versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.22 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462X201400020011
To analyze the relationship between infant mortality and population coverage of the Family Health units of the Brazilian Federation.
An ecological study the unit of analysis was composed by 26 Brazilian States, in the historical series from 1998 to 2008. The percentage of population coverage Family Health Strategy (FHS) were described, the rate of infant and built linear regression analysis of the variables studied mortality. The statistical association was performed using the Pearson correlation test and linear regression.
There was an increase of 857% in FHS teams, expansion of 43% in population coverage and reduce infant mortality by 58% in Brazil. The expansion in coverage FHS was associated with reduced rates of infant mortality in 73% of Brazilian States (p<0.05).
The findings explore a possible association between the increase in population coverage FHS with the reduction of infant mortality rates in Brazil.
Key words: infant mortality; family health; ecological studies; mortality; primary health care
Na década de 1980, com a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil vivenciou importantes mudanças no modelo de atenção à saúde, setor que anteriormente apresentava um caráter privatista, curativo e "hospitalocêntrico", deixando grandes contingentes populacionais (moradores de rua e de áreas rurais, desempregados e profissionais sem carteira de trabalho assinada) sem acesso aos serviços de saúde. Essa proposta priorizou ações de atenção básica e acesso universal, resultando em maior satisfação dos usuários, melhora nos indicadores de saúde e redução dos custos assistenciais1 , 2.
Em 1994, foi instituído o Programa Saúde da Família - atual Estratégia Saúde da Família (ESF) - objetivando reorganizar as práticas de assistência à saúde a partir da atenção básica e em conformidade com os princípios do SUS3. Foram propostas ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e diagnóstico precoce, principalmente de patologias e agravos de maior prevalência em populações vulneráveis4 , 5, com resolubilidade de 85% dos problemas de saúde da população de abrangência. Ainda, a ESF contribui para evitar internações, melhorar a qualidade de vida e reduzir a prevalência de mortes preveníveis3.
Com a expansão da atenção básica e da ESF no país, tornou-se necessário aprofundar os processos de avaliação de tais instrumentos, incluindo o acompanhamento e análise de informações e o impacto produzido na saúde da população6. Essa avaliação pode ser realizada por meio de pesquisas, inquéritos e análise de indicadores de saúde, incluindo o coeficiente de mortalidade infantil, viabilizando a construção de novas estratégias para melhorar a qualidade assistencial realizada na ESF5.
A taxa de mortalidade infantil é considerada um importante marcador para medir as situações de saúde de uma população e pode ser utilizada como um marcador aproximado para aferir os resultados da ESF7 - 9. A mortalidade infantil é um agravo de elevada prevalência e um importante problema de saúde pública, sendo considerada a morte da criança no primeiro ano de vida10.
No Brasil, a taxa de mortalidade infantil passou de 38 para 16 crianças por 1.000 nascidos vivos entre 1994 e 2010. Países como Singapura, Islândia e Japão apresentam as menores taxas de mortalidade infantil, com coeficientes inferiores a 3 óbitos por 1.000 nascidos vivos. O Afeganistão apresenta a maior prevalência, com taxa de 144 mortes por 1.000 nascidos vivos11.
Óbitos em crianças menores de um ano estão relacionados às más condições sociais, econômicas, biológicas, ambientais e de saúde materna e infantil12 - 14.As principais causas de morte são as doenças perinatais, prematuridade da gestação, ineficiência do pré-natal, doenças relacionadas à infância e problemas cardiovasculares e respiratórios; a tríade diarreia, pneumonia e desnutrição representou a principal causa evitável. Esses agravos, em sua maioria, podem ser evitados com ações de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento realizado na ESF4 , 10 , 12.
A implementação de políticas públicas voltadas à atenção básica no Brasil pode ter contribuído para a redução dos óbitos em crianças menores de um ano. O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre mortalidade infantil e cobertura populacional da ESF nas unidades da Federação brasileira.
Este é um estudo ecológico15 cujo tema é a mortalidade infantil e a Saúde da Família nos 26 Estados da Federação brasileira na séria histórica de 1998 a 2008.
Os dados referentes à mortalidade infantil foram coletados no Sistema de Informação da Atenção Básica e estão disponíveis no endereço eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) - www.datasus.gov.br. Utilizou-se a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), sendo empregados os eventos relacionados à "morte em crianças menores de um ano", com os códigos R95-R99, F80-F84, L70-L75, Y85-89, A20-A28 e N40-N46. No cálculo das taxas de mortalidade, a quantidade de óbitos em crianças menores de um ano foi considerada como numerador e a estimativa de nascidos vivos (multiplicados por 1.000) no período foi adotada como denominador. O número de equipes e o percentual de cobertura populacional da ESF foram obtidos por meio de consulta ao site do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (http://dab.saude.gov.br/).
A análise estatística foi realizada com os programas Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0, e TabWin 3.6. Foi realizada a descrição da taxa de mortalidade infantil, do percentual de cobertura populacional da ESF e das diferenças médias (∆) anuais das variáveis estudadas. Foram calculadas as diferenças médias a partir da subtração das informações no primeiro e no último ano do estudo, sendo divididas pelo período total estudado (10 anos). Foram construídas curvas de regressão linear das variáveis no Brasil na série histórica investigada.
A associação entre a cobertura da ESF e o coeficiente de mortalidade infantil foi estimada por meio do teste de correlação de Pearson e da regressão linear simples. As variáveis apresentaram distribuição normal e a adequação do modelo de regressão foi testada pela análise dos resíduos, sendo também calculado o coeficiente de determinação ajustado (R2). A variável dependente foi a taxa de mortalidade infantil e a variável independente, a cobertura populacional da ESF. Foi considerado significativo p<0,05.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Cruz Alta (RS), sob o parecer nº 0071.0.417.000-10.
Durante o período analisado, a ESF atendeu 92.274.000 pessoas e apresentou aumento de 43% na cobertura populacional. Houve alta prevalência de mortalidade infantil, visto que 631.162 crianças menores de um ano faleceram.
A Figura 1 apresenta os coeficientes médios de mortalidade infantil registrados nas unidades da Federação brasileira no período de 2006 a 2008. Os estados das Regiões Sul e Sudeste apresentaram as menores taxas, sendo que 5 tiveram coeficientes menores que 12 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Os estados das Regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores prevalências, visto que 5 deles registraram coeficientes superiores a 16 mortes por 1.000 nascidos vivos.
Figura 1 Coeficiente médio de mortalidade infantil proporcional a 1.000 nascidos vivos. Estados brasileiros (2006-2008)
A curva de regressão linear da cobertura da ESF mostrou tendência ascendente (p=0,000) e a do coeficiente de mortalidade infantil apresentou tendência descendente (p=0,000) no Brasil no período estudado (Figura 2).
Figura 2 Curvas de regressão linear da cobertura populacional da Saúde da Família e do coeficiente de mortalidade infantil. Brasil (1998-2008)
A Tabela 1 apresenta o número de equipes da ESF implementadas, o percentual de cobertura populacional e as taxas de mortalidade infantil no Brasil. O número de equipes passou de 3.062 para 29.300 no período, representando aumento de 857%, a cobertura populacional da ESF aumentou 43% e a mortalidade infantil reduziu 42%.
Tabela 1 Equipes e cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família e mortalidade infantil proporcional a 1.000 nascidos vivos, Brasil (1998-2008)
Ano | ESF | Cobertura populacional da ESF (%) | Mortalidade infantil* |
---|---|---|---|
1998 | 3.062 | 6,6 | 30,4 |
1999 | 4.220 | 9,0 | 28,8 |
2000 | 8.795 | 18,1 | 27,4 |
2001 | 13.245 | 26,9 | 26,3 |
2002 | 17.101 | 34,3 | 24,9 |
2003 | 19.444 | 38,5 | 23,9 |
2004 | 21.852 | 42,7 | 22,6 |
2005 | 24.564 | 44,4 | 21,4 |
2006 | 26.729 | 46,2 | 20,7 |
2007 | 27.324 | 46,6 | 20,0 |
2008 | 29.300 | 49,5 | 17,6 |
*Coeficiente proporcional a 1.000 nascidos vivos. ESF: Estratégia Saúde da Família.
A Tabela 2 apresenta os dados segundo os Estados no primeiro e no último ano de estudo. Todas as unidades da Federação brasileira tiveram aumento na cobertura populacional da ESF. Houve redução média de 36 óbitos por 1.000 nascidos vivos a cada ano no país; os Estados que apresentaram maior redução foram Alagoas (-4,3 óbitos por 1.000 nascidos vivos/ano), Pernambuco (-3,2) e Rio Grande do Norte (-2,9). Apenas o Estado do Amapá apresentou aumento nos óbitos em crianças menores de um ano (0,3).
Tabela 2 Cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família e mortalidade infantil proporcional a 1.000 mil nascidos vivos. Estados brasileiros (1998-2008)
Cobertura populacional da ESF (%) | Mortalidade infantil* | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano | 1998 | 2008 | Δ/ano | 1998 | 2008 | Δ/ano |
Acre | 6,9 | 59,2 | 4,0 | 45,5 | 23,4 | -2,2 |
Alagoas | 22,9 | 70,3 | 5,0 | 65,3 | 21,5 | -4,3 |
Amapá | 0 | 66,6 | 4,7 | 25,4 | 28,9 | 0,3 |
Amazonas | 0,7 | 49,7 | 5,7 | 31,0 | 21,9 | -0,9 |
Bahia | 0,2 | 55,0 | 4,9 | 42,1 | 23,3 | -1,8 |
Ceará | 28,6 | 67,2 | 5,4 | 43,0 | 19,1 | -2,3 |
Espírito Santo | 3,0 | 50,0 | 3,9 | 20,1 | 14,5 | -0,5 |
Goiás | 0,7 | 57,9 | 4,7 | 23,3 | 16,9 | -0,6 |
Maranhão | 0,7 | 78,1 | 5,7 | 47,5 | 24,0 | -2,3 |
Mato Grosso | 3,2 | 57,1 | 7,7 | 25,5 | 21,8 | -0,3 |
Mato Grosso do Sul | 1,8 | 56,2 | 5,4 | 25,2 | 16,5 | -0,8 |
Minas Gerais | 15,5 | 63,2 | 5,4 | 24,7 | 17,4 | -0,7 |
Pará | 2,4 | 36,3 | 4,8 | 31,8 | 23,6 | -0,8 |
Paraíba | 4,1 | 94,7 | 3,4 | 50,3 | 21,2 | -2,9 |
Paraná | 7,0 | 51,4 | 9,1 | 20,9 | 13,1 | -0,7 |
Pernambuco | 11,2 | 68,0 | 4,4 | 51,4 | 19,3 | -3,2 |
Piauí | 7,7 | 96,6 | 5,7 | 41,4 | 23,6 | -1,7 |
Rio Janeiro | 1,5 | 30,9 | 8,9 | 22,5 | 14,3 | -0,8 |
Rio Grande do Norte | 4,5 | 80,0 | 2,9 | 50,4 | 21,1 | -2,9 |
Rio Grande do Sul | 2,3 | 33,9 | 7,6 | 17,3 | 12,8 | -0,4 |
Rondônia | 4,4 | 47,8 | 3,2 | 28,0 | 21,6 | -0,6 |
Roraima | 0 | 70,2 | 4,3 | 24,8 | 20,7 | -0,4 |
Santa Catarina | 7,1 | 67,4 | 6,8 | 17,0 | 11,7 | -0,5 |
São Paulo | 1,5 | 25,6 | 6,0 | 19,8 | 12,6 | -0,7 |
Sergipe | 12,5 | 83,3 | 2,4 | 44,7 | 20,4 | -2,4 |
Tocantins | 25,9 | 76,7 | 7,1 | 31,0 | 21,8 | -0,9 |
*Coeficiente proporcional a 1.000 nascidos vivos. ESF: Estratégia Saúde da Família; Δ/ano: diferença média por ano (1998-2008).
A Tabela 3 apresenta os valores da correlação de Pearson segundo as unidades da Federação brasileira. Em 73% dos Estados a correlação negativa mostrou que o aumento na cobertura populacional esteve estatisticamente associado à redução da mortalidade infantil (p<0,01); apenas o Estado do Maranhão apresentou relação entre expansão da ESF e aumento nas taxas de mortalidade infantil (p<0,05).
Tabela 3 Coeficiente de correlação entre a cobertura populacional da Estratégia de Saúde da Família e a taxa de mortalidade infantil proporcional a 1.000 nascidos vivos, nos Estados e no Brasil (1998-2008)
Estados | Coeficiente de correlação |
---|---|
Acre | -0,546 |
Alagoas | -0,869* |
Amapá | 0,582 |
Amazonas | -0,909* |
Bahia | -0,681** |
Ceará | -0,908* |
Espírito Santo | -0,944* |
Goiás | -0,885* |
Maranhão | 0,703** |
Mato Grosso | -0,799* |
Mato Grosso do Sul | -0,928* |
Minas Gerais | -0,978* |
Pará | -0,423 |
Paraíba | -0,687** |
Paraná | -0,986* |
Pernambuco | -0,891* |
Piauí | -0,572 |
Rio de Janeiro | -0,997* |
Rio Grande do Norte | -0,951* |
Rio Grande do Sul | -0,954* |
Rondônia | -0,274 |
Roraima | -0,990* |
Santa Catarina | -0,99* |
São Paulo | -0,98* |
Sergipe | -0,838* |
Tocantins | -0,546 |
Brasil | -0,993* |
*p<0,01; **p<0,05.
A Tabela 4 apresenta os valores da regressão linear simples entre a variável independente e o desfecho do estudo. No Brasil, a ampliação da cobertura da ESF esteve estatisticamente associada à redução nas taxas de mortalidade infantil (β:-0,94; p<0,001).
Tabela 4 Regressão linear simples entre a cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família e o coeficiente de mortalidade infantil proporcional a 1.000 nascidos vivos, nos Estados e no Brasil (1998-2008)
Estados | R2 | β | IC95% | Valor p |
---|---|---|---|---|
Acre | 0,62 | -0,82 | -1,4;-0,35 | 0,139 |
Alagoas | 0,76 | -2,40 | -3,6;-1,18 | 0,001 |
Amapá | 0,54 | -0,32 | -0,8;-0,15 | 0,103 |
Amazonas | 0,90 | -1,20 | -1,6;-0,67 | 0,025 |
Bahia | 0,42 | -0,41 | -0,80;-0,01 | 0,017 |
Ceará | 0,83 | -1,73 | -2,44;-1,0 | 0,001 |
Espírito Santo | 0,89 | -0,81 | -1,0;-0,55 | 0,001 |
Goiás | 0,78 | -0,35 | -0,5;-0,18 | 0,011 |
Maranhão | 0,5 | 0,50 | 0,043;0,85 | 0,010 |
Mato Grosso | 0,64 | -0,40 | -0,68;-0,13 | 0,001 |
Mato Grosso do Sul | 0,86 | -0,84 | -1,14;-0,54 | 0,001 |
Minas Gerais | 0,96 | -0,88 | -1,0;-0,72 | 0,001 |
Pará | 0,38 | 0,36 | 0,86;0,07 | 0,256 |
Paraíba | 0,47 | -0,30 | -0,62;-0,018 | 0,016 |
Paraná | 0,97 | -1,30 | -1,41;-1,0 | 0,001 |
Pernambuco | 0,79 | -1,90 | -2,7;-1,03 | 0,001 |
Piauí | 0,36 | 0,38 | 0,9;0,01 | 0,178 |
Rio de Janeiro | 0,99 | -1,96 | -2,1;-1,82 | 0,001 |
Rio Grande do Norte | 0,92 | -0,64 | -0,80;-0,47 | 0,015 |
Rio Grande do Sul | 0,9 | -0,92 | -1,17;-0,65 | 0,001 |
Rondônia | 0,45 | 0,20 | 0,80;0,06 | 0,474 |
Roraima | 0,86 | -2,30 | -3,17;1,5 | 0,001 |
Santa Catarina | 0,98 | -0,53 | -0,59;-0,46 | 0,012 |
São Paulo | 0,98 | -2,01 | -2,3;-1,69 | 0,001 |
Sergipe | 0,83 | -1,15 | -1,55;-0,66 | 0,001 |
Tocantins | 0,7 | -0,45 | -0,72;-0,19 | 0,016 |
Brasil | 0,98 | -0,94 | -1,04;0,84 | 0,001 |
*p<0,05. R2: coeficiente de determinação ajustado; β: beta coeficiente; IC95%: intervalo de confiança de 95%.
Os resultados deste estudo demonstraram aumento significativo da cobertura populacional da ESF e redução da taxa de mortalidade infantil na maioria das unidades da Federação brasileira no período analisado, corroborando outras investigações16 , 17 que encontraram resultados semelhantes.
A implementação de equipes da ESF trouxe resultados positivos para a saúde da criança, melhoria na atenção ao pré-natal, diminuição da incidência de doenças infecciosas e redução da mortalidade infantil18. Desde 1990, o Brasil vem apresentando redução das taxas de mortalidade infantil, principalmente nos últimos anos, em que houve maior desenvolvimento socioeconômico, diminuição das desigualdades sociais e maior acesso aos serviços de saúde, em especial à ESF19.
A hipótese desta investigação é de que a diminuição da mortalidade infantil pode ser resultante, dentre outros fatores, da ampliação da atenção básica e da Saúde da Família no Brasil nos últimos anos, o que possibilitou maior acessibilidade da mulher e da criança aos serviços de saúde e construção de vínculo com os profissionais da área. Esses fatores contribuíram para a prevenção de complicações na gestação e a diminuição das vulnerabilidades sociais, biológicas e estruturais, determinantes para a mortalidade infantil17.
As ações de saúde realizadas na ESF voltadas à gestante e à criança devem ser integradas a outros serviços, como hospitais, assistência social, creches e organizações não governamentais20. Entretanto, as dificuldades para a articulação de ações intersetoriais e em rede prejudicam o acompanhamento integral da gestação e, principalmente, a realização adequada do pré-natal, aumentando o risco de óbitos infantis17.
Estudo brasileiro21 identificou que metade das mortes de crianças menores de um ano ocorre por condições evitáveis, sendo o óbito prevenido com ações de saúde voltadas ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. Entretanto, a assistência ao pré-natal apresenta baixa cobertura e pouca resolubilidade em vários locais do Brasil, principalmente em regiões com intensa desigualdade social22.
Embora nos últimos anos tenham sido implementadas políticas de saúde para melhorar a qualidade da assistência e aumentar o acesso das gestantes e dos recém-nascidos às ESFs, essas iniciativas não privilegiam ações preventivas e de promoção de saúde capazes de interferir positivamente na redução da mortalidade infantil23.
Este estudo apresenta limitações que precisam ser consideradas: as subnotificações dos óbitos infantis, que resultam em informações distorcidas sobre o real número de mortes; os dados referentes à mortalidade infantil, que não podem ser entendidos exclusivamente como resultantes das ações da ESF, já que não houve controle dos fatores de confundimento; e o fato de não ter sido considerada a presença de outros programas de saúde que poderiam influenciar as taxas de mortalidade. Entretanto, os estudos ecológicos representam uma abordagem importante para a saúde pública e para a epidemiologia, além de contribuírem para identificar fatores responsáveis pelos níveis de saúde e formular futuras hipóteses de pesquisa.
Neste estudo, observou-se redução das taxas de mortalidade infantil nos últimos anos e distintos padrões geográficos na distribuição do agravo. Os Estados das Regiões Sul e Sudeste apresentaram as menores prevalências de óbitos e os Estados das Regiões Norte e Nordeste foram responsáveis pelas altas taxas de mortalidade infantil no país.
Acredita-se que as diferenças entre as taxas de mortalidade infantil possam ser influenciadas pelas características geográficas dos Estados, pela extensão territorial do país e pelas desigualdades sociais historicamente construídas entre as Regiões Sul e Norte. Assim, embora a cobertura da ESF tenha aumentado nos últimos anos, ainda são insuficientes as práticas de saúde destinadas à redução das mortes infantis evitáveis24.
Os achados desta investigação permitem explorar a associação entre a cobertura populacional da ESF e a redução da mortalidade infantil, agregando elementos para auxiliar na avaliação das ações em saúde, em especial das ESFs.