versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 29-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0005
No Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, surgiu o desafio de reorganizar as ações de Atenção Primária à Saúde (APS). Nesse contexto, em 1994 a Estratégia Saúde da Família (ESF) surgiu como modelo de organização das ações de saúde no primeiro nível de atenção à saúde no SUS.1-3
Ao longo dos anos, a ESF ganhou importância e destaque na agenda do governo, que realizou investimentos nesse modelo de atenção, consolidando-o como estruturador dos sistemas municipais de saúde e modelo de APS no Brasil.1
Esse modelo de atenção preconiza que o trabalho seja realizado por uma equipe multiprofissional, constituída por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Todos os profissionais devem atuar em jornada de 40 horas semanais, em território com abrangência definida e população cadastrada.3-4
A Política Nacional de Atenção Básica, publicada em 2006 e reformulada em 2017, define a ESF como principal estratégia para ampliar e consolidar a atenção básica no Brasil, tornando-se o ponto de contato preferencial e a porta de entrada de uma rede de serviços resolutivos e de acesso universal.4-5 Essas mudanças influenciaram a adoção de novas posturas, diretrizes e propostas que abrangem desde a formação de profissionais de saúde até a efetivação das práticas de cuidado à população, passando pelo comprometimento dos gestores.6
Nessa perspectiva, a atuação na APS deve ir além da capacidade técnica da equipe e exige que os trabalhadores se identifiquem com uma proposta de trabalho que demanda iniciativa, criatividade e vocação para as atividades comunitárias e/ou em grupo, buscando atender as necessidades da população.2-5
Portanto, a força de trabalho torna-se imprescindível para o aumento da capacidade de resposta dos serviços de saúde inseridos no primeiro nível de atenção.
De acordo com a literatura contemporânea, profissionais engajados são essenciais para o bom funcionamento das organizações, apresentam maior rendimento e garantem maior eficácia, resolutividade e produtividade.7-9
O engagement é um conceito recente, ligado à psicologia positiva e caracterizado por três dimensões: vigor, dedicação e absorção. Está relacionado a um estado cognitivo de bem-estar e satisfação do trabalhador, que apresenta energia e identificação com o trabalho.10-13
O vigor está relacionado a níveis altos de energia e resiliência, vontade de investir esforços, não se fadigar com facilidade e persistir diante de dificuldades. Profissionais com vigor elevado apresentam muita energia, tornando-se mais produtivos.11,12,14
A dedicação se relaciona a um senso de significado pelo trabalho, sentir-se entusiasmado e orgulhoso da atividade laboral, sentindo-se inspirado e desafiado pelo trabalho. Profissionais com alta dedicação sentem-se entusiasmados e tendem a ser mais comprometidos com a atividade laboral.11,12,14
A absorção está relacionada com a imersão do profissional no trabalho, que têm dificuldades para desapegar-se. Profissionais com altos níveis de absorção estão tão envolvidos com o trabalho que não percebem o tempo passar.11,12,14
Estudo realizado em Açores, Portugal, com enfermeiros dos serviços de atenção primária identificou níveis elevados de engagement entre os profissionais, principalmente as enfermeiras, que tinham filhos e possuíam maior tempo de atuação profissional.15
No Brasil, estudos com profissionais da APS apontou altos níveis de engagement dos trabalhadores16-17, superando os índices apresentados por outros grupos de profissionais brasileiros, como residentes médicos de pediaria.18 No entanto, alguns grupos apresentaram índices mais baixos, como os agentes de controle de vetores, trabalhadores mais jovens e solteiros, evidenciando comprometimento da relação desses trabalhadores.16
Segundo a literatura, a implementação de atividades consideradas significativas para os profissionais da APS contribui para o desenvolvimento do engagement entre a equipe, resultando em relações laborais positivas, melhor desempenho das funções e maior satisfação profissional.19
Nesse contexto, conhecer os níveis de engagement entre os profissionais da atenção primária à saúde poderá subsidiar a implementação de ações de reorganização dos processos de trabalho das equipes de Saúde da Família, contribuindo com o aprimoramento do trabalhado dos profissionais, melhorando a produtividade, a resolutividade e a assistência ofertada aos usuários.
O estudo objetivou avaliar os níveis de engagement de profissionais da atenção primária em saúde de dois municípios brasileiros.
Estudo descritivo, correlacional e transversal, realizado em dois municípios do estado de São Paulo, Brasil, no ano de 2015, com uma amostra não probabilística, de conveniência, que incluiu 238 profissionais das equipes de Saúde da Família.
O primeiro município (Município A) está situado ao Norte do estado de São Paulo, a 452 km da capital. É um município de grande porte e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, possui população estimada de 438.354 habitantes. O município é sede da Divisão Regional de Saúde XV, a maior do estado de São Paulo, e referência no atendimento à saúde.
Organizacionalmente, o município está dividido em cinco Distritos de Saúde. No momento da realização do estudo, o município possuía 15 unidades de Saúde da Família, com 30 equipes, responsáveis pela cobertura de 24% da população do município.
O segundo município (Município B) está situado na região Oeste do estado, a 596 km da capital. É um município de pequeno porte, com população de 33.707 habitantes. O município é centro de referência na área da saúde para nove municípios da região da Nova Alta Paulista. Na estruturação do modelo de saúde local, a Atenção Primária é realizada por quatro unidades de Saúde da Família, com dez equipes e cobertura de 100% da população do município.
Para a coleta dos dados, utilizou-se um instrumento com questões sociodemográficas e profissionais, como profissão, sexo, idade e tempo de atuação na Atenção Primária; e a versão brasileira da Utrecht Work Engagement Scale (UWES), validada por Vazques et al.20, constituída por 17 questões, que compõem as dimensões absorção, dedicação e vigor, além de um escore geral.14
As respostas para as questões da UWES são dadas em uma escala likert de sete pontos, sendo: 0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = regularmente; 4 = frequentemente; 5 = quase sempre; 6 = sempre. O cálculo dos escores foi calculado pela média aritmética das respostas dos profissionais às questões que compõem cada dimensão, variando de zero a seis.14
Para a mensuração do vigor, são considerados os itens relacionados à energia e resiliência, capacidade de esforço e persistência dos profissionais: 1. Em meu trabalho, sinto-me repleto (cheio) de energia; 4. No trabalho, sinto-me com força e vigor (vitalidade); 8. Quando me levanto pela manhã, tenho vontade de ir trabalhar; 12. Posso continuar trabalhando por longos períodos de tempo; 15. Em meu trabalho, sou uma pessoa mentalmente resiliente (versátil); 17. No trabalho, sou persistente mesmo quando as coisas não vão bem.14,20
A dedicação é medida por cinco questões relacionadas ao entusiasmo e orgulho pelo trabalho, sentimento de inspiração e de significado do trabalho para o trabalhador, como: 2. Eu acho que o trabalho que realizo é cheio de significado e propósito; 5. Estou entusiasmado com o meu trabalho; 7. Meu trabalho me inspira; 10. Estou orgulhoso com o trabalho que realizo; 13. Para mim, meu trabalho é desafiador.14,20
A mensuração da absorção é feita pelas questões referentes à imersão do profissional no trabalho, que se desliga de tudo ao redor: 3. O “tempo voa” quando estou trabalhando; 6. Quando estou trabalhando, esqueço tudo o que se passa ao meu redor; 9. Sinto-me feliz quando trabalho intensamente; 11. Sinto-me envolvido com o trabalho que faço; 14. “Deixo-me levar” pelo meu trabalho; 16. É difícil desligar-me do trabalho.14,20
O escore geral corresponde à média aritmética das respostas de todas as questões da escala UWES.14-15
A consistência dos dados foi avaliada pelo Coeficiente Alfa de Cronbach. Os cálculos dos escores das dimensões do engagement foram realizados conforme modelo estatístico proposto no Manual Preliminar UWES - Utrecht Work Engagement Scale. Após o cálculo dos escores de cada dimensão, realizou-se a interpretação dos valores obtidos, conforme decodificação do Manual Preliminar UWES, sendo: 0 a 0,99 = Muito Baixo; 1 a 1,99 = Baixo; 2 a 3,99 = Médio; 4 a 4,99 = Alto; 5 a 6 = Muito Alto.14
A comparação da distribuição das características sociodemográficas dos profissionais foi realizada pelo Teste qui-quadrado e, para as comparações dos escores médios das dimensões da UWES foi utilizado o teste F na análise de variância (ANOVA), considerando-se um nível de signifi cância de 95% (p < 0,05). A análise dos dados foi realizada com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, com Parecer n. 460.331, de 12/11/2013. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram do estudo 238 profissionais, sendo 173 (72,7%) do município A e 65 (27,3%) do município B. Houve prevalência de profissionais do sexo feminino (82,8%), com idade inferior a 40 anos (52,9%). A idade mediana dos profissionais foi de 36 anos.
O tempo mediano de atuação na APS foi de três anos no município A e 4 anos no município B; neste último, o número de profissionais com mais tempo de atuação na APS foi significativa mente maior do que no município A (p = 0,050).
Tabela 1 Características sociodemográficas dos profissionais da Atenção Primária à Saúde dos municípios estudados. São Paulo, Brasil, 2018.
Variáveis | Município A | Município B |
---|---|---|
n (%) | n (%) | |
Total | 173 (100,0) | 65 (100,0) |
Categoria Profissional | ||
Médico | 22 (12,7) | 9 (13,8) |
Enfermeiro | 28 (16,2) | 15 (23,1) |
Auxiliar/Técnico de enfermagem | 38 (22,0) | 12 (18,5) |
Agente comunitário de saúde | 85 (49,1) | 29 (44,6) |
Sexo | ||
Masculino | 24 (13,9) | 14 (21,6) |
Feminino | 147 (85,0 | 50 (76,9) |
Não respondeu | 2 (1,1) | 1 (1,5) |
Faixa Etária | ||
De 18 a 28 anos | 34 (19,7) | 7 (10,8) |
De 29 a 39 anos | 57 (32,9) | 28 (43,1) |
Com 40 anos ou mais | 75 (43,4) | 25 (38,5) |
Não respondeu | 7 (4,0) | 5 (7,7) |
Tempo atuação na APS | ||
Até 2 anos | 80 (46,2) | 18 (27,7) |
De 3 a 10 anos | 70 (40,5) | 33 (50,8) |
Acima de 10 anos | 23 (13,3) | 12 (18,4) |
Não respondeu | - | 2 (3,1) |
Fonte: Dados da pesquisa. Adaptado de Silva, 2018.17
Os valores do Coeficiente Alfa de Cronbach observados foram: 0,872 para as questões da dimensão Dedicação; 0,795 para a dimensão Absorção; 0,869 para a dimensão Vigor; 0,940 para as questões do Escore Geral; e 0,967 entre todas as dimensões do engagement, apontando confiabilidade dos resultados.
A Tabela 2 apresenta os resultados da avaliação dos níveis de engagement para cada município e para amostra total, segundo as dimensões da UWES: vigor, dedicação, absorção e escore geral. Houve diferença significante nos níveis de engagement apresentados pelos profissionais dos dois municípios. Enquanto os profissionais do município A apresentaram níveis médios, no município B os profissionais apresentaram níveis altos em todas as dimensões.
Tabela 2 Níveis de engagement dos profissionais da Atenção Primária à Saúde. São Paulo, Brasil, 2018.
Dedicação Média (± dp) |
Absorção Média (± dp) |
Vigor Média (± dp) |
Escore geral Média (± dp) |
|
---|---|---|---|---|
Município A | 3,8 (±1,5)a | 3,6 (±1,4)a | 3,9 (±1,4)a | 3,8 (±1,3)a |
Município B | 4,6 (±1,2)b | 4,2 (±1,1)b | 4,4 (±1,0)b | 4,4 (±1,0)b |
Total | 4,0 (±1,4)b | 3,8 (±1,3)a | 4,0 (±1,3)b | 3,9 (±1,3)a |
Valor de p | < 0,001 | 0,004 | 0,006 | 0,001 |
Fonte: Dados da pesquisa.
dp: desvio padrão.
aNível de engagement Médio.
bNível de engagement Alto.
Conforme mostra a Tabela 3, os agentes comunitários de saúde apresentaram níveis médios de engagement em todas as dimensões; os enfermeiros apresentaram nível alto de absorção, enquanto os demais profissionais obtiveram níveis médios nesta dimensão. A diferença dos níveis de engagement segundo a categoria profissional foi significante em todas as dimensões.
Tabela 3 Níveis de engagement, segundo características sociodemográficas dos profissionais da Atenção Primária à Saúde. São Paulo, Brasil, 2018.
Variáveis | Dedicação | Absorção | Vigor | Escore geral |
---|---|---|---|---|
Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | |
Categoria Profissional | ||||
Médico | 4,5 (±1,4)b | 3,9 (±1,4)a | 4,1 (±1,2)b | 4,2 (±1,2)b |
Enfermeiro | 4,6 (±1,2)b | 4,5 (±1,0)b | 4,5 (±1,1)b | 4,5 (±1,0)b |
Auxiliar/Técnico de Enfermagem | 4,5 (±1,2)b | 3,9 (±1,2)b | 4,3 (±1,2)b | 4,2 (±1,1)b |
Agente Comunitário de Saúde | 3,5 (±1,5)a | 3,4 (±1,3)a | 3,6 (±1,4)a | 3,5 (±1,3)a |
Valor de p | <0,001 | <0,001 | <0,001 | <0,001 |
Sexo | ||||
Masculino | 4,3 (±1,5)b | 3,8 (±1,4)b | 4,1 (±1,3)b | 4,1 (±1,3)b |
Feminino | 4,0 (±1,4)b | 3,8 (±1,3)a | 3,9 (±1,3)a | 3,9 (±1,3)a |
Valor de p | 0,305 | 0,855 | 0,232 | 0,461 |
Faixa Etária | ||||
De 18 a 28 anos | 3,9 (±1,5)a | 3,7 (±1,2)a | 3,8 (±1,2)a | 3,8 (±1,2)a |
De 29 a 39 anos | 4,0 (±1,5)b | 3,7 (±1,5)a | 3,9 (±1,4)a | 3,9 (±1,4)a |
Com 40 anos ou mais | 4,2 (±1,4)b | 4,0 (±1,2)b | 4,2 (±1,2)b | 4,1 (±1,2)b |
Valor de p | 0,421 | 0,167 | 0,153 | 0,173 |
Tempo atuação na APS | ||||
Até 2 anos | 4,1 (±1,5)b | 3,9 (±1,3)b | 4,2 (±1,3)b | 4,1 (±1,2)b |
De 3 a 10 anos | 3,9 (±1,4)a | 3,7 (±1,4)a | 3,8 (±1,4)a | 3,8 (±1,3)a |
Acima de 10 anos | 4,1 (±1,4)b | 3,9 (±1,3)a | 4,0 (±1,3)b | 4,0 (±1,3)b |
Valor de p | 0,558 | 0,400 | 0,089 | 0,253 |
Fonte: Dados da pesquisa.
dp: desvio padrão.
aNível de engagement Médio.
bNível de engagement Alto.
A Tabela 4 apresenta a avaliação dos níveis de engagement, segundo as características sociodemográficas dos profissionais dos dois municípios. No município A, observou-se níveis médios de engagement para todas as dimensões entre agentes comunitários de saúde, profissionais do sexo feminino, na faixa etária de 18 a 39 anos e com três anos ou mais de atuação na APS. Os enfermeiros apresentaram níveis de engagement mais elevados do que os demais profissionais. Houve diferença significante entre os níveis de engagement e categoria profissional; vigor e tempo de atuação na APS.
Tabela 4 Níveis de engagement, segundo características sociodemográficas dos profissionais da Atenção Primária à Saúde. São Paulo, Brasil, 2018.
Variáveis | Dedicação | Absorção | Vigor | Escore geral | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Município A | Município B | Município A | Município B | Município A | Município B | Município A | Município B | |
Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | Média (±dp) | |
Área Profissional | ||||||||
Médico | 4,1 (±1,5)b | 5,4 (±0,5)c | 3,7 (±1,5)a | 4,5 (±0,7)b | 4,0 (±1,2)b | 4,5 (±1,0)b | 3,9 (±1,3)a | 4,6 (±0,6)b |
Enfermeiro | 4,4 (±1,2)b | 5,1 (±0,9)c | 4,4 (±1,0)b | 4,8 (±1,1)b | 4,4 (±1,0)b | 4,7 (±1,2)b | 4,4 (±1,0)b | 4,8 (±1,0)b |
Auxiliar/Técnico de Enfermagem | 4,4 (±1,3)b | 4,7 (±1,2)b | 3,8 (±1,1)a | 4,2 (±1,4)b | 4,2 (±1,2)a | 4,6 (±1,2)b | 4,1 (±1,1)b | 4,5 (±1,2)b |
Agente Comunitário de Saúde | 3,4 (±1,5)a | 4,1 (±1,2)b | 3,3 (±1,4)a | 3,8 (±1,0)a | 3,5 (±1,5)a | 4,1 (±0,9)b | 3,4 (±1,2)a | 4,0 (±0,9)b |
Valor de p | <0,001 | 0,007 | 0,001 | 0,042 | 0,005 | 0,215 | 0,001 | 0,028 |
Sexo | ||||||||
Masculino | 4,1 (±1,6)b | 4,5 (±1,5)b | 3,6 (±1,6)a | 4,0 (±1,2)b | 4,2 (±1,3)b | 4,2 (±1,1)b | 4,0 (±1,4)b | 4,2 (±1,2)b |
Feminino | 3,8 (±1,4)a | 4,7 (±1,1)b | 3,6 (±1,3)a | 4,3 (±1,1)b | 3,8 (±1,4)a | 4,4 (±1,0)b | 3,7 (±1,3)a | 4,4 (±1,0)b |
Valor de p | 0,331 | 0,761 | 0,973 | 0,385 | 0,161 | 0,601 | 0,388 | 0,533 |
Faixa etária | ||||||||
De 18 a 28 anos | 3,9 (±1,5)a | 3,9 (±1,4)a | 3,7 (±1,2)a | 3,5 (±1,0)a | 3,8 (±1,3)a | 3,8 (±1,1)a | 3,8 (±1,2)a | 3,8 (±1,1)a |
De 29 a 39 anos | 3,7 (±1,5)a | 4,7 (±1,3)b | 3,4 (±1,5)a | 4,2 (±1,3)b | 3,6 (±1,5)a | 4,4 (±1,0)b | 3,6 (±1,4)a | 4,4 (±1,1)b |
Com 40 anos ou mais | 4,0 (±1,4)b | 4,7 (±1,0)b | 3,9 (±1,3)a | 4,3 (±0,9)b | 4,1 (±1,2)b | 4,3 (±1,1)b | 4,0 (±1,2)b | 4,4 (±0,9)b |
Valor de p | 0,424 | 0,290 | 0,142 | 0,266 | 0,106 | 0,420 | 0,147 | 0,285 |
Tempo de Atuação na APS | ||||||||
Até 2 anos | 4,1 (±1,4)b | 4,5 (±1,5)b | 3,9 (±1,3)a | 3,9 (±1,2)a | 4,1 (±1,3)b | 4,4 (±1,0)b | 4,0 (±1,3)b | 4,3 (±1,2)b |
De 3 a 10 anos | 3,6 (±1,5)a | 4,6 (±1,1)b | 3,4 (±1,5)a | 4,2 (±11)b | 3,6 (±1,4)a | 4,3 (±1,0)b | 3,5 (±1,4)a | 4,3 (±1,0)b |
Mais de 10 anos | 3,8 (±1,5)a | 4,9 (±0,9)b | 3,6 (±1,4)a | 4,5 (±1,2)b | 3,9 (±1,4)a | 4,6 (±1,2)b | 3,8 (±1,3)a | 4,7 (±1,0)b |
Valor de p | 0,136 | 0,620 | 0,094 | 0,411 | 0,039 | 0,540 | 0,056 | 0,559 |
Fonte: Dados da pesquisa.
dp: desvio padrão.
aNível de engagement Médio.
bNível de engagement Alto.
cNível de engagement Muito Alto.
No município B, os médicos e enfermeiros apresentaram níveis muito altos de absorção; agentes comunitários de saúde e profissionais com até dois anos de atuação na APS apresentaram nível médio de absorção; profissionais na faixa etária de 18 a 28 anos apresentaram níveis médios em todas as dimensões. Houve diferença significante entre categoria profissional e níveis de dedicação, absorção e escore geral.
Os resultados deste estudo apontaram que os profissionais do município de pequeno porte, no qual a ESF foi integralmente adotada como política norteadora das ações e serviços de atenção primária apresentaram níveis de engagement significativamente maiores que os profissionais do município de grande porte, onde a implantação da ESF possivelmente priorizou comunidades socioeconomicamente carentes, na tentativa de ampliar o acesso aos serviços de APS.
Nesse contexto, é comum que o enfrentamento das condições sóciossanitárias encontradas nas comunidades carentes cause sofrimento psicológico aos profissionais, comprometendo seus níveis de dedicação, absorção e vigor.21
De acordo com a literatura, a diferença dos níveis de engagement entre as categorias profissionais, como a observada neste estudo, pode estar relacionada aos níveis de autonomia profissional e poder decisório.9,22
Os níveis significativamente menores de engagement apresentados pelos agentes comunitários de saúde evidenciam a presença de fatores que comprometem o desempenho laboral desses profissionais.
Estudos apontam que a existência de barreiras geográficas e culturais, vínculos trabalhistas precários, baixos salários, oportunida des de progressão reduzidas, baixo reconhecimento social e ausência de formação compatível, altos índices de violência e condições socioeconômicas precárias das comunidades podem interferir na saúde dos ACS e comprometer a capacidade de atendimento das demandas médico-sociais por toda a equipe de Saúde da Família, pois os ACS representam um importante elo entre as necessidades de saúde da comunidade e a equipe de saúde.23-26
Nesse contexto, é importante que os gestores valorizem o trabalho dos ACS, investindo na criação de planos de carreira para esses trabalhadores e incentivando a busca por qualificação/capacitação profissional. Profissionais qualificados e com maior capacidade crítica poderão desenvolver maior engajamento laboral, integrando e interagindo de forma mais efetiva com os demais membros da equipe de Saúde da Família.
Além disso, é imprescindível a implementação de programas internos de educação continuada, capazes de sanar dúvidas e auxiliar os ACS a superar as dificuldades encontradas no desempenho das atribuições estabelecidas pela Política Nacional de Atenção Básica, em especial, o diagnóstico sociodemográfico, cultural, ambiental, epidemiológico e sanitário do território que atuam, e o desenvolvimento de atividades de promoção da saúde e de prevenção de doenças e agravos prevalentes nos terrritórios.4
Da mesma forma, os níveis mais baixos de engagement entre profissionais jovens (18 a 38 anos) e com tempo de atuação na APS entre três e 10 anos, evidenciam que esses profissionais podem apresentar dificuldades diante de situações adversas, decorrentes de condições precárias de trabalho, relacionamento interpessoal e carga emocional, principalmente nas comunidades carentes, em regiões periféricas. Esses resultados contribuem para a rotatividade profissional e comprometimento da resolutividade dos serviços.21,25-26
Considerando, ainda que as condições laborais podem alterar os níveis de engagement9, esses resultados reforçam a necessidade de ações de valorização profissional e de promoção de saúde dos trabalhadores, que favoreçam o trabalho das equipes e melhorem a efetividade e capacidade de resolutividade da ESF, no atendimento às demandas da população.
A literatura aponta que profissionais com níveis elevados de engagement possuem melhor desempenho laboral, pois apresentam melhores níveis de saúde, experimentam emoções positivas com maior frequência, criam seus próprios recursos pessoais e são capazes de transferir o engagement para outros profissionais.27
A diferença nos níveis de engagement entre os municípios, com maior número de escores mais baixos entre profissionais do município de grande porte, corroboram a literatura brasileira, que aponta níveis médios entre residentes médicos18, e maiores níveis entre trabalhadores de diferentes regiões do Brasil, com idade acima de 40 anos.9
Além disso, as diferenças observadas sugerem que os profissionais de municípios onde a ESF não está implantada em todo o território, mas apenas em comunidades periféricas, carentes socioeconomicamente e com maior carga de doenças, tendem a apresentar menores níveis de engagement, em decorrência das condições adversas de trabalho.
No Brasil, as desigualdades socioeconômicas e sanitárias regionais, e a escassez de profissionais qualificados dificultam a estruturação das equipes de Saúde da Família, dificultam a fixação de profissionais em áreas remotas e menos favorecidas e contribuem para a rotatividade de profissionais.26,28
Não obstante, os resultados observados neste estudo, entre os profissionais do município de pequeno porte, corroboram achados de estudo com profissionais de saúde (enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, psicólogos e radiologistas) do interior-norte de Portugal, que apresentaram níveis de engagement mais elevados do que os profissionais de grandes cidades portuguesas.29
Tendo em vista que profissionais engajados, por se identificarem com o trabalho, despendem maiores esforços durante a atividade laboral30, esses resultados reforçam a necessidade e importância de implementação de estratégias que promovam o engagement entre profissionais da APS, dando-lhes melhores condições para enfrentar as adversidades e altas exigências laborais31 e favorecendo o aumento da criatividade e da resolutividade dos serviços de atenção primária.
O estudo mostrou que profissionais de município em que a ESF foi integralmente implantada tendem a ter maiores níveis de engagement. Os enfermeiros apresentaram níveis de engagement significativamente maior, enquanto os agentes comunitários de saúde alcançaram níveis mais baixos que os demais profissionais.
Os resultados evidenciam que o engagement é um importante indicador de bem-estar mental dos trabalhadores e contribui para a avaliação da força de trabalho nos serviços de APS. Dessa forma, pode ser empregado pelos gestores para direcionar estratégias que melhorem os níveis de dedicação, absorção e vigor desses trabalhadores, beneficiando a organização do Sistema de Saúde no primeiro nível de atenção.
Ao alcançar um nível elevado de energia e forte identificação com o trabalho, a força de trabalho das Equipes de Saúde da Família convergirá para a construção de um sistema de atenção à saúde abrangente, robusto e eficaz, capaz de cumprir integralmente os preceitos da APS.
Como limitação do estudo, destaca-se a constituição da amostra em dois municípios paulistas, sendo necessária a realização de novos estudos com profissionais de municípios das demais regiões do Brasil, a fim de possibilitar comparação dos níveis de engagement em profissionais inseridos em realidades distintas da encontrada nos municípios do estudo, aprofundando a discussão sobre a temática.