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Morte Súbita no Brasil: A Epilepsia deve ser Lembrada

Morte Súbita no Brasil: A Epilepsia deve ser Lembrada

Autores:

Fulvio Scorza,
Paulo José Ferreira Tucci

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.2 São Paulo ago. 2015

https://doi.org/10.5935/abc.20150072

Atualmente, uma quantidade considerável de informações valiosas sobre o problema da morte súbita cardíaca (MSC) tem sido descrita. A incidência de MSC nos Estados Unidos varia entre 180000-400000 casos por ano1. Martinelli e cols. demonstraram uma incidência de 21270 casos de MSC por ano na Região Metropolitana de São Paulo2. Recentemente, Braggion-Santos e cols.3 descreveram as características da MSC em Ribeirão Preto, Brasil, de acordo com relatórios de autópsia. Na revisão de 4501 autópsias eles identificaram 899 casos de MSC (20%); a taxa foi de 30/100000 residentes/ano3. A grande maioria dos casos de MSC envolveu doença arterial coronariana (64%). Com base nos conhecimentos científicos disponíveis relacionados com a MSC, é extremamente importante identificar novas áreas de investigação que possam melhorar a compreensão do problema e estabelecer medidas preventivas eficazes para minimizar ou até mesmo controlar a ocorrência de MSC.

Embora estudos tenham mostrado que o aumento no número de casos de MSC é causado por uma combinação de fatores2,3, um fator de risco igualmente importante para MSC não relatado e não explorado em cardiologia é a epilepsia. De fato, uma série de dados poderiam ser propostos para explicar esse fato.

A epilepsia afeta aproximadamente 65 milhões de indivíduos em todo o mundo e é uma das doenças neurológicas mais graves, crônicas e comuns4-7. Nos países em desenvolvimento e países pobres, a incidência da epilepsia é maior quando comparada com a de países desenvolvidos4-7. A evolução prognóstica tem mostrado claramente que as convulsões são controladas com sucesso por medicamentos antiepilépticos disponíveis atualmente em cerca de dois terços dos indivíduos com epilepsia, o que resulta em um terço com epilepsia refratária4,8. Para esses pacientes, com convulsões descontroladas, a epilepsia deve ser considerada como uma condição maligna, uma vez que acarreta uma taxa de mortalidade 2 a 3 vezes mais elevada do que na população em geral9. Assim, a morte súbita em epilepsia (SUDEP) é a causa mais frequente de morte relacionada com a epilepsia9-12. Por definição, SUDEP é uma morte súbita, inesperada, com ou sem testemunhas, não traumática e sem afogamento, em pessoas com epilepsia, com ou sem evidência de convulsão, nas quais o exame necroscópico não revela uma causa toxicológica ou anatômica da morte13. Estudos epidemiológicos indicam que a SUDEP é responsável por 7,5% a 17% de todas as mortes na epilepsia, e tem uma incidência entre adultos entre 1:500 e 1:1000 pacientes/ano14. Os principais fatores de risco para a SUDEP incluem o número de convulsões tônico-clônicas generalizadas, convulsões noturnas, pouca idade no início da epilepsia, longa duração da epilepsia, demência, ausência de doença cerebrovascular, asma, sexo masculino, etiologia sintomática da epilepsia e abuso do álcool12,15. A causa ou causas da SUDEP ainda são desconhecidas, mas um dos principais mecanismos propostos está relacionado com a desregulação autonômica, promovendo alterações cardíacas durante e entre as convulsões16-18.

Nessa linha de raciocínio, os nossos dados experimentais esclareceram algumas possibilidades. Usando o modelo de pilocarpina de epilepsia do lobo temporal, avaliamos a frequência cardíaca de ratos com epilepsia in vivo e em uma preparação isolada ex vivo (preparação de Langendorff)17. A frequência cardíaca basal in vivo em animais com epilepsia crônica (346 ± 7 bpm) foi mais alta do que em ratos controle (307 ± 9 bpm) 17. De qualquer forma, não foi observada diferença na situação isolada ex vivo (animais controle: 175 ± 7 bpm; epilepsia crônica: 176 ± 6 bpm), sugerindo que a modulação autonômica do coração é alterada em animais com epilepsia, explicando a permanência da frequência cardíaca basal aumentada nesses animais17. Além disso, também avaliamos as respostas da frequência cardíaca durante o estágio 5 do modelo de kindling da amígdala, o estágio em que os animais desenvolvem convulsões generalizadas18,19. Os animais não apresentaram diferenças significativas na frequência cardíaca basal; no entanto, a frequência cardíaca basal foi maior durante a fase 5 de kindling, possivelmente como resultado da ativação simpática causada pela condição epilética crônica18,19. Como demonstrado em estudos anteriores20, a intensa bradicardia no início de convulsão foi seguida por taquicardia de rebote18,19. Além disso, a intensidade da taquicardia estava diretamente relacionada com o número de convulsões generalizadas, sugerindo que as convulsões tônico-clônicas generalizadas repetidas afetam o fluxo simpático18,19. Por essa razão, uma explicação plausível é que a ativação simpática contínua e intermitente devido a convulsões sem controle é capaz de manter o ritmo cardíaco, modulando o coração no estado acelerado de forma permanente.

Considerando todas essas informações translacionais, torna-se claro que a mortalidade relacionada à epilepsia, particularmente a MSC, é uma questão de saúde pública. Assim, é fundamental que uma abordagem combinada e colaborativa seja implementada para resolver esse problema. Para isso, é extremamente necessária a existência de uma convergência real entre cardiologistas e neurologistas para avaliar e discutir cuidadosamente os registros do eletroencefalograma e eletrocardiograma, os resultados das imagem cardíacas e cerebrais e estudos histopatológicos detalhados, a fim de detectar ou prevenir a ocorrência de um evento fatal trágico entre os indivíduos com epilepsia.

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