versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.3 Rio de Janeiro mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.04302014
No século passado, houve uma mudança nos cuidados de agravos à saúde passando do cuidado informal associado a instituições filantrópicas para a concentração dos serviços de clínicas médicas e hospitais. O incremento técnico da área da saúde direcionou o tratamento das diversas doenças para o âmbito especializado e, associado ao desenvolvimento social e econômico, ampliou a possibilidade de mais pessoas receberem os cuidados ao final da vida em ambiente hospitalar. Com isso, ocorreu uma institucionalização do processo de óbito e a morte deixou de ocorrer no domicílio e passou a ser hospitalar1 - 3.
A Organização Mundial da Saúde estima que até o ano de 2030, as causas de morte mais frequentes serão decorrente de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como as neoplasias, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, as doenças pulmonares crônicas, entre outras, as quais frequentemente desenvolvem um prolongado período de terminalidade, causando a deterioração da qualidade de vida dos pacientes muito antes da ocorrência do óbito3 - 5. A população brasileira, dentro deste contexto social e demográfico, também apresenta um aumento da longevidade e da prevalência de DCNT nas causas de mortalidade, e a região sul do Brasil é a que possui o maior contingente de indivíduos idosos6.
O processo de terminalidade prolongado consequente das DCNT leva a um longo enfrentamento, tanto pelo paciente quanto para quem cuida deste, que envolve decisões relativas a mudanças de rotina, manejo de gastos com saúde, bem como escolha relativa aos momentos finais, como a adoção de medidas invasivas e o local de ocorrência. Uma revisão sistemática realizada por Gomes et al.5 analisou a preferência por local de óbito de 100.307 pessoas, com a inclusão de 210 estudos de 34 países. Esta pesquisa encontrou uma forte preferência pelo óbito em domicílio, quando há a disponibilidade de suporte adequado às demandas dos pacientes. Em 75% dos estudos incluídos na revisão, mais de 50% dos entrevistados expressaram a preferência pelo domicílio, em um terço das pesquisas a preferência foi maior que 70%. No entanto, nem sempre o local de ocorrência acontece pela preferência, mas pelas possibilidades e limitações das opções oferecidas pelos serviços de saúde.
Atualmente Londrina é referência regional na assistência à saúde, conta com uma ampla rede hospitalar, e foi uma das primeiras cidades do Brasil a estruturar um sistema de internação domiciliar, em 1996, que montou uma equipe com foco em Cuidados Paliativos, principalmente de pacientes oncológicos7. Além disto, algumas políticas públicas, como o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos (2002)8, a Política Nacional de Atenção Oncológica (2005)9 e a Portaria nº 2.529 de 19 de outubro de 2006, que instituiu a Internação Domiciliar no âmbito do SUS10, podem ter influenciado nas características dos óbitos da população, direcionando a ocorrência para o ambiente domiciliar.
Com o objetivo de verificar como as características dos óbitos desta população, principalmente em relação ao local de ocorrência, foram afetadas nos últimos anos buscou-se analisar os dados populacionais deste município e levantar considerações sobre o estado atual e as influências das políticas públicas na terminalidade.
A pesquisa tem caráter epidemiológico descritivo, com uso da base de dados pública do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)11. Realizou-se uma busca anual dos óbitos no município de Londrina, no período de 1996 a 2010, considerando a população residente, as causas de óbitos (definidas pelos capítulos da Classificação Internacional de Doenças 10ª revisão - CID-10), e os locais de óbito (hospital, outro estabelecimento de saúde, domicílio, via pública, outros e ignorado). Limitou-se a busca até o ano de 2010, último ano disponível no sistema no período de realização deste estudo. A partir destes dados, rea lizou-se uma comparação das variáveis local de ocorrência, classificando as principais causas de óbitos e, posteriormente, foi analisada a progressão anual destas variáveis.
Além disto, foi realizado uma busca por pesquisas relativas ao tema nesta população nas bases de dados SciELO, Pubmed e Lilacs, com os descritores Causas de Morte, Mortalidade, Mortalidade Hospitalar, Assistência Domiciliar e Local de óbito, buscando comparar as frequências do local de óbito em diferentes populações. O acesso ao SIM e a busca nas bases de dados concentrou-se no período de maio a dezembro de 2013.
A partir da busca realizada no banco de dados do SIM, verificou-se que o número de óbitos por ano cresceu progressivamente de 3478 ocorrências, em 1996, para 4467, em 2010, um aumento de 28% e, considerando somente a população acima de 60 anos, o aumento foi de 48% (Figura 1). Do total de óbitos neste período os indivíduos maiores de 60 anos corresponderam por 60,3%, seguido de 33,2% dos que tinham entre 15 a 59 anos, 2,0% entre 1 a 14 anos e 4,4% menores de 1 ano.
Figura 1. Progressão dos óbitos da população acima e abaixo de 60 anos no município de Londrina-PR (1996-2010).
Na análise da progressão anual por local de óbito verifica-se um aumento gradativo e importante no número dos ocorridos em hospitais a partir de 2006, no entanto este aumento não foi aparente naqueles que aconteceram em domicílio e nas vias públicas do município (Figura 2).
Figura 2. Progressão dos óbitos ocorridos no município de Londrina-PR, classificados por local de ocorrência (período de 1996 a 2010).
Em relação às frequências dos locais de óbitos no município, verifica-se na Tabela 1, que em média, neste período, mais de 70% ocorreram nos hospitais e cerca de 18% nos domicílios.
Tabela 1. Porcentagem da distribuição de óbitos no domicílio no município de Londrina (1996 - 2010).
Ano | % Hospitalar | % Domicílio | % Via pública | % Outros |
---|---|---|---|---|
1996 | 76,07 | 16,05 | 5,41 | 2,47 |
1997 | 73,45 | 17,64 | 5,92 | 2,98 |
1998 | 72,27 | 18,51 | 5,88 | 3,34 |
1999 | 77,23 | 15,86 | 4,26 | 2,65 |
2000 | 71,29 | 19,92 | 4,85 | 3,59 |
2001 | 70,41 | 20,07 | 5,03 | 4,49 |
2002 | 73,41 | 17,36 | 6,57 | 2,65 |
2003 | 71,31 | 18,80 | 6,74 | 3,15 |
2004 | 70,62 | 18,61 | 7,13 | 3,64 |
2005 | 69,42 | 18,35 | 6,19 | 6,04 |
2006 | 72,84 | 18,66 | 5,43 | 3,07 |
2007 | 75,20 | 17,15 | 5,16 | 2,49 |
2008 | 74,05 | 17,46 | 5,56 | 2,93 |
2009 | 74,24 | 16,99 | 5,68 | 3,09 |
2010 | 74,06 | 17,31 | 5,58 | 3,06 |
Média | 73,06 | 17,92 | 5,69 | 3,31 |
Desvio Padrão | 2,20 | 1,23 | 0,75 | 0,92 |
Considerando as causa de óbitos verificou-se que as principais foram as doenças do aparelho circulatório (31%) e as neoplasias (19%), seguido das causas externas e doenças respiratórias. Na Figura 3 verifica-se a influência destas causas na progressão anual dos óbitos hospitalares e domiciliares, na qual se observa que houve uma maior contribuição para o crescimento de óbitos hospitalares nos últimos 5 anos de casos decorrentes de neoplasias, enquanto que aqueles de causa circulatória permaneceram relativamente estáveis.
Figura 3. Progressão anual das mortes por doenças do aparelho circulatório e por neoplasias em Londrina (1996-2010).
Em relação ao local de óbito, nas doenças circulatórias as ocorrências em hospitais corresponderam, em média, a 72,56% (Desvio Padrão [DP] = 3,50), e as domiciliares 23,07% (DP = 3,78) do total de óbito por esta causa. Para os óbitos por neoplasias, os casos hospitalares corresponderam, em média, a 82,08% (DP = 4,07), com um aumento de aproximadamente 200 casos/ano entre os anos iniciais e finais, enquanto as ocorrências domiciliares permaneceram estáveis com média de 16,66% (DP = 3,24) do total de óbitos relacionados.
O município de Londrina está localizado na região norte do estado do Paraná e possuía, segundo o Censo populacional de 2010, 506.701 habitantes12. É o segundo município mais populoso do Estado do Paraná e sua estrutura de serviços de saúde é referência para os demais municípios da região. O município, fundado no ano de 1934, apresentou um desenvolvimento urbano recente, principalmente a partir da década de 60, e o crescimento populacional associado à necessidade de assistência à saúde demandou a estruturação da rede hospitalar. A forma como o desenvolvimento local afetou as características dos óbitos no município pode ser observada no estudo de Laprega e Manço, que avaliou as mortes ocorridas entre 1936 e 1982, com intervalo de 2 em 2 anos. Ao realizar uma sobreposição de gráficos obtidos deste estudo, a partir da população residente, verifica-se a transição dos locais de ocorrência do óbito, bem como o aprimoramento do sistema de coleta de informações1 (Figura 4).
Figura 4. Porcentagem de óbito hospitalares e domiciliares de indivíduos residentes de Londrina-PR (1936-1982) (sobreposição dos gráficos de Laprega e Manço, 19991).
Observa-se que em Londrina houve uma inversão no local do óbito, antes de predomínio domiciliar, para hospitalar no meio da década de 60, e na década de 80 a proporção de óbitos hospitalares atingiu aproximadamente 70%. Como verificado neste estudo, esta proporção manteve-se estável neste período de 15 anos.
Também é possível observar o crescimento de óbitos nas faixas de etárias mais elevadas, devido ao envelhecimento populacional local associado à transição epidemiológica, com predomínio das doenças não transmissíveis como principais causas de morte. A hospitalização no óbito é uma condição predominante na sociedade atual. Entre das possíveis causas para esta realidade estão os requerimentos técnicos e científicos aplicados para os casos em que o paciente se encontra no limiar da vida. Este fato, acrescido ao aumento da longevidade humana e da transição epidemiológica, com predomínio das doenças não infecciosas, requer um aumento constante de leitos hospitalares, unidades de tratamento intensivo e de profissionais para atender esta demanda5 , 6.
Em 1996, Londrina estruturou um sistema de internação domiciliar, com uma equipe voltada para o suporte em Cuidados Paliativos, principalmente de pacientes oncológicos7. A disponibilidade de suporte de Cuidados Paliativos domiciliares tem sido fortemente associada à possibilidade de ocorrência de óbitos domiciliares13 e permitindo uma maior autonomia de escolha para os pacientes e cuidadores, com foco na qualidade de vida durante os períodos prévios ao óbito. No entanto, diversos fatores limitam a possibilidade do óbito domiciliar, como a necessidade de visitas médicas frequentes, a disponibilidade de equipe de suporte, a limitação ou menor aceitação pelos familiares e as condições clínicas (como dor e sintomas de difícil controle)13. Na falta de suporte adequado, a ocorrência do óbito em contexto familiar pode ser estressante ou mesmo traumática para os envolvidos.
Assim, apesar das iniciativas locais e das políticas nacionais ampliarem a possibilidade do óbito domiciliar, não ocorreram mudanças na frequência do óbito hospitalar. Pelo contrário, o aumento do número de óbitos foi direcionado em grande maioria para o hospital.
Apesar do predomínio do óbito hospitalar, diversos países têm buscado reduzir esta proporção por meio de políticas públicas específicas, tanto pela questão da qualidade do óbito quanto pelo custo envolvido. A partir da década de 80, principalmente os países mais desenvolvidos economicamente, apresentaram uma redução dos óbitos hospitalares, tanto para pacientes oncológicos (que são mais frequentemente encaminhados para receberem Cuidados Paliativos) quanto para os não oncológicos. Estes óbitos não foram balanceados com o aumento de óbitos domiciliares, mas sim com a ampliação de leitos em instituições de longa permanência (ILP) especializadas, como hospices ou casas de cuidado14.
Um estudo conduzido por Gao et al.15analisou os locais de óbito decorrentes de câncer na Inglaterra, no período de 1993 a 2010, e verificou que a proporção de óbitos hospitalares caiu de 49% para 44,9% neste período, e os domiciliares mantiveram-se estáveis variando de 22,4 a 26,2%. Outro local comum de ocorrência de óbitos neste país são os hospices, que cresceram em participação de 13,6 para 17,4% entre 1993 a 2010. Este estudo relaciona a queda parcial na frequência de óbitos hospitalares a um programa nacional de cuidado ao fim da vida, realizando na Inglaterra a partir de 2004, que busca conciliar o óbito ao local escolhido pelas pessoas, associado a cuidados específicos para estes pacientes.
Para a população belga, Houttekier et al.14verificaram que, entre o período de 1998 a 2007, a proporção de óbitos hospitalares caíram de 55,1% para 51,7%, enquanto as mortes ocorridas em casas de cuidado (care homes) aumentaram de 18,3% para 22,6%. Os óbitos domiciliares mantiveram-se relativamente estáveis no período, variando de 22,4% a 23,0%. Segundo os autores, a redução de óbitos hospitalares foi devido à substituição dos leitos domiciliares pelos das casas de cuidado. Neste estudo, ao considerar a progressão das tendências observadas, os autores estimam que os óbitos em casas de cuidados podem se aproximar ou mesmo ultrapassar a proporção dos hospitalares até o ano de 2040.
Considerando o contexto brasileiro, o alto índice de óbitos hospitalares também foi observado em outras regiões, como no estudo de Telarolli Júnior e Loffredo6, realizado em Araraquara (estado de São Paulo) considerando o período de 2006 a 2011, e, somente para os indivíduos acima de 60 anos, constatou-se uma porcentagem de 76% de óbitos hospitalares e 20% domiciliares. Os óbitos em asilos e casas de repouso cresceram mas ainda são pouco expressivos na distribuição geral (menor que 4%). As principais causas de óbitos foram muito semelhantes às encontradas no presente estudo, com predomínio de doenças não transmissíveis. A maior frequencia de óbitos domiciliares foi creditada a maior predisposição de considerar o óbito em domicílio como opção para os indivíduos mais idosos, com o objetivo de humanizar o evento.
Um estudo realizado em Recife, considerando o período entre 2004 a 2006, e somente com indivíduos acima de 60 anos, verificou um índice de óbitos hospitalares de 75,5 a 82,2%, domiciliares de 16,1 a 19,5% e em ILP menor que 2%. Os autores observaram um maior risco do óbito hospitalar nos estratos com menores condições de vida, sugerindo que a população mais carente de recursos tem dificuldade para ter acesso nas fases iniciais da doença e, assim, são conduzidos ao hospital mais tardiamente, o que limita sua assistência nas fases mais avançadas16.
Uma comparação relacionada às frequências dos locais de óbitos em diferentes populações pode ser observada na Tabela 2.
Tabela 2. Proporção de óbitos segundo o local de ocorrência em diferentes países e cidades brasileiras, e comparação com o presente estudo.
País | Período | Óbitos hospitalares | Óbitos domiciliares | Óbitos em ILP | Autores, ano | |
---|---|---|---|---|---|---|
Inglaterra | 1993 a 2010 | 49 | – 44,9% | 22,4 – 26,2% | 13,6 – 17,4% | Gao et al., 201315 |
Bélgica | 1998 a 2007 | 55,1 | – 51,7% | 22,4 – 23,0% | 18,3 – 22,6% Houttekier et al., 201214 | |
Alemanha | 1994 a 2009 | 44 – 50% | 29 – 38% | 13 – 21% | Simon et al., 201219 | |
Canadá | 1994 a 2004 | 77,7 | – 60,6% | 19,3 – 29,5% | 3,0 – 9,9% | Wilson et al., 200913 |
Estados Unidos | 1980 a 1998 | 54 – 41% | 17 - 22% | 16 – 22% | Flory et al., 200420 | |
Brasil (Cidades) | ||||||
Londrina | 1996 a 2010 76,79 – 82,66% | 10,93 – 17,01% | 0,24 – 0,7%ß | * | ||
Araraquaraa | 2006 a 2011 | 76% | 20% | >4% | Telarolli Júnior e | |
Loffredo, 20136 | ||||||
Recifea | 2004 a 2006 | 75,5-82,2 % | 16,1 – 19,5% | >2% | Magalhães et al., 201116 |
ß Dados disponíveis somente a partir do ano 2000.
* Dados do presente estudo.
a Dados relativos somente para indivíduos acima de 60 anos.
Acredita-se que as taxas de hospitalização são determinadas pelas políticas públicas de saúde e pela disponibilidade de leitos hospitalares e o suporte domiciliar13. No contexto brasileiro do cuidado no fim da vida verifica-se uma limitação de possibilidades, centrada no óbito hospitalar, com uma mínima porção de casos domiciliares, o que leva consequentemente à superlotação das unidades hospitalares17 , 18.
Atualmente, não há no contexto brasileiro, em especial no setor público, outras opções disponíveis à população, como ILP especializadas para o cuidado de pacientes em fase avançada (como os hospices) ou serviços estruturados de Cuidados Paliativos. Uma resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Nº 283, de 26 de setembro de 2005, estabeleceu os parâmetro aceitáveis dos cuidados, estrutura física e operacional de recursos humanos para as ILP para idosos, mas não estabelece condições para o atendimento de pessoas com doenças em fase avançada, o acesso para indivíduos não idosos mas dependentes ou com necessidade de Cuidados Paliativos21.
Nos últimos anos, a alternativa à hospitalização promovida pelo setor público é o atendimento domiciliar. No Sistema Único de Saúde (SUS), este formato de atenção foi instituído pela Lei Nº 10.424, de 15 de abril de 2002, a qual definiu o atendimento domiciliar, inclusive internação, para atuar na medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora22. No entanto, somente pela Portaria Nº 2.529, de 19 de outubro de 2006, foram definidas as formas de atuação, a formação da equipe de cuidados, a definição dos recursos financeiros e as condições de credenciamento, e colocaram como prioridade de eleição os idosos, os portadores de doenças crônico-degenerativas agudizadas, os portadores de patologias que necessitem de cuidados paliativos e os portadores de incapacidade funcional, provisória ou permanente10. Mais recentemente, as formas de assistência domiciliar foram redefinidas pela Portaria Nº 963, de 27 de maio de 201323, que estabelece o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) no SUS, definindo a formação da Equipe Multiprofissional de Atenção Domiciliar (EMAD), incluindo em suas prerrogativas os Cuidados Paliativos e a assistência ao óbito, e, posteriormente, complementada pela a Portaria Nº 1.208, de 18 de junho de 2013, que integrou o Programa Melhor em Casa (Atenção Domiciliar no âmbito do SUS) com o Programa SOS Emergência24.
Em relação aos cuidados específicos, cita-se a Portaria nº 19, de 3 de janeiro de 2002, que instituiu o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, no entanto sem definir as formas de implementação8. Enquanto na Portaria Nº 2.439, de 8 de dezembro de 2005, instituiu-se a Política Nacional de Atenção Oncológica, que indicou a necessidade de integrar os diversos níveis de atenção no atendimento dos pacientes oncológicos, incluindo os Cuidados Paliativos. Esta portaria estipula para a atenção básica a possibilidade de realizar, além das ações preventivas e terapêuticas, atendimento em Cuidados Paliativos para estes pacientes9. Além disso, há políticas voltadas especificamente ao direito do idoso, como o Estatuto do Idoso e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, mas sua efetivação depende da participação dos agentes envolvidos (usuários, profissionais e gestores) para possibilitar um amplo suporte à saúde da população idosa que será cada vez maior25.
Mesmo acompanhando as tendências demográficas e o aumento da prevalência das doen ças crônicas, muitos sistemas de saúde ainda são orientados ao imediatismo, com ênfase no cuidado agudo e não na prevenção e no cuidado crônico, e os serviços de saúde ainda tratam as doenças crônicas como episódios isolados26. Nestes casos, a ocorrência de óbito pode ser prevista com antecedência e as ações devem promover a busca por uma "boa morte": com acesso a Cuidados Paliativos, mais opções de escolha para o local de ocorrência e suporte técnico aos familiares, mesmo em ambiente domiciliar.
Neste estudo observou-se um predomínio de ocorrência de óbitos em hospitais, semelhante ao observado em outros municípios brasileiros, porém mais elevados em comparação com outros países. Também é possível verificar o aumento da influência do envelhecimento populacional e das doenças não transmissíveis nos óbitos, e que estes foram direcionados para o cuidado hospitalar nas fases mais avançadas. É preciso considerar que, em relação aos cuidados prestados nos momento finais, não é somente o evento morte que importa, mas todo o processo de morrer27. Assim, mais do que o local, é a qualidade da atenção oferecida e do acolhimento prestado que afetam como se dará o processo de fim da vida para aqueles que enfrentam uma doença potencialmente fatal, e marcará, positiva ou negativamente, a lembrança daqueles que ficam.
Entre as alternativas à hospitalização, as políticas de saúde pública brasileira buscam ampliar o número de leitos domiciliares e a inserção de ações em Cuidados Paliativos para aqueles com doenças em fase avançada ou sem possibilidade de cura. Alguns países adotaram, como opção, a ampliação de instituições não hospitalares, como hospices ou casas de cuidado, adaptados para receber estes pacientes e com um custo operacional reduzido, além de promover um ambiente mais confortável ao paciente e seus familiares. Tal modelo pode ser considerado como uma opção para a estruturação e a ampliação da assistência ao óbito no SUS. Mudanças recentes nas políticas de saúde pública do Brasil podem afetar esta distribuição relacionada aos locais de óbito, as quais devem ser investigadas futuramente, bem como verificar, também, a qualidade do óbito disponível para a população.