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Mudança no perfil sociodemográfico de consumidores de produtos orgânicos

Mudança no perfil sociodemográfico de consumidores de produtos orgânicos

Autores:

Maristela Costamilan Pereira,
Cátia Regina Müller,
Fernanda Souza Abduch Rodrigues,
Angélica Bandeira Afonso Moutinho,
Kelly Lameiro Rodrigues,
Fabiana Torma Botelho

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.9 Rio de Janeiro set. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015209.12002014

Abstract

The scope of this study was to establish the socio-demographic profile, health status and the relationship with the consumption of organic produce among consumers who frequent different agroecological street markets in Pelotas in the state of Rio Grande do Sul. A questionnaire was given to the consumers of organic produce while shopping in the agroecological street markets. It was found that the consumers with lower education levels and lower income began to frequent the agroecological street markets more often and consume more organic foods. The consumers were concerned about their health and nutrition status with very few of them having a diagnosis of disease, there being different motivations influencing the purchase of organic food.

Key words Agroecological street markets; Health status; Agroecological products

Introdução

A procura por produtos orgânicos tem aumentado muito tanto no mercado externo quanto no interno, visto que mais de 150 países praticam e possuem registro do sistema orgânico de produção agrícola. Observa-se um aumento da produção na Europa, EUA, Japão, Austrália e América do Sul, sendo que esta ocupa a terceira posição em superfície produtiva.

Segundo o relatório The World Organic Agriculture, o Brasil vem conquistando uma posição privilegiada no mercado de produção de alimentos orgânicos e encontra-se entre os maiores produtores de orgânicos do mundo1,2.

Segundo dados do Censo Agropecuário de 20093 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 90.497 estabelecimentos agropecuários no Brasil são considerados produtores orgânicos, representando 1,8% do total. Além da importância econômica, a agricultura orgânica tem também importância social, visto que aproximadamente 90% dos produtores de orgânicos são pequenos e médios produtores e, destes, 70% são agricultores familiares4,5.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva relata, em um dossiê sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, grande número de pesquisas que estudaram o envolvimento de diversos agrotóxicos com o surgimento de inúmeras e graves doenças, como, por exemplo, câncer, má formação congênita, distúrbios neurológicos, entre outros6.

O mesmo dossiê relatou que, em diversos alimentos, foram encontrados agrotóxicos em níveis acima dos limites máximos permitidos ou presentes em culturas para as quais não são autorizados. Ainda aponta que os impactos provocados por estes agentes à saúde pública são amplos, porque atingem vastos territórios e envolvem diferentes grupos populacionais como agricultores, trabalhadores em diversos ramos de atividades, moradores do entorno de fábricas e fazendas, além dos consumidores69.

Neste contexto, observa-se o surgimento de consumidores com exigências diferenciadas, aonde a prioridade vem a ser a segurança alimentar aliada ao não uso de agrotóxicos. O consumidor de produtos orgânicos parece preocupar-se não somente com a satisfação de suas necessidades atuais, mas também com a proteção da natureza, o desenvolvimento sustentável e a auto realização em convergência com a atitude e o comportamento de sentir-se parte de um processo de preservação do ambiente e colaboração com o enraizamento e qualidade de vida das famílias agricultoras10,11.

O aumento do consumo de produtos orgânicos não está apenas diretamente relacionado com o valor nutricional dos alimentos, mas aos diversos significados que lhes são atribuídos pelos consumidores. Tais significados estendem-se desde a busca por uma alimentação individual mais saudável, de melhor qualidade e segurança sanitária dos produtos, até a preocupação ecológica de melhorar ou preservar a saúde ambiental. Consumidores que tentam seguir uma dieta saudável e procuram ter uma vida equilibrada, apresentam atitudes positivas em relação aos produtos provenientes de agricultura orgânica1215.

Embora existam mecanismos de certificação dos produtos orgânicos, a confiança do consumidor no produto orgânico se baseia mais na relação “face-a-face,” diretamente com o produtor na feira do que nos selos de certificação e que esta relação faz parte constitutiva da ideologia alimentar adotada por estes consumidores. Esses consumidores compartilham a ideia do consumo como ação política, preocupando-se não apenas com a qualidade orgânica dos produtos adquiridos, mas planejando seu consumo sob a ótica do apoio a um modelo de produção como um todo16.

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo conhecer o perfil sociodemográfico, as condições de saúde e os fatores que interferem no consumo de produtos orgânicos de consumidores que frequentavam diferentes feiras agroecológicas no município de Pelotas – RS.

Métodos

A metodologia utilizada se constituiu de uma pesquisa exploratória quantitativa, realizada com 341 consumidores das duas maiores feiras de produtos orgânicos na cidade de Pelotas/RS. As feiras escolhidas acontecem em dois locais, na Av. Dom Joaquim, que pertence aos agricultores ecológicos vinculados a Associação Regional de Produtores Agroecologistas da Região Sul (ARPASUL) e no Largo Adolfo Fetter, no Mercado Público, que pertence aos agricultores ecológicos vinculados a Cooperativa Sul Ecológica de Agricultores Familiares Ltda. Estas feiras foram escolhidas por serem as maiores na comercialização de produtos orgânicos.

Para a coleta de dados foi elaborado um questionário com 14 perguntas fechadas e três perguntas abertas sobre aspectos sócios demográficos (gênero, idade, escolaridade, renda, participação em grupos ou associações), hábitos alimentares e condições de saúde dos consumidores (local de realização das refeições, com que frequência consome produtos orgânicos, motivo de consumir produtos orgânicos, prática de atividade física, diagnóstico de doença que exija cuidados nutricionais), aspectos relacionados aos produtos orgânicos (preço, aparência, sabor, obtenção de informações sobre o assunto, e saber a diferença entre produto orgânico e convencional), além de uma questão para identificar os motivos da escolha por alimentos e produtos orgânicos. O questionário foi baseado em outras pesquisas realizadas com consumidores de produtos orgânicos10,12,13,17 e foram acrescentadas novas questões para ampliar o conhecimento do perfil desses consumidores. Antes do início da coleta de dados nas feiras agroecológicas, realizou-se um teste piloto em outra feira orgânica com 50 consumidores, para verificar a aplicabilidade do questionário e realizar alterações nas questões.

As feiras foram visitadas quinzenalmente, totalizando 16 visitas em cada feira. As entrevistas foram realizadas de forma aleatória e individual com os consumidores durante suas compras nas feiras. Estudantes do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) receberam capacitação para aplicar o questionário aos consumidores.

A coleta de dados teve a duração de um ano, entre o período de setembro de 2011 a setembro de 2012, em diferentes meses e horários, com o objetivo de observar o comportamento do consumidor durante as diferentes estações do ano, quando os alimentos poderiam ter preços diferenciados e os consumidores poderiam variar. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da UFPel. Foram excluídos da pesquisa consumidores menores de 18 anos.

Os resultados foram tabulados e analisados no programa Microsoft Excel 2007® para as análises descritivas. As médias foram calculadas por ANOVA, e as associações entre as variáveis categóricas do perfil do consumidor foram analisadas pelo teste de qui-quadrado, confirmado pelo teste exato de Fischer, por meio do programa STATA 9.1®. Foi considerado significativo quando os valores foram menores que p ≤ 0,05.

Resultados e discussão

A idade média dos frequentadores entrevistados (n = 341) foi de 49,35 anos (± 13,45), com mínimo de 18 e máximo de 85 anos. Resultado similar ao encontrado no estudo de Verona et al.17, no qual o grupo de consumidores que frequentava feira de produtos orgânicos pertencia a uma faixa etária acima de 40 anos, representando 93% do público entrevistado. No estudo de Perosa et al.18, a idade dos entrevistados, embora tenha se mostrado variada, aparece com pequena vantagem para a faixa etária de 41 a 50 anos (27,54%).

Dos entrevistados, 66,17% pertencia ao gênero feminino (Tabela 1), corroborando com o que já foi identificado em outros estudos realizados anteriormente no mesmo município e que também analisaram o perfil do consumidor de produtos orgânicos, onde foi encontrada a predominância do gênero feminino em duas feiras de produtos orgânicos, sendo 68%19 e 58,1%20. Alguns estudos que avaliam a escolha alimentar indicam que as mulheres são mais influentes do que os homens na escolha e aquisição dos alimentos para o lar2123.

Tabela 1 Características sociodemográficas dos consumidores de orgânicos em feiras agroecológicas. Pelotas, RS, 2012. 

Variável N* %
Gênero
Feminino 223 66,17
Masculino 114 33,83
Renda familiar
< 1 até 2 salários mínimos 92 27,06
De 2 até 5 salários mínimos 131 38,53
De 5 até 8 salários mínimos 61 17,94
> de 8 salários mínimos 56 16,47
Escolaridade
Ensino fundamental 133 39,00
Ensino médio 71 20,82
Ensino superior 137 40,18

*N = 337 consumidores

Em relação à renda familiar mensal, 38,53% possuía renda entre dois e cinco salários mínimos (Tabela 1). Estes resultados diferem dos encontrados em levantamentos semelhantes realizados anteriormente no município, os quais demonstravam que os consumidores das feiras de produtos orgânicos da cidade de Pelotas/RS possuíam níveis de renda mais elevados13,19,22. Em um estudo na Tailândia, consumidores com a renda e o nível de escolaridade mais altos são mais propensos a comprar produtos orgânicos; inversamente, consumidores com a renda e o nível de escolaridade mais baixos são os que menos possuem conhecimento sobre agricultura orgânica24.

Os resultados mostraram que 40,18% dos entrevistados possuíam ensino superior, seguido de 39% com ensino fundamental (Tabela 1). No estudo de Andersson et al.19, realizado anteriormente no mesmo município e nas mesmas duas feiras de produtos orgânicos, verificou-se que a maioria dos entrevistados possuía ensino superior (69% e 32%), seguido daqueles com ensino médio (22% e 16%) e, por último, frequentadores com ensino fundamental (9% e 22%). Salienta-se que, no presente estudo, houve um aumento na frequência de consumidores com ensino fundamental, percebendo apenas uma diferença percentual de 1,18% dos consumidores que possuíam ensino superior.

Outro estudo, realizado em 2005 na mesma cidade, também demonstrou que a maioria dos consumidores (46,9%) possuía ensino superior completo22. Storch et al.13 sugeriram que existiam diferenças significativas no nível de escolaridade entre os frequentadores de feiras orgânicas e de feiras convencionais. Em pesquisa realizada na cidade de Curitiba (PR), o autor relata ter encontrado 49% dos frequentadores de feiras de produtos orgânicos com ensino superior, enquanto que apenas 22% dos consumidores das feiras convencionais haviam cursado o ensino superior25.

Na Tabela 2 estão as variáveis estudadas sobre o perfil dos consumidores com renda e escolaridade. Encontrou-se associação (p < 0,00) entre atividade física com renda e escolaridade. Dos consumidores que possuíam renda acima de oito salários mínimos (n = 56), 46 (82,14%) praticavam atividade física, enquanto que, entre os que possuíam renda de até dois salários mínimos (n = 92) este percentual diminuiu para 50% (n = 46). O mesmo foi verificado para o nível de escolaridade: do total de 137 consumidores que possuíam ensino superior e do total dos que possuíam ensino fundamental (n = 133), 79,56% (n = 109) e 55,64% (n = 74), respectivamente, praticavam atividade física. Verificou-se que, conforme aumentava o nível de escolaridade, maior era a prática de atividade física (Tabela 2).

Tabela 2 Relação entre escolaridade e renda com variáveis sobre condições de saúde, hábitos alimentares e consumo de alimentos orgânicos pelos frequentadores de feiras agroecológicas na cidade de Pelotas. Pelotas, RS, 2012. 

n % < 1 a 2 SMa 2 a 5 SM 5 a 8 SM > 8 SM p-valor Fb Mc Sd p-valor
Prática de atividade física
Sim 231 67,74 46 90 48 46 74 48 109 0,000
Não 110 32,26 46 41 13 10 59 23 28
Realiza refeições fora do lar
Sim 139 40,88 17 50 33 38 0,000 26 32 81 0,000
Não 201 59,12 75 80 28 18 107 38 55
Prepara suas refeições
Sim 212 62,35 62 86 36 28 91 41 80
Não 128 37,65 30 44 25 28 42 29 57
Possui diagnóstico de doença
Sim 99 29,03 33 45 17 04 0,001 51 18 30 0,008
Não 242 70,97 59 86 44 52 81 53 107
Frequência de consumo de orgânicos
1 a 2 vezes/semana 80 23,46 33 30 07 06 0,000 39 16 21 0,001
3 a 4 vezes/semana 97 28,45 27 44 13 12 39 26 32
5 a 6 vezes/semana 21 6,16 04 11 03 03 12 02 07
Diariamente 143 41,94 25 46 38 34 41 25 77
Procura informações sobre orgânicos
Sim 258 75,66 54 105 46 53 0,000 91 49 118 0,001
Não 83 24,34 38 26 15 03 42 22 19
Sabe a diferença entre orgânicos e convencionais
Sim 308 90,32 75 117 60 55 0,001 114 59 135 0,000
Não 33 9,68 17 14 01 01 19 12 02

aSM – salário mínimo

bF – fundamental

cM – ensino médio

dS - superior.

Houve associação significativa entre renda e hábito de realizar refeições fora do lar (p < 0,000), pois dos entrevistados que recebiam de 5 a 8 (n = 33) e acima de 8 salários mínimos (n = 38), 51,45% (33 + 38 = 71) realizavam refeições fora do lar (Tabela 2), mostrando que quanto maior a renda, maior era a frequência de realizar refeições fora de casa. Em relação a associação do hábito de realizar refeições fora do lar e o nível de escolaridade, observou-se relação (p < 0,000), pois dos consumidores que possuíam ensino superior (81 + 55 = 136), 59,56% (n = 81) realizavam refeições fora do lar, enquanto os que possuíam ensino fundamental (26 + 107 = 133), apenas 19,55% (n = 26) tinham este hábito. Portanto, observa-se que, conforme diminui a escolaridade, menor é o hábito de realizar refeições fora do lar (Tabela 2).

Tais resultados, são confirmados pelo estudo de Archanjo25 e sugerem que a maioria dos consumidores que frequentavam as feiras orgânicas priorizava a disponibilidade de tempo para preparar e realizar suas refeições. Em contrapartida, algumas pesquisas mostram uma tendência no aumento do número de pessoas que não dispõe de tempo para realizar refeições em casa2629.

Em relação às condições de saúde dos consumidores, 29,03% (Tabela 2) declararam possuir diagnóstico de alguma doença que exigia cuidados dietéticos, identificando 37,76% destes consumidores com hipertensão, 17,35% com diabetes mellitus, 14,29% com obesidade, 13,27% com dislipidemias e 9,18% com doenças cardiovasculares (dados não apresentados).

A maioria (78,78%) dos que declararam possuir diagnóstico de alguma doença que exija cuidados dietéticos, pertenciam aos grupos de menor renda (p < 0,001), sendo 33,33% da faixa dos que recebiam até dois salários mínimos (n = 33) e 45,45% da faixa dos que recebiam de dois a cinco salários mínimos (n = 45) (Tabela 2).

A frequência de consumo de alimentos orgânicos foi de 41,94% diariamente, 28,45% de três a quatro vezes por semana e 23,46% de uma a duas vezes por semana (Tabela 2). Houve associação (p < 0,004) da frequência de consumo de produtos orgânicos com diagnóstico de doença. Entre os consumidores que possuíam algum diagnóstico de doença, 36,73% (n = 36) consumiam produtos orgânicos de duas a três vezes por semana, seguido por 30,61% (n = 30) que consumiam diariamente. Dos consumidores que não possuíam diagnóstico de doença, 47,48% (n = 113) consumiam diariamente e 25,63% (n = 61) consumiam de duas a três vezes por semana, mostrando que, talvez, o hábito de consumir diariamente é maior naqueles que não são motivados por diagnóstico de doença.

Encontrou-se associação também entre frequência de consumo de alimentos orgânicos com renda (p < 0,000) e escolaridade (p < 0,008). A maioria (37,07%) que possuía renda de até dois salários (n = 33) consumia orgânicos de uma a duas vezes por semana, enquanto 35,11% (n = 46) que possuía renda de dois a cinco salários, 62,30% (n = 38) que possuía renda de cinco a oito salários e mais 61,82% (n = 34) com renda acima de oito salários mínimos consumiam diariamente.

Em relação à escolaridade, os que consumiam diariamente 53,85% (n = 77) possuíam ensino superior. Sendo que, entre consumidores com ensino fundamental e médio, a maior frequência de consumo de alimentos orgânicos se concentrava de uma a duas vezes por semana e de três a quatro vezes por semana respectivamente.

Ademais, 75,66% (n = 258) afirmaram procurar obter informações sobre os alimentos orgânicos. Houve associação altamente significativa (p < 0,000) entre procurar obter informações sobre alimentos orgânicos e nível de renda, sendo que dos consumidores que recebiam acima de oito salários mínimos (n = 56), 94,64% (n = 53) declararam ler informações sobre alimentos orgânicos, enquanto que dos consumidores que recebiam até dois salários mínimos (n = 92), 58,70% (n = 54) declarou a mesma atitude. Também foi encontrada associação altamente significativa (p < 0,001) entre nível de escolaridade e ler informações sobre alimentos orgânicos, visto que a maioria (45,73%) dos consumidores que declararam ler informações tinha ensino superior (Tabela 2).

Quanto à percepção dos consumidores sobre a diferença dos alimentos orgânicos em relação aos convencionais, 90,32% afirmou saber qual a diferença entre os produtos. Houve associação significativa (p < 0,001) da renda com o fato dos consumidores saberem ou não a diferença entre alimentos orgânicos e convencionais, quando 18,48% (n = 17) dos consumidores com renda de até dois salários mínimos e 10,69% (n = 14) com renda de dois a cinco salários mínimos declararam não saber a diferença. Enquanto apenas 1,64 (n = 01) e 1,79% (n = 01) dos consumidores com renda de cinco a oito e mais de oito salários mínimos, respectivamente, não sabiam a diferença.

Outra relação encontrada (p < 0,000) ocorreu entre nível de escolaridade e saber a diferença entre os alimentos, quando quem possuía ensino superior (n = 137), 98,54% (n = 135) declarou saber a diferença entre os alimentos orgânicos e os convencionais. Quanto menor o nível de escolaridade maior a chance de não saber a diferença (Tabela 2). As explicações relacionadas às diferenças entre produtos orgânicos e convencionais foram variadas, predominando o entendimento do alimento orgânico como sendo aquele livre de agrotóxicos e de produtos químicos (Gráfico 1).

Gráfico 1 Percepção dos consumidores em relação a diferença entre produtos orgânicos e convencionais. 

Em relação à motivação em comprar produtos orgânicos, 74,41% relatou fazer a opção com o objetivo de alcançar melhor qualidade de vida, 17,65% pelo valor nutricional dos produtos, 6% por filosofia de vida, 5% por cuidado ao meio ambiente e 3% apontaram mais de um motivo para consumir. Observa-se que 33% dos que consumiam pelo valor nutricional e 31% dos que consumiam com o objetivo de alcançar melhor qualidade de vida declararam possuir algum diagnóstico de doença, enquanto 94% dos que consumiam por cuidado com o meio- ambiente e 83% dos que consumiam por filosofia de vida declararam não possuir diagnóstico de doença (p < 0,05).

Esta diferença de motivação sugere que a preocupação com saúde possa estar mais entre os consumidores com relato de alguma doença e a preocupação com meio-ambiente e filosofia de vida entre os frequentadores sadios (dados não apresentados). Em estudo anterior na cidade de Pelotas/RS, realizado nestas mesmas feiras, em uma delas, a responsabilidade com a saúde e o ambiente (36%) prevaleceu como maior motivação para a compra de alimentos orgânicos, seguida de a produção sustentável de alimentos (21%), a confiança nos agricultores, citada por 15% dos entrevistados. A não utilização de agrotóxicos no sistema produtivo (48%), o consumo de alimentos sadios (39%) e o sabor (13%) estavam entre os principais fatores que motivaram os consumidores a adquirir produtos na outra feira ecológica do mesmo município19.

No estudo realizado em Chapecó/SC, os pontos fundamentais que levaram os consumidores a optarem por produtos orgânicos foram a condição de qualidade de produto para uma melhor saúde de todos e a preocupação com a situação ambiental, sendo o critério qualidade de vida, identificado em primeiro lugar, assim como no presente estudo17.

Pesquisa realizada com consumidores em um supermercado de Florianópolis/SC, a preocupação com a saúde foi a mais mencionada30. Outra pesquisa na cidade de Goiânia/GO, o principal motivo para o consumo foi por ser mais saudável, seguido por ter maior valor nutricional31. Estudo realizado na Paraíba/PB destaca a não utilização de agroquímicos pelos produtores como a principal motivação para os consumidores adquirirem os produtos32.

No presente estudo, 59,82% dos consumidores relataram que os produtos orgânicos tinham melhor aparência (Gráfico 2), 86,51% afirmaram serem mais saborosos (Gráfico 3) que o convencional e 50% relataram perceberem os produtos orgânicos mais caros que os convencionais (Gráfico 4). Sinalizando para o resultado apontado por Lima-Filho33, em que 80,31% dos entrevistados afirmaram que o produto orgânico é um produto superior aos convencionais quanto à saúde e higiene, sendo considerados mais saborosos, mais seguros e com melhor aparência. Em pesquisa realizada na cidade de Maringá/PR10, 82% dos consumidores estavam dispostos a pagar um sobrepreço nos produtos orgânicos, entretanto, 47% estavam dispostos a pagar até 10%, e 24% até 20% a mais em relação ao preço dos produtos convencionais.

Gráfico 2 Percepção dos consumidores em relação à aparência dos produtos orgânicos. 

Gráfico 3 Percepção dos consumidores em relação ao sabor dos produtos orgânicos. 

Gráfico 4 Percepção dos consumidores em relação ao preço dos produtos orgânicos. 

Considerações finais

Comparando com o perfil de consumidores de orgânicos de outras pesquisas, o presente estudo mostrou um perfil difuso de consumidores que frequentavam as feiras de orgânicos na cidade de Pelotas/RS, onde ainda predominava consumidores com nível superior, mas com crescimento expressivo de consumidores com ensino fundamental. Além disso, consumidores com renda menor são os maiores frequentadores e passaram a consumir alimentos orgânicos com mais frequência, diferentemente dos estudos anteriores. O perfil dos consumidores que frequentavam as feiras orgânicas era: praticantes de atividade física, não realizam refeições fora do lar e possuíam o hábito de preparar suas próprias refeições.

A maioria dos frequentadores não possuía diagnóstico de doença que exigisse cuidados dietéticos e consome orgânicos diariamente, mesmo que a metade dos consumidores considere o preço dos alimentos orgânicos mais caro que os convencionais e ainda seja um limitante de frequência de consumo para consumidores com renda de até dois salários mínimos. A maioria procura obter informações sobre alimentos orgânicos, relata saber a diferença entre orgânicos e convencionais e classifica a melhor qualidade de vida como principal motivo de compra.

Renda e escolaridade tiveram relação com realização de refeições fora do lar, diagnóstico de doença, frequência de consumo de orgânicos, busca de informações sobre alimentos orgânicos e o conhecimento da diferença entre orgânicos e convencionais, enquanto que a atividade física obteve relação apenas com escolaridade. Diferentes motivações para a compra de alimentos orgânicos foram encontradas em consumidores preocupados com a saúde e consumidores preocupados com meio ambiente.

Sugerem-se novos estudos que avaliem possíveis mudanças no perfil destes consumidores, seja em relação à redução do preço ou maior divulgação e conhecimento dos benefícios à saúde que o consumo de alimentos orgânicos pode proporcionar.

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