versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.3 Rio de Janeiro 2018 Epub 05-Mar-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00025018
Nos últimos meses, vimos grandes mobilizações de mulheres em vários países e setores, com propósitos diversos. Lutas feministas que se expressaram nas passeatas quando da posse do presidente americano, explicitamente misógino, e na resistência das brasileiras em defesa do direito ao aborto já tão limitado. O movimento se capilarizou e permitiu que viessem à tona diversos casos de abusos sexuais. As mulheres se fortaleceram para denunciar, compartilhando suas experiências por meio do MeToo (https://twitter.com/hashtag/MeToo).
Também entre cientistas, como não poderia ser diferente, denúncias de abuso apontam relações de poder que se estabelecem entre orientador e orientanda, entre cientista sênior e jovem em início de carreira, que levam a situações tão graves como as já mencionadas, afastando inúmeras e promissoras jovens mulheres da carreira acadêmica 1. Tais situações fizeram com que Fundação Nacional de Ciências norte-americana passasse a exigir a notificação e a adoção de medidas de controle de assédio como condição para o repasse de recursos financeiros 2.
Mais sutil é o preconceito no dia a dia, que temos tendência a negar, assumindo que o gênero não deveria ter qualquer influência na avaliação. Em recente revisão sobre o viés de gênero nas publicações científicas, verificou-se sub-representação das mulheres não só entre autores, mas principalmente entre revisores e editores 3. O viés não é uniforme: na área de matemática as mulheres são somente 15% dos pesquisadores, sendo ainda menos representadas na editoria, apenas 10% 4. A situação é ainda mais grave quando se analisa revistas com maior prestígio acadêmico como a Science. Examinando o primeiro e o último autores de amostra dos artigos publicados em 2015, verificou-se que a proporção de mulheres, seja como autor júnior ou sênior, era um terço menor do que a sua participação nas instituições acadêmicas norte-americanas 5.
No Brasil, cerca de metade das publicações do quadriênio 2011-2015 foram de autoria de mulheres, um aumento expressivo comparado aos 38% do período 1996-2000. Entretanto, entre os pesquisadores que recebem bolsas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) cujo objetivo é valorizar a produção científica, as mulheres estão mais presentes nos níveis mais baixos 6. Em parte essa diferença pode ser explicada como resultante de um efeito coorte, mas também pode ser a reprodução de um padrão observado nas organizações em geral. Em cargos de chefia de alta hierarquia o número de mulheres é muito menor do que o de homens, mesmo em empresas com elevada presença feminina. Esse viés é reforçado pela posição da mídia: entre os cientistas citados em reportagens de um jornal, somente cerca de 25% eram mulheres. E não basta ao jornalista se justificar dizendo que os mais qualificados para responder eram homens 7.
Resultados de estudo recente, que compara a produtividade e o impacto de artigos publicados segundo gênero, revelam que: a produtividade das mulheres é cerca de 30% menor do que a dos homens; gênero não tem efeito sobre o impacto dos artigos no grupo de autores mais produtivos; a diferença na produtividade é explicada nos modelos pela posição de maior senioridade e mais idade dos homens (um efeito de coorte) 8. Ressalta-se que o trabalho considerou apenas artigos de autores suecos, país onde a regulamentação da licença maternidade está entre as mais igualitárias e extensas do mundo.
Algumas iniciativas para superar a desigualdade entre homens e mulheres na ciência vêm sendo propostas. Reconhecendo o viés de gênero, revistas do porte da Nature adotaram medidas que permitiram aumentar a proporção de mulheres revisoras de 14% para 22%, no período de 2011 a 2015 9. No Brasil, o último Congresso Brasileiro de Epidemiologia inovou ao promover a equidade de gênero em mesas e painéis 10, critério que também tem orientado a atuação da Comissão Científica do próximo Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, a ser realizado em julho de 2018 11.
Mas ainda é muito pouco. Estimular a igualdade de gênero em CSP é nosso compromisso. Somos três Editoras-chefe mulheres, todas tivemos filhos e sabemos perfeitamente o esforço que foi necessário para chegar aqui. A participação de mulheres em nosso corpo editorial é de 50%, o que ainda é insuficiente considerando sua presença majoritária no campo da Saúde Coletiva. Ao pretendermos aumentar a participação feminina na ciência, precisamos dar visibilidade e posição destacada às mulheres. Essa é uma das melhores formas de atrair jovens para a carreira científica, contribuindo para um mundo mais justo, inclusivo e igualitário. Abracemos a diversidade de gênero!