versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.4 São Paulo out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082016ao3749
As neoplasias das glândulas salivares representam um grupo distinto de lesões com morfologia variável, que apresentam desafios em seu diagnóstico e tratamento.(1-6) As neoplasias de glândulas salivares menores representam menos de 25% das neoplasias salivares. Têm características distintas, especialmente em relação a frequência, distribuição e aspectos clínicos.
Estudos que avaliam a epidemiologia de neoplasias de glândulas salivares menores são importantes. Esses tumores frequentemente são malignos, em particular quando comparados a neoplasias de glândulas salivares maiores. Além disso, diferenças entre raças e localização geográfica também são observadas.(7-12)
O carcinoma mucoepidermoide, o carcinoma adenoide cístico e o adenoma pleomórfico são os tumores mais comuns das glândulas salivares menores. Estima-se que os tumores de glândula salivar menor representem 0,3 a 1,5% de todas as biópsias em laboratórios de patologia oral.(1,13-18) Tumores das glândulas salivares podem afetar pacientes de qualquer idade e acometem mais as mulheres.(1,12,17,19)
As neoplasias das glândulas salivares menores são um grupo heterogêneo de tumores. Estudos epidemiológicos são importantes para compreender sua frequência e seus aspectos clínicos. Investigações em diferentes populações são essenciais para se observarem variações geográficas e raciais nestes tumores incomuns.(1,12,17,20)
Avaliar o perfil clínico-patológico dos pacientes com neoplasias de glândula salivar menor.
Este é um estudo retrospectivo de casos diagnosticados como neoplasias benignas e malignas das glândulas salivares menores. Os dados foram coletados dos prontuários de pacientes no Hospital Dr. Luiz Antônio, Natal (RN), ao longo de um período de 15 anos. O estudo incluiu todos os casos com diagnóstico histopatológico de neoplasias de glândula salivar (benignas ou malignas) localizadas nas glândulas salivares menores. Tumores nas glândulas parótida, submandibular e sublingual foram excluídos. A amostra foi composta de 37 casos. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, protocolo 115/2005.
Dados de idade, sexo, localização anatômica, tamanho da lesão, tempo de progressão, sintomas (dor), presença ou ausência de ulceração (aspecto clínico), e metástases regionais e/ou distantes foram coletados dos prontuários dos pacientes. Para o estudo histopatológico, lâminas contendo peças com espessura de 5μm coradas com hematoxilina e eosina foram usadas. Todos os casos foram avaliados por microscopia óptica e classificados de acordo com os critérios propostos pela Organização Mundial da Saúde.(21) Não foi necessário utilizar a técnica da imuno-histoquímica para o diagnóstico.
Os dados foram tabulados usando o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Os dados foram apresentados descritivamente.
A amostra final foi composta por 37 casos em 15 anos de avaliação. Neoplasias malignas foram mais prevalentes, e carcinoma mucoepidermoide (45,9%) foi o tipo histológico mais observado, seguido de adenoma pleomórfico (24,4%) e adenocarcinoma polimorfo de baixo grau (13,5%). A maioria dos pacientes era do sexo feminino (70,2%), com uma razão de 2,3:1 (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição de neoplasias benignas e malignas de glândulas salivares menores, segundo tipo histológico e sexo
Tipo histológico | Sexo | Total n (%) | |
---|---|---|---|
| |||
Feminino n (%) | Masculino n (%) | ||
Neoplasias benignas | |||
Adenoma pleomórfico | 4 (15,5) | 5 (45,5) | 9 (24,4) |
Adenoma basocelular | 1 (3,8) | 0 (0,0) | 1 (2,7) |
Adenoma canalicular | 1 (3,8) | 0 (0,0) | 1 (2,7) |
Neoplasias malignas | |||
Carcinoma mucoepidermoide | 12 (46,2) | 5 (45,5) | 17 (45,9) |
Adenocarcinoma polimorfo de baixo grau | 4 (15,5) | 1 (9,0) | 5 (13,5) |
Carcinoma adenoide cístico | 2 (7,6) | 0 (0,0) | 2 (5,4) |
Carcinoma de células acinares | 1 (3,8) | 0 (0,0) | 1 (2,7) |
Carcinoma epitelial-mioepitelial | 1 (3,8) | 0 (0,0) | 1 (2,7) |
| |||
Total | 26 (100,0) | 11 (100,0) | 37 (100,0) |
Os tumores benignos tiveram dois picos de prevalência com respeito à idade: 21 a 30 anos e 71 a 80 anos. Os tumores malignos demonstraram prevalência de picos entre 71 e 80 anos. Em geral, a maioria dos pacientes tinha mais de 70 anos de idade (Figura 1).
Figura 1 Distribuição de neoplasias benignas e malignas das glândulas salivares menores por faixa etária
No presente estudo, as neoplasias de glândulas salivares menores foram observadas principalmente no palato (67,6%) e região retromolar (15,4%) (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição de neoplasias benignas e malignas das glândulas salivares menores, segundo tipo histológico e sítio anatômico
Tipo histológico | Sítio anatômico | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
Palato | Mucosa oral | Lábio | Assoalho da boca | Área retromolar | Língua | Total | |
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | |
Neoplasias benignas | |||||||
Adenoma pleomórfico | 9 (100,0) | - | - | - | - | - | 9 (100,0) |
Adenoma basocelular | - | 1 (100,0) | 0 (0) | - | - | - | 1 (100,0) |
Adenoma canalicular | - | - | 1 (100) | - | - | - | 1 (100,0) |
Total | 9 (81,8) | 1 (9,1) | 1 (9,1) | - | - | - | 11 (100,0) |
Neoplasias malignas | |||||||
Carcinoma mucoepidermoide | 9 (53,0) | 1 (5,9) | 1 (5,9) | 1 (5,9) | 4 (23,4) | 1 (5,9) | 17 (100,0) |
Adenocarcinoma polimorfo de baixo grau | 4 (80,0) | - | 1 (20,0) | - | - | - | 5 (100,0) |
Carcinoma adenoide cístico | 2 (100,0) | - | - | - | - | - | 2 (100,0) |
Carcinoma de células acinares | - | 1 (100,0) | - | - | - | - | 1 (100,0) |
Carcinoma epitelial-mioepitelial | 1 (100,0) | - | - | - | - | - | 1 (100,0) |
Total | 16 (61,6) | 2 (7,7) | 2 (7,7) | 1 (3,8) | 4 (15,4) | 1 (3,8) | 26 (100,0) |
| |||||||
Total | 25 (67,6) | 3 (8,1) | 3 (8,1) | 1 (2,7) | 4 (10,8) | 1 (2,7) | 37 (100,0) |
O tempo de progressão dos tumores benignos foi de 1,51 ano, e o tamanho médio de lesão foi de 2,54cm. Apenas um caso (adenoma canalicular) apresentou ulceração, e dois pacientes relataram dor. As neoplasias malignas mostraram um tempo de evolução de 2,12 anos, e o tamanho médio das lesões era de 2,69cm. Quatro pacientes relataram dor (três tinham carcinoma mucoepidermoide) e outros quatro tinham ulcerações (Tabela 3). Apenas um caso apresentou metástases (adenocarcinoma polimorfo de baixo grau).
Tabela 3 Distribuição de neoplasias benignas das glândulas salivares menores, segundo a presença de dor e ulceração
Tipo histológico | Dor | Ulceração | Total | ||
---|---|---|---|---|---|
|
|
||||
Sim | Não | Sim | Não | ||
n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | ||
Neoplasias benignas | |||||
Adenoma pleomórfico | 1 (11,1) | 8 (88,9) | 0 (0) | 9 (100,0) | 9 (100,0) |
Adenoma basocelular | 0 (0) | 1 (100,0) | 0 (0) | 1 (100,0) | 1 (100,0) |
Adenoma canalicular | 1 (100,0) | 0 (0) | 1 (100,0) | 0 (0) | 1 (100,0) |
Total | 2 (18,2) | 9 (81,8) | 1 (9,0) | 10 (91,0) | 11 (100,0) |
Neoplasias malignas | |||||
Carcinoma mucoepidermoide | 3 (17,6) | 14 (82,4) | 2 (11,7) | 15 (88,3) | 17 (100,0) |
Adenocarcinoma polimorfo de baixo grau | 1 (20,0) | 4 (80,0) | 2 (40,0) | 3 (60,0) | 5 (100,0) |
Carcinoma adenoide cístico | 0 (0) | 2 (100,0) | 0 (0) | 2 (100,0) | 2 (100,0) |
Carcinoma de células acinares | 0 (0) | 1 (100,0) | 0 (0) | 1 (100,0) | 1 (100,0) |
Carcinoma epitelial-mioepitelial | 0 (0) | 1 (100,0) | 0 (0) | 1 (100,0) | 1 (100,0) |
| |||||
Total | 4 (15,3) | 22 (84,7) | 4 (15,3) | 22 (84,7) | 26 (100,0) |
Tumores das glândulas salivares constituem um grupo heterogêneo e raro de lesões, especialmente quando afetam as glândulas salivares menores.(13) No presente estudo, a maioria dos tumores de glândula salivar menor era maligna, tal qual apontado na literatura,(5,11,12,14,17,18,22-28)– ainda que existam estudos discordantes.(2,10,13,15,19,29-31) Os dados do presente estudo são justificados pelo fato de que o Hospital Dr. Luiz Antônio é um centro de referência no cuidado de pacientes com câncer.
O carcinoma mucoepidermoide foi a lesão mais frequente neste estudo, seguido do adenoma pleomórfico e do adenocarcinoma polimorfo de baixo grau. Nossos dados estão em acordo com os estudos que consideram o adenoma pleomórfico a neoplasia benigna mais comum das glândulas salivares menores.(5,11,13-15,23,24,26,31)Kruse et al.(6) avaliaram apenas neoplasias malignos das glândulas salivares menores e notaram que o carcinoma adenoide cístico era a lesão mais prevalente, em discordância com este estudo. Sugerimos que a localização geográfica dos estudos e o centro onde a pesquisa foi conduzida (centros de referência no tratamento de câncer ou não) possam explicar a divergência desses resultados.(31)
No nosso estudo, as mulheres foram mais afetadas por tumores das glândulas salivares menores, com razão de 2,3:1, conforme outras pesquisas.(5,11,13,15,23,26)
A média de idade foi de 46,5 anos para tumores benignos e de 51,7 anos para o grupo de temores malignos neste estudo. Tumores malignos aparecem em uma média de idade maior quando comparados aos tumores benignos. Observamos que os tumores benignos apresentaram dois picos de idade (21 a 30 e 71 a 80 anos), e os tumores malignos tiveram um pico de idade aos 71 a 80 anos. Estes resultados estão de acordo com os de outros estudos.(13,14,28) No entanto, Jansisyanont et al.(24)relataram que tumores malignos podem ocorrem em pacientes mais jovens, em discordância com este estudo. A literatura tem relatado diferentes picos de idade, dependendo do tipo histológico analisado.(12,13,23,27)
O palato tem sido citado como o sítio mais comum para tumores de glândula salivar menor, com prevalência entre 42 e 75%. Outros locais anatômicos envolvidos são os lábios (4 a 21%), mucosa oral (5 a 16%), língua/assoalho da boca (4 a 12%), e região retromolar (3 a 7%).(13-23,24,26,28,30) Em nosso estudo, o local mais frequente de tumores, tanto benignos e malignos, foi o palato, o que concorda com os dados da literatura. A mucosa bucal ou labial foi identificada como o segundo local mais comum.(14,26) Estes achados diferem dos resultados do presente estudo, que observou a região retromolar como o segundo local mais comum.
O assoalho da boca, região retromolar e língua apresentaram apenas neoplasias malignas neste estudo. Venkata et al.,(26) encontraram uma correlação estatisticamente significante para tumores de glândula salivar menor malignos que ocorrem em locais como a mucosa alveolar, o assoalho da boca, a mucosa oral, a região retromolar e as lesões intraósseas. De forma semelhante, Pires et al.(13) publicaram que os adenomas canaliculares foram mais comuns no lábio superior, os cistadenomas ductais no lábio inferior, os carcinomas adenoides císticos no assoalho da boca, e o adenocarcinoma de células acinares com alta afinidade pela mucosa oral e lábio superior. Estudo recente relatou que o carcinoma adenoide cístico de glândulas salivares menores é um tumor incomum com uma apresentação distinta que ocorre no palato em fase tardia (T3-T4), o que é um resultado com significância estatística.(32)
O tempo de progressão foi mais curto e o tamanho médio das lesões de tumores benignos foi menor que para neoplasias malignas. Os dados foram similares entre neoplasias benignas e malignas, confirmando a dificuldade no diagnóstico de tumores das glândulas salivares. Os sinais e sintomas podem estar relacionados ao tamanho do tumor e podem variar segundo o local do tumor. Tumores malignos com diagnóstico tardio podem estar relacionados a metástases, especialmente o carcinoma adenoide cístico.(1)
Jansisyanont et al.(24) observaram 27,95% (um em quatro) de tumores malignos presentes por mais de 1 ano, e 13,1% (um em sete) eram assintomáticos. Assim, todos os tumores suspeitos de glândulas salivares menores requerem biópsia, a fim de evitar demoras e erros no diagnóstico. Clinicamente, não é possível diferenciar tumores malignos e benignos das glândulas salivares menores.
O edema foi um sinal comum de tumor de glândula salivar menor. Ulceração, dentadura mal ajustada, dificuldade para falar e dor foram outros sinais e sintomas observados e não foram significativamente diferentes entre tumores benignos e malignos. Não está claro se a dor é um sinal comum em neoplasias malignas de glândulas salivares menores.(2,4,13,14,20,23)Embora tenhamos observado a presença de dor e ulceração mais frequentemente para tumores malignos no nosso estudo, cremos que os dados são variáveis na literatura e que há evidência insuficiente de que estas características sejam mais comuns em neoplasias malignas de glândulas salivares menores.
Neste estudo, nenhum caso exibiu linfadenopatia, e apenas um caso mostrou metástases. Jaber(23) relatou uma boa taxa de sobrevida para todos os subtipos de carcinoma de glândula salivar menor. Jansisyanont et al.(24) relataram que apenas cinco casos (quatro de carcinoma mucoepidermoide de alto grau e um adenocarcinoma polimorfo de baixo grau) apresentaram metástases de linfonodos (8,2%), e dois pacientes morreram. O tipo histológico, o estágio clínico e o local anatômico são importantes para estabelecer o prognóstico e a terapia. Cirurgia agressiva com amplas margens de segurança é o melhor método de tratamento para neoplasias malignas de glândula salivar menor.(5,7,11-16,22-24,26)
Tumores intraorais de glândula salivar menor são lesões relativamente incomuns na prática clínica. Carcinoma mucoepidermoide e adenoma pleomórfico foram as lesões malignas e benignas mais comuns, respectivamente. Estes tumores foram mais comuns em mulheres com mais de 40 anos de idade, e o palato foi o sítio mais comum.