versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.2 São Paulo mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20140021
O conceito habitual de tratamento conservador do câncer de laringe é equivocadamente interpretado pelos clínicos. Geralmente esse conceito se refere a um tratamento menos agressivo. Mas o que se considera habitualmente como modalidade terapêutica menos agressiva é a radioterapia, para o câncer de laringe em fase inicial, e a quimiorradiação para a fase avançada desse câncer. Mas em comparação com a cirurgia os dois tratamentos não são menos agressivos, pois os pacientes são diariamente submetidos a doses elevadas de radioterapia, e quando a quimioterapia radiossensibilizante é acrescentada à radioterapia, a toxicidade mais do que dobra.1 Esses efeitos tóxicos relacionados à mucosite, xerostomia, perda do paladar, neutropenia, comprometimento renal, perda da audição, toxicidade hepática são prejudiciais. Para pacientes T4 tratados com quimioterapia de indução, 56% tiveram que passar por uma laringectomia total de resgate.2 Dentre os pacientes beneficiados com uma resposta completa e sem doença, 36% ficaram com uma laringe afuncional, apesar da preservação do órgão.2 O percentual de recidiva local foi significativamente mais elevado no grupo tratado com quimioterapia de indução.2 A sobrevida livre de doença foi significativamente curta no grupo de quimioterapia, apesar de não ter sido estatisticamente significativa depois de transcorridos dois anos.2 Examinando a amostra do estudo VA, 75% dos pacientes tinham lesões T1,T2 (10%) ou T3 (65%) e em sua maioria padeciam de cânceres supraglóticos (62%), com apenas 25% de lesões T4;2 portanto nem todos os casos necessitariam de laringectomia total, e poderiam ter sido tratados com procedimento cirúrgico e preservação da função. Assim, se a amostra fosse formada exclusivamente com pacientes com lesões T4, os resultados teriam sido desapontadores. Em sua maioria, as recorrências de cânceres de laringe em fase inicial após a radioterapia oferecem maior dificuldade de reconhecimento em um cenário inicial de recorrência, e muitos desses casos necessitarão de uma laringectomia total de resgate.3 A laringectomia total de resgate em seguida à quimiorradiação resulta em maior percentual de complicações, por exemplo, fístulas aringocutâneas4, habitualmente dependendo do uso de um pedículo para proteção dos grandes vasos do pescoço, o que aumenta o tempo cirúrgico. Em recente revisão sistemática do banco de dados Cochrane,5 em pacientes com lesões T1 e T2 a sobrevida livre da doença é mais alta depois da cirurgia (100% e 79%, respectivamente), em comparação com a radioterapia (71% e 60%, respectivamente). Em uma meta-análise de opções terapêuticas para lesões T1a, também foi observado um percentual mais elevado de preservação da laringe em seguida à cirurgia transoral com laser, em comparação com o percentual pós-radioterapia.3 Para os casos de câncer de laringe em fase inicial, o custo da cirurgia transoral com laser representa metade das despesas com radioterapia,6 com desfechos vocais e de qualidade de vida comparáveis a essa última opção terapêutica, segundo uma revisão sistemática.7 As recomendações da American Society of Clinical Oncology, recentemente publicadas, sugerem o tratamento com preservação da função para lesões T1 e T2. Para aquela lesão T3 que necessite de laringectomia total, pode-se apelar para a quimiorradiação; para lesões T4, a recomendação é uma laringectomia total.8 De acordo com estudos de volumetria tumoral, quanto maior for o tumor, menor será sua resposta. Essa resposta de recidiva pode ser significativa para um volume tumoral superior a 23 cm3.9As cirurgias de preservação da função variam desde a cirurgia transoral com laser até a laringectomia supracricóidea - todas com boa qualidade na fala e na deglutição. Para os pacientes tratados com laringectomia total, a voz pode ser reabilitada com a inserção de uma prótese vocal, por voz esofágica ou eletrolaringe. Devemos ter em mente a análise dos bancos de dados de dois registros norte-americanos, o SEER (Surveillance, Epidemiology, and end Results/Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais) e NCDB (National Cancer Data Base/Banco Nacional de Dados para o Câncer). Embora praticamente todos os cânceres humanos tenham aumentado a sobrevida livre da doença depois de cinco anos, para o câncer da laringe essa sobrevida está diminuindo, provavelmente em decorrência do maior número de opções terapêuticas não cirúrgicas.10 Portanto, torna-se necessário enfatizar o tratamento cirúrgico como o procedimento de rotina para o câncer de laringe, com cirurgias preservadoras da função ou com a laringectomia total para lesões T4, a menos que o cirurgião se veja diante de um caso de lesão T1 ou T2 disseminada, ou de lesão T3 necessitando de laringectomia total.