versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.108 no.4 São Paulo abr. 2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170045
A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma doença autossômica dominante causada por mutações em genes que codificam as proteínas dos sarcômeros. É a principal causa de morte súbita cardíaca em atletas jovens de alto nível. Estudos têm demonstrado um pior prognóstico associado a mutações específicas. A associação entre genótipo e fenótipo em CMH tem sido objeto de diversos estudos desde a descoberta da origem genética dessa doença.
Este trabalho apresenta o efeito de uma mutação composta em MYBPC3 na expressão fenotípica da CMH.
Uma família na qual um jovem tem o diagnóstico clínico de CMH foi submetida à investigação clínica e genética. As regiões codificadoras dos genes MYH7, MYBPC3 e TNNT2 foram sequenciadas e analisadas.
O probando apresenta uma manifestação maligna da doença e é o único em sua família a desenvolver CMH. A análise genética pelo sequenciamento direto dos três principais genes relacionados à essa doença identificou uma variante em heterozigose composta (p.E542Q e p.D610H) em MYBPC3. A análise da família mostrou que os alelos p.E542Q e p.D610H tem origem paterna e materna, respectivamente. Nenhum familiar portador de um dos alelos variantes manifestou sinais clínicos de CMH.
Sugerimos que a expressão heterozigótica bialélica de p.E542Q e p.D610H pode ser responsável pelo fenótipo severo da doença encontrada no probando.
Palavras-chave Cardiomiopatia Hipertrófica; Genes Sarcoméricos; Mutação Composta; MYBPC3
Hypertrophic cardiomyopathy (HCM) is an autosomal dominant genetic disease caused by mutations in genes encoding sarcomere proteins. It is the major cause of sudden cardiac death in young high-level athletes. Studies have demonstrated a poorer prognosis when associated with specific mutations. The association between HCM genotype and phenotype has been the subject of several studies since the discovery of the genetic nature of the disease.
This study shows the effect of a MYBPC3 compound variant on the phenotypic HCM expression.
A family in which a young man had a clinical diagnosis of HCM underwent clinical and genetic investigations. The coding regions of the MYH7, MYBPC3 and TNNT2 genes were sequenced and analyzed.
The proband present a malignant manifestation of the disease, and is the only one to express HCM in his family. The genetic analysis through direct sequencing of the three main genes related to this disease identified a compound heterozygous variant (p.E542Q and p.D610H) in MYBPC3. A family analysis indicated that the p.E542Q and p.D610H alleles have paternal and maternal origin, respectively. No family member carrier of one of the variant alleles manifested clinical signs of HCM.
We suggest that the MYBPC3-biallelic heterozygous expression of p.E542Q and p.D610H may cause the severe disease phenotype seen in the proband.
Keywords Hypertrophic cardiomyopathy; sarcomere genes; compound variant; MYBPC3 gene
A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é um transtorno miocárdico genético caracterizado por hipertrofia ventricular (HV), frequentemente assimétrica no septo interventricular e que pode levar a uma obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo (VE).1 É a principal causa de morte súbita cardíaca (MSC) em jovens, com uma mortalidade anual de 2-4% em adultos e 6% em adolescentes e crianças.2 Um resultado benigno da CMH também pode ocorrer, como início tardio, hipertrofia leve e histórico sem eventos malignos.3 Genes modificadores, influências ambientais, diversidade de variantes genéticas e o efeito de múltiplas variantes poderiam explicar a grande heterogeneidade clínica entre indivíduos de uma mesma família ou de famílias diferentes.4
A CMH é um distúrbio mendeliano relativamente comum (0,2%), causado principalmente por mutações nos genes das proteínas do sarcômero, mais comumente aqueles que codificam a cadeia pesada da β-miosina (MYH7), a proteína C ligante de miosina (MYBPC3) e a troponina T (TNNT2).5 Estudos recentes sugerem que essa prevalência é ainda maior, em torno de 1: 200 na população em geral,6 e cerca de 5% daqueles que têm CMH possuem mais de uma variante genética causadora da doença.7-9 A hipótese de efeitos da dosagem gênica em pacientes com múltiplas variantes é sustentada por alguns autores que relataram quadro clínico mais grave, com maior risco de MSC, maior hipertrofia do VE e início mais precoce da CMH.7,10
Neste contexto, apresentamos aqui um caso no qual uma variante em heterozigose composta conduz à uma manifestação da CMH com exacerbação do fenótipo da doença.
O probando com diagnóstico clínico de CMH foi encaminhado para análise genética no Instituto Nacional de Cardiologia - INC, no Rio de Janeiro. Uma árvore genealógica, incluindo o maior número de gerações possíveis, foi construída com base em sua história familiar. Os membros da família foram submetidos a avaliações clínicas e investigações genéticas. O comitê de ética local aprovou este estudo. Obteve-se consentimento informado por escrito para cada membro avaliado da família.
O probando foi submetido a exame clínico e cardiovascular, incluindo eletrocardiograma de 12 derivações (ECG), ecocardiograma transtorácico (ETT) e monitoramento de 24h por Holter. O diagnóstico de CMH foi baseado no ETT: os principais critérios diagnósticos do ecocardiograma foram definidos por uma espessura máxima diastólica final do VE ≥ 15 mm. O mesmo exame clínico foi realizado para as análises fenotípicas de todos os membros da família, e a ressonância magnética cardíaca (RMC) foi solicitada como exame complementar.
Foi utilizado um escore de risco proposto pela European Cardiac Society (ESC) para prever o risco de MSC em cinco anos para os pacientes com CMH.11
A análise genética do probando foi realizada através do sequenciamento direto de três genes do sarcômero: MYH7, MYBPC3 e TNNT2. O DNA genômico obtido de leucócitos, de acordo com Miller et al.,12 foi submetido à reação em cadeia da polimerase (PCR) de todos os exons codificadores, utilizando primers previamente descritos e outros projetados por nós (Tabelas 1, 2 e 3), e o mesmo programa de amplificação. Os produtos da PCR foram purificados com EXOSAP-IT (Affymetrix, Santa Clara, CA), submetidos à reação de sequenciamento utilizando o reagente BigDye® Terminator v3.1 (Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA) e subsequentemente analisados em um analisador genético ABI 3500xL (Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA). As análises de sequências foram realizadas utilizando-se o pacote de software Geneious® v.6.1.6 (Biomatters, Auckland, NZ). A família foi submetida a um teste de mutação específica de acordo com a declaração de consenso de especialistas HRS/EHRA.13
Forward Primer 5'-3' | Reverse Primer 5'-3' | Amplicon† | A.T.‡ | |
---|---|---|---|---|
3 | TCTTGACTCTTGAGCATGGTGCTA | TCTGTCCACCCAGGTGTACAGGTG | 381 bp | 62ºC |
4 | AGGAAGGAGGGAAAGCCCAGGCTG | TCTGCATGCACTCAATCTGAGTAA | 380 bp | 62ºC |
5 | ATCTTTCTCTAACTCCCAAAATCA | ACTCACGTGATCAGGATGGACTGG | 398 bp | 60ºC |
6 | TGTCACCGTCAACCCTTACAAGTG | GAGGCTGAGTCTATGCCTCGGGG | 394 bp | 62ºC |
7 | CTTGCTGGTCTCCAGTAGTATTGT | CTGCGGTACAGGACCTTGGAGGGC | 198 bp | 62ºC |
8 | GCCCTCCAAGGTCCTGTACCGCAG | GTCCAAGTCCCAAGGCCAAGGTCA | 200 bp | 62ºC |
9 | GACAACTCCTCCCGCTTCGTG | AACAGAGGGAGGGAGGGGAGAG | 281 bp | 62ºC |
10 | CCTTTTGCTTGCTACATTTATCAT | GCCACAAGCAGAGGGGACCAG | 252 bp | 60ºC |
11 | CTGCTTCCTCAGGCCATGTGCTGT | ACCAATGGCCAGAGTCTTAGCTCT | 284 bp | 62ºC |
12 | CACAGGGATTAAGGAGACAAGTTT | TTACAGCTGCCCCAAGAATC | 273 bp | 58ºC |
13 | AGTCATCTCTTTACCAACTTTGCTA | ATTATCATCTGAAGATGGACCCACC | 186 bp | 62ºC |
14 | CAAGTTCACTCTTCCCAACAACCCT | ATGTGGGAGCGAGTGAGTGATTGTT | 258 bp | 62ºC |
15 | ACTCACACCCACTTTCTGACTGCTC | GAATTCAGGTGGTAAGGCCAAAGAG | 247 bp | 62ºC |
16 | ATAACTGTACTCAGAGCTGAGCCTA | TCCATCCCACTGAGTCTGTAAACCT | 578 bp | 62ºC |
17 | GCAAATGCCAGCAAGGATGTAAAG | AGAGAAGGGAGATGGGAAGTAA | 359 bp | 58ºC |
18 | CATCTCTGTGACTTCTCGAATTCT | CACTGTGGTGGTAGGTAGGGAGAT | 300 bp | 60ºC |
19 | ACAAAGCCAGGATCAGAACCCAGA | GTCCAGAGTCACCCATGCTCTGCA | 323 bp | 62ºC |
20 | TGGGTATGAGGGTGCACCAGAGCT | GCATCAGAGGAGTCAATGGAAAAG | 330 bp | 62ºC |
21 | TAGGCTGTTACCCTTCCTAAGGTA | GCCTCTGACCCTGTGACTGCAGTG | 374 bp | 62ºC |
22 | GGACCTCAGGTAGGAAGGAGGCAG | TGTGCAGGGAGGTGCAGGGTTGTG | 390 bp | 62ºC |
23 | TCCTATTTGAGTGATGTGCCTCTC | ATGGTCTGAGAGTCCTGATGAGAC | 390 bp | 62ºC |
24 | AGATGGCACCAAGCTGGTGACCTT | TCTGGGCACAGATAGACATGGCAT | 290 bp | 62ºC |
25 | GGCAATCTCACAGTCCCCTAATAA | TTTTTGCCAGGGAGGACCATCTAA | 508 bp | 60ºC |
26 | ACTCTTTACCTGTATCATTACCAT | GCCTCCATGGACACATAATCAGTT | 306 bp | 60ºC |
27a* | AGCCGAGAGCCTTTTAGAGCCG | GTCCCGCCGCATCTTCTGGA | 274 bp | 64ºC |
27b* | TCCAGAAGATGCGGCGGGAC | AGGGGAGGTGGGAGGAGGAAGT | 266 bp | 64ºC |
28 | TCCCACTTCCCTTCCTCTGCCT | CAGCACTCCTCTCTATCCCCACCT | 438 bp | 56ºC |
29 | GGTGGGGATAGAGAGGAGTGCTGA | TGTGGCAGGGTTTGGGCTGT | 315 bp | 64ºC |
30 | GAGAAGGGCAAGGGTGGGGT | CCTGAGAGGAGAAGGAGGTGGG | 422 bp | 58ºC |
31 | TTGTCCCCATCCACACCCTCCA | GCTCCGACTGCGACTCCTCATACT | 469 bp | 56ºC |
32 | GCTGAAGAGTGAGCCTTGTCCC | TCCGCTGGAACCCAACTGCT | 396 bp | 56ºC |
33 | AGTATGAGGAGTCGCAGTCGGA | GGGGATGAGAACAGGGAGCCAA | 500 bp | 60ºC |
34 | CTGCCCTGTGCCCTGACTGT | CCAGCCTCGGTTCCCTTCACT | 500 bp | 64ºC |
35 | GTGAAGGGAACCGAGGCTGGC | GTTGGGCAGAGCAGGAAAAGCA | 364 bp | 62ºC |
36 | TCCGTGCCAACGACGACCTGAA | GTCCTCACACACTTGCTGCCCA | 497 bp | 60ºC |
37 | TGGGCAGCAAGTGTGTGAGGA | GGTTGTCACTGTGGCTATGGTGC | 391 bp | 62ºC |
38 / 39 | ACCTTCTATGACTGTGCCATCTTCAC | GTTTGAGGGTGCTCTGTCTGG | 464 bp | 62ºC |
40 | ATGCCCTGTCCCTGCCCAATAC | TTTCCACCTCCCCTATGCCAGACC | 268 bp | 60ºC |
(*)Necessário mais de um par de primers para cobrir o exon;
(†)Tamanho do fragmento amplificado;
(‡)Temperatura de anelamento.
Exon | Forward Primer 5'-3' | Reverse Primer 5'-3' | Amplicon* | A.T.† |
---|---|---|---|---|
2 | GACCTCAGCTCTCTGGAATTCATC | GCTCAGAGGCCACGTCCTCGTCAA | 311 bp | 62ºC |
3 | GTGCACGCTCCAACCAG | CAGCAAAGGCAAGAAAGTGTG | 429 bp | 65ºC |
4 | CTGGGACGGGGAGGAGAATGTG | GCTTTTGAGACCTGCCCTGGAC | 385 bp | 62ºC |
5 | GGGCACCTGCGGTCCCAGCTAACT | ACGCGGGCTGAGAAGGTGATG | 378 bp | 62ºC |
6 | CTACCCCTGGAGCCCCCGATGACC | TGCCTCCCAGATTCCCCACACC | 449 bp | 62ºC |
7 | CTGGAGCTCCTGGTCTTATGTGAT | GGAGCCGTGACACCAAGATGATAA | 528 bp | 62ºC |
8 | GCTTCTCAAACGGCCCCCTCTG | AGCTCCGCCCCGCAAATCATCC | 213 bp | 62ºC |
9 | GGGCTGGGGATGATTTG | GGAGGGAGAAAGGGACACTA | 226 bp | 63ºC |
10 | AATCTGGCTAGTGTCCCTTTCTCC | AGCCCTTTAACTCCTTCCACACTG | 322 bp | 62ºC |
11 | TCGGCCCAACTGACTTA | CCCATGGGCCTTTACTT | 389 bp | 58ºC |
12 | CGGCTCCCCACGGACAG | CCCAGGCCAGGCAGGACT | 405 bp | 67ºC |
13 | TCCCCAGCCCCTCTTCA | GCCGGACTCCGCTCTTT | 515 bp | 62ºC |
14 | GGCGGCACAGAGGGGATTG | ACCGGCAGGAGCAAAAGGATG | 402 bp | 62ºC |
15 | ATCCGGCTGACCGTGGAACT | CAGTGCGCCCCGTGATAATC | 375 bp | 65ºC |
16 | AACACTTCAACGGCCCCTTCTG | GCCCCCTCCTCCGATACTTCACAC | 451 bp | 62ºC |
17 | CGGACGACGCAGCCTACCAGT | GTCAGCTCCACCCCGTCCTTCA | 366 bp | 62ºC |
18 | GGAGGAGGGGGCGCAAGTCAAAT | GTCAAAGGCCCAAGGTCACAGAGG | 400 bp | 62ºC |
19 | ACAGGCACACGTGTTTTCAC | CAGTCTCCACCTGTCCCATC | 345 bp | 61ºC |
20 | AGAATACCAACAAGCCAGGACAAG | GCGGGAAAGTGAGCAGAACC | 402 bp | 62ºC |
21 | TGCCTTTGCCCCCGTGCTACTTG | GCCCCAGGACCCCCACTTTTGAT | 187 bp | 62ºC |
22 | TCCTCCTGGCTCTCCCGTTTCTCT | GCGCCCCTCTGCTGCTTCTTC | 379 bp | 62ºC |
23 | GCTCCTCTGCTCCCTACTTCC | ATGGCCATCAGCACACTTCAC | 310 bp | 62ºC |
24 | TCGGTGCCACAGAGATGATTTTGA | GGCTGCCCCTCTGTGTTCTCCA | 367 bp | 62ºC |
25 | CCTGTGGCGGTTAGTTGG | CACCGGTAGCTCTTCTTCTTCTTG | 350 bp | 62ºC |
26 | CCGAGGGAAGGTGGTGTGG | TCTGTAAAATGCGGCTGAGTATCC | 404 bp | 62ºC |
27 | GGAAGTGCCCCCTATGT | TCGCACTGCTCAAAGAAG | 457 bp | 62ºC |
28 | TCAGAGGAGTGGGCAGTGGGAGTG | CTGGGGTGTCAATGGCGGGTCTT | 292 bp | 62ºC |
29 | GCCTGGAGTTGCTGTGTTAG | GGCTGCCCCTCTTTGGTC | 467 bp | 62ºC |
30 | GCGGCCGGCCCTTGGAGT | TGGAAAATGTGAGCTGTGGGTTGG | 356 bp | 62ºC |
31 | GCATTCAGGCACTTACCAGGTGACG | CACGGTGAGGACAGTGAAGGGTAGC | 527 bp | 60ºC |
32 | GGCCGCAGCTACCCTTCAC | GGCCCCTCTCCCTGTTCC | 392 bp | 65ºC |
33 | GGCCTCTCGGTACCAAGTCCTGTC | CAACGTCGGGGCCTGTGAGC | 232 bp | 65ºC |
34 | GCAGGGCCATGGTACTCACTCTTG | CCGCCCGCTCTTCCCATCTC | 404 bp | 62ºC |
35 | CACAGTGACATGGCCTCCTCTTCT | GCCCCTACAGCCTCCCATTTACT | 159 bp | 62ºC |
(*)Tamanho do fragmento amplificado;
(†)Temperatura de anelamento.
Exon | Forward Primer 5'-3' | Reverse Primer 5'-3' | Amplicon* | A.T.† |
---|---|---|---|---|
2 | ACAGCTCATGAGGGGTGGAACTA | GTGCTCTGCCTGGGATCTACAACC | 376 bp | 65ºC |
3 / 4 | ATGAGAACGGCAGGCCAGGCTAGTG | GTTTGCCTCAAGACCCGAGCAACC | 506 bp | 65ºC |
5 | GTGGCGGGAGGTAGCCGACAGT | TGGGCAATCAATGGTTGAATCTTA | 403 bp | 65º C |
6 | TTGACCCAGCGCTTCTCTTGTGTC | ACTGGGTGCCACCAATGCAACTTC | 449 bp | 65º C |
7 | CCAGTGCCGGGAGGGACTCAC | CAGCCCGTGTCCACTGCACCATAC | 262 bp | 65º C |
8 | GGATCAGGGGCCCTGCCTGTCCTGACA | TCCTCCTCCTCTTTCTTCCTGTTCT | 538 bp | 62º C |
9 | GCCAGGCCCTGCCAGAGGTCTT | CCCTGGGGGAGGCCTGAAACAG | 494 bp | 70º C |
10 | ACGTCCGTGGAGCTGGTTGAAAGT | CCCGGCCAATATTGTCTCTTGACT | 373 bp | 62º C |
11 | TGGGAGCTACCCTCTCAGAA | CACAGCAGCTGGGAATCTCT | 369 bp | 60º C |
12 | GTAAACCCGGCTGACTACAG | AGCCAGCCCAATCTCTTCAC | 258 bp | 62º C |
13 | CAGGGGGTTTGGGGAGGGTTAG | GTGGGGCACCTGCTCAGTTCTCT | 402 bp | 60º C |
14 | GGAGGGCCCTTTCTTACTGGAC | CCGGACCCAGTGAACCAGGAGGAG | 207 bp | 68º C |
15 | GCCCCTCCTGACCCTTAACTATCC | CGGAGGAGCCAGAGAAGGAAACCT | 353 bp | 62º C |
16 | GGGGGTGAAATGTGGGGCGGAGAA | GTGTGGGGGCAGGCAGGAGTGGTG | 383 bp | 62º C |
(*)Tamanho do fragmento amplificado;
(†)Temperatura de anelamento.
Os efeitos de mutações missense foram previstos utilizando-se as ferramentas PolyPhen-2 (http://genetics.bwh.harvard.edu/pph2/), SIFT/PROVEAN (http://SIFT.jcvi.org/) e PredictProtein (http:/predictprotein.org/home). A5YM48 e Q14896 foram utilizados como sequências de referência para MYBPC3 (UniProtKB).
Um paciente de dezessete anos de idade apresentando manifestação clínica de CMH e histórico de síncope foi submetido ao implante de cardioversor-desfibrilador para prevenção primária de síncope. O diagnóstico foi baseado no ETT e mostrou hipertrofia septal assimétrica de curva reversa, de 39 mm de espessura, com função sistólica do VE preservada e fração de ejeção normal do VE (Figura 1). Além disso, também apresentou disfunção diastólica tipo II, gradiente máximo VE/Aorta de 25 mmHg, movimento sistólico anterior da valva mitral, obstrução do trato de saída do VE e aumento do átrio esquerdo (46 mm). O ECG mostrou uma sobrecarga no VE e AE e o Holter de 24h não documentou a presença de taquicardia ventricular. O risco de MSC foi considerado elevado, 7,69%. A análise genética identificou uma variante missense em heterozigose composta, c.1624G>C (p.E542Q) e c.1828G>C (p.D610H) em MYBPC3 (Figura 2). A variante p.E542Q (rs121909374) já foi associada com CMH no ClinVar e no banco de dados Human Gene Mutation Database (HGMD). A análise in silico realizada com PolyPhen-2 prevê essa variante como possivelmente prejudicial, enquanto o SIFT/PROVEAN e PredictProtein classificam essa mutação como tolerável. Por outro lado, a variante p.D610H (rs371564200) é classificada como uma variante de significado incerto (VSI), embora as ferramentas de previsão de patogenicidade classifiquem a p.D610H como provavelmente prejudicial/nociva. Ambas as variantes afetam os resíduos conservados na cadeia polipeptídica (Figura 2).
O probando é o único membro que manifesta um fenótipo de CMH em sua família. Seu pai foi adotado, de modo que só os ascendentes maternos são conhecidos. O heredograma construído revelou 30 parentes, ao longo de cinco gerações, nos quais ocorreu apenas uma morte inexplicável de uma mulher de 30 anos sem diagnóstico de CMH (Figura 2).14
A genotipagem dos familiares maternos - avó (59 anos), tia (29 anos), tio (35anos) e mãe (39 anos) - detectou a variante p.D610H. Todos os membros da família eram assintomáticos, com ETT e ECG normais, sem evidência de HV. Por outro lado, o alelo p.E542Q foi detectado no pai (40 anos) e em um irmão por parte de pai (8 anos), ambos com resultados normais na avaliação clínica (Tabela 4). A RMC foi realizada na mãe, tia e pai, e resultou em achados normais, especificamente a espessura normal de parede do VE e sem sinais de fibrose (Figura 1).
Epidemiologia | ECG | TTE | |||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
ID | Idade (A) | Sexo | CMH | Variante | SAE | SVE | Onda T AN | HVE + | HVE tipo | Forma | Max EPVE (mm) | GSVE mmHg | DSVE | DDVE | MAS | Tamanho AE (mm) | |
III.8 | 59 | F | Não | D610H | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 10 | Não | Não | Não | Não | 28 |
IV.2 | 40 | M | Não | E542Q | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 9 | Não | Não | Não | Não | 35 |
IV.3 | 39 | F | Não | D610H | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 9 | Não | Não | Não | Não | 37 |
IV.6 | 29 | F | Não | D610H | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 8 | Não | Não | Não | Não | 32 |
IV.7 | 35 | M | Não | D610H | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 8 | Não | Não | Não | Não | 36 |
V.1 | 8 | M | Não | E542Q | Não | Não | Não | Não | Não | - | - | 7 | Não | Não | Não | Não | 37 |
V.2 | 17 | M | Sim | D610H E542Q |
Sim | Sim | Sim | Sim | Septal | Curva reversa | 39 | 25 | Não | Tipo I | Não | 46 |
A numeração de identificação (ID) dos indivíduos segue o padrão adotado nos quadros de Pedigree (Figura 2); ECG: eletrocardiograma; ETT: ecocardiograma transtorácico; (A) - anos; CMH: cardiomiopatia hipertrófica; SAE: sobrecarga atrial esquerda; SVE: sobrecarga ventricular esquerda; onda T NA: onda T anormal; HVE+ : hipertrofia ventricular esquerda mostrada por eco; Tipo HVE: tipo de hipertrofia ventricular esquerda; Max EPVE: máxima espessura da parede ventricular esquerda; GSVE: gradiente de saída do ventrículo esquerdo; DSVE: diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo; DDVE: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; MAS: movimento anterior sistólico; Tamanho AE: tamanho do átrio esquerdo.
O presente estudo relata o caso de um jovem com CMH grave, portador de uma variante trans em heterozigose composta no gene MYBPC3, com um alelo - p.D610H - herdado da mãe e outro - p.E542Q - herdado do pai.
Indivíduos com apenas uma única variante não apresentaram qualquer fenótipo de CMH. A variante p.E542Q, encontrada nos familiares paternos, está associada à CMH, com prognóstico bom e hipertrofia moderada na parede ventricular, embora poucos estudos citando essa mutação estejam disponíveis.10,15-17 A previsão de patogenicidade do p.E542Q está de acordo com os dados da literatura.18-21
Além disso, a variante p.D610H, identificada nos familiares maternos, também não manifestou qualquer fenótipo de CMH, mesmo no membro mais velho da família investigado (59 anos). A associação entre p.D610H e CMH permanece incerta, apesar do fato de que as ferramentas de previsão de patogenicidade a tenham classificado como provavelmente patogênica. Apenas um único estudo na literatura identificou essa mutação, embora não a tivesse correlacionado com a doença.22
Em geral, uma única mutação heterozigótica para CMH é suficiente para afetar a função miocárdica e levar à hipertrofia, porém os estudos iniciais associaram variantes no gene MYBPC3 com penetrância incompleta, HV leve, baixo risco de MSC e evolução clínica benigna.23-25
Em conclusão, sugere-se que, individualmente, as variantes p.E542Q e p.D610H resultam em leves alterações na estrutura/função da proteína, insuficientes para causar um fenótipo forte. Contudo, a expressão destas variantes em trans pode ser responsável pelo início precoce da doença, um fenótipo clínico mais grave e um risco aumentado de eventos malignos no probando. Em outras palavras, as variantes duplas e compostas por si só não são decisivas para um prognóstico pior da CMH, mas a composição alélica destas variantes pode ser determinante para este desfecho.