versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.37 no.4 São Paulo out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150070
Infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma doença frequente, associada a grande morbimortalidade e alto custo do tratamento.1 Nas últimas décadas, observou-se uma redução significativa na mortalidade dos pacientes com quadro de IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMSST), decorrente de vários fatores, principalmente da precocidade do diagnóstico e tratamento, dos avanços em relação ao manejo de complicações, tais como isquemia recorrente e insuficiência cardíaca, e da maior disponibilidade de terapias de reperfusão farmacológicas e mecânicas.2,3 Apesar disso, o IAM ainda representa a principal causa de morte nos países desenvolvidos.1
A intervenção coronariana percutânea primária (ICPP) é uma estratégia segura e eficaz no tratamento do IAMSST capaz de reduzir significantemente a mortalidade em comparação ao tratamento por trombólise.3,4 Entretanto, os meios de contrastes utilizados durante a ICPP podem acarretar, além de processos alérgicos, a deterioração aguda da função renal.5 A incidência de nefropatia induzida por contraste (NIC) varia amplamente na dependência de fatores relacionados à amostra, como idade, presença de diabetes, função renal prévia à infusão do contraste, tipo e volume utilizado do contraste. Por esta razão, torna-se necessário um conjunto de evidências geradas em múltiplos cenários de assistência para o melhor entendimento da NIC. O presente estudo corresponde a essa necessidade.
A NIC após ICPP é uma complicação que afeta negativamente morbidade e mortalidade tanto durante hospitalização como no longo prazo.6 A principal medida de prevenção da NIC continua sendo a hidratação com salina previamente ao uso do contraste e, de preferência, por um período de horas, medida essa impossível de ser executada em casos de emergência como o IAM. A dificuldade de profilaxia, somada à gravidade clínica do IAM, faz com a NIC seja bastante prevalente e tema de bastante interesse em pacientes submetidos à angioplastia primária no IAM. O estudo teve por objetivo determinar a incidência e possíveis fatores associados à NIC em pacientes com IAM submetidos à terapia de reperfusão com angioplastia primária nas primeiras 12 horas após início dos sintomas.
Foram estudados os casos consecutivos de IAMSST com menos de 12 horas de evolução e tratados com ICPP atendidos no Hospital do Coração da Santa Casa de Misericórdia de Sobral entre março de 2013 a junho de 2014. O hospital é referência em atendimento cardiológico para toda região noroeste do estado do Ceará, constituída por 47 municípios e com população estimada em 1.300.000 habitantes. Os critérios de exclusão foram idade inferior a 18 anos, exposição a meios de contraste nos 30 dias anteriores à inclusão no estudo, óbito antes das 48 horas que se seguiram à administração do contraste, doença renal crônica (dado acessado em registros e relatórios médicos do paciente ou exame mostrando taxa de filtração glomerular < 60 mL/min/1,73m2 por mais de três meses), IAM em enxertos de ponte de veia safena, vaso “culpado” pelo IAM com diâmetro < 2,5 mm, lesões da coronária com extensão > 64 mm, necessidade de cirurgia de revascularização do miocárdio de urgência e uso prévio de trombolítico. Os pacientes da amostra foram avaliados prospectivamente e se caracterizaram por casos de IAMSST submetidos à ICPP com dor precordial persistente por mais de 30 minutos e associada à elevação do segmento ST de pelo menos 0,1 mV em duas ou mais derivações eletrocardiográficas contíguas com admissão até 12 horas após início dos sintomas e pacientes com dor precordial por mais de 30 minutos e/ou novo bloqueio do ramo esquerdo. Todos os pacientes que participaram da pesquisa assinaram o termo de consentimento esclarecido e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará (sob protocolo 143.737).
Em todos os pacientes, a ICPP foi realizada de acordo com o seguinte protocolo: canulação da artéria femoral ou da artéria radial; após canulação, uso de heparina não fracionada intravenosa (100 UI/kg); introdução de cateter-guia 6F até o óstio da artéria coronária; e injeção de meio de contraste iônico de baixa osmolaridade ioxaglato 320 mgI/ml (Hexabrix®). O fluxo coronário da artéria relacionada ao infarto antes e depois da ICCP foi graduado visualmente de acordo com a classificação do fluxo TIMI.7 Por essa classificação consideram-se quatro tipos de graus: grau 0 - se não há fluxo anterógrado além do ponto de oclusão; grau 1 - o meio de contraste atinge local a montante da obstrução, porém sem opacificação do leito coronariano distal; grau 2 - passagem do contraste pela obstrução com opacificação do leito distal, porém de forma lenta; grau 3 - completa perfusão coronária com fluxo anterógrado no leito distal, ocorrendo prontamente tal como no leito coronariano proximal.
Todos os pacientes foram tratados com stents coronários e com drogas habitualmente utilizadas na ICPP, como ácido acetilsalicílico, clopidogrel ou ticagrelor. O uso ou não de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e de aspirador manual ficaram a critério do cardiologista intervencionista que realizou o procedimento.
A NIC foi o desfecho principal do estudo, sendo definida como uma elevação absoluta da creatinina sérica de pelo menos 0,5 mg/dL ou um aumento relativo da creatinina sérica de 25% em relação ao valor de base (= creatinina sérica na admissão), ou a combinação de ambos, no período de 48 horas a 72 horas após a administração do contraste.8
Os seguintes dados foram coletados: idade, gênero, índice de massa corporal (kg/m2), superfície corpórea (m2), presença de comorbidades (hipertensão, diabetes e dislipidemia), tabagismo, medicações em uso (especificamente: estatinas, inibidores da enzima conversora, diuréticos, beta-bloqueadores, hipoglicemiantes orais e insulina), história familiar de doença arterial coronária, ocorrência prévia de acidente vascular cerebral (AVC), IAM, cateterismo coronariano e revascularização coronariana do tipo cirúrgica, pressões arteriais média, sistólica e diastólica antes do uso do contraste, volume utilizado do contraste, valores diários da hemoglobina e valores da creatinina sérica na admissão, 48 horas e 72 horas após a infusão do contraste. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi calculada pelo delineamento da ventriculografia esquerda, em diástole e sístole, na projeção oblíqua anterior direita. Os dados coletados referentes à ICPP foram: tempo médio de isquemia (= intervalo em minutos entre o início dos sintomas e a primeira insuflação do balão), tempo dor-porta (= intervalo em minutos entre o início dos sintomas e o primeiro atendimento hospitalar) e tempo porta-balão (= intervalo em minutos entre o primeiro atendimento hospitalar e a primeira insuflação do balão). A classificação Killip foi utilizada para estadiamento do grau de insuficiência cardíaca.9
O sucesso da ICPP foi definido como sucesso angiográfico na ausência de complicações maiores, tais como óbito, IAM e/ou necessidade de nova revascularização urgente. As complicações hemorrágicas foram definidas conforme os critérios do Thrombolysis in Myocardial Infarction10 como: mínimo (qualquer sinal clínico de hemorragia associado à queda da hemoglobina < 3 g/dL), menor (qualquer sinal clínico de hemorragia associado à queda da hemoglobina de 3 g/dL a 5 g/dL) e maior (hemorragia intracraniana, sinal de hemorragia clinicamente significante associada à queda da hemoglobina > 5 g/dL ou sangramento fatal). Foram ainda considerados os seguintes eventos adversos: morte cardíaca, reinfarto e AVC. Reinfarto foi diagnosticado pelo surgimento de nova onda Q em duas ou mais derivações contíguas ou elevação da creatina quinase fração MB maior que três vezes o limite superior da normalidade. O AVC foi definido como perda da função neurológica com duração superior a 24 horas ou pela presença de nova área de infarto cerebral por técnicas de imagem, independentemente da duração dos sintomas.
Os valores das variáveis contínuas foram apresentados como média ± desvio padrão. Variáveis categóricas foram apresentadas como valores absolutos e percentagem. Diferenças de proporções foram avaliadas pelos testes do qui-quadrado e exato de Fisher, quando indicado. Normalidade da distribuição das variáveis contínuas foi calculada pelo teste de Shapiro-Wilk. Os testes t de Student (para distribuição com normalidade) e de Mann-Whitney (para distribuição sem normalidade) foram utilizados para a comparação das variáveis contínuas. As variáveis que diferiram entre os pacientes com e sem NIC foram analisadas por regressão logística pelo método stepwise backward com utilização da estatística de Wald quanto a possível associação com a ocorrência de NIC. Odds ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%) foram apresentados para quantificar os efeitos.
A amostra foi formada por 201 pacientes. Quatro pacientes apresentaram óbito antes das 48 horas após admissão hospitalar e, por isso, não fizeram parte da amostra. Nenhum paciente foi submetido à terapia dialítica, pelo menos no período de 72 horas após admissão hospitalar. Havia 135 (67,2%) homens e 66 (32,8%) mulheres, com idade média de 66,6 ± 11,7 anos. As principais artérias relacionadas ao IAM foram a coronária descendente anterior (45,8%) e a coronária direita (38,8%), seguidas da artéria circunflexa (13,9%) e do tronco da coronária esquerda (1,5%). O volume médio de contraste utilizado na ICPP foi de 137,3 ± 7,5 ml. A incidência de NIC foi de 23,8%.
Não houve diferença entre os valores da creatinina sérica de base na admissão entre os pacientes com e sem NIC, respectivamente, 0,9 ± 0,1 mg/dL versus 1,0 ± 0,1 mg/dL (p = 0,547). Como esperado, os valores da creatinina sérica após 48 e 72 horas foram mais elevados entre os pacientes que desenvolveram NIC, respectivamente, 1,3 ± 0,9 mg/dL versus 1,0 ± 0,1 mg/dL (p < 0,001) e 1,4 ± 1,1 mg/dL versus 1,0 ± 0,1 (p < 0,001).
Na comparação entre os pacientes com e sem NIC, os pacientes com NIC eram mais idosos (69,6 ± 11,4 versus 65,7 ± 11,6 anos; p = 0,040), apresentavam maior frequência de fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 40% (16,7% versus 4,6%; p = 0,010) e maior ocorrência da classificação Killip ≥ 2 (18,7% versus 7,1%; p = 0,019). As demais comparações de variáveis demográficas, clínicas e referentes às características do procedimento angiográfico entre pacientes com e sem NIC não diferiram e são apresentadas nas Tabelas 1 e 2. Frequência de óbitos, de sucesso clínico da ICPP e de eventos adversos não diferiram entre os pacientes com e sem NIC (Tabela 3).
Tabela 1 Comparação entre pacientes com e sem nefropatia induzida por contraste (NIC)
Variáveis | Sem NIC | Com NIC | P |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 65,7 ± 11,6 | 69,6 ± 11,4 | 0,040 |
Homens | 74 (54,8) | 61 (45,2) | 0,135 |
Índice de Massa Corporal (kg/m2) | 26,8 ± 3,4 | 26,4 ± 2,8 | 0,498 |
Superfície Corpórea (m2) | 1,7 ± 0,1 | 1,7 ± 0,1 | 0,496 |
Fatores de risco para doença coronária | |||
Hipertensão Arterial Sistêmica | 54 (35,2) | 20 (41,6) | 0,424 |
Dislipidemia | 59 (38,5) | 16 (33,3) | 0,513 |
Diabetes | 22 (14,3) | 10 (20,8) | 0,286 |
Tabagismo | 79 (51,6) | 18 (375) | 0,087 |
História familiar de doença coronária | 21 (13,7) | 4 (8,3) | 0,453 |
História de acidente vascular cerebral | 6 (3,9) | 1 (2,0) | 0,470 |
Infarto do miocárdio prévio | 7 (4,5) | 1 (2,0) | 0,391 |
Intervenção coronária prévia | 5 (3,2) | 1 (2,0) | 1,000 |
Revascularização cirúrgica prévia | 11 (7,1) | 2 (4,1) | 0,360 |
Creatinina basal (mg/dL) | 1,0 ± 0,1 | 0,9 ± 0,1 | 0,547 |
Creatinina após 48 horas (mg/dL) | 1,0 ± 0,1 | 1,3 ± 0,9 | < 0,001 |
Creatinina após 72 horas (mg/dL) | 1,0 ± 0,1 | 1,4 ± 1,1 | < 0,001 |
Tempo médio de isquemia (min)* | 378,4 ± 192,2 | 348,1 ± 149,7 | 0,449 |
Tempo dor-porta (min)** | 311,2 ± 154,6 | 297,8 ± 150,5 | 0,597 |
Tempo porta-balão (min)*** | 76,2 ± 142,3 | 50,3 ± 18,8 | 0,136 |
Tempo porta-balão > 90 min | 10 (6,5) | 3 (6,3) | 0,622 |
Ejeção do ventrículo esquerdo < 40% | 7 (4,6) | 8 (16,7) | 0,010 |
Killip ≥ 2 | 11 (7,1) | 9 (18,7) | 0,019 |
Medicação em uso | |||
Estatina | 18 (11,7) | 7 (14,5) | 0,605 |
Inibidor da enzima conversora da angiotensina | 51 (33,3) | 17 (35,4) | 0,790 |
Diuréticos | 4 (2,6) | 2 (4,2) | 0,440 |
Beta-bloqueadores | 2 (1,3) | 1 (2,1) | 0,561 |
Hipoglicemiante oral | 17 (11,1) | 8 (16,7) | 0,308 |
Insulina | 6 (3,9) | 2 (4,2) | 0,608 |
Resultados em média ± desvio-padrão e percentagens entre parênteses.
*Intervalo entre o início dos sintomas e a primeira insuflação do balão
**Intervalo entre o início dos sintomas e o primeiro atendimento hospitalar
***Intervalo entre o primeiro atendimento hospitalar e a primeira insuflação do balão.
Tabela 2 Comparação dos fatores relacionados à angioplastia entre os pacientes com e sem nefropatia induzida por contraste (NIC)
Variáveis | Sem NIC | Com NIC | p |
---|---|---|---|
Artéria relacionada ao infarto | |||
Tronco da coronária esquerda | 3 (2,0) | 0 (0) | 0,438 |
Descendente anterior | 69 (45,1) | 23 (47,9) | 0,732 |
Circunflexa | 20 (13,1) | 8 (16,7%) | 0,530 |
Coronária direita | 61 (39,9) | 17 (35,4%) | 0,580 |
Volume de contraste (ml) | 137,2 ± 7,8 | 137,1 ± 7,3 | 0,956 |
PAM ao iniciar angioplastia (mmHg) | 94,6 ± 17,6 | 91,2 ± 14,3 | 0,227 |
PAS ao iniciar angioplastia (mmHg) | 130,8 ± 25,3 | 125,0 ± 21,9 | 0,151 |
PAD ao iniciar angioplastia (mmHg) | 76,5 ± 15,7 | 74,3 ± 11,6 | 0,373 |
Inibidor da glicoproteína IIb/IIIa | 8 (5,2) | 3 (6,3) | 0,512 |
Resultados em média ± desvio-padrão e percentagens entre parênteses. PAM, Pressão arterial média; PAS, Pressão arterial sistólica; PAD, Pressão arterial diastólica.
Tabela 3 Comparação das frequências de sucesso clínico da angioplastia, eventos adversos e óbito entre pacientes com e sem nefropatia induzida por contraste (NIC)
Variáveis | Sem NIC | Com NIC | p |
---|---|---|---|
Sucesso clínico da angioplastia | 136 (88,8) | 44 (91,6) | 0,583 |
Reinfarto | 8 (5,2) | 0 | 0,107 |
Acidente vascular cerebral | 3 (2,0) | 0 | 0,438 |
Sangramento maior | 6 (3,9) | 1 (2,0) | 0,470 |
Óbito | 13 (8,5) | 4 (8,3) | 0,614 |
Percentagem entre parênteses.
Na análise multivariada, considerando as variáveis que diferiram entre os pacientes com e sem NIC, não foram encontradas variáveis preditoras independentes de risco para o desenvolvimento da NIC (Tabela 4).
Tabela 4 Regressão logística para ocorrência de nefropatia induzida por contraste
Variáveis | Análise Univariada | Análise multivariada | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
OR | IC 95% | p | OR | IC 95% | p | |
Idade | 1,03 | 1,00-1,06 | 0,047 | 1,02 | 0,98-1,05 | 0,211 |
FE ≤ 40% | 4,17 | 1,42-12,19 | 0,009 | 3,09 | 0,63-15,07 | 0,162 |
Killip ≥ 2 | 2,29 | 1,08-4,89 | 0,031 | 1,22 | 0,39-3,77 | 0,728 |
FE: Fração de ejeção do ventrículo esquerdo.
Nosso estudo mostrou a incidência de NIC em ¼ dos pacientes que foram submetidos à coronariografia em decorrência de IAM. A incidência de NIC após coronariografia tem grande variação na dependência de variáveis demográficas e clínicas da amostra, como também das características do procedimento angiográfico. Após cateterismo cardíaco, a incidência de NIC pode ser tão baixa quanto 6% em pacientes submetidos a cateterismo eletivo (diagnóstico);11 aproxima-se de 16% em amostras englobando tanto casos de cateterismo eletivo como de urgência;12 e chega a 25% em amostras como a nossa de casos de cateterismo de urgência.13
Em nossa casuística não foi possível identificar as variáveis que tradicionalmente aumentam o risco de aparecimento da NIC. As variáveis que diferiram na comparação dos pacientes com e sem NIC não se mostraram preditoras independentes na análise multivariada. Foram elas: idade mais elevada, fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 40% e classificação Killip ≥ 2. Em escores tradicionais de risco para NIC, como os de Mehran14 e de Bartholomew,15 essas três variáveis geram pontos em suas respectivas escalas de previsão de risco categorizadas como “idade > 75 anos” e “grau de insuficiência cardíaca” (no nosso estudo o grau de insuficiência cardíaca sendo estimado pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo e classificação Killip).
Apesar da alta incidência de NIC, como ocorre nesse tipo de amostra (cateterismo urgente por IAM), podemos identificar características “protetoras” da amostra para a ocorrência de NIC, tais como: idade média bem abaixo de 75 anos; baixo volume infundido de contraste (em nosso estudo a média de volume infundido foi de 137,3 ml, bem abaixo dos cut offs de risco na literatura: para alguns > 200 ml16 e para outros > 300 ml12); média baixa de creatinina sérica na admissão com apenas quatro pacientes com creatinina sérica maior do que 2 mg/dL, o que impediu comparações de valor estatístico entre pacientes com creatinina menor e igual versus maior do que 2 mg/dL (limite de creatinina que costuma ser utilizado como de risco para NIC); poucos pacientes com ICPP prévia; tempo médio de isquemia inferior a 6 horas. ICPP prévia e tempo de isquemia superior a seis horas foram fatores de risco em estudos anteriores.12,13
Porém, mesmo com as características “protetoras” da amostra, a incidência de NIC se mostrou bastante alta, indicando a necessidade de medidas preventivas. O primeiro ponto é considerar todo paciente com IAM submetido à ICPP como de alto risco para NIC. A medida preventiva mais eficiente, que é a hidratação prévia ao uso do contraste, constitui medida difícil de ser conduzida devido o caráter emergencial do IAM. Assim, drogas que pudessem ser utilizadas imediatamente antes da infusão do contraste seriam a medida ideal de prevenção. Em relação à N-acetilcisteína, apesar de ser estudada há bastante tempo, os dados são conflitantes quanto ao seu poder de prevenção da NIC pós-coronariografia.17 Pentoxifilina não se mostrou protetora para ocorrência de NIC em amostras de baixo risco (coronariografia eletiva),18,19 faltando ainda dados em pacientes submetidos à coronariografia de urgência. Em metanálise recente, fenoldopam intravenoso não foi superior à salina ou N-acetilcisteína.20 Rosuvastatina e atorvastatina são drogas promissoras que se mostraram eficientes em prevenir NIC em metanálise baseada em estudos clínicos randomizados.21
Em nosso estudo, a presença de NIC não se associou nem à mortalidade nem a adventos adversos no curto prazo (72 horas). Sabe-se, no entanto, que a NIC aumenta em 14,4% a taxa de óbito no período de 30 dias e em 17,4% após período de três anos.17
Em nossa opinião, a importância do estudo é preencher a lacuna de informações acerca da NIC pós-coronariografia urgente do IAM nos serviços de cardiologia do Brasil. Na espera de estudos multicêntricos, torna-se essencial o relato de casuísticas de vários serviços que possam demonstrar incidência e fatores associados à NIC, como um primeiro passo rumo à organização de um corpo de evidências que possibilite a proposta de estratégias de prevenção da incidência alarmante de ¼ de NIC pós ICPP no IAM.
Primeiro, a falta de fatores tradicionalmente associados e preditores da NIC em nosso estudo pode se dever ao tamanho pequeno da amostra. Segundo, o seguimento curto impossibilitou o achado de desfechos adversos, seja óbito ou complicações, no médio e longo prazo. Terceiro, houve exclusão de pacientes submetidos recentemente a qualquer espécie de meios de contraste. Uso prévio de contraste é um risco reconhecido para NIC. Sendo assim, a inclusão desses pacientes poderia ter sido interessante, haja vista que atualmente esse grupo de pacientes submetidos a repetidos exames contrastados corresponde a uma parcela considerável. Quarto, as limitações da creatinina no contexto da lesão renal aguda. Atualmente, estudos com utilização de biomarcadores apontam para o papel do NGAL tanto na detecção de risco (pela dosagem prévia ao uso do contraste) como no diagnóstico precoce (pela dosagem um dia após o uso do contraste) da NIC. Apesar das limitações, nosso estudo confirma a alta incidência de NIC em pacientes com IAM submetidos à ICPP e ressalta a necessidade de estudos clínicos randomizados acerca de medidas profiláticas em situações de angiografias com caráter de urgência.
A NIC acomete ¼ dos pacientes com IAM submetidos à ICPP, sem variável que possa prever sua ocorrência e sem associação com óbito e/ou adventos adversos no curto prazo. A alta incidência aponta para a necessidade de estudos sobre medidas preventivas de NIC após uso de contraste em angiografias de urgência.