Compartilhar

Mundo Real da Intervenção Coronariana Percutânea no Sistema de Saúde Pública no Rio de Janeiro: Como Podemos Melhorá-lo?

Mundo Real da Intervenção Coronariana Percutânea no Sistema de Saúde Pública no Rio de Janeiro: Como Podemos Melhorá-lo?

Autores:

Stefano Garzon,
Expedito E. Ribeiro

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.5 São Paulo nov. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180227

As doenças cardiovasculares (DCV) são atualmente a principal causa de morte no Brasil1 e no mundo,2 com 80% dos casos3 ocorrendo em países de baixa e média renda. Ela afeta negativamente as economias desses países,4 com reduções do Produto Interno Bruto (PIB), e aumentos da carga sobre os sistemas de saúde já precários. Os fatores de risco associados às DCV são amplamente evitáveis, e a conscientização5 e o aumento do acesso aos cuidados primários de saúde para a prevenção6 são fatores-chave para reduzir os eventos.

O presente estudo avaliou as taxas de mortalidade em pacientes submetidos à intervenção coronariana percutânea (ICP) tanto na doença coronariana estável (DF) como nas síndromes coronarianas agudas (SCA) no Sistema Único de Saúde (SUS) no período de 1999 a 2010. Ele fornece dados interessantes sobre os desfechos de mortalidade nesses pacientes, dividindo-os por sexo, faixa etária e tipo de intervenção (angioplastia coronariana por balão, implante de stent com stents convencionais e ICP primária para IAMST). Ele tem limitações evidentes: trata-se de uma coorte populacional retrospectiva; seus dados foram extraídos de diferentes bases de dados, e as informações tiveram que ser pareadas (internações versus atestados de óbito, que não estão no mesmo conjunto de dados); o desfecho mortalidade foi morte por qualquer causa, e embora os autores citem que a causa da morte foi dividida em dois grupos (morte cardiovascular e qualquer outra causa), não está claro quais dados foram utilizados; não há informações sobre comorbidades, doença de vaso único versus doença multiarterial, ou medicamentos prescritos; e pacientes com mais de uma ICP foram excluídos.7

Os autores também afirmam que, em comparação com outros estudos.8-10 O presente estudo apresentou taxas de mortalidade mais elevadas, atribuindo isso às dificuldades de extrapolar resultados de ensaios clínicos randomizados (ECR) para a prática no mundo real. Embora a validade externa dos ECR e a generabilidade de seus resultados sejam uma questão conhecida,11 também é razoável considerar a precariedade do SUS, com acesso restrito à atenção primária e à medicina preventiva, oferta instável de medicamentos, indisponibilidade de stents farmacológicos e estrutura insuficiente de atenção secundária e terciária à saúde. Acima de tudo, as precárias condições socioeconômicas e de educação contribuem para um cenário em que há muitos fatores de confusão para essas taxas de mortalidade mais altas. Também temos que considerar que não há evidências de que a ICP para DCE reduza a mortalidade quando comparada com o tratamento clínico otimizado;8 portanto, talvez um desfecho primário melhor possa ser eventos cardíacos e cerebrovasculares maiores (ECCM) do que apenas morte, embora seja compreensível que a falta de um registro unificado, com informações completas, torne isso praticamente impossível.

Por fim, seria interessante investigar os custos das doenças cardiovasculares para o SUS e comparar a carga financeira das DCV no Brasil àquela de outros países.12

Além de suas limitações, o presente estudo tem pontos fortes: um grande número de indivíduos, um longo tempo de acompanhamento e um cenário do mundo real. Ele deve ser usado para gerar perguntas em vez de fornecer respostas, e é um grande passo em direção à oferta de melhor atendimento aos nossos pacientes no Brasil.

REFERÊNCIAS

1 Mansur, A P, Favarato, D. Mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil e na região metropolitana de São Paulo: atualização 2011. Arq Bras Cardiol. 2012; 99(2):755-61.
2 Sanchis-Gomar F, Perez-Quilis C, Leischik R, Lucia A. Epidemiology of coronary heart disease and acute coronary syndrome. Ann Transl Med. 2016;4(13):256.
3 Bovet P, Paccaud, F. Cardiovascular disease and the changing face of global public health: a focus on low and middle income countries. Publ Health Rev. 2012;33(2):397-415.
4 World Health Organization.(WHO). Global status report on noncommunicable diseases 2010. Burden:mortality, morbidity and risk factors. Geneva;2010. P.9-31.
5 Chow CK, Teo KK, Rangarajan S, Islam S, Gupta R, Avezum A, et al. Prevalence, awareness, treatment, and control of hypertension in rural and urban communities in high-, middle-, and low-income countries. JAMA. 2013;310(9):959-68.
6 Joshi R, Jan S, Wu Y, MacMahon S. Global inequalities in access to cardiovascular health care: our greatest challenge. J Am Coll Cardiol. 2008;52(23):1817-25.
7 Souza e Silva CG, Klein CH, Godoy PH, Salis LHA, Souza e Silva NA. Sobrevida em até 15 anos de homens e mulheres após intervenção coronariana percutânea paga pelo Sistema Único de Saúde no Estado do Rio de Janeiro, em 1999-2010. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(4):553-561
8 Weaver WD, Reisman MA, Griffin JJ, Buller CE, Leimgruber PP, Henry T, et al. Optimum percutaneous transluminal coronary angioplasty compared with routine stent strategy trial (OPUS-1): a randomised trial. Lancet. 2000;355(9222):2199-203.
9 Boden WE, O'Rourke RA, Teo KK, Hartigan PM, Maron DJ, Kostuk WJ, et al; COURAGE Trial Research Group. Optimal medical therapy with or without ICP for stable coronary disease. N Engl J Med. 2007;356(15):1503-16.
10 Sedlis SP, Hartigan PM, Teo KK, Maron DJ, Spertus JA, Mancini GB, et al. Effect of ICP on long-term survival in patients with stable ischemic heart disease. N Engl J Med. 2015;373(20):1937-46.
11 Rothwell PM. External validity of randomised controlled trials: "To whom do the results of this trial apply?". Lancet. 2005;365(9453):82-93.
12 Tarride JE , Lim M, DesMeules M, Luo W, Burke N, O'Reilly D,et al. A review of the cost of cardiovascular disease. Can J Cardiol. 2009;25(6):195-202.