versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.4 São Paulo jul./ago. 2019 Epub 29-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2019.04.001
A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma doença de alta prevalência, mas ainda pouco elucidada. Sua fisiopatologia é complexa, envolve múltiplos mecanismos anatômicos e funcionais. O CPAP (continuous positive airway pressure) é considerado o melhor tratamento, mas ainda apresenta baixa adesão. Seu uso acima de quatro horas por noite, considerado adequado, parece ser pouco efetivo.
A uvulopalatofaringoplastia (UPPP) com remoção de tecidos redundantes da faringe foi amplamente usada pelos otorrinolaringologistas, mas com resultados pouco consistentes. Mais recentemente as faringoplastias surgiram como uma proposta mais ativa, modificam a estrutura muscular da faringe em busca da sua estabilização.
A faringoplastia lateral (LP) descrita por Cahali em 2003 foi a primeira proposta de reposicionamento dos músculos da parede lateral da faringe no tratamento da AOS.1 Baseados nesse novo conceito, Pang & Woodson (2007) descreveram a faringoplastia expansiva (ESP).2 Em 2013, Sorrenti & Piccin propuseram uma variação mais conservadora da ESP descrita como faringoplastia expansiva funcional (FEP).3 Cahali também aprimorou a LP, que hoje, na versão 6, parece ter atingido sua maturidade.
Embora não exista na literatura estudo randomizado que compare os resultados da LP com a ESP/FEP,4 analisar as técnicas pode sugerir seus efeitos sobre a dinâmica da faringe na manutenção da via aérea durante o sono.
Todas promovem o avanço do palato mole e procuram estabilizar a parede lateral da faringe, o que pode ser observado na nasofaringoscopia. A maior diferença entre as técnicas é no preparo e reposicionamento do músculo palatofaríngeo (PPM).
Na LP a mucosa aderida ao PPM é separada do músculo constritor superior da faringe (SPC) e forma um retalho músculo-mucoso espesso e resistente com pedículo superior e medial sem conexão inferior e posterior. Após pequena miotomia do SPC no nível do palato mole, o retalho do PPM é deslocado e suturado em uma posição mais superior e anterior para reforçar a parede lateral da faringe no nível do palato mole.
Na ESP/FEP o PPM é separado da mucosa e do SPC e seccionado inferiormente, forma um retalho muscular com pedículo superior e medial. A extremidade livre do PPM é rodada anterossuperolateralmente e suturada na transição do palato duro e mole, por de baixo da mucosa. A parede lateral da faringe é então recoberta pela sutura do retalho mucoso remanescente ao pilar amigdalino anterior.
Em todas as técnicas existe ampliação da orofaringe por remover o PPM que representa o maior volume da parede lateral da faringe. Além disso, eliminam a tração posteroinferior do palato mole pela contração do PPM.
Na LP o retalho garante a cicatrização da parede lateral da faringe junto ao pilar amigdaliano anterior, apesar da cicatrização por segunda intenção da região posteroinferior (incisão de alívio). Associada à miotomia do SPC, a cirurgia cria uma área retropalatal mais ampla e retangular, mais resistente ao colapso.
Na ESP/FEP o PPM ancora anteriormente o palato mole e tensiona a parede lateral. Também amplia a área retropalatal, confere um formato mais retangular. Porém a cicatrização da parede lateral da faringe com o pilar amigdaliano anterior é mais crítica porque fica coberta somente por um retalho mucoso e não musculomucoso, como na LP.
Nesse sentido, a LP prioriza um retalho musculomucoso espesso para reforçar a parede lateral da faringe, enquanto a ESP/FEP prioriza a ancoragem anterior do palato mole e a tração da parede lateral, assume maior risco de deiscência pelo delgado retalho mucoso após separação do PPM.
Para minimizar esse problema, podem-se associar duas manobras à ESP/FEP: 1) Se o PPM for volumoso (o que muitas vezes ocorre no paciente com AOS), parte do PPM pode ser deixada junto com a mucosa, cria-se um retalho mais espesso e resistente. 2) Se a sutura no pilar amigdaliano anterior criar muita tensão no retalho mucoso, uma ou duas incisões de alívio podem ser feitas na parede posterior da faringe para facilitar a adesão do retalho mucoso à parede lateral da faringe (similar às incisões de alívio da LP).
A PL e a ESP/FEP apresentaram resultados mais consistentes do que a UPPP e tiveram grande aceitação entre os cirurgiões. A questão que fica é o que ocorre com o PPM após seu reposicionamento. Esse músculo passaria a ter uma ação dilatadora da faringe?
Para a obtenção dessa resposta precisaríamos saber se o PPM reposicionado conserva sua função. O primeiro aspecto é se sua irrigação pelo pequeno pedículo mantém sua estrutura muscular ou se o transforma tecido fibroso e cicatricial. Mesmo nessa condição, o retalho do PPM traria beneficio, atuaria como um reforço na LP e como ancoragem na ESP/FEP.
O segundo aspecto é se sua inervação motora fica preservada pelo pedículo, mantém sua ação contrátil. Se isso ocorrer, sua contração na LP enrijeceria a parede lateral da faringe no nível do palato mole, auxiliaria a sustentação da faringe contra o colapso. Na ESP/FEP sua contração tracionaria anterossuperiormente o palato mole e tensionaria a parede lateral da faringe, também favoreceria a abertura e sustentação da faringe. Nesse sentido, a função constritora do PPM se transformaria em uma ação dilatadora da faringe durante a inspiração.
Ainda não temos estudos nesse sentido. Porém, a progressiva melhoria dos resultados cirúrgicos e do aspecto da região retropalatal, ao se comparar o período do pós-operatório precoce e tardio, pode sugerir que após um trauma inicial o PPM recupera sua função muscular, atua como mais um dilatador da faringe.