parto por cesariana e/ou com aplicação de fórcipe. Houve também maior incidência dessa afecção nos partos com fórcipe e cesariana em RN com mais de 37 semanas de idade gestacional ou peso acima ou igual a 2.500 g. Portanto, o parto normal mostrou-se mais seguro para esses RN, o que já foi explicado por trabalhos acerca da ação das catecolaminas nos pulmões fetais durante o trabalho de parto(14–18).
No caso de parto a fórcipe, podem ser utilizadas as mesmas considerações feitas anteriormente. É importante lembrar que, nesta amostra, não foram incluídas as gestantes de médio e alto risco, portanto não é possível atribuir a presença aumentada dessa afecção a essa possibilidade. A cesariana é utilizada em situações de sofrimento fetal ou distócias, entre outras indicações já citadas, mas todas essas indicações não justificam a taxa da referida cirurgia nesse hospital e nem a percentagem aumentada da afecção em estudo. Esse aumento pode estar relacionado com a cirurgia em si e/ou com o momento em que ela é realizada: de maneira eletiva, sem que o trabalho de parto tenha se instalado(10,18–23). Aqui, mais do que na anoxia, pode-se correlacionar a presença de desconforto respiratório com a realização precoce da cirurgia, antes de atingida a maturidade pulmonar, novamente caracterizando a prematuridade iatrogênica(9–13).
Houve incidência aumentada de tocotraumatismo nos partos com fórcipe e entre crianças com 2.500 g ou mais de peso ao nascer e nos neonatos de todas as idades gestacionais estudadas. É importante lembrar que é considerado tocotraumatismo qualquer marca ou sinal encontrado na criança após o parto, mesmo que seja só uma escarificação leve na pele. Diferentes graus de tocotraumatismos são geralmente registrados nos prontuários, de acordo com a progressiva gravidade, mas optou-se por não analisar separadamente cada grau. Portanto, esta afecção pode ser considerada praticamente inerente ao tipo de instrumento utilizado, já que quase sempre o fórcipe deixa marca na criança, por mínima ou mais transitória que possa ser(8).
O presente estudo baseou-se em dados disponíveis do arquivo do berçário em formato de planilhas e, como tal, envolveu algumas deficiências no registro dos partos, sendo a principal delas a indicação precisa da cesariana. Apesar da alta incidência de parto cirúrgico, como o prontuário obstétrico era preenchido pela enfermeira obstétrica, a indicação nem sempre foi preenchida adequadamente, seja por não ter sido corretamente informada pelo obstetra, seja por outros motivos desconhecidos por nós.
Outra questão que pode suscitar dúvidas e/ou discussões neste estudo se relaciona à idade gestacional. O registro nos prontuários utilizados neste trabalho é o referido pelo obstetra, pela regra de Nägele. A idade gestacional por exame de ultrassonografia não foi um dado constante em todos os prontuários. Por isso, foi realizada também a análise dos registros de idade gestacional estimada pelo método de Capurro.
Pode-se então concluir, pelos dados apresentados, que a anoxia, o tocotraumatismo e o desconforto respiratório associam-se com o tipo de parto sendo que anoxia tem associação significativa com parto por fórcipe, tanto quando comparado com parto normal quanto com o cesariano. O desconforto respiratório foi mais frequente em partos do tipo cesárea ou com fórcipe, e que o parto normal é o mais seguro para recém-nascidos com idade gestacional maior que 37 semanas e em recém-nascidos com peso maior ou igual a 2.500 g. Em recém-nascidos com idade gestacional menor que 37 semanas, o tocotraumatismo associou-se ao tipo de parto, sendo que a maior incidência da complicação ocorreu em casos de parto tipo fórcipe. Em recém-nascidos com baixo peso ao nascer (entre 1.500 e 2.499 g), ocorreu associação entre anoxia e tipo de parto, com maior incidência no fórcipe. Considerando-se apenas os recém-nascidos por parto cesariano, a anoxia esteve associada à menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro e ao menor peso.