versão impressa ISSN 1806-3713
J. bras. pneumol. vol.41 no.1 São Paulo jan./fev. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37132015000100013
Ao Editor,
Vimos com interesse o artigo publicado por Almeida et al.(1) no Jornal Brasileiro de Pneumologia. No artigo, foi estudado o perfil tabágico e a dependência de nicotina em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. A maioria dos pacientes apresentava dependência elevada ou muito elevada, e pacientes com neoplasia avançada fumavam mais cigarros por dia que pacientes com neoplasia inicial, dado esse paradoxal. Porém, isso revela o comportamento dessa população específica, mesmo portando uma doença grave.
A importância desse dado é que o tabagismo é uma doença crônica caracterizada pela dependência da nicotina e, por isso, está inserido na classificação do Código Internacional de Doenças.(2) O tabagismo é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Estima-se que cerca de 30% de todos os tumores malignos estejam associados ao consumo de tabaco. No paciente com diagnóstico de câncer, o tabagismo é responsável por pior resposta ao tratamento, diminuição da sobrevida e da qualidade de vida, toxicidade ao tratamento instituído, aumento da recorrência do câncer e aparecimento de metástases. O tratamento do tabagismo nessa população é extremamente difícil, pois é necessário aconselhamento, psicoterapia e intervenção comportamental específicos para essa população, já que a recorrência do tabagismo é muito grande e o tratamento medicamentoso não é suficiente para manter o paciente abstinente por longos períodos.(3) Dessa maneira, conhecer o perfil dos pacientes tabagistas com neoplasia é fundamental ao desenvolvimento de estratégias específicas para a cessação do uso de tabaco nessa população. Nesse sentido, realizou-se um estudo observacional prospectivo com 50 indivíduos tabagistas, ex-tabagistas e não tabagistas internados na unidade de clínica médica de um hospital terciário na cidade de São Paulo, no período compreendido entre fevereiro e maio de 2014, por meio da aplicação dos seguintes instrumentos: Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina,(4) escala motivacional de Prochaska e DiClemente(5) e escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar.(6) O estudo teve a aprovação da Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Anhembi Morumbi, localizada na cidade de São Paulo. Dos 50 entrevistados, 18 (36%) relataram serem não tabagistas; 15 (30%), ex-tabagistas; e 17 (34%), tabagistas. Desse modo, nota-se que a maioria dos analisados tem ou teve exposição ao tabaco. Em relação ao perfil sociodemográfico dos participantes, foi constatado que a maioria era do sexo masculino, casada e com baixo nível de escolaridade. Referente à faixa etária para o inicio do hábito de fumar, o presente estudo corrobora um estudo anterior,(7) evidenciando que o hábito de fumar se inicia na adolescência, sendo que 58,3% dos pacientes tabagistas começaram a fumar antes dos 18 anos de idade, o que aponta a necessidade de campanhas, especificamente para essa faixa etária, que conscientizem os adolescentes e jovens sobre os malefícios do tabagismo. Um estudo etnográfico(8) descreveu que a preocupação com a saúde é o principal fator motivador para a cessação do tabagismo. A maioria dos ex-tabagistas (72%) do presente estudo referiu ter parado de fumar por decisão própria, independentemente dos problemas de saúde, o que sugere uma melhor investigação sobre o tema.
De acordo com a Tabela 1, observa-se que a amostra foi homogênea quanto ao sexo e idade, sem significância estatística. Optamos por agrupar tabagistas e ex-tabagistas para a análise estatística, já que os ex-tabagistas permanecem com um risco aumentado para neoplasias por vários anos após a interrupção do tabagismo. Nos grupos com e sem neoplasias, respectivamente, havia 7 e 8 tabagistas. A maioria dos indivíduos apresentou dependência moderada de acordo com o Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina(4) (70,6% dos tabagistas), e nenhum indivíduo apresentou alta dependência. Quanto à ansiedade e depressão, não houve uma diferença significativa entre os dois grupos analisados. Esperávamos que, nos pacientes com neoplasia, o grau de ansiedade e depressão fosse maior(9); porém, muitos estavam em estágio terminal da doença e, provavelmente, encontravam-se na fase de aceitação. Todos os pacientes com neoplasia sabiam de seu diagnóstico. Com relação à ansiedade, verificada pela escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar,(6) os não fumantes demonstraram possível ansiedade em 83% dos casos; já entre os fumantes e ex-fumantes, resultados de improvável ansiedade foram obtidos em 65,6%. A associação estatística foi significativa, indicando que o grupo de não tabagistas possivelmente estava mais ansioso. A ansiedade e a depressão são sabidamente maiores em pacientes tabagistas.(2,10) O que pode explicar nossos resultados é o possível uso de medicações antidepressivas e ansiolíticas pela população de tabagistas e ex-tabagistas. A escala também verifica questões referentes à depressão. Na nossa amostra, a maioria teve resultados de improvável depressão, em 72% dos não tabagistas e em 94% dos tabagistas.
Variáveis | Tabagistas e ex-tabagistas (n = 31) | p* | |||
---|---|---|---|---|---|
Com neoplasia (n = 19) | Sem neoplasia (n = 12) | ||||
Média (dp) | Mediana (variação) | Média (dp) | Mediana (variação) | ||
Idade | 59,8 (9,8) | 59 (34-80) | 59,8 (17,8) | 61,5 (25-81) | 0.623 |
M/Fa | 12/7 | (63,2/36,8) | 11/1 | (91,7/8,3) | 0.086† |
Ansiedade | 7,2 (4,0) | 7,0 (2-15) | 4,9 (2,4) | 4,0 (2-10) | 0.111 |
Depressão | 3,9 (3,5) | 2,0 (0-13) | 2,9 (2,0) | 3,0 (0-6) | 0.609 |
Fagerström | 4,8 (2,0) | 6,0 (1-7) | 5,2 (1,5) | 5,0 (3-7) | 0.804 |
M/F: masculino/feminino. aValores expressos em n/n (%/%).
*Teste de Mann-Whitney.
†Teste exato de Fisher.
De acordo com a Tabela 2, entre os tabagistas, 86,6% estavam no estágio pré-contemplativo, enquanto 13,4%, no estágio contemplativo. Entre os pacientes com neoplasia, 6 e 1, respectivamente, estavam nos estágios pré-contemplativo e contemplativo. Entre os indivíduos sem neoplasia, todos estavam no estágio pré-contemplativo. Esse dado é muito interessante, já que esses pacientes, muitos com doenças graves, não pensavam em parar de fumar (estágio pré-contemplativo). Isso mostra a importância da abordagem do médico durante a internação, esclarecendo os riscos do tabagismo e oferecendo tratamento específico. Aponta também a necessidade de intervenções de saúde pública, especificamente voltadas para essa população.