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Mortalidade cardiovascular e desigualdades sociais no município de São Paulo, Brasil, 1996-1998 e 2008-2010

Mortalidade cardiovascular e desigualdades sociais no município de São Paulo, Brasil, 1996-1998 e 2008-2010

Autores:

Norma Suely de Oliveira Farias

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.23 no.1 Brasília jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100006

ABSTRACT

OBJECTIVE:

to evaluate differences in mortality from ischemic heart disease (IHD) and cerebrovascular disease (CVD) in geographic areas with distinct socioeconomic characteristics in São Paulo city - Brazil, during two periods: 1996-1998 and 2008-2010.

METHODS:

we studied deaths in the population aged over 20 years and social indicators aggregated into five territorial areas. We calculated standardized mortality ratios (SMR) using the indirect method and mortality risk ratio (MRR) between areas, estimated by Poisson regression, confidence intervals of 95% and trend testing.

RESULTS:

among men, increased social exclusion was accompanied by increased MRR for IHD in 2008-2010, ranging from 1.19 in area 2 to 1.38 in area 5, compared to the wealthiest area the in range. Among women, this variation was 1.11 and 1.61, respectively. MRR for CVD showed association with social exclusion in both periods for both sexes (p<0,01).

CONCLUSION:

risk of mortality from IHD and CVD increased as social conditions declined in the geographic areas studied.

Key words: Mortality; Myocardial Ischemia; Stroke; Health Inequalities; Ecological Studies

Introdução

Nos países desenvolvidos, observa-se redução da força da mortalidade por doenças cardiovasculares desde a metade do século XX.1 Análise da transição demográfica, epidemiológica e nutricional no Brasil indicou que, em 2011, as doenças cardiovasculares (DCV) representavam a principal causa de óbito no país.2 Verificou-se, no entanto, variabilidade na redução das taxas de mortalidade entre estados e capitais.3 As principais causas de mortalidade, representadas pelas doenças isquêmicas do coração (DIC) e doenças cerebrovasculares (DCBV), apresentaram tendência a diminuição nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, desde a década de 1970. Porém, a força da mortalidade tem sido maior aqui, na comparação com outros países mais industrializados.4 A mortalidade atribuível às DCV diminuiu 31% entre 1996 e 2007, no Brasil.5 No município de São Paulo-SP, esses agravos apresentaram declínio importante ao longo do tempo, nas populações masculina e feminina, e em todos os grupos etários, quando se compara os períodos de 1996 a 1998 e 2003 a 2005.6

Tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, as desigualdades sociais impactam na mortalidade cardiovascular, entre diferentes territórios e grupos populacionais.7 A influência das condições socioeconômicas na mortalidade cardiovascular tem sido avaliada por meio de abordagens associadas aos estilos de vida dos indivíduos, como fatores de risco, ou por aquelas que incorporam, em suas análises, agregados populacionais e nível socioeconômico das áreas geográficas.8,9 No Brasil, apesar do declínio crescente na mortalidade cardiovascular, estudos realizados em municípios de diferentes portes encontraram desvantagens sociais significativas nas áreas geográficas com piores níveis econômicos ou de indicadores sociais.10,11

O objetivo do presente estudo foi avaliar as diferenças na mortalidade por doenças isquêmicas do coração - DIC - e doenças cerebrovasculares - DCBV - em áreas geográficas com características socioeconômicas distintas, no município de São Paulo, em dois períodos: 1996 a 1998 e 2008 a 2010.

Métodos

Foi realizado estudo ecológico com dados de óbitos por DIC e DCBV e dados populacionais dos 96 Distritos Administrativos de residência do município de São Paulo. A atual divisão territorial da cidade em 96 distritos foi definida pela Prefeitura para fins administrativos, abrangendo todas as Secretarias Municipais, por meio da Lei municipal no 11.220, de 20 de maio de 1992.

Os dados utilizados para o cálculo do número de óbitos (segundo sexo, idade, distrito de residência e ano) foram obtidos do Programa de Aprimoramento das Informações sobre Mortalidade do Município (PRO-AIM) da Prefeitura do Município de São Paulo.12 As causas básicas de morte foram classificadas pela 10a Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Foram incluídos os códigos I20 a I25 para as doenças isquêmicas do coração e I60 a I69 para as doenças cerebrovasculares, do capítulo correspondente às doenças cardiovasculares. Os distritos foram agregados em cinco áreas territoriais, de acordo com índices socioeconômicos do Mapa de Inclusão/Exclusão Social para a Cidade de São Paulo.13,14

O Mapa da Inclusão/Exclusão Social foi apresentado, originalmente, em uma divisão correspondente a 8 áreas de inclusão/exclusão social, de acordo com a agregação socioeconômica dos Distritos Administrativos. A partir dessa concepção, o presente estudo incluiu um ajuste dessa composição original para 5 áreas, de forma a reduzir o pequeno número de óbitos a serem analisados, referentes a áreas com poucos distritos administrativos. Segundo Akerman e colaboradores, a agregação geográfica deve representar uma área reduzida o suficiente para ser socialmente homogênea, e extensa o bastante para fornecer o número adequado de dados para análise.15 Na elaboração do Mapa, foram incorporadas 47 variáveis, a partir do Censo Demográfico 2000 e de outras fontes de informação, que discriminavam as condições socioeconômicas dos distritos segundo dimensões relativas à autonomia, desenvolvimento humano, qualidade de vida e equidade. O Mapa13,14 apresentou a qualificação e a quantificação das condições de vida e de saúde da cidade via medição e comparação dos aspectos sociais das comunidades em seu contexto urbano. A autonomia de renda compreendeu a capacidade dos indivíduos de suprir suas necessidades sociais e de sobrevivência. A qualidade de vida considerou, além da condição ambiental, a democratização do acesso a bens essenciais de saúde e educação. O desenvolvimento humano incluiu a capacidade de os indivíduos desenvolverem seu potencial intelectual com o menor grau possível de privação. A equidade referiu-se às possibilidades de manifestação das diferenças sem discriminação. Neste estudo, foi possível identificar a concentração de mulheres chefes de família de lares monoparentais e analfabetas.

O índice final de inclusão ou exclusão social (Iex) de cada distrito representou a consolidação de indicadores nas quatro dimensões avaliadas, cujo valor situou-se em uma escala de -1 (exclusão máxima) a + 1 (inclusão máxima).13,14

Com base nessas premissas e metodologia utilizada no Mapa da Inclusão/Exclusão, foi adotado um recorte territorial de maneira a agregar os distritos do município em 2 áreas de inclusão (SE1 e SE2) e 3 áreas de exclusão (SE3, SE4 e SE5). A Tabela 1 mostra a distribuição das áreas segundo população, número de Distritos Administrativos e Iex.

Tabela 1 Distribuição da população residente no município de São Paulo segundo áreas socioeconômicasd e índice de exclusão social, 2010 

a) Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico 2010.

b) DA: Distritos Administrativos

c) Iex: índice de exclusão social

d) SE: áreas socioeconômicas

O número de óbitos por doença isquêmica do coração e doenças cerebrovasculares na população de 20 e mais anos de idade, a razão de mortalidade padronizada (RMP) e a razão de risco de mortalidade (RRM) foram descritos para cada área e período de estudo (1996-1998 e 2006-2008).

Foram calculadas as taxas de mortalidade padronizadas pelo método indireto -16,17 na forma da razão entre o número de casos de óbitos observados (Oi) e esperados (Ei) -, estratificadas por sexo, em cada área i. Nessa padronização, foi calculado o número de óbitos esperados caso a população apresentasse a mesma estrutura etária de uma taxa de mortalidade padrão. A padronização indireta permitiu comparar a mortalidade observada por DIC ou DCBV nas populações das áreas estudadas com a mortalidade esperada nessas áreas, caso estas apresentassem taxas de mortalidade por DIC ou DCBV por idade iguais àquela da população residente no município de São Paulo no ano de 2010. Dessa forma, foi possível aferir o excesso de mortalidade pelos agravos nas áreas, em cada período estudado. O excesso de mortalidade é calculado como a razão entre o número que se observa e aquele que se espera, resultando na razão de mortalidade padronizada - RMP -, que se obtém como produto no final da padronização. Se essa razão é >1, há um excesso de mortes, e se é <1, há uma diminuição de mortes.

O número de óbitos observados correspondeu à média trienal dos óbitos (Oi) no primeiro período (1996 a 1998) e no segundo período (2006 a 2008). Os casos esperados foram calculados usando-se como referência as taxas de mortalidade por DIC e DCBV em 2010 e a população recenseada nesse ano. Os cálculos foram realizados por faixa etária, em intervalos de 10 anos de idade. A última faixa etária usada foi aquela de 70 anos e mais anos.

A razão de risco de mortalidade - RRM - correspondeu ao risco relativo de morrer por DIC e DCBV entre cada área e a área escolhida como referência - aquela com melhores condições socioeconômicas. Essa razão de risco foi calculada como a relação entre a razão de mortalidade padronizada de um grupo de exposição (demais áreas socioeconômicas) e a RMP do grupo de referência (área socioeconômica 1). Foram calculados os intervalos de confiança de 95% para as RMP e as RRM.

O número observado de óbitos seguiu uma distribuição de Poisson. Dessa forma, foi realizada uma análise de regressão de Poisson para estimar o gradiente de risco de morte por DIC e DCBV entre uma área de exposição e a área de referência, e entre períodos em cada área estudada. Foram realizados testes de tendência das razões de risco de mortalidade entre categorias de exposição, ou seja, entre os diferentes níveis socioeconômicos das áreas, com nível de significância de 5% (p<0,05).17 Os dados foram analisados pelo programa Stata 10.0.

O presente estudo foi elaborado com dados secundários agregados de óbitos e populações, divulgados na internet em sítios eletrônicos governamentais, na forma de programas de tabulação de dados e dados publicados do Mapa da Inclusão/Exclusão Social para a cidade de São Paulo. As bases de dados consultadas não contemplaram informações sigilosas, como nome e endereço, de modo que foi dispensada a aprovação do projeto de estudo por um comitê de ética em pesquisa.

Resultados

Entre os residentes no município de São Paulo, nos anos de 1996 a 1998 e 2008 a 2010, morreram, respectivamente, 8.059 e 8.525 pessoas de 20 e mais anos de idade por doença isquêmica do coração. A maioria dos óbitos ocorreu entre homens: aproximadamente 56%, nos dois períodos (Tabela 2). Para as doenças cerebrovasculares, o número de óbitos foi de 5.470 no primeiro período e de 5.446 no segundo período, com percentual mais elevado entre as mulheres nos dois períodos: 50,9% em 1996-1998; e 53,1% em 2008-2010.

Tabela 2 Número observado e esperado de óbitos por doença isquêmica do coração em residentes de 20 e mais anos de idade nas áreas de inclusão (SE1 e SE2) e exclusão social (SE3, SE4 e SE5) do município de São Paulo, 1996 a 1998 e 2008 a 2010 

a) O: Observados (média de óbitos para o período)

b) E: Esperados

c) RMP: razão de mortalidade padronizada

d) IC95%: intervalo de confiança de 95%

e) RRM p2/p1: risco relativo da RMP entre p2 (2008-2010) e p1 (1996-1998); análise de regressão de Poisson.

A área 4 apresentou o maior número de Distritos Administrativos (n=27) e o segundo pior nível de exclusão social (Iex= -0,41), em relação às demais áreas. Essa área concentrou o segundo maior percentual populacional da cidade (31%). Em relação aos óbitos registrados, observou-se, nessa área, o maior número e proporção de óbitos por DIC (29% do total) e DCBV (31% do total) no período de 2008 a 2010 (tabelas 1, 2 e 3).

Tabela 3 Número observado e esperado de óbitos por doenças cerebrovasculares em residentes de 20 e mais anos de idade nas áreas de inclusão (SE1 e SE2) e exclusão social (SE3, SE4 e SE5) do município de São Paulo, 1996 a 1998 e 2008 a 2010 

a) O: Observados (média de óbitos para o período)

b) E: Esperados

c) RMP: razão de mortalidade padronizada

d) IC95%: intervalo de confiança de 95%

e) RRM p2/p1: risco relativo da RMP entre p2 (2008-2010) e p1 (1996-1998); análise de regressão de Poisson.

A área 5 apresentou o pior nível de exclusão social (-0,77), com valor inferior à média do Iex para o município (-0,67), ao mesmo tempo em que concentrou o maior percentual da população que residia no município (36%), distribuída em 22 Distritos Administrativos. Nessa área socioeconômica, observou-se uma proporção de 26% do total de óbitos por doença isquêmica do coração e 29% do total de óbitos por doenças cerebrovasculares, em relação às áreas estudadas no período de 2008 a 2010.

A área 1 concentrou somente 6% da população do município, distribuída em 8 distritos, e apresentou a menor exclusão social (Iex=0,52). Nessa área, foram encontrados os menores percentuais de óbitos por DIC (7,8%) e DCBV (6,5%) no conjunto do município, no período de 2008 a 2010.

Em 1996-1998, a média trienal do número de óbitos observados para as doenças isquêmicas do coração foi significativamente mais elevada que o número esperado, em todas as áreas e para ambos os sexos, tomando como referência a taxa de mortalidade por esse agravo no município, no ano de 2010.

Em 2008-2010, a média trienal do número de óbitos observados foi significativamente menor que o esperado na SE1, tanto para população masculina (RMP=0,82; IC95%: 0,74-0,91) como para a feminina (RMP=0,76; IC95%: 0,68-0,85). Na SE2, entre os homens, o número médio equivalente observado para o triênio foi consistente com o esperado (RMP=0,98; IC95%: 0,90-1,07); entre as mulheres, esse valor continuou significativamente menor (RMP=0,85; IC95%: 0,77-0,94).

Nas SE3, SE4 e SE5, as razões de mortalidade padronizadas permaneceram com valores significativamente maiores que 1 para ambos os sexos; à exceção da RMP para o sexo feminino na área 3, que não apresentou significância estatística.

Observou-se redução significativa da RMP por doença isquêmica do coração entre o primeiro e o segundo períodos, para ambos os sexos, em todas as áreas. Calculando-se os percentuais de redução da razão de mortalidade padronizada entre 1996-1998 e 2008-2010, constou-se que a maior queda foi na SE1, que passou de 1,36 para 0,82 entre os homens, e de 1,26 para 0,76 entre as mulheres (variação percentual de aproximadamente 40%) (p<0,01) (Tabela 2).

No que concerne às doenças cerebrovasculares, o número de óbitos observados entre os homens (média trienal dos óbitos) no período 1996-1998 manteve-se consistente em relação ao número de óbitos esperados na área SE1 (RMP=0,97). Em 2008-2010, esse número foi menor que o esperado (RMP=0,54). Ainda no primeiro período, as RMP para o sexo masculino apresentaram valores significativamente superiores a 1 nas demais áreas; e no segundo período, apenas nas áreas SE4 e SE5.

Globalmente, observou-se redução significativa da razão de mortalidade padronizada por DCBV para o sexo masculino, entre os dois períodos, em todas as áreas, com percentual mais importante na SE1: 45% (Tabela 3).

Entre as mulheres, o número de óbitos observados por DCBV foi significativamente menor que o esperado nas áreas SE1 e SE2, para os dois períodos, sem redução significativa da RMP de um período a outro. Na área SE3, o número observado não diferiu significativamente do esperado, também para os dois períodos. Nas áreas SE4 e SE5, observou-se excesso da mortalidade nos dois períodos, com valores de RMP significativamente menores em 2008-2010 (Tabela 3).

A análise de regressão de Poisson detectou tendência de aumento da razão de risco de mortalidade - RRM - para doença isquêmica do coração em homens, no período de 2008 a 2010, na medida em que aumentava a exclusão social, com risco 38% superior para a SE5 frente à SE1. Entre as mulheres, a razão de risco de mortalidade estimada de doença isquêmica do coração aumentou entre as categorias de exclusão social das áreas, no período 1996-1998. O risco mais elevado foi observado na SE5, em 2008-2010 (Tabela 4).

Tabela 4 Razão de risco da mortalidade por doenças isquêmicas do coração, entre os níveis das áreas socioeconômicas ( 2, 3, 4 e 5) e a área mais rica (1), em homens e mulheres de 20 e mais anos de idade vivendo no município de São Paulo, 1996 a 1998 e 2008 a 2010 

a) RRM: razão de risco de mortalidade

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%

Nas doenças cerebrovasculares, a razão de risco de mortalidade das áreas, comparada à RRM da área SE1, apresentou tendência a aumento em 1996-1998 e 20082010, para ambos os sexos. No sexo feminino, não se observou diferença de risco entre as áreas com maior inclusão social (SE2 e SE1), nos dois períodos. No sexo masculino, foram observados os maiores riscos: a razão de mortalidade padronizada na SE5 foi mais de duas vezes superior à da área de referência (SE1) (RRM=2,04 no primeiro período; e RRM=2,44 no segundo) (Tabela 5).

Tabela 5 Razão de risco da mortalidade por doenças cerebrovasculares entre os níveis das áreas socioeconômicas (2, 3, 4 e 5) e a área mais rica (1), em homens e mulheres de 20 e mais anos de idade vivendo no município de São Paulo, 1996 a 1998 e 2008 a 2010 

a) RRM: razão de risco de mortalidade

b) IC95%: intervalo de confiança de 95%

Discussão

O presente estudo mostrou que houve diminuição do número de óbitos observados por doença isquêmica do coração e doenças cerebrovasculares em relação ao número de óbitos esperados, entre a população de 20 e mais anos de idade residente no município de São Paulo, por áreas geográficas socioeconômicas, nos triênios 1996-1998 e 2008-2010. No entanto, observou-se risco relativo aumentado de morte por DIC e DCBV na medida em que aumentou a exclusão social, quando se comparou as quatro áreas socioeconômicas (SE2, SE3, SE4 e SE5) com a área de melhor situação (SE1). Esse fenômeno foi observado entre os homens com doenças isquêmica do coração no período de 2008-2010, e entre as mulheres com DIC nos dois períodos. Para as doenças cerebrovasculares - DCBV -, a mesma tendência se confirmou para ambos os sexos, nos dois períodos.

Esses achados corroboram estudos realizados em outros municípios brasileiros, que observaram mortalidade cardiovascular diretamente proporcional à taxa de pobreza.10,11

As áreas de exclusão social concentravam a maioria da população residente no município, vivendo sob um baixo padrão de autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e equidade. O aumento do risco de morte na medida em que aumentou a exclusão social pode ser explicado pelas abordagens contextuais, representadas pela influência do meio ambiente físico e social, inerente a diversas realidades e épocas.18-21

As áreas geográficas podem ser observadas pelo ângulo do território do distrito sanitário, caracterizado por uma população específica localizada em tempo e espaço determinados, onde se verifica uma complexa rede de interação social, além da relação entre população e serviços, e com gestores de unidades prestadoras de serviços de saúde.22 Esse espaço apresenta, portanto, um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, social e cultural característico de um território em permanente construção. Nesse sentido, as situações de saúde devem ser analisadas como conteúdos articulados do território, e o reconhecimento da dinâmica social e territorial passa a ter grande importância, seja na determinação de vulnerabilidades para a saúde humana, seja no desenvolvimento de estudos de base para a tomada de decisão e formulação de políticas locais.22,23

A influência do risco relativo de morte por doenças cardiovasculares, aumentado em áreas menos favorecidas, pode resultar de uma combinação de fatores e condições socioambientais e comportamentais que impactam em maiores razões de mortalidade, taxas de prevalência e incidência de tais doenças. A privação social da área pode ser um descritor socioeconômico para as doenças cardiovasculares, melhor do que a classe ocupacional ou social das pessoas.24 Diez-Roux e colaboradores, por meio de modelos de multinível em doença coronariana, revelaram - após ajuste por fatores individuais - que pessoas vivendo em áreas de privação social apresentavam um risco aumentado de fumar, de apresentar pressão arterial elevada e hipercolesteloremia, de importante associação com doenças cardiovasculares.25 O baixo status socioeconômico da população dessas áreas impactaria na precariedade no estado de saúde e em comportamentos de risco, como o tabagismo.26

As diferenças no acesso à rede de atenção à saúde, intermediado por condições sociais, poderiam explicar, em parte, o aumento do risco relativo da razão de mortalidade padronizada em áreas de exclusão social, onde vive a população mais pobre e com menor acesso a esses serviços. Uma análise sobre a rede de saúde da Região Metropolitana de São Paulo mostrou que a oferta da rede hospitalar privada não vinculada ao SUS era não só maior do que a da rede pública como também a que apresentava maior capacidade instalada; o atendimento oportuno ao usuário aumentava com a renda familiar, sendo menor para a população usuária do SUS.27

Neste estudo, o risco relativo de óbito entre as áreas socioeconômicas foi mais elevado para as DCBV do que para as DIC. Estudo ecológico realizado em municípios brasileiros selecionados mostrou que a mortalidade por doenças cerebrovasculares e hipertensivas, entre 1999 e 2001, foi significativamente mais elevada nas populações com baixos níveis de renda e escolaridade e alta taxa de pobreza.11 Os achados deste estudo também são condizentes com os de estudo realizado no estado do Paraná, onde foi encontrada associação entre mortalidade por doenças cerebrovasculares com baixa escolaridade e raça/cor não branca, fatores que podem ser considerados proxys das condições socioeconômicas.28

No presente estudo, foram idenficadas algumas limitações, decorrentes do uso de dados secundários. Diferentes bases de dados foram usadas pelos autores do Mapa da Exclusão/Inclusão Social para a Cidade de São Paulo,13,14 com indicadores consolidados até o ano de 2002. As variáveis foram coletadas em momentos e estruturas operacionais diferentes. Os indicadores não incluíram, por exemplo, eventual movimento populacional entre as áreas geográficas que possa ter ocorrido após esse período. No entanto, destacam-se, na literatura científica, estudos que usaram índices de privação social construídos com dados de um ano censitário para avaliar condições de áreas geográficas em anos posteriores.24

Considerando-se a melhoria na qualidade da informação, no que concerne às causas mal definidas, as estatísticas de mortalidade no município de São Paulo mostraram que essa proporção foi de 1,5% em 1989, abaixo da média nacional de 18,4%.29

Esses achados são concordantes com observações sobre países desenvolvidos e em desenvolvimento, onde fatores de risco cardiovascular são mais frequentes em grupos de menor nível socioeconômico, com relação àqueles de maior nível. Tal gradiente depende do nível de desenvolvimento dos países, fatores socioculturais e políticas de saúde específicos. Além disso, os indivíduos com menor status socioeconômico têm menos acesso e oportunidade de diagnóstico e tratamento de condições crônicas.30 As diferenças nas condições de vida entre os territórios e a privação social nas áreas de menor nível socioeconômico podem provocar um impacto negativo nas condições de vida e de saúde das populações.

Este estudo mostrou aumento no gradiente de risco da mortalidade por DIC e DCBV de acordo com a piora das condições de vida das áreas territoriais no município de São Paulo. Os dados apresentados constituem agregados populacionais e, portanto, não devem ser generalizados para o nível individual. Entretanto, ao discriminar áreas geográficas e variáveis sociodemográficas capazes de influenciar a mortalidade por doença isquêmica do coração e doenças cerebrovasculares na população residente no município, os resultados aqui apresentados podem contribuir para um maior conhecimento sobre a questão, tanto como para as decisões de Saúde Pública voltadas ao controle das doenças cardiovasculares.

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