versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
J. Bras. Nefrol. vol.40 no.3 São Paulo jul./set. 2018 Epub 21-Set-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-00030002
A nefropatia por imunoglobulina A (NIgA) foi descrita pela primeira vez na França por Berger e Higlais, em 1968. Desde então, estudos em todo o mundo demonstraram que ela é a glomerulonefrite mais comum em todos os países.1 A nefropatia por IgA é definida por depósitos de complexo imune com IgA predominantemente ou co-dominante no rim. Como tal, o seu diagnóstico requer a avaliação patológica de biópsias renais por microscopia óptica e imunofluorescência. Foi inicialmente pensado como uma doença benigna, como é evidente a partir de seu sinônimo anterior de "hematúria benigna" e confinado na França. No entanto, estudos subsequentes de acompanhamento em longo prazo em todo o mundo demonstraram que ambas as suposições acima estão erradas, porque essa doença tem desfechos variáveis.1,2
Estudos epidemiológicos conduzidos em diferentes partes do mundo demonstraram que a NIgA tem distribuição global, e é a doença glomerular primária mais comum. Há, no entanto, uma variabilidade significativa nas incidências e prevalências relatadas em diferentes países. Altas taxas de 20 a 47 por cento foram relatadas em estudos com biópsias na Europa Ocidental, partes da Ásia e Austrália. Por outro lado, foram relatadas taxas muito baixas nos Estados Unidos, África, Oriente Médio e algumas partes da Ásia.3 Essas aparentes taxas variáveis mais provavelmente refletem diferenças na constituição étnica da população, práticas médicas, políticas de condução de biópsias e falta de equipamento de IF em alguns países. No Brasil, os dados referentes à prevalência e impacto da NIgA são escassos. Um artigo recente envolvendo 9.617 biópsias renais no país mostrou uma prevalência de 20,1% de NIgA entre glomerulopatias primárias.4 O Registro Paulista de Glomerulonefrite relatou a prevalência de 17,8%5 e as NIgA respondem por variações de 2-25% nas glomerulonefrites primárias, de acordo com outros relatos locais.5,6
Embora esta doença tenha sido inicialmente considerada benigna, sabe-se agora que ela leva a um declínio lento, mas progressivo, da função renal e à doença renal terminal, desenvolvendo-se em até 30% dos pacientes 20 anos após o diagnóstico.1,2 Dados de resultados de longo prazo mostram taxas variáveis na progressão da doença em todo o mundo. Tentativas foram feitas para identificar características clínicas, laboratoriais e morfológicas em biópsias renais, que podem predizer o resultado.
No artigo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Nefrologia, Souza et al. analisaram os padrões clínicos e histológicos de 32 pacientes com NIgA em Salvador, Brasil 7. A prevalência da NIgA foi de 6% nos casos de glomerulonefrite primária; e lesões histológicas crônicas e marcadores laboratoriais pobres foram freqüentes. Constatou-se proteinúria significativa (> 2,0 g/24 horas) e hipertensão na maioria dos pacientes, e os dados sugerem desfechos ruins da doença renal crônica.
Apesar das limitações de um estudo retrospectivo, e seu pequeno tamanho de amostra, o mesmo agrega informações relevantes em relação à análise histológica de acordo com a classificação de Oxford para NIgA.8,9 Uma alta frequência de escores associados à doença renal progressiva foi relatada nesta coorte: esclerose segmentar em 81% e lesões intersticiais tubulares em 44% dos pacientes.
No geral, os achados acima sugerem algumas questões: existem predisposições/polimorfismos genéticos nesta população de estudo que afetam a presença de uma doença mais agressiva? A alta frequência de escores associados a lesões crônicas está relacionada apenas ao atraso no encaminhamento para recursos médicos e posteriores indicações de biópsias renais? Essas questões, portanto, exigem estratégias de intervenção precoce, bem como programas de rastreamento, não apenas para identificar e tratar os pacientes, mas também para proporcionar uma melhor compreensão dos fatores que levam à progressão da doença.