versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011rw2220
Estudos indicam que a quimioterapia é o tratamento de escolha da maioria dos casos de câncer(1,2). Contudo, a despeito de sua vasta utilização clínica em oncologia, apresentam-se na literatura diversos relatos de queixas associadas aos efeitos colaterais do tratamento em questão(3). Dentre os efeitos colaterais está a neurotoxicidade. A literatura da área aponta como neurotóxicas as seguintes drogas administradas na quimioterapia antineoplásica: vincristina, vimblastina, vinorelbina, cisplatina, oxaliplatina, citarabina, ifosfamida, 5-fluorouracil, metotrexato, paclitaxel, docetaxel, altretamina, procarbazina, interleucina-2, fludarabina, cladribina e pentostatina(4).
A neuropatia periférica é o acometimento de neurônios que formam nervos periféricos ou raízes nervosas. A doença causa sintomas motores e sensitivos, que podem incluir fraqueza, atrofia e hipotonia muscular, hipo ou arreflexia, hipoestesia, parestesia, disestesia, ataxia sensitiva, levando ao comprometimento do desempenho do indivíduo em suas atividades de vida diária e sua independência funcional. Considerando a etiologia da doença, a neuropatia periférica pode ser associada a condições médicas gerais, a processos inflamatórios ou infecciosos, a processos metabólicos e à hereditariedade. A neuropatia periférica sobre a qual o presente trabalho discorre enquadra-se em processos metabólicos, dado o efeito tóxico dos quimioterápicos e sua interferência no metabolismo saudável da célula nervosa(5–8).
Os principais sintomas da neuropatia periférica induzida por quimioterapia (NPIQ) podem depender da droga e da dose utilizadas, porém, geralmente manifestam-se como fraqueza, perda de sensibilidade e de reflexos de predomínio distal. A descontinuidade do uso das drogas desencadeadoras da neuropatia periférica parece suprimir os sintomas, entretanto, há de se observar os indícios de toxicidade ainda presentes e atentar para a presença de lesões permanentes(7,8).
Estima-se que de 30 a 40% dos pacientes que recebem quimioterapia desenvolvem neuropatia periférica(9–11). Existem relatos, entretanto, de incidências que chegam a 60% quando as drogas administradas são cisplatina(12,13), paclitaxel(14), docetaxel(15), vincristina(16), oxaliplatina e bortezomib(17).
Esse estudo dedica-se à investigação da neurotoxicidade dos quimioterápicos manifestada sob a forma de neuropatia periférica. A literatura apresenta diversos estudos que investigam a relação entre a administração de quimioterápicos, sua neurotoxicidade e a presença de patologias neurológicas, dentre elas a neuropatia periférica(18–23).
Dadas as evidências mostradas na literatura, faz-se necessário investigar a incidência, os sintomas e as condutas terapêuticas associadas à NPIQ. Dessa forma, acredita-se que profissionais que se dedicam ao cuidado ao paciente oncológico possam delinear os padrões de acometimento da doença, bem como planos de intervenção precoce e, sobretudo, estratégias de conduta terapêutica que incluam auxílio e adaptação em atividades de vida diária junto a essa população, garantindo-lhe maior independência, autonomia e qualidade de vida.
-. Identificar em literatura artigos que abordem a NPIQ.
-. Identificar em literatura proposta de prevenção e tratamento da NPIQ.
Estudo descritivo, exploratório, do tipo revisão narrativa da literatura. Perguntas norteadoras: “Como se caracteriza a NPIQ? Existe prevenção e tratamento para a doença em questão?”.
As bases de dados eleitas, no decorrer do segundo semestre de 2010, foram: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Pubmed, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Web of Science. Foram incluídos os estudos científicos nos idiomas português, inglês e espanhol publicados entre setembro de 2005 e setembro de 2010.
Os descritores pesquisados foram: “tratamento” (“treatment“) e “neuropatia periférica induzida por quimioterapia” (“chemotherapy-induced peripheral neuropathy“).
Foi feita a catalogação dos conteúdos advindos das publicações incluídas na coleta de dados seguindo-se um roteiro semiestruturado (Quadro 1).
Quadro 1 Caracterização dos artigos selecionados
N | Base de dados | Título | Autores | Ano | Origem | Tipo de estudo | Tema central |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | PUBMED | Persistent mobility disability after neurotoxic chemotherapy | Hile ES, Fitzgerald GK, Studenski SA | 2010 | Estados Unidos | Estudo de caso | Manifestações clínicas |
2 | PUBMED | BNP7787-mediated modulation of paclitaxel- and cisplatin-induced aberrant microtubule protein polymerization in vitro | Parker AR, Petluru PN, Wu M, Zhao M, Kochat H, Hausheer FH | 2010 | Estados Unidos | Revisão | Fisiopatologia |
3 | PUBMED | Glutamate carboxypeptidase inhibition reduces the severity of chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity in rat | Carozzi VA, Chiorazzi A, Canta A, Lapidus RG, Slusher BS, Wozniak KM, Cavaletti G | 2010 | Itália | Experimental | Tratamento |
4 | CINAHL | Radio frequency ablation in drug resistant chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a case report and review of literature | Yadav N, Philip FA, Gogia V, Choudhary P, Rana SPS, Mishra S, Bhatnagar B | 2010 | Índia | Revisão | Tratamento |
5 | PUBMED | Patient perceptions associated with chemotherapy-induced peripheral neuropathy | Tofthagen C | 2010 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Manifestações clínicas |
6 | WEB OF SCIENCE | Neurophysiological, histological and immunohistochemical characterization of bortezomib-induced neuropathy in mice | Bruna J, Udina E, Alé A, Vilches JJ, Vynckier A, Monbaliu J, Silverman L, Navarro X | 2010 | Espanha | Experimental | Fisiopatologia |
7 | PUBMED | A double-blind, placebo-controlled trial of a topical treatment for chemotherapy-induced peripheral neuropathy: NCCTG trial N06CA | Barton DL, Wos EJ, Qin R, Mattar BI, Green NB, Lanier KS, Bearden JD, Kugler JW, Hoff KL, Reddy PS, Rowland KM, Riepl M, Christensen B, Loprinzi CL | 2010 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Tratamento |
8 | PUBMED | Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: clinical features, diagnosis, prevention and treatment strategies | Gutiérreza GG, Serenoa M, Miralles A, Casado-Sáenz E, Gutiérrez-Rivas E | 2010 | Espanha | Revisão | Manifestações clínicas |
9 | PUBMED | Animal models of chemotherapy-evoked painful periperal neuropathies | Authier N, Balayssac D, Marchand F, Ling B, Zangarelli A, Descoeur J, Coudore F, Bourinet E, Eschalier A | 2009 | França | Revisão | Tratamento |
10 | PUBMED | Neuropatia inducida por quimioterapia: um problema no resuelto | Velasco R, Bruna J | 2009 | Espanha | Revisão | Manifestações clínicas |
11 | PUBMED | Chemotherapy-induced peripheral neuropathy as a predictor of neuropathic pain in breast cancer patients previously treated with paclitaxel | Reyes-Gibby CC, Morrow PK, Buzdar A, Shete S | 2009 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Incidência |
12 | WEB OF SCIENCE | Therapy of chemotherapy-induced peripheral neuropathy | Kaley TJ, DeAngelis LM | 2009 | Estados Unidos | Revisão | Tratamento |
13 | PUBMED | Compartmentalized microfluidic culture platform to study mechanism of paclitaxel-induced axonal degeneration | Yang IH, Siddique R, Hosmane S, Thakor N, Höke A | 2009 | Estados Unidos | Experimental | Fisiopatologia |
14 | PUBMED | Feasibility and validity of the Patient Neurotoxicity Questionnaire during taxane chemotherapy in a phase III randomized trial in patients with breast cancer: N-SAS BC 02 | Shimozuma K, Ohashi Y, Takeuchi A, Aranishi T, Morita S, Kuroi K, Ohsumi S, Makino H, Mukai H, Katsumata N, Sunada Y, Watanabe T, Hausheer FH | 2009 | Japão | Ensaio clínico | Avaliação |
15 | PUBMED | Prospective assessment of chemotherapy induced peripheral neuropathy due to weekly paclitaxel in patients with advanced or metastatic breast cancer (CSP-HOR 02 study) | Kuroi K, Shimozuma K, Ohashi Y, Hisamatsu K, Masuda N, Takeuchi A, Aranishi T, Morita S, Ohsumi S, Hausheer FH | 2009 | Japão | Ensaio clínico | Incidência |
16 | WEB OF SCIENCE | The use of cannabinoids (CBs) for the treatment of chemotherapy-induced peripheral neuropathy (CIPN): A retrospective review | Gingerich J, Wadhwa D, Lemanski L, Krahn M, Daeninck PJ | 2009 | Canadá | Revisão | Tratamento |
17 | WEB OF SCIENCE | Peripheral neuropathy in survivors of childhood acute lymphoblastic leukemia | Ramchandren S, Leonard M, Mody RJ, Donohue JE, Moyer J, Hutchinson R, Gurney JG | 2009 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Manifestações clínicas |
18 | PUBMED | Oral glutamine for the prevention of chemotherapy-induced peripheral neuropathy | Amara S | 2008 | Estados Unidos | Revisão | Tratamento |
19 | CINAHL | Chemotherapy-induced peripheral neuropathy was described as background noise affecting daily life | Alford M | 2008 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Manifestações clínicas |
20 | CINAHL | Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: Prevention and treatment strategies | Wolf S, Barton D, Kottschade L, Grothey A, Loprinzi C | 2008 | Estados Unidos | Revisão | Tratamento |
21 | PUBMED | Acetyl-L-carnitine for the treatment of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a short review | De Grandis D | 2007 | Itália | Revisão | Tratamento |
22 | PUBMED | Vitamin E for the prevention of CIPN: rationale for an ongoing clinical trial | Kottschade L, Loprinzi C, Rao R | 2007 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Tratamento |
23 | PUBMED | Putting evidence into practice®: evidence-based interventions for chemotherapy-induced peripheral neuropathy | Visovsky C, Collins M, Abbott L, Aschenbrenner J, Hart C | 2007 | Estados Unidos | Revisão | Tratamento |
24 | PUBMED | Therapeutic angiogenesis inhibits or rescues chemotherapy-induced peripheral neuropathy: taxol- and thalidomide-induced injury of vasa nervorum is ameliorated by VEGF | Kirchmair R, Tietz AB, Panagiotou E, Walter DH, Silver M, Young-Sup, Yoon Y, Schratzberger P, Weber A, Kusano K, Weinberg DH, Ropper AH, Isner JF, Losordo DW | 2007 | Estados Unidos | Ensaio clínico | Tratamento |
25 | PUBMED | Diagnosis, management, and evaluation of chemotherapy-induced peripheral neuropathy | Hausheer FH, Schilsky RL, Bain S, Berghorn EJ, Lieberman F | 2006 | Estados Unidos | Revisão | Fisiopatologia |
26 | PUBMED | Acupuncture treatment of CIPN – a case series | Wong R, Sagar S | 2006 | Canadá | Estudo de caso | Tratamento |
Os dados encontrados foram catalogados e os temas relevantes sobre os quais versavam os artigos geraram categorias temáticas, sobre as quais se discorreu nos resultados e na discussão do presente trabalho.
Foram localizados 57 artigos, dentre os quais 26 enquadraram-se nos critérios de inclusão estabelecidos.
Dos 26 artigos selecionados, foram identificadas 5 categorias temáticas (Figura 1). Ressalta-se que no presente estudo serão discutidos apenas os resultados referentes ao tratamento da NPIQ.
Na apresentação dos resultados, foi possível verificar que a maior parte das publicações localizadas têm como tema central o tratamento da NPIQ. Observa-se uma heterogeneidade nas substâncias e técnicas utilizadas no tratamento da NPIQ. Dessa forma, apresentam-se a seguir as técnicas e substâncias identificadas nos artigos que compuseram a amostra da presente revisão.
Um estudo indiano publicou um estudo de caso sobre um paciente do sexo masculino, de 63 anos de idade, com diagnóstico de câncer de próstata com metástase óssea em acetábulo, ísquio esquerdo, cabeça do fêmur, vértebras, costelas, pelve e crânio. O paciente foi submetido à cirurgia e, posteriormente, à radioterapia e à quimioterapia adjuvante com docetaxel e prednisolona. Três meses após a cirurgia e o fim dos ciclos de quimioterapia, o paciente começou a apresentar dor e formigamento na palma direita, seguido de parestesia no braço, antebraço e palma da mão direita. O relato indica que o paciente foi refratário a tratamentos para NPIQ que incluíam gabapentina, morfina e pregabalina. Após feito o diagnóstico diferencial para síndrome do túnel do carpo, deu-se início o tratamento com radiofrequência. As estimulações por radiofrequência continuada ocorreram em 2 ciclos de 90 segundos nos nervos ulnar e mediano. Após 2 a 4 horas da estimulação, o paciente referiu melhora dos sintomas. No dia seguinte o paciente referiu diminuição de 40% na dor e, 2 dias depois, melhora de 90%, sendo suspenso, assim, o uso de morfina e demais medicamentos para dor. Observa-se que o estudo em questão traz a técnica da ablação por radiofrequência continuada como uma alternativa para o manejo da dor advinda da NPIQ. Contudo, não foram observados apontamentos que referissem diminuição dos déficits sensoriais e motores que pudessem interferir na melhora da qualidade de vida relacionada à maior independência nas atividades de vida diária(24).
Pesquisadores americanos investigaram, em um estudo randomizado e placebo-controlado, a eficácia de um organogel de lecitina tópico composto de baclofen 10 mg, amitriptilina HCL 40 mg e ketamina 20 mg em 203 pacientes com NPIQ sob tratamento com diversos quimioterápicos (alcaloides da vinca, oxaliplatina, cisplatina, taxanos, talidomida e outros). A justificativa da eleição dos compostos do organogel se dá pelo mecanismo de ação das substâncias: baclofen é um agonista do receptor GABA; a amitriptilina HCL afeta receptores de adenisina A e os canais de sódio; e a ketamina inibe os receptores glutaminérgicos NMDA. A instrução dada aos pacientes participantes do estudo era aplicar uma colher de sopa do gel na região onde se manifestava dor, perda de sensibilidade e/ou formigamento, 2 vezes ao dia – ao se levantar e ao deitar, durante 4 semanas. Para avaliação da NPIQ, foi utilizado um questionário de 20 itens denominado European Organization for Research and Treatment of Cancer – Chemotherapy Induced Peripheral Neuropathy (EORTC – CIPN20), que contém questões que avaliam sintomas sensitivos, motores, autonômicos e funcionais. Após análise estatística dos dados registrados, os pesquisadores verificaram que os pacientes que aplicaram o gel tópico, em comparação ao grupo placebo-controle, apresentaram tendências de melhoras em componentes sensitivos (p = 0,053) e melhoras estatisticamente significativas (p = 0,021) em componentes motores(25).
Estudiosos indicam que os sintomas da NPIQ, tais como perda de reflexos e parestesia em botas e luvas, assemelham-se àqueles apresentados por pacientes com neuropatia periférica decorrente de síndromes por deficiência de vitamina E, como má absorção lipídica e fibrose cística. Além disso, aponta-se que o tratamento com cisplatina reduz significativamente os níveis de vitamina E e, consequentemente, leva os pacientes à experiência da NPIQ(26,27).
Com base nessas premissas, foi realizado um estudo clínico em que se buscou avaliar os efeitos neuroprotetivos da vitamina E em 47 pacientes sob tratamento com cisplatina (dose cumulativa média de 420 mg/m2). Os pacientes foram randomizados e divididos em dois grupos, um dos quais recebia apenas cisplatina ao passo que o segundo recebia cisplatina e 300 mg/dia de vitamina E. Observou-se que houve uma significativa queda na incidência de NPIQ no grupo que recebeu vitamina E concomitante ao tratamento quimioterápico (31 versus 86%)(27).
Um segundo estudo randomizado avaliou 40 pacientes recebendo quimioterapia com cisplatina e paclitaxel, utilizando a mesma metodologia descrita no estudo anteriormente citado, a não ser pela diferença da dosagem administrada: parte dos pacientes recebia, além dos quimioterápicos, 300 mg de vitamina E, duas vezes ao dia. Os resultados encontrados a partir da comparação entre os dois grupos assemelham-se às conclusões do estudo anterior: houve incidência de 25% de NPIQ no grupo tratado com vitamina E e de 73% de NPIQ no grupo controle(28).
Ambas as pesquisas revelam efeitos protetivos da vitamina E na incidência de NPIQ. Entretanto, os estudos não apresentam amostras quantitativamente representativas para que se afirme que a substância em questão de fato apresentará efeitos semelhantes em outras amostras de pacientes sob tratamento quimioterápico. Contudo, foi localizado um estudo fase III, duplocego, randomizado, placebo-controlado em andamento no North Central Cancer Treatment Group, nos Estados Unidos. A pesquisa em questão contará com a análise dos efeitos neuroprotetivos da vitamina E junto a 200 pacientes sob tratamento quimioterápico. Espera-se que os resultados do estudo em questão possam elucidar os efeitos da vitamina E sobre a NPIQ e prover dados acerca da eficácia da substância em questão no tratamento da NPIQ(29).
Estudos sugerem que a glutamina pode interferir em diversos efeitos colaterais vivenciados por pacientes sob tratamento quimioterápico, dentre os quais elencam-se: mucosites, mialgias, artralgias, diarreia, cardiotoxicidade e caquexia. Além disso, devido à função de regulação do fator de crescimento neuronal, acredita-se que a glutamina possa apresentar potencial neuroprotetivo, reduzindo, assim, a NPIQ(30–32).
Pesquisadores avaliaram os efeitos neuroprotetivos de glutamina em 45 pacientes com câncer de mama em estágio 4 recebendo tratamento com altas doses de paclitaxel. A primeira coorte (n = 33) não recebeu glutamina, ao passo que a segunda (n = 12) recebia 10 g de glutamina via oral, 3 vezes por dia, durante 4 dias, com início 24 horas após a administração de paclitaxel. Os resultados do estudo mostraram que pacientes recebendo glutamina apresentaram significativamente menos sintomas de disestesias e diminuição de propriocepção de intensidade moderada a grave em dedos das mãos e dos pés. Ainda, pacientes sob tratamento com glutamina também apresentaram menos perda de reflexos e menos comprometimento nas atividades de vida diária. Ressalta-se que todos os sintomas de toxicidade mostraram-se reversíveis com o passar do tempo(33).
Outro grupo de pesquisadores avaliou o papel do uso de glutamina oral junto a 86 pacientes em estágio metastático de câncer de colo ou reto tratados com oxaliplatina (85 mg/m2 nos dias 1 e 15 de cada ciclo de 28 dias). Os pacientes foram randomizados para receber glutamina (n = 42) ou não (n = 44). O grupo que recebeu glutamina na dosagem de 15 g, 2 vezes ao dia, durante 7 dias, a cada 2 semanas, foi comparado ao grupo que não recebeu glutamina segundo sintomas de NPIQ avaliados após 2, 4 e 6 ciclos de tratamento pela escala NCI-CTC. O estudo ainda avaliou condução nervosa, resposta à quimioterapia e comprometimento das atividades de vida diária. Os resultados mostraram que pacientes que receberam glutamina apresentaram menos sintomas de NPIQ e menos interferência em atividades de vida diária quando comparados ao grupo controle. Os pesquisadores destacam que não houve diferenças na condução nervosa, na resposta ao tratamento quimioterápico ou na média de sobrevida desses pacientes. Esse estudo sugere, portanto, que a glutamina pode reduzir a ocorrência de NPIQ, evitando tanto a eficácia da oxaliplatina como a necessidade de diminuição da dosagem da droga(34).
Verifica-se, portanto, que apesar dos estudos apresentados mostrarem resultados favoráveis ao uso de glutamina oral junto a pacientes em tratamento quimioterápico, eles falham em avaliar os efeitos neuroprotetivos da substância em amostras quantitativamente adequadas que possam prover dados estatisticamente significativos que comprovem a eficácia da glutamina na redução da incidência de NPIQ(35).
Estudiosos canadenses investigaram o impacto de canabinoides na redução de sintomas relacionados à NPIQ junto a oito pacientes, dentre os quais, seis recebiam tratamento com derivados de platina. Após a administração de canabinoides junto a esses pacientes, notou-se melhora em sete dos oito pacientes estudados, por meio da comparação das pontuações da escala NCI-CTC antes e após o tratamento. Por se tratar de um estudo com uma amostragem muito reduzida, os próprios autores apontam limitações do estudo referentes à replicação do estudo em amostras quantitativamente mais expressivas. Apontam, ainda, a necessidade de investigações mais amplas junto aos efeitos terapêuticos de canabinoides em pacientes com NPIQ(36).
Considera-se que o presente trabalho atingiu os objetivos aos quais se propôs, na medida em que foi possível identificar estudos que exploravam a NPIQ, bem como os diversos aspectos que cercam tal tema, em especial as propostas de intervenção para minimizar os danos causados pelo acometimento das fibras nervosas periféricas.
O campo para estudo, pesquisa e intervenção na área é amplo e necessita de maior investigação. Observou-se que diversos estudos têm sido conduzidos recentemente para avaliar a resposta de medicamentos e procedimentos que hipoteticamente minimizem os sintomas e acometimentos da NPIQ. Entretanto, os estudos apresentam limitações que convergem para a necessidade de adequações metodológicas, como composição de amostras quantitativamente representativas e delineamentos de pesquisa que favoreçam a obtenção de dados mais fidedignos, que possam ser generalizados para outras amostras de pacientes sob condições patológicas semelhantes.