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Morbimortalidade por doenças diarreicas agudas em crianças menores de 10 anos no Distrito Federal, Brasil, 2003 a 2012

Morbimortalidade por doenças diarreicas agudas em crianças menores de 10 anos no Distrito Federal, Brasil, 2003 a 2012

Autores:

Geila Marcia Meneguessi,
Rosa Maria Mossri,
Teresa Cristina Vieira Segatto,
Priscilleyne Ouverney Reis

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.24 no.4 Brasília out./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000400014

ABSTRACT

OBJECTIVE:

to describe diarrhoeal disease morbidity, mortality and seasonality in children aged under 10 resident in Brazil's Federal District, 2003-2012.

METHODS:

this was a descriptive study using National Hospital Information System (SIH/SUS), Mortality Information System (SIM), Acute Diarrhoeal Disease Epidemiological Surveillance System (Sivep-DDA) as well as diarrhoea monitoring spreadsheets.

RESULTS:

558,737 diarrhoea cases were registered with the highest incidence among children with less than one year old (32.3 cases/100 children in 2003); during the period there was a reduction in the hospitalization rates (from 6.5 to 3.0 hospitalizations/1,000 children), mortality rates (from 4.5 to 1.5 deaths/100,000 children) and hospital lethality (from 0.70 to 0.49/100 children), with a sharper decline after the implementation of rotavirus vaccine in 2006; highest hospitalization rates occurred between July and September.

CONCLUSION:

morbidity and mortality from diarrhoea reduced, particularly in children under one year old. Hospitalizations were more frequent during in the dry season.

Key words: Diarrhea; Indicators of Morbidity and Mortality; Epidemiology, Descriptive

RESUMEN

OBJETIVO:

describir la morbimortalidad y temporalidad de las enfermedades diarreicas agudas en niños menores de 10 años, residentes del Distrito Federal, Brasil, de 2003 a 2012

MÉTODO:

estudio descriptivo, con datos del Sistema de Informaciones Hospitalarios (SIH/SUS), sobre Mortalidad (SIM), Vigilancia Epidemiológica de Enfermedades Diarreicas Agudas (SIVEP-DDA) y planillas de monitoreo de diarrea.

RESULTADOS:

fueron contabilizados 558.737 casos de diarrea, con mayor incidencia en niños menores de 1 año (32,3 casos/100 niños en 2003); en el período hubo reducción de las tasas de hospitalización (6,5 a 3,0 hospitalizaciones/1.000 niños), mortalidad (de 4,5 a 1,5 muertes/100 mil niños) y letalidad (de 0,70 a 0,49/100 niños), con declive más agudo después de la implantación de la vacuna contra rotavirus en 2006; las tasas de hospitalización más altos han ocurrido entre julio y septiembre.

CONCLUSIÓN:

hubo reducción de la morbimortalidad por diarrea, especialmente en niños menores de 1 año, con predominio de hospitalizaciones en la estación seca.

Palabras-clave: Diarrea; Indicadores de Morbimortalidad; Epidemiología Descriptiva

Introdução

A morbidade e a mortalidade associadas à diarreia ainda são um problema de Saúde Pública nos países em desenvolvimento.1-3 No Brasil, entre 2000 e 2011, foram notificados 33 milhões de casos de diarreia, a maioria em menores de 1 ano de idade.4 As doenças diarreicas são a segunda causa de morte entre as crianças menores de 5 anos, sendo responsáveis pela perda da vida de cerca de 1,5 milhão de crianças no mundo.1 No Brasil, no ano de 2010, mais de 850 crianças dessa faixa etária morreram em decorrência da diarreia.4

A ocorrência da diarreia é determinada pela suscetibilidade do organismo infantil e pelo grau de exposição aos enteropatógenos, essencialmente condicionados pelo acesso a água tratada, saneamento ambiental e estado nutricional da criança, sendo de especial relevância a prática do aleitamento materno. Destaca-se que o acesso ao saneamento e a adoção de práticas alimentares saudáveis são condicionados pela renda familiar e escolaridade materna.1,5

Diversos agentes etiológicos podem ser responsáveis pelo surgimento do quadro de gastroenterite, sendo o rotavírus o principal deles.6,7 No Distrito Federal (DF), de 1986 a 1990, foi identificada uma positividade de 20% para rotavírus em amostras fecais de crianças menores de 6 anos.8

Desde 2006, o Brasil imuniza as crianças contra esse agente por meio de uma vacina oral atenuada, que promove significante e sustentada proteção nos dois primeiros anos de vida.9 No DF, as coberturas vacinais têm alcançado taxas próximas à meta de 90%, desde a implantação da vacinação.10 Há uma carência de estudos reveladores do perfil de morbimortalidade da diarreia no DF. Pesquisas realizadas nas principais bases de dados bibliográficas identificaram quatro artigos sobre o tema da epidemiologia das doenças diarreicas no DF, três deles datados da década de 1990 do século passado. O conhecimento decorrente de pesquisas como essas é imprescindível no sentido de subsidiar a elaboração de políticas públicas visando à melhoria dos indicadores desse agravo e de qualidade de vida da população geral.

O presente estudo teve como objetivo descrever o perfil de morbimortalidade e sazonalidade das doenças diarreicas em menores de 10 anos de idade residentes no Distrito Federal, Brasil, no período de 2003 a 2012.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo, cuja população-alvo foi composta por crianças menores de 10 anos de idade, residentes no DF, no período de 2003 a 2012.

Constituído por 31 regiões administrativas e população estimada para 2010 em 2,5 milhões de habitantes - 389.784 menores de 10 anos de idade -, o DF dispõe de esgoto em 81%, água tratada em 95% e coleta de lixo em 97,8% de seus domicílios.11 O clima predominante na região é o tropical sazonal, provido de uma estação chuvosa e quente (verão), normalmente compreendida entre os meses de outubro e março, e outra estação fria e seca (inverno), de abril a setembro.12 Em 2014, a rede de saúde do DF contava com 13 hospitais regionais gerais, três hospitais de especialidades, seis unidades de pronto atendimento (UPA), mais de 120 unidades de atenção primária em saúde na área urbana e rural e 98 salas de vacina em funcionamento na rede SUS.13

O presente estudo teve como fontes os dados secundários do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS),14 disponibilizados eletronicamente no portal do Datasus, e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM),15 fornecidos pela gerência técnica responsável pelo sistema no DF; além das planilhas de monitorização da diarreia do Núcleo de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar16 da Subsecretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Governo do Distrito Federal, para os anos de 2003 a 2006, e do Sistema Informatizado de Vigilância Epidemiológica das Doenças Diarreicas Agudas (Sivep-DDA),17 ambos estes fornecidos pela gerência técnica responsável e utilizados em todas as 15 regiões administrativas do DF, relativos ao período de 2007 a 2012.

Os dados utilizados referentes à população de 1 a 10 anos de idade provieram da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),11 e os relativos a menores de um ano, do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).18 Todas as bases de dados foram acessadas eletronicamente, em janeiro de 2014.

Os casos de diarreia hospitalizados, captados no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), e os casos que evoluíram para óbito, captados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), foram selecionados por meio do diagnóstico da internação e da causa básica de morte, referidos com os códigos A00 a A09 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª Revisão (CID-10).

Os indicadores de doença diarreica foram calculados segundo faixa etária - menores de 1, de 1 a 4 e de 5 a 9 anos, e total (grupo de crianças menores de 10 anos) -, conforme detalhado a seguir:

Taxa de incidência específica por diarreia

Para o período de 2002 a 2006, o número de casos de diarreia foi obtido das planilhas de monitorização da área técnica responsável pelo agravo no DF; e para o período subsequente, de 2007 a 2013, o número de casos foi obtido do Sivep-DDA. O cálculo foi realizado dividindo-se o total de casos por ano da faixa etária especificada pelo número total de crianças residentes no DF da mesma faixa etária e no mesmo ano, multiplicado por 100 crianças.

Taxa de hospitalização por diarreia

Para o cálculo deste indicador, dividiu-se o número de internações registradas no SIH/SUS por diarreia por ano da faixa etária especificada pelo número total de crianças residentes no DF da mesma faixa etária e no mesmo ano, multiplicado por 1000 crianças.

Letalidade hospitalar

Aqui, dividiu-se o número de casos internados por diarreia que evoluíram para óbito na faixa etária especificada por ano registrados no SIH/SUS pelo número de internações por diarreia na mesma faixa etária e no mesmo ano, multiplicado por 100 crianças.

Taxa de mortalidade específica por diarreia

Dividiu-se o número de óbitos por diarreia notificados no SIM na faixa etária especificada por ano pelo número de crianças residentes no DF na mesma faixa etária e no mesmo ano, multiplicado por 100 mil crianças.

Mortalidade proporcional por diarreia

Para este cálculo, dividiu-se o número de óbitos por diarreia notificados no SIM na faixa etária especificada por ano pelo número de óbitos por todos os agravos notificados no SIM na mesma faixa etária e no mesmo ano, multiplicado por 100 crianças.

Para os óbitos infantis em crianças menores de 1 ano, foi realizada descrição das características maternas e da gestação (duração do período gestacional e peso ao nascer).

As variáveis foram selecionadas e agrupadas de acordo com as seguintes características:

a) crianças menores de 10 anos

- mês e ano de ocorrência (do adoecimento, da hospitalização e do óbito);

- faixa etária (menor de 1, 1 a 4 e 5 a 9 anos);

b) crianças menores de 1 ano

- peso ao nascer (extremo baixo peso [até 1.000 gramas], muito baixo peso [1.000 a 1.499 gramas] e baixo peso [1.500 a 2.499 gramas]);

- idade gestacional ao nascer (nascimento prematuro [até 37 semanas], nascimento a termo [37 a 41 semanas] e nascimento pós-termo [maior que 41 semanas]);

- dias de vida dos óbitos infantis (período neonatal [até 28 dias] e período pós-neonatal [28 a 364 dias]);

- informações maternas (faixa etária [menor que 19, 20 a 29, 30 a 39 anos e maior que 40 anos] e escolaridade materna [sem escolaridade, entre quatro e sete, entre oito e 11 anos e mais de 12 anos de estudo]).

Para análise de sazonalidade da doença, foram utilizados os dados de ocorrência dos casos de diarreia por mês. A precipitação pluviométrica em milímetros (mm) por mês foi obtida do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e sua Estação Brasília,12 sendo considerados os meses de novembro a abril como período de chuva e os demais meses como período de seca.

Os dados foram tabulados com o auxílio dos aplicativos Tabwin(c) versão 3.6b e Microsoft Excel 2010(r).

O presente estudo fez parte das ações de rotina da vigilância da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Os bancos de dados provenientes dos sistemas de informações em saúde são de domínio público, sem identidade dos registros. O sigilo e a identidade de todos os envolvidos no estudo foram preservados, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Entre os anos de 2003 e 2012, foram notificados, mediante o preenchimento das planilhas da área técnica e do Sivep-DDA no Distrito Federal, 829.306 casos de doenças diarreicas, dos quais 67% (n=558.737) correspondentes a menores de 10 anos de idade. Em todos os anos avaliados, a faixa etária de 1 a 4 anos foi a que apresentou o maior número desses casos, mais da metade (60%; n=334.247) dessas ocorrências no período. Entretanto, a maior incidência de doenças diarreicas referiu-se ao grupo de menores de um ano de idade, para quase todos os anos avaliados; a única exceção foi para o ano de 2010, quando a maior incidência apresentou-se no grupo etário de 1 a 4 anos (Tabela 1).

Tabela 1 Número absoluto de casos e incidência de diarreia por 100 crianças entre menores de 10 anos residentes no Distrito Federal, segundo faixa etária e ano de ocorrência, 2003 a 2012 

No total, ocorreram 18.464 internações por diarreia, segundo registros do SIH/SUS: 27,1% (n=4.999) entre os menores de 1 ano; 57,3% (n=10.583) entre as crianças de 1 a 4 anos; e 15,6% (n=2.882) entre as de 5 a 9 anos. A taxa de hospitalização total do período foi de 4,3 internações por 1000 crianças menores que 10 anos: 11,2 para os menores de 1 ano; 6,2 para os de 1 a 4 anos; e 1,4 para os de 5 a 9 anos.

A taxa de hospitalização do grupo de menores de 10 anos reduziu-se em 61,5%, com variação de 6,5 a 2,5 internações para cada 1000 crianças no período de 2003 a 2011, respectivamente. Entre 2010 e 2012, observou-se discreto aumento em relação aos anos imediatamente anteriores. Em termos gerais, essa redução aconteceu em todas as faixas etárias, sendo o grupo de menores de 1 ano o que apresentou o maior declínio nesse indicador (Figura 1).

Figura 1 Taxa de hospitalização por diarreia por 1000 crianças entre menores de 10 anos residentes no Distrito Federal, segundo faixa etária e ano de hospitalização, 2003 a 2012 

A taxa de letalidade hospitalar total também apresentou padrão decrescente no período de 2003 a 2011, com queda de 71,0% (de 0,7% em 2003 para 0,2% em 2011), seguida de aumento em 2012 (da ordem de 0,5%). Esse aumento está relacionado à ocorrência de seis óbitos: quatro em menores de 1 ano e dois no grupo de 1 a 4 anos de idade. Ainda em relação à faixa etária, a maior taxa de letalidade ocorreu entre os menores de 1 ano, não obstante a exceção feita ao ano de 2007, quando a maior taxa correspondeu às crianças de 1 a 4 anos (Tabela 2).

Tabela 2 Taxa de letalidade hospitalar por diarreia por 100 crianças entre menores de 10 anos residentes no Distrito Federal, segundo faixa etária, ano de hospitalização e ano do óbito, 2003 a 2012 

No período de interesse desta pesquisa, ocorreram 87 óbitos por diarreia em menores de 10 anos, 56 em menores de 1 ano, 27 no grupo de 1 a 4 anos e quatro óbitos em crianças de 5 a 9 anos. Entre os óbitos infantis (n=56), seis ocorreram no período neonatal (<28 dias) e 50 no período pós-neonatal (28 a 364 dias).

No que diz respeito à mortalidade infantil, dos 56 óbitos infantis, 50 registros dispunham informação sobre o peso médio ao nascer, igual a 2.491 gramas - variação de 785 a 4.170 gramas -, sendo seis recém-nascidos de extremo baixo peso, seis de muito baixo peso e dez de baixo peso. A duração da gestação, informada em 48 declarações de óbito (DO), demonstrou que 24 desses óbitos ocorreram em crianças nascidas prematuras.

No tocante à idade materna dos óbitos infantis, a idade mínima encontrada foi de 12 e a máxima de 45 anos; em quatro óbitos, a idade da mãe não foi declarada. Dos 52 óbitos com registro da idade materna, dez corresponderam a mulheres menores de 19 anos, 26 foram de mulheres de 20 a 29 anos e 13 entre aquelas de 30 a 39 anos. Quanto à escolaridade materna, dez registros não possuíam essa informação; dos 46 restantes, 15 referiam mulheres com mais de 12 anos de estudo, 20 mães apresentavam entre oito e 11 anos de estudo, e nove mães, quatro e sete anos de estudo. Uma única mãe foi declarada como não alfabetizada.

A taxa de mortalidade por diarreia em crianças menores de 10 anos reduziu-se em 66,7%, no período, decrescendo de 4,5 óbitos/100 mil menores de 10 anos em 2003 para 1,5 óbitos/100 mil menores de 10 anos em 2012. O ano de 2004 apresentou a maior taxa de mortalidade por diarreia, com 4,7 óbitos/100 mil menores de 10 anos, seguido pelo ano de 2003, com 4,5 óbitos/100 mil menores de 10 anos. O coeficiente de mortalidade infantil por diarreia declinou 73,4%, de 34,7 óbitos/1000 nascidos vivos em 2003 para 9,2 óbitos/1000 nascidos vivos em 2012. O grupo de 1 a 4 anos apresentou uma elevação dessas taxas entre os anos de 2003 e 2005, seguida de decréscimo entre 2007 e 2010, ano em que a taxa foi igual a zero. Nos anos de 2011 e 2012, novamente, observou-se um padrão crescente do coeficiente de mortalidade. A faixa etária de 5 a 9 anos manteve taxas de mortalidade praticamente estáveis, ao longo dos anos (Tabela 3).

Tabela 3 Taxa de mortalidade por diarreia por 100 mil crianças e mortalidade proporcional por diarreia por 100 crianças entre menores de 10 anos residentes no Distrito Federal, segundo faixa etária, 2003 a 2012 

A mortalidade proporcional por diarreia no DF representou 1,3% dos óbitos, entre todas as causas, sendo que a faixa etária que apresentou as taxas mais elevadas - considerados todos os anos avaliados - foi a de 1 a 4 anos. Neste grupo, a diarreia foi responsável por 3,3% dos óbitos por todas as causas no período 2003-2012, destacando-se os anos de 2005 (5,7%) e 2006 (6,3%). As taxas de mortalidade proporcionais para as crianças entre 5 e 9 anos no período foi de 0,8%, sendo na maioria dos anos nula (Tabela 3).

Quase a totalidade dos registros de óbitos (n=86) tinha como causa básica do óbito o diagnóstico de 'diarreia e gastrenterite de origem infecciosa presumível'. Apenas um registro de óbito possuía o diagnóstico de 'intoxicação alimentar devida a Clostridium perfringens', referindo uma criança de um mês de vida, nascida com prematuridade extrema e muito baixo peso.

No que se refere à distribuição das internações ao longo dos meses, na maioria dos anos estudados, observou-se picos entre os meses de julho e setembro, de menor precipitação pluviométrica, correspondentes ao período regular de seca no Distrito Federal (Figura 2).

Figura 2 Distribuição das internações por diarreia em crianças menores de 10 anos residentes no Distrito Federal e precipitação pluviométrica, segundo mês e ano, 2003 a 2012 

Discussão

No Distrito Federal, entre os anos de 2003 a 2012, houve melhora dos indicadores de incidência, hospitalização, mortalidade e letalidade por diarreia, sendo o grupo de menores de 1 ano de idade o que apresentou taxas mais elevadas e maiores reduções desses indicadores ao longo do período.

Alguns estudos têm demonstrado que as taxas de mortalidade infantil por diarreia têm apresentado redução em todo o Brasil, a partir da década de 1980 do século passado.19,20 No período de 1995 a 2005, esse indicador declinou de 12,5 para 5,6 óbitos por 1000 nascidos vivos.19 Essa tendência decrescente tem sido observado no DF desde a década de 196021 e revela o potencial da intervenção sanitária sobre os riscos, no controle de problemas de saúde.

Embora tenha-se constatado que as taxas de mortalidade por diarreia no DF reduziram-se consideravelmente, quando comparadas com as mesmas taxas verificadas em outras áreas mais desenvolvidas do país - por exemplo, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, onde em 2008, apresentaram-se valores próximos a zero (0,4%, 0,0% e 0,3%, respectivamente) -,22 conclui-se que essa causa de óbito ainda é bastante expressiva no Distrito Federal. Ainda que o DF apresente taxas relativamente baixas, estas não são aceitáveis, uma vez que a diarreia é uma doença evitável quando se aplicam medidas de Saúde Pública relativamente simples.2

A melhoria dos indicadores de morbimortalidade por diarreia em crianças menores de 10 anos pode estar relacionada com o maior acesso aos serviços de saúde, melhoria na qualidade do atendimento à criança, incentivo ao uso da terapia de reidratação oral5 e ao aleitamento materno,5,23 políticas de transferência de renda24 e com a implantação da estratégia de vacinação contra o rotavírus em todas as unidades da federação do país, iniciada em 2006.25

Historicamente, é consenso na literatura que mães com mais anos de estudo dão maior importância às questões higiênicas da moradia e da criança, contribuindo para uma possível redução da exposição aos patógenos.26 Entretanto, no estudo, as informações sobre escolaridade materna dos óbitos infantis revelaram que a maior parte dessas mães possuía mais de oito anos de escolaridade.

Estudos apontam que a vacinação contra o rotavírus tem-se mostrado a estratégia mais efetiva para o controle da diarreia grave e fatal na infância, especialmente durante os primeiros dois anos de vida, reduzindo as hospitalizações e mortes por diarreia, favorecendo assim a redução da magnitude do agravo.24,25

No DF, no período de 2002 a 2013, ademais, houve a ampliação da Estratégia Saúde da Família, e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde,13 além do aumento na prevalência de aleitamento materno exclusivo em menores de 1 ano.23 Essas condições, associadas à melhoria do acesso aos serviços de saúde, da qualidade no atendimento pré-natal e do recém-nascido, podem ter contribuído para a baixa percentagem de óbitos em menores de 28 dias. A ocorrência predominante de óbitos no período pós-neonatal, por sua vez, indica grande influência dos fatores externos, como os relacionados às doenças infecciosas e às carências nutricionais.27

No que se refere à taxa de letalidade hospitalar, mostra-se necessário o acompanhamento e a avaliação dos anos futuros para se analisar o padrão decrescente em todo o período, se ele será mantido e se o pico identificado em 2012 representa de fato um comportamento atípico ou uma nova tendência de elevação do indicador. As baixas taxas de letalidade podem ser resultantes tanto de um pequeno número de óbitos por diarreia quanto de um elevado número de internações, capaz de provocar oscilações da taxa.

Quanto ao padrão de sazonalidade no DF, observa-se um predomínio das internações por diarreia no período de seca. Segundo Dowell,28 ciclos sazonais de doenças infecciosas têm sido atribuídos - diversamente - a (i) mudanças nas condições atmosféricas, como variação de temperatura, umidade, chuvas ou ventos, à (ii) prevalência ou virulência do patógeno ou ao (iii) comportamento do hospedeiro.

No Brasil, estudos demonstram que a sazonalidade do rotavírus é variável, com aumento da incidência nos meses mais frios ou no período de seca, entre maio e setembro, nos estados das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste, ao passo que nas regiões Norte e Nordeste, sua ocorrência distribui-se praticamente durante todo o ano.29

Esses dados são consistentes com outras pesquisas. No estado do Pará, região Norte do país, os maiores percentuais de casos e óbitos por diarreia correspondem ao período chuvoso (janeiro a maio),30 enquanto no município paulista de Osasco, na região Sudeste do país, observou-se, a partir dos anos 1990, um deslocamento da sazonalidade dos óbitos por diarreia do verão (janeiro a março) para o outono (maio). Este fato pode ser atribuído à ampliação do saneamento básico, ao aumento das infecções por vírus e à diminuição das infecções bacterianas que, durante o verão, assumem maior importância em comunidades sem saneamento, dada a contaminação ambiental pelas águas das chuvas.27

Destaca-se que, apesar da redução dos indicadores gerais de morbimortalidade e de possuir a maior renda per capita do país, o DF todavia apresenta áreas de grande vulnerabilidade decorrentes da enorme desigualdade social presente, assemelhando-se à distribuição da riqueza encontrada em países pobres como a Bolívia ou em regiões da África.31 O conhecimento das características dos grupos de maior risco entre a população a ser atendida pode oferecer ferramentas imprescindíveis à formulação de ações e políticas do setor Saúde focalizadas na equidade e no bem-estar social, mediante intervenções em Saúde Pública dirigidas a grupos vulneráveis.27

As principais limitações deste estudo referem-se ao uso de bancos de dados secundários, à possível irregularidade na notificação dos casos e à oscilação do número de unidades notificadoras no período, na planilha da área técnica e no Sivep-DDA, bem como à não utilização de dados de internações da rede privada. Trata-se de limitações que podem resultar em subestimativa das taxas encontradas.

O (i) aprimoramento dos sistemas de informações com o objetivo de fornecer dados fidedignos, auxiliando o estabelecimento de áreas prioritárias de atuação, o (ii) fortalecimento das ações de vigilância e das medidas de controle, a exemplo dos programas educativos focalizados nas mães, oferecendo informações sobre o uso adequado e oportuno da reidratação oral e enfatizando o aleitamento materno, e a (iii) vacinação contra o rotavírus são iniciativas fundamentais para a melhoria dos indicadores verificados por este estudo e, consequentemente, da qualidade de vida da população.

Recomenda-se que o monitoramento e a avaliação das doenças diarreicas agudas sejam feitos continuamente, que suas ações impliquem uma integração efetiva entre as diversas áreas da Saúde, de forma a produzir resultados imediatos e de longo prazo que auxiliem no planejamento de medidas mais eficazes de prevenção e controle da diarreia no Distrito Federal.

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