versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.10 Rio de Janeiro 2018 Epub 11-Out-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00173718
Em 2018, as mulheres ainda representam apenas um terço do conjunto dos estudantes universitários em carreiras de Ciências, Matemática e Tecnologia no mundo 1. Essa diferença tende a ser ainda mais marcante dentre as posições acadêmicas mais avançadas. Desincentivos começam na infância e se estendem pela vida profissional, muitas vezes de forma tão sutil que seus efeitos só são percebidos posteriormente 2. A desigualdade de gênero nas ciências no Brasil, em particular na Matemática, foi o tema do 1º Encontro Fluminense de Mulheres em Biomatemática, realizado dos dias 15 a 17 de agosto, 2018 (http://dippg.cefet-rj.br/efmb). Além do debate, o objetivo também foi a divulgação do trabalho realizado por importantes pesquisadoras fluminenses em Biomatemática, área interdisciplinar em ascensão no Brasil, na qual a Matemática é aplicada a problemas oriundos da Biologia, da Medicina, da Saúde Pública, entre outros. Observou-se ótima repercussão de público, reunindo participantes de 33 instituições de ensino e pesquisa, sendo três do exterior, distribuídos entre professores, pesquisadores e estudantes do nível fundamental até doutorado. O tema concentrou-se na Epidemiologia Matemática, um campo que visa a utilizar a Matemática para estudar a dinâmica de doenças transmissíveis e seu controle. Foram apresentados trabalhos sobre dinâmica de dengue, intervenção vacinal para varicela, modelagem de febre amarela e da influenza, e distribuição espacial da leptospirose, dentre outros. As metodologias diversificadas demonstram a inserção das pesquisadoras brasileiras em campos como a modelagem estocástica e determinística, a modelagem computacional, big data etc.
A discussão sobre o desequilíbrio de gênero em ciências foi tratada por especialistas que apresentaram um vasto panorama sobre a situação no país. A Professora Carolina Araújo, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), ressaltou que a discussão sobre gênero na Matemática chega atrasada ao Brasil em relação ao resto do mundo. Ela relata números preocupantes: enquanto a representação feminina entre os discentes de licenciatura em Matemática se equipara à masculina, ela cai para 20-30% entre os mestrandos e doutorandos. E a situação não está melhorando, diz ela ao citar os dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Na ciência em geral, as mulheres são 49%; na Matemática, são 25%. Dentre os bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 36% são mulheres considerando-se todas as áreas. A sub-representação das mulheres não só entre autores, mas principalmente entre revisores e editores foi tema do Editorial de março de 2018 de CSP 3, que cita que “na área de matemática as mulheres são somente 15% dos pesquisadores, sendo ainda menos representadas na editoria, apenas 10%”.
Como reverter esse quadro? Em todas as discussões surge um ponto coincidente e que parece ser a melhor medida imediata de combate ao problema, o incentivo à participação de mulheres cientistas e professoras como modelos que possam inspirar nossas meninas em eventos e iniciativas variadas, mostrando que a participação de mulheres nas ciências é fato, apesar da ameaça de estereótipo e outros fenômenos, como o chamado viés implícito, que leva nossas moças precocemente à falsa impressão de que são menos brilhantes e capazes para os estudos que envolvem conhecimentos matemáticos. Assim, eventos dessa natureza além de promover a visibilidade do trabalho feminino em ciências, são também importantes no fortalecimento dos grupos de pesquisa do Rio de Janeiro em Biomatemática e grandes incentivadores da participação feminina junto a estes grupos; atraindo mulheres a atuar não só em Biomatemática, mas na Matemática e nas ciências em geral.
Outro fato interessante que o evento trouxe à tona é o surgimento de grupos temáticos que incentivam a participação feminina em campos que são reconhecidos pela maioria como de atuação predominantemente masculina. É o caso do Meninas na Robótica, iniciativa das estudantes do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ - campus de Nova Iguaçu; http://www.cefet-rj.br/), do Tem Menina no Circuito (https://temmeninanocircuito.wordpress.com/), coordenado por professoras do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Projeto Mulheres na Matemática (http://mulheresnamatematica.sites.uff.br/), ação extensionista que mantém em seu site informações atualizadas sobre eventos e a divulgação do trabalho acadêmico-científico realizado por matemáticas brasileiras. Esperamos que outras iniciativas venham a se somar às que foram aqui citadas, contribuindo para a difusão do trabalho feminino nas ciências.