versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758
Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.26 supl.1 Rio de Janeiro dez. 2019 Epub 27-Jan-2020
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702019000500004
Nos estudos sobre a filantropia e a assistência para a causa da lepra no Brasil, historiadores já apontaram o papel desempenhado por certas mulheres de elite que agiram em prol dos doentes por meio das Sociedades de Assistência aos Lázaros a partir de meados da década de 1920. Nos trabalhos realizados, salienta-se muitas vezes que na prestação dessa filantropia e do assistencialismo esteve embutido um caráter autoritário e voltado para a segregação dos corpos dos pobres, vistos como focos potenciais de contaminação da “sociedade sadia” ( Gomide, 1991 ; Ornellas, 1997 ; Monteiro, 1995 , 1998 , 2003 ; Cunha, 2005 ; Santos, 2006 , 2011 ; Mattos, 2002 ; Poorman, 2006 ; Maciel, 2007 ; Curi, 2010 ; Nascimento, Marques, 2011 ; Carvalho, 2012 ; Leandro, 2013 ; Silva, 2016 ). Porém, a historiografia não deu atenção ao enquadramento socioeconômico das mulheres envolvidas com a causa da lepra. Na maioria das vezes, elas seguem subsumidas sob o rótulo de “mulheres de elite”, e pouco se sabe sobre suas trajetórias biográficas.
Assim, a pesquisa da qual resulta este texto teve como objetivo geral desenhar um determinado quadro referente à posição social das mulheres que exerceram cargos de liderança nas diversas entidades vinculadas à Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (FSALDCL) em vários estados e cidades do Brasil de meados da década de 1920 até o final dos anos 1940. Para tanto, buscamos, de maneira particular, capturar dois aspectos familiares relacionados a essas mulheres: a posição social/profissional de seus pais e a de seus maridos.1
Reforça-se aqui que a filantropia feminina organizada para a causa da lepra no país, iniciada em 1926 com a fundação da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (SALDCL) por Alice Tibiriçá na cidade de São Paulo, uma vez transformada em política de assistência ao longo das décadas de 1930 e 1940, teve uma incrível força decisória na história da política de saúde e assistência para os doentes do mal de Hansen no país; 2 tal assistencialismo incidiu fortemente sobre o destino das vidas de milhares de crianças pobres saudáveis, filhas de pais doentes, conduzidas para instituições asilares sob forte vigilância sanitária do Estado.
Para se ter uma ideia da expressividade da atuação das mulheres na assistência aos leprosos e seus filhos indenes, vale observar que elas já operavam em agremiações bem estruturadas dez anos antes da formação de uma entidade tida como marco na atuação da assistência social protagonizada por mulheres atuantes em várias partes do país, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada em 1942. Em 1932, já se estruturava a FSALDCL; em 1938, a instituição já congregava 76 filiadas distribuídas em todos os estados brasileiros ( Federação…, 1938 , p.10); e, em 1951, existiam seis mil mulheres filiadas às 170 Sociedades de Assistência aos Lázaros. Muitas delas se relacionavam, direta ou indiretamente, com as cerca de quatro mil crianças que viviam nos preventórios existentes no país naquele momento ( Federation…, 1951 , p.9).
Em 1933, a Federação já se fazia parceira do Estado brasileiro, estreitando relações público-privadas, uma vez que articulou, junto aos representantes governamentais, o delineamento de certas políticas públicas para a doença a partir da Conferência para a Uniformização da Campanha Contra a Lepra. A FSALDCL passou a ocupar cada vez mais um espaço político em uma das pontas do chamado tripé do combate à moléstia. Esse tripé consistia em leprosário (asilo-colônia para onde era enviado o doente considerado contagiante); dispensário (instituição à qual os comunicantes deveriam comparecer periodicamente para exames de saúde); e preventório (espaços para os filhos saudáveis de pais leprosos enviados para os leprosários e que também eram asilos-creches para as crianças nascidas nos leprosários). 3
O modelo “tripé”, vale reforçar, foi validado em conferências internacionais sobre a lepra e passou a ser amplamente aplicado no país a partir da metade da década de 1930, momento em que o governo Vargas reforçou o combate à doença em vários estados do Brasil. Esteve pautado em parâmetros e conceitos médicos e epidemiológicos que se tinha a respeito da doença, contagiosa e sem cura, além de um forte caráter estigmatizante.
Para a causa assistencialista voltada aos doentes de lepra, 1935 marcou um momento fundamental: a FSALDCL passou a ser presidida por Eunice Weaver, teve sua sede transferida para a capital federal e, segundo Santos (2011) , passou a se alinhar aos interesses do Ministério da Educação e Saúde. Para o historiador, com o alinhamento aos interesses do ministro Gustavo Capanema, a entidade obteve “considerável apoio político e financeiro” (p.261).
De fato, ao se enfronhar nas malhas do poder, a FSALDCL influenciou e modelou aspectos específicos concernentes às políticas de saúde e assistência traçadas para a causa da lepra no Brasil. Com uma estrutura burocrática de assistência bem definida para os doentes e seus filhos, a FSALDCL foi, aliás, modelo de inspiração de instituição feminina para alguns países latino-americanos que desejavam implantar preventórios/educandários para crianças pobres ( Obregón Torres, 2002 ).
De acordo com o Regimento Interno dos Preventórios aprovado pela FSALDCL, baseado no Regulamento dos Preventórios feito pelo Departamento Nacional de Saúde em 1941, o tempo mínimo que os “menores sadios de pais enfermos de lepra” deveriam permanecer em observação nas instituições preventoriais “sob a vigilância médica especializada” era de seis anos ( Silveira, 1941 , p.42). Nas palavras de Gomide (1991) , tais estabelecimentos eram locais de “órfãos de pais vivos” que lá poderiam permanecer até completar 18 anos (meninos) ou até 21 anos (meninas). Segundo a pesquisadora, na filantropia das sociedades de assistência aos lázaros articulavam-se, via quadros das elites sociais locais, o papel da mulher com o nacionalismo e com os preceitos médico-científicos da época ( Gomide, 1991 , p.137). A “força” da atuação feminina em prol do isolamento de crianças em preventórios pode ser ilustrada pelos dados fornecidos por Luciano Curi (2010 , p.260): das 36 instituições preventoriais existentes no país, 31 foram construídas após a Conferência pela Uniformização da Campanha Contra a Lepra, realizada em 1933. Dessas 31, trinta foram erigidas na Era Vargas (1930-1945).
Ao término da década de 1940, quando emergiram críticas mais consistentes ao modelo isolacionista da lepra em várias partes do mundo – questionamentos tanto acerca do isolamento dos doentes considerados contagiantes como das instituições às quais seus filhos sadios eram enviados –, as mulheres da FSALDCL que atuavam na assistência pela causa da lepra insistiram firmemente na validação e continuidade de uma política de segregação para as crianças pobres, enviadas aos preventórios.
Isso pode ser ilustrado pelo relatório da reunião de técnicos leprologistas, realizada no Rio de Janeiro em dezembro de 1949, que discutiu os critérios a adotar nas relações entre crianças internadas em preventórios e seus pais enfermos, isolados em instituições ou em domicílio. Decidiu-se, naquela ocasião, pela “proibição da visita de enfermos a seus dependentes no preventório”. O contrário, por “fatores psicológicos”, poderia ocorrer, mas mediante várias imposições. Entre elas, que as visitas aos pais em colônias ou sanatórios só pudessem ocorrer no máximo duas vezes por ano, contanto que a criança já tivesse atingido a idade escolar. Decidiu-se também que as visitas só poderiam ser feitas na parte intermediária dos estabelecimentos coloniais, em lugar preparado para tal fim e sob a necessária vigilância de funcionário sadio; no caso dos pais isolados em domicílio, a comissão, no seu “interesse profilático”, opinou que não se deveria permitir visitas. Por sua vez, para os familiares em tratamento em dispensários, seriam permitidos encontros de crianças com pais doentes, “porém não contagiantes” e “sob vigilância de funcionários do Serviço de Lepra” ( Brasil, 1949 ).
Nessa comissão, reunida em 1949, encontrava-se a técnica leprologista Elvira Bastos Moreira. A pesquisa empreendida identificou que, em 1943, ela atuava como diretora/presidente da Sociedade Baiana de Combate à Lepra e, em 1947, era a diretora do Preventório Eunice Weaver, em Salvador.
O primeiro passo da pesquisa foi o levantamento dos nomes de mulheres que se envolveram com a causa da lepra. Ele foi realizado tendo como parâmetro a manipulação de três documentos produzidos pela FSALDCL. Um deles foi o Histórico da cooperação privada no combate à lepra no Brasil , de 1938. Trata-se do relatório impresso redigido por América Xavier da Silveira, apresentado ao ministro Capanema; nele, ricamente ilustrado com imagens fotográficas, são expostas realizações da instituição a partir de alguns estados e territórios ( Federação…, 1938 ). O outro documento manipulado foi um relatório datilografado, assinado por Eunice Weaver em junho de 1943 e enviado para a embaixada norte-americana do Rio de Janeiro. Nele são listados nomes de médicos importantes no campo da leprologia no Brasil e também os nomes das então dirigentes das sociedades mantenedoras de preventórios no país ( Federação…, 1943 , p.19 e seguintes). E, por fim, um relatório impresso da federação, provavelmente redigido por Eunice Weaver, publicado em 1945 (com inúmeras imagens fotográficas) sob o título Realizações de julho de 1935 a julho de 1945 ( Federação…, 1945 ). Com estes três documentos, foi possível perfilar nomes de mulheres que atuaram junto à FSALDCL em cargos importantes, em todo o Brasil, de meados da década de 1920 até pelo menos 1945. A esses nomes agregamos outros, a partir do clássico História da lepra no Brasil , de Souza Araújo (1948) , que em seu segundo volume traz a relação das diretoras dos preventórios brasileiros em 1947. Assim, foi possível reunir informações em uma primeira lista ( Quadro 1 ) simples “de nomes de ocupantes de certos cargos ou títulos”, tendo em mente que a criação de listas constitui uma das “matérias-primas com as quais [os] estudos prosopográficos foram e são elaborados” ( Stone, 2011 , p.117).
Nomes/período de atuação | UF | Entidades | Funções/cargos | |
---|---|---|---|---|
1 | Abigail Soares de Souza (1935) * | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Membro do Conselho Deliberativo |
2 | Adelina Ponce de Arruda (1936 a 1943) | MT | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Cuiabá) | Diretora |
3 | Alice de Azevedo Monteiro (1936 a 1940) | PB | Sociedade Paraibana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (João Pessoa) | Diretora |
4 | Alice de Toledo Ribas Tibiriçá (1926 a 1936) | SP | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (São Paulo, capital); Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Diretora; Presidente da Federação (1932-1935) |
5 | Aliete Gouveia de Freitas (1943) | PE | Sociedade Pernambucana de Combate à Lepra (Recife) | Diretora |
6 | Almira Linhares Mourão (1935 a 1943) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Segunda vice-presidente |
7 | Alvarina Mendes Frota (1943) | MG | Educandário Olegário Maciel (Varginha) | Diretora |
8 | Alzira Reis Vieira Ferreira (1933 a 1947) | RJ | Sociedade Fluminense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Niterói); Preventório Vista Alegre (Niterói) | Diretora; Diretora |
9 | América Xavier da Silveira (1935 a 1942) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Primeira vice-presidente |
10 | Aura Virmond Lima (1943 a 1947) | PR | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Curitiba); Educandário (Curitiba) | Diretora; Diretora |
11 | Aurea Campos Magalhães (1943) | PB | Sociedade Paraibana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (João Pessoa) | Diretora |
12 | Berenice Martins Prates (1938 a 1947) | MG | Sociedade Mineira de Proteção aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Belo Horizonte); Preventório São Tarcísio e Instituto Profissional (Belo Horizonte) | Diretora; Diretora |
13 | Carmen Linhares Colônia (1936 a 1947) | SC | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Florianópolis); Preventório Santa Catarina (Florianópolis) | Diretora; Diretora |
14 | Carolina Spinola (1936 a 1947) | PE | Sociedade Pernambucana de Combate à Lepra (Recife); Instituto Guararapes (Recife) | Diretora; Diretora |
15 | Celina Guinle de Paula Machado (1935) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Membro do Conselho Deliberativo |
16 | Dagmar Gentil (1938 a 1947) | CE | Sociedade Cearense de Assistência aos Lázaros (Fortaleza); Preventório Eunice Weaver (Fortaleza) | Diretora; Diretora |
17 | Dilza Reis de Sant’Ana (1943) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Segunda tesoureira |
18 | Djanira Lima (1931 a 1938) | MG | Sociedade Mineira de Proteção aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Belo Horizonte); Educandário São Tarcísio (Belo Horizonte) | Diretora; Diretora |
19 | Edith da Gama e Abreu (1938) | BA | Sociedade Baiana de Combate à Lepra (Salvador) | Diretora |
20 | Elvira Bastos Moreira (1943 a 1947) | BA | Sociedade Baiana de Combate à Lepra (Salvador); Preventório Eunice Weaver (Salvador) | Diretora; Diretora |
21 | Esther Ribeiro (1943) | AM | Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Manaus); Preventório Gustavo Capanema (Manaus) | Diretora; Diretora |
22 | Eunice Gabbi Weaver (1935 a 1969) | RJ | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Vice-presidente (1932 a 1935); Presidente (1935 a 1969) |
23 | Francisca Medeiros Duarte (1937 a 1947) | MG | Sociedade e Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Juiz de Fora); Preventório Carlos Chagas (Juiz de Fora) | Diretora; Diretora |
24 | Hélia Costa (1943) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Segunda secretária |
25 | Hilda Calheiros Teixeira (1947) | AL | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Maceió); Preventório Eunice Weaver (Maceió) | Diretora; Diretora |
26 | Ilza Chaves Barcelos (1947) | RS | Sociedade Sul Rio-grandense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Porto Alegre); Preventório Amparo Santa Cruz (Porto Alegre) | Diretora; Diretora |
27 | Iracema Moraes Matos (1943 a 1947) | ES | Preventório Alzira Bley (Vitória) | Diretora |
28 | Iracema Pires de Castro (1947) | PI | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Parnaíba); Preventório Padre Damião (Parnaíba) | Diretora; Diretora |
29 | Isabel Soares Nogueira (1947) | AM | Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Manaus); Preventório Gustavo Capanema (Manaus) | Diretora; Diretora |
30 | Julieta Batista Martins (1943 a 1947) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Segunda vice-presidente |
31 | Julieta Pereira Borges (1947) | PE | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Recife); Instituto Guararapes (Recife) | Diretora; Diretora |
32 | Luiza de Freitas Valle Aranha (1938 a 1943) | RS | Sociedade Sul Rio-Grandense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Porto Alegre) | Diretora |
33 | Margarida Galvão (1922 a 1947) | SP | Associação Santa Terezinha de São Paulo (São Paulo); Preventório Santa Terezinha (Carapicuíba); Creche Santa Terezinha (São Paulo) | Diretora; Diretora; Diretora |
34 | Maria Aparecida de Fernandez (1947) | MG | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Varginha); Preventório Olegário Maciel (Varginha) | Diretora; Diretora |
35 | Maria de Lourdes N. Franco (1947) | SE | Sociedade Sergipana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Aracaju); Preventório São José (Aracaju) | Diretora; Diretora |
36 | Maria de Mattos Lopes (1943) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Primeira tesoureira |
37 | Maria de Miranda Leão (1938 a 1947) | AM | Abrigo Menino Jesus (Manaus); Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Manaus); Preventório Gustavo Capanema e do Abrigo Menino Jesus (Manaus) | Diretora; Diretora; Diretora |
38 | Maria dos Santos Correia Monteiro (1943) | DF | Preventório Santa Maria (Rio de Janeiro) | Diretora |
39 | Maria Joaquina Maia de Andrade (1938 a 1947) | MA | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (São Luís); Preventório Santo Antônio (São Luís) | Diretora; Diretora |
40 | Maria Luiza Barcellos (1935 a 1947) | RJ | Sociedade Fluminense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Niterói); Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra; Preventório Vista Alegre (Niterói) | Diretora; Membro do Conselho Deliberativo; Diretora |
41 | Maria Theresa de Souza Leite (1935) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Primeira secretária |
42 | Marieta Andrade Leal (1936 a 1947) | SE | Sociedade Sergipana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Aracaju); Educandário São José (Aracaju) | Diretora; Diretora |
43 | Marina Bandeira de Oliveira (1935 a 1947) | DF | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra do Rio de Janeiro; Educandário Vista Alegre (Niterói) | Diretora; Diretora |
44 | Marina Dias (1947) | DF | Sociedade Fluminense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra; Preventório Santa Maria | Diretora; Diretora |
45 | Neusa Feital (1935 a 1942) | PE/RJ | Sociedade Pernambucana de Combate à Lepra (Recife); Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Diretora; Segunda secretária |
46 | Olivina Carneiro da Cunha (1947) | PB | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (João Pessoa); Preventório Eunice Weaver (João Pessoa) | Diretora; Diretora |
47 | Olga Teixeira Leite** (1935 a 1942) | RJ | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Primeira tesoureira |
48 | Philomena de Barros (1937 a 1947) | MT | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Corumbá); Preventório Getúlio Vargas (Campo Grande) | Diretora; Diretora |
49 | Regina Carneiro (1943) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Primeira secretária |
50 | Renée Rodrigues Silva (1938) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Segunda tesoureira |
51 | Ricarda Neder Carrato (1947) | MS | Sociedade Campo-grandense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Campo Grande) Preventório Getúlio Vargas (Campo Grande) | Diretora; Diretora |
52 | Rita Quintaes (1935 a 1947) | ES | Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Vitória); Preventório Alzira Bley (Vitória) | Diretora; Diretora |
53 | Semírames de Oliveira (1947) | AC | Sociedade Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Rio Branco); Preventório Santa Margarida (Rio Branco) | Diretora; Diretora |
54 | Yone Guimarães Freitas (1947) | GO | Sociedade Goiana de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra (Goiânia); Preventório Afrânio Azevedo (Goiânia) | Diretora; Diretora |
55 | Ziná Monjardim (1945) | DF | Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra | Membro do Conselho Deliberativo |
Notas * Os anos mencionados abaixo dos nomes das mulheres se referem às datas encontradas nos documentos pesquisados. Algumas das mulheres podem ter atuado pela causa da lepra antes de 1926, caso de Margarida Galvão, ou posteriormente a 1947, como Eunice Weaver. Indicamos na tabela anos referentes aos que foram encontrados nos documentos produzidos pela Federação. Quando tais documentos não forneceram informações sobre a data de atuação das mulheres, recorremos aos jornais disponibilizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. ** A pesquisa realizada em jornais brasileiros resultou em alguns homônimos. Foi o caso de Olga Teixeira Leite. A primeira tesoureira da Federação talvez tivesse relação de parentesco com Edgard Teixeira Leite, um dos conselheiros da Federação. O doutor Edgard foi figura atuante na definição do sistema arquitetônico de pavilhões para os preventórios no lugar do antigo monobloco, pois esse era “de difícil organização em sua disciplina, pela promiscuidade de sexo e idade” (citado em Curi, 2010 , p.272). |
Fonte: elaborado pelos autores.
O segundo passo da pesquisa foi capturar informações sobre os pais e os maridos das mulheres da primeira lista, e para tanto manuseamos primordialmente o acervo de jornais e revistas da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. De maneira subsidiária, lançamos mão de obras como o Dicionário de mulheres do Brasil (Schumaher, Brazil, 2000), o Dicionário histórico-biográfico da Primeira República, 1889-1930 e o Dicionário histórico-biográfico brasileiro, 1930-1983 , todos organizados pela Fundação Getulio Vargas, assim como os verbetes disponibilizados no site Dicionário Histórico-biográfico Brasileiro da mesma instituição (Dicionário..., s.d.). Também foi proveitosa a utilização da terceira edição do Who’s who in Latin America , de Ronald Hilton (1948) , publicado pela Stanford University Press.
Como os resultados da inquirição se mostraram ricos em informações a respeito de muitas mulheres, foi possível construir o Quadro 2 .
Mulheres | Progenitor/pai | Cônjuge | |
---|---|---|---|
1 | Abigail Soares de Souza | Olympio de Souza Reis Militar (major do Exército) | Belisário de Souza Jornalista; político (deputado estadual e federal) |
2 | Adelina Ponce de Arruda | Nilo Ponce de Arruda Agricultor; industrial | João Pedro de Arruda Militar (coronel); industrial; político (deputado federal) |
3 | Alice de Azevedo Monteiro | Norbertino Pereira de Azevedo Militar (primeiro-tenente do 27º Batalhão do Exército) | Alfredo Monteiro Médico; professor |
4 | Alice de Toledo Ribas Tibiriçá | José Florêncio de Toledo Ribas Militar (general do Exército) | João Tibiriçá Neto Engenheiro; funcionário público |
5 | Aliete Gouveia de Freitas | Anibal de Pina Gouveia Industrial; comerciante | Raimundo Theodorico de Freitas Médico; professor |
6 | Almira Linhares Mourão | Lauro Marques Linhares Militar (major Guarda Nacional); despachante geral da alfândega | Olímpio Mourão Filho Militar (general do Exército) |
7 | Alzira Reis Vieira Ferreira | José da Costa Reis Comerciante; chefe do Partido Conservador MG; coletor das rendas provinciais | Joaquim Vieira Ferreira Neto Advogado; juiz |
8 | América Xavier da Silveira | Zeferino de Faria Advogado | Ricardo Xavier da Silveira Advogado; industrial; presidente Caixa Econômica RJ; político (prefeito Nova Iguaçu); presidente da Companhia Sul Mineira de Eletricidade |
9 | Aura Virmond Lima | Benjamin Américo de Freitas Pessoa Militar (capitão); advogado; juiz de direito; político (deputado estadual) | Braulio Virmond Lima Militar (capitão da Aeronáutica); presidente Caixa Econômica do Paraná |
10 | Berenice Prates | – | Lincoln Prates Advogado; político (deputado estadual); professor/reitor UFMG; desembargador |
11 | Carmen Linhares Colônia | Lauro Marques Linhares Militar (major Guarda Nacional); despachante geral da alfândega | Archias Rômulo Colônia Militar (capitão do Exército) |
12 | Celina Guinle de Paula Machado | Eduardo Palassin Guinle Empresário | Lineu de Paula Machado Empresário |
13 | Dagmar de Albuquerque Gentil | Antônio Affonso Albuquerque Militar: coronel (provavelmente Guarda Nacional); político (deputado estadual) | Antônio da Frota Gentil Banqueiro; político (deputado federal) |
14 | Djanira Lima | – | Noraldino Lima Bacharel em farmácia e direito; político (deputado federal; secretário de Educação e Saúde Pública; deputado estadual; interventor de Minas Gerais) |
15 | Edith da Gama e Abreu | João Mendes da Costa Militar (general da Guarda Nacional) | Jaime Cunha da Gama e Abreu Engenheiro; professor |
16 | Esther Ribeiro | Cândido José Ribeiro Comerciante; industrial | Orfila Cavalcanti Industrial |
17 | Eunice Gabbi Weaver | Henrique de Souza Gabbi Carpinteiro; fazendeiro | Charles Anderson Weaver Professor |
18 | Hélia Costa | – | Tufik Costa Proprietário de terras |
19 | Hilda Calheiros Teixeira | Luiz Calheiros Militar (coronel da Guarda Nacional) | Mariano Teixeira Médico; professor |
20 | Ilza Chaves Barcelos | Carlos Pinto Comerciante | Pedro Chaves Barcelos Comerciante; industrial |
21 | Iracema Pires de Castro | – | Francisco Pires de Castro Desembargador; procurador-geral do estado (PI) |
22 | Isabel Soares Nogueira | – | Raymundo Gomes Nogueira Professor |
23 | Julieta Pereira Borges | João Pereira Borges Político (prefeito do Recife, 1934-1937) | – |
24 | Luiza de Freitas Valle Aranha | Manoel de Freitas Valle Proprietário de terras | Euclydes de Souza Aranha Militar (coronel da Guarda Nacional); político (intendente municipal e ministro de Getúlio Vargas) |
25 | Margarida Galvão | Luiz Corrêa Galvão Comerciante e industrial capitalista | – |
26 | Maria Aparecida Fernandes | Alfredo Flávio Fernandes Militar (capitão do Exército) | – |
27 | Maria de Miranda Leão | Manoel de Miranda Leão Professor; jornalista; político (primeiro secretário da Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas) | Solteira |
28 | Maria Joaquina Maia de Andrade | Manoel José Maia Proprietário de terras | Annibal de Pádua Andrade Médico |
29 | Maria Luiza Barcellos | Anfiloquio Reis Militar (almirante) | – |
30 | Marina Bandeira de Oliveira | Industrial | – |
31 | Neusa Feital | Romeu Feital funcionário da Caixa Econômica | Hans Martin Zepolin Wohrle Industrial |
32 | Olga Teixeira Leite | – | – |
33 | Olivina Olivia Carneiro da Cunha | Silvino Elvídio Carneiro da Cunha Promotor público; político (governador da província); proprietário de terras | Solteira |
34 | Ricarda Neder Carrato | Rachid Neder Comerciante | Mário Carrato Comerciante; político (vereador/presidente da Câmara Municipal e Prefeito de Campo Grande) |
35 | Rita Quintaes | – | Aurino Quintaes Advogado; catedrático na Escola Normal D. Pedro II |
36 | Semírames de Oliveira Collyer | Odorico Oliveira Comerciante | Aloysio Sampaio Collyer Militar (tenente do Exército) |
37 | Yone Guimarães de Freitas | Antônio Xavier Guimarães Comerciante | Carlos Alberto de Freitas Médico; proprietário de instituição hospitalar; proprietário de terras; candidato a deputado estadual |
38 | Ziná Monjardim * | Aristides Armínio Guaraná Militar (general do Exército); engenheiro; deputado provincial | Manuel Monjardim Militar (Guarda Nacional); médico; político (deputado estadual, federal e senador) |
Nota * Ziná Monjardim apareceu nas fontes analisadas também com o nome de solteira, Ziná Guaraná. Acreditamos que o nome Ziná possa ser um apelido de Ursulina (Diário..., 18 mar. 1954, p.3). |
Fonte: elaborado pelos autores.
Assume-se como relevante explicitar que a prosopografia foi utilizada como um instrumento, uma técnica ou ferramenta de investigação histórica que possibilitou agrupar e perseguir informações sobre determinadas mulheres. Nesse sentido, auxiliou, nas palavras de Lawrence Stone, no entendimento da “análise das afiliações sociais e econômicas dos agrupamentos políticos” (Stone, 2011, p.115). Para Carla Beatriz de Almeida (2011 , p.7), a prosopografia “permite revelar características comuns de determinado grupo social em dado período histórico” e propicia “observar os grupos sociais em suas dinâmicas internas e em seus relacionamentos com outros grupos e com o espaço de poder, e portanto auxilia na compreensão de redes e configurações”.
De fato, a prosopografia, tanto na história como na sociologia, presta-se muito bem à tarefa de investigação de grupos dominantes e elites. Se pensada como um caminho para construção de biografias coletivas pelas ciências sociais, a prosopografia, como bem observou Lorena Madruga Monteiro (2014 , p.12), “não é vista apenas como um instrumento de pesquisa, mas como um método associado a um construto teórico de apreensão do mundo social”.
No que se refere a esse aspecto destacado por Monteiro, no caso das mulheres da FSALDCL, desde o início da investigação tínhamos em mente a necessidade de olhar o espaço assistencial para a lepra já pensando tal lócus como ambiente em que relações de poder relacionadas às agentes investigadas reforçariam seus interesses de elite. Entretanto, queríamos avançar e saber quais outros aspectos – para além de explicações que enfatizassem a valorização da maternidade ou da piedade, comuns aos membros da elite brasileira havia tempos – poderiam explicar esse intenso movimento assistencial feminino para a causa da doença. Nesse sentido, investigar os capitais econômico, social e cultural que revestiam as mulheres da Federação, via prosopografia, demonstrou-se instigante e nos levou a pensar em certos aspectos sobre a conformação delas em um determinado habitus , isto é, como
um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as ‘experiências passadas’, funciona ‘a cada momento como uma matriz de percepções’, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas ( Bourdieu, 1983 , p.65; destaques nossos).
Assim, neste artigo sugerimos que a posição social e profissional dos pais e/ou maridos das mulheres que atuaram na FSALDCL também é um elemento que auxilia no entendimento do assistencialismo feminino para a causa da doença.
Segundo Mary Del Priore (2004 , p.7), ao se analisar a história de mulheres não se deve desconsiderar a interação delas com o gênero masculino. A construção histórica deve ser “relacional”, incluir “tudo que envolve o ser humano, suas aspirações e realizações, seus parceiros e contemporâneos”.
Os resultados encontrados permitem afirmar que as mulheres da FSALDCL pertenciam a uma elite socioeconômica de perfil urbano bem delimitado. Alguns de seus pais e/ou maridos eram engenheiros, jornalistas e funcionários públicos; exerciam cargos de destaque, como presidência de entidades financeiras, por exemplo, ou atuavam como comerciantes, empresários, industriais ou capitalistas “bem-sucedidos”. Neste último caso, é emblemática a família Guinle. Celina Guinle de Paula Machado, que atuou como membro do Conselho Deliberativo da Federação a partir de meados da década de 1930, era filha de Eduardo Palassin Guinle (1846-1912). Ligada ao universo da filantropia e da benemerência na área da saúde, a família Guinle ( Sanglard, 2007 , 2010 ) atuava em diversos empreendimentos industriais e imobiliários. No que se refere à lepra, Eduardo Guinle, irmão de Celina, em 1927 propôs a construção de um leprosário no Distrito Federal. A instituição seguiria o “estilo asilo-hospital, como o São Roque, do Paraná, que, por sua vez, seguia o mesmo modelo do norte-americano de Carville, em Louisiana” ( Cabral, 2013 , p.290). A filantropia de outro irmão de Celina, Guilherme Guinle, foi fundamental para a criação do Centro Internacional de Leprologia, no Rio de Janeiro, em 1934 ( Cunha, 2011 ).
Os aspectos que se destacaram quanto à família de origem ou à constituída pelo casamento foram os seguintes: pais e/ou maridos com carreira militar; ligados a cargos políticos (antes, durante ou depois da chamada Era Vargas, 1930-1945); profissionais da medicina, do direito e professores.
No que diz respeito aos militares, a pesquisa empreendida identificou 11 pais e sete maridos militares, sendo alguns deles relacionados à antiga Guarda Nacional, extinta em 1922.
O exemplo das irmãs catarinenses Almira Linhares Mourão e Carmen Linhares Colônia é ilustrativo. Eram filhas do major da Guarda Nacional Lauro Marques Linhares, um dos fundadores da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis. Carmen, diretora do Preventório Santa Catarina, em Florianópolis, foi casada com o capitão Archias Rômulo Colônia ( Atos…, 15 ago. 1933 ), e Almira, segunda vice-presidente da Federação, foi casada com o general Olímpio Mourão Filho. Este participou da repressão à Revolução Constitucionalista de 1932, foi membro da Ação Integralista Brasileira, um dos redatores do documento chamado Plano Cohen (sobre uma suposta invasão comunista no país, o que resultou na justificativa do golpe de 1937), e também foi um dos conspiradores contra o presidente João Goulart nas articulações para a implantação do regime militar em 1964 ( Beloch, Abreu, 1984 , p.2.314-2.318).
A paranaense Aura Virmond Lima era filha do capitão Benjamin Américo de Freitas Pessoa, que, além de bacharel em direito, exerceu o cargo de auditor de guerra da sétima região militar, ligada ao Ministério da Guerra, e foi deputado estadual. Era casada com o capitão Braulio Virmond Lima, da Escola Paranaense de Aviação e presidente da Caixa Econômica no Paraná de 1933 a 1938 ( A Caixa…, 1953 ). Maria Luiza Barcellos e Ziná Monjardim, ambas do Distrito Federal, também eram filhas de militares. A primeira, do vice-almirante da Marinha Anfiloquio Reis, ministro do Supremo Tribunal Militar entre 1938 e 1941 (Verbete..., s.d.-a). A segunda, do engenheiro e general do Exército Aristides Armínio Guaraná (Coleção..., s.d.). Lembremos também da própria Alice Tibiriçá, fundadora da primeira Sociedade de Assistência aos Lázaros na cidade de São Paulo, cujo pai era general, e o avô foi considerado herói pelo lado da Tríplice Aliança no conflito com o Paraguai ( Segismundo, 1980 ). Para o Norte do país, no território do Acre, temos o exemplo de Semírames de Oliveira Collyer, casada com o tenente Aloysio Sampaio Collyer, residentes em Rio Branco. Para o Nordeste, Alice de Azevedo, da Paraíba, cujo pai era primeiro-tenente do Exército brasileiro; e para o Centro-oeste, o marido de Adelina Ponce de Arruda, da Sociedade de Assistência aos Lázaros de Cuiabá, era coronel, provavelmente da Guarda Nacional.
Quanto aos perfis de pais ou maridos com cargos políticos, encontramos 14 casos: sete progenitores e sete cônjuges. Destacamos aqui alguns exemplos, como o doutor Antonio da Frota Gentil, casado com a presidente da Sociedade de Assistência aos Lázaros do Ceará, Dagmar Gentil. Além de rico banqueiro naquele estado, foi deputado federal no período 1946-1951 (Verbete... s.d.-b). O cônjuge de Abigail Soares de Souza, do conselho deliberativo da Federação, exerceu mandatos como deputado federal e estadual e foi vereador na cidade de Niterói. Belisário Augusto Soares de Souza Filho foi jornalista influente, era redator-chefe do periódico carioca O País e chegou a ser presidente da Associação de Imprensa do Rio de Janeiro. Também trabalhou nos jornais Tribuna , A Noite e Jornal do Brasil . Na Era Vargas, atuou junto ao Departamento de Imprensa e Propaganda, o chamado DIP. Em Minas Gerais, Noraldino Lima, marido de Djanira Lima, exerceu cargo de deputado estadual na década de 1920 e integrou a secretaria de Educação e Saúde Pública de Minas Gerais no início da década de 1930. Formado em farmácia e direito, assumiu outros cargos ligados ao governo do estado, como diretor da Imprensa Oficial de Minas. Após o fim da Era Vargas, já no governo Dutra, Noraldino foi membro do Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais. No Nordeste, o pai de Julieta Pereira Borges, de Pernambuco, foi prefeito nomeado do Recife entre 1934 e 1937, pelo partido da Aliança Liberal. Também na chefia do Poder Executivo municipal, na cidade de Campo Grande (MS), entre 1952-1953, esteve o marido de Ricarda Neder Carrato, Mário Carrato, que era presidente da Câmara Municipal e assumiu interinamente a prefeitura após a morte do titular.
Antes da Revolução de 1930, destacamos o marido de Luiza de Freitas Valle Aranha, o coronel Euclides de Souza Aranha, que foi intendente municipal de Itaqui, no Rio Grande do Sul, e chefe do Partido Republicano Rio-grandense. Euclides e Luiza (presidente da Sociedade Sul Rio-grandense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, em Porto Alegre) eram pais de Osvaldo Aranha, deputado federal pelo mesmo estado (1927-1928). Osvaldo foi expoente político durante a Era Vargas, tendo sido ministro da Justiça (1930-1931), ministro da Fazenda (1931-1934), embaixador do Brasil nos EUA (1934-1937) e ministro das Relações Exteriores (1938-1944). Posteriormente, foi embaixador brasileiro na ONU em 1947 e ministro da Fazenda em 1953-1954 ( Beloch, Abreu, 1984 , p.163). Também com bastante capital político, porém no período precedente à República, o exemplo mais significativo encontrado na pesquisa foi o de Olivina Carneiro da Cunha, da Sociedade de Assistência aos Lázaros da Paraíba e diretora do Preventório de João Pessoa. Era filha de Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, que, além de advogado, teve inserções de destaque no mundo da política à época do Império:
Foi presidente (governador) das províncias de Sergipe (1866 a 1867), do Rio Grande do Norte (1868 a 1870), Alagoas (1871 a 1872), Maranhão (1873 a 1875) e diversas vezes de sua própria província, a Paraíba (1869 a 1874). Também foi deputado provincial (1855 a 1871), promotor público, chefe de polícia, secretário-geral do governo, diretor da instrução pública, procurador fiscal da fazenda, presidente da Câmara Municipal, provedor perpétuo e benfeitor da Santa Casa de Misericórdia, chefe prestigioso do Partido Conservador ( Silva, 2012 , p.55).
Quanto aos médicos, identificamos seis no total. Manuel Silvino Monjardim, casado com Ziná Guaraná Monjardim, foi cirurgião na Santa Casa de Vitória. Manuel também foi político: deputado estadual, federal e senador, e esteve mais de 40 anos em cargos políticos ( Sepultado…, 16 jul. 1966 ). O esposo de Yone Guimarães de Freitas, Carlos Alberto de Freitas, foi cirurgião e diretor-proprietário da Casa de Saúde Santa Terezinha, em Goiás ( Casa…, 17 jul. 1932 ). Em meados da década de 1940, foi candidato a deputado por aquele estado ( O movimento…, 18 out. 1946 ). O marido de Alice de Azevedo Monteiro, da Paraíba, era o doutor Alfredo Monteiro, chefe do serviço de tuberculose do estado na década de 1920 ( O competente…, 9 jul. 1924 ). O doutor Raimundo Theodoro de Freitas, casado com Aliete Gouveia de Freitas, de Recife, também médico e professor da faculdade de medicina na capital pernambucana, era catedrático da cadeira de medicina legal. Foi, aliás, um dos legistas do corpo de João Pessoa ( Viana, 22 jul. 1962 ). Mariano Teixeira, cônjuge de Hilda Calheiros Teixeira, que atuava na Sociedade de Assistência aos Lázaros de Maceió e exercia a diretoria do Preventório Eunice Weaver em 1947, era obstetra e professor na Faculdade de Medicina ( Canuto, 9 mar. 2018 ). Maria Joaquina Maia de Andrade, do Maranhão, era esposa do médico Annibal Pádua de Andrade, chefe do serviço de medicina e cirurgia do Hospital Português, em São Luís ( Êxito…, 24 dez. 1923 , p.1).
Vale aqui destacar que na listagem feita por Souza Araújo sobre os preventórios para o ano de 1947, duas mulheres médicas foram identificadas nos quadros das instituições, mas não como diretoras. Foi o caso de Eunice Rodrigues Ribeiro, pediatra do Preventório Santa Terezinha, de Belém, e da também pediatra Stela Budianski, do Amparo Santa Cruz, de Porto Alegre. Por sua vez, a pesquisa empreendida identificou que a diretora do Preventório Eunice Weaver, de Salvador, Elvira Bastos Moreira, foi técnica leprologista. Leicy Francisca da Silva (2016 , p.331) informa que a médica Maria de Lourdes Morais atuou no Preventório Afrânio de Azevedo, em Goiás, em meados da década de 1940.
Quanto aos profissionais de advocacia, no total de sete, destacamos dois deles, pois tiveram inserção pública significativa e eram relacionados à mulher que ocupou o importante cargo de primeira vice-presidente da FSALDCL durante o período analisado: o pai e o marido de América Xavier da Silveira. Zeferino de Faria, o pai, já atuava como advogado ao final do Império e, posteriormente, na República, teve atuação importante em várias associações e entidades: membro do conselho do Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro, do Conselho do Patrimônio do Instituto Nacional de Música e do Conselho de Menores do Asilo João Alves Affonso, instituição de recolhimento de crianças pobres da capital federal ( Dilema…, 1937 ); Zeferino também atuava na provedoria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro; esteve engajado nas discussões envolvendo o Código de Menores (Brasil, 10 fev. 1931). Ricardo Xavier da Silveira, marido de América, além de advogado, foi prefeito de Nova Iguaçu por um breve período em meados da década de 1930 e presidiu a Caixa Econômica do Rio de Janeiro entre 1933 e 1937; atuou na Companhia Sul Mineira de Eletricidade e na Companhia Nacional de Seguros Atlântica ( Hilton, 1948 , p.268). América Xavier da Silveira foi constantemente retratada nos jornais cariocas ligada a diversas atividades esportivas e assistenciais do Fluminense Football Club. Sua riqueza e seu ativismo em prol dos necessitados eram destacados na imprensa, que elogiava quando sua casa era aberta no período natalino para que suas amigas costurassem “aos infelizes lázaros”. A propriedade ficava “colocada no sítio mais belo da Lagoa Rodrigo de Freitas, diante de um panorama deslumbrador” ( Notas…, 24 nov. 1938 ).
Algumas mulheres também foram casadas com professores. Entre elas, a principal era a presidente da Federação, Eunice Weaver.
A trajetória de Eunice, nascida em 1903, aguarda um biógrafo isento aos ruídos que costumam interferir no entendimento sobre as mulheres cujas vidas foram identificadas como ligadas inextricavelmente ao universo da benevolência. Não sabemos se Eunice era detentora de grande capital econômico proveniente de sua família de origem. Nos escritos que se têm sobre ela, seu pai, cujo sobrenome era Gabbi, é citado como fazendeiro/carpinteiro imigrante da Itália, e sua mãe, nascida no Brasil, era de origem suíça. Sabemos que Henrique Gabbi possuía terras no interior do estado de São Paulo, em São Manuel. Ao que tudo indica, a família não detinha um capital social expressivo que pudesse expor Eunice no interior de uma rede de relacionamentos de famílias abastadas da elite dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul ou Minas Gerais, locais onde os Gabbi circularam. No entanto, a carreira de Eunice, toda ela ligada à causa assistencial da lepra, merece investigações que explicitem como se deram as articulações que a colocaram em uma posição de grande poder frente ao Estado brasileiro em seus diversos momentos: Era Vargas, redemocratização e ditadura militar.
Se América Xavier da Silveira, como vice-presidente da FSALDCL, foi a expressão máxima de uma elite com capital econômico e grande inserção nas rodas sociais da capital federal, Eunice foi a personagem-chave que ilustra o vigor da relação burocrática da FSALDCL com o Estado brasileiro. Como representante do mais alto cargo da instituição, a partir de 1935 ela viajou por todo o território nacional, articulando o ingresso e a filiação das mulheres que teria sob seu comando. Sua presidência na Federação prolongou-se por 34 anos, e ela militou pelos preventórios – locais que passou a chamar de “educandários” – até sua morte, em fins de 1969. Faleceu em Porto Alegre, para onde fora assistir à posse da nova diretoria do Preventório Amparo Santa Cruz ( Sepultada…, 11 dez. 1969 ).
O marido de Eunice, Charles Anderson Weaver, 23 anos mais velho do que ela, foi seu antigo professor no Colégio União, em Uruguaiana, instituição onde estudou entre 1913 e 1918. Antes desse período, segundo Hilton (1948 , p.267), Eunice teria frequentado a Escola Americana, em Buenos Aires, ali adentrando em 1908. Alguns sites espíritas afirmam que sua mãe contraiu o mal de Lázaro, por isso a mudança do estado de São Paulo para o Rio Grande do Sul ( Biografia..., s.d. ). Outros sites do mesmo credo, por sua vez, não mencionam a possível doença de Leopoldina, apenas afirmam que o interesse de Eunice pela lepra se deveu ao fato de ter presenciado, no interior da fazenda onde nasceu, em São Manuel, andarilhos com a doença, inclusive uma moça que conhecia na vizinhança e que “era portadora de beleza particular” ( Eunice…, s.d. ). Seja como for, de nossa parte, no escopo deste artigo, chamamos atenção para a necessidade de uma investigação sobre o papel de Charles na configuração da atuação profissional de Eunice com a causa da lepra no Brasil.
Nascido em 1880, nos Estados Unidos, na Georgia, um dos estados confederados do chamado Sul Profundo, Charles era Bachelor of Arts pelo Emory College, de Oxford, no mesmo estado natal. Seguiu toda sua carreira como educador ligado ao ensino em instituições de cunho metodista, vinculadas à Igreja Metodista Episcopal do sul dos EUA. Foi professor na Carolina do Norte e também na Virgínia. Posteriormente, veio ao Brasil para atuar como professor no Colégio União, em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e depois foi para o Colégio Granbery, de Juiz de Fora, em Minas Gerais ( Hilton, 1948 , p.267), ambos de orientação metodista. Foi um dos professores da Universidade Flutuante, em cruzeiro mundial em 1928-1929 (p.267), projeto no qual Eunice o acompanhou como esposa e também como aluna.
Nas referências biográficas sobre Eunice, afirma-se que estudou serviço social na Carolina do Norte quando do regresso do tour mundial com a Universidade Flutuante ( Santos, 2011 , p.258). Porém, não foram mencionados qual escola efetivamente frequentou e o período exato de seus estudos. Se isso é verdade, com certeza a influência do marido foi decisiva para posicioná-la em alguma instituição onde desenvolveu estudos nesse campo. Vale destacar que, à época, o ensino do serviço social nos EUA acompanhava, muitas vezes, o programa eugênico que estava em forte desenvolvimento como um movimento nacional, uma vez que se temia a “perda da supremacia branca” em diversos estados da federação. Nesse contexto, alguns pesquisadores apontam inclusive que a Carolina do Norte se destacou pela rigidez no equacionamento das populações disgênicas e foi uma das principais jurisdições no país para a realização de esterilizações ( Brophy, Troutman, 2016 , p.1949).
É necessário investigar o papel da religião metodista e do contexto familiar de Charles na conformação da militância de Eunice pela segregação dos filhos sadios de pais leprosos em preventórios no Brasil. Como destacou Christine Rosen (2004) , nos EUA houve relações estreitas entre o protestantismo e a eugenia. Credos religiosos, que incluíam a Igreja Metodista Episcopal do Sul, de onde Charles provinha, foram afeitos à eugenia nas décadas de 1920 e 1930. Para Rosen (p.15), é importante observar que “um número substancial de líderes teológicos abraçou o darwinismo”, e “os protestantes provaram ser o grupo mais entusiasta e numericamente poderoso de participantes religiosos nos movimentos eugênicos”. A pesquisadora aponta que entre os defensores das ideias eugênicas nas comunidades religiosas estavam desde “clérigos de alto escalão a ministros de pequenas cidades nas igrejas Metodista, Unitária, Congregacional, Episcopal Protestante, Batista e Presbiteriana” (p.15). 5 Vale destacar que tais ideias foram tão difundidas no interior das igrejas metodistas dos EUA, que o Conselho Geral da United Methodist Church, por meio da resolução n.3.184, de 2008, expressou publicamente seu arrependimento por ter abraçado fortemente a eugenia ( Resolution…, 2008 ).
O rótulo “de elite” como indicativo de fortuna material serve muito bem para descrever as mulheres que ocuparam cargos de destaque na FSALDCL. Alguns de seus sobrenomes são sinônimo de riqueza, identificando prontamente famílias de grande capital econômico em seus estados de origem ou mesmo do país, como Guinle, Tibiriçá, Gentil, Xavier da Silveira, Linhares, Calheiros, Aranha, Carneiro da Cunha, entre outras.
Ricos, muitos pais e/ou maridos das mulheres envolvidas com a assistência para a causa da lepra possuíam forte capital político e atuaram em cargos de direção no Estado brasileiro. Esse fato deve ser agregado à explicação da força política do projeto preventorial abraçado pelas mulheres, que, vale destacar, sobreviveu com vigor por longuíssimo tempo, adentrando boa parte do período da ditadura civil-militar iniciada em 1964.
Além dos valores religiosos baseados na compaixão para com os doentes de lepra, comuns aos membros da elite à época, é provável que outros fatores tenham auxiliado no engajamento das mulheres em suas ações na FSALDCL. Entre eles, um ambiente familiar composto por militares, médicos, políticos e/ou homens com outros cargos públicos. Tal ambiente pode ter agido como elemento que inclinou as mulheres ao assistencialismo voltado para os filhos dos leprosos. Além disso, é possível inferir que a habilidade política de Eunice Weaver tenha produzido constantes acenos e flertes para mulheres ingressarem na instituição, justamente porque em suas parentelas havia homens com capital econômico, social e político de grande expressividade no cenário nacional. Fato é que as entidades preventoriais brasileiras controladas por mulheres de elite tiveram potência para perdurar por mais de quatro décadas, atravessando distintos momentos políticos do país, mesmo quando discursos científicos já não validavam a existência de tais instituições para a saúde pública.
Depoimentos de egressos de preventórios colhidos por Leila Gomide (1991) , Yara Nogueira Monteiro (1998) , Éverton Reis Quevedo (2005) , Lilian Souza (2016), Tatiana do Socorro Corrêa Pacheco (2018), entre outros – e também presentes no documentário Filhos separados , de Paulo Morais e Andressa Gonçalves ( Filhos…, 2012 ) –, atestam que a assistência prestada nos preventórios foi acompanhada pela imposição de comportamento disciplinar extremado aos que ali viviam albergados, e que muitas vidas foram abaladas por fissuras causadas pelo desconsolo da privação da convivência com os pais.
Hoje, projetos de compensação monetária seguem tramitando no Congresso Nacional com o intuito de mitigar um pouco a experiência traumática que significou, para muitos indivíduos, a passagem da infância e da adolescência nos preventórios brasileiros.