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No meio do caminho havia um mangue: impactos socioambientais da estrada Bragança-Ajuruteua, Pará

No meio do caminho havia um mangue: impactos socioambientais da estrada Bragança-Ajuruteua, Pará

Autores:

Marcus Vinicius Cunha Oliveira,
Márcio Couto Henrique

ARTIGO ORIGINAL

História, Ciências, Saúde-Manguinhos

versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758

Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.25 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702018000200011

Abstract

The article investigates the social and environmental impacts of construction of Highway PA-458, which turned 26km of mangrove swamp into a landfill between the municipality of Bragança and Ajuruteua beach in northeastern Pará. Working with official documents, newspapers, photographs, and oral accounts, it analyzes politicians’, local residents’, and crab harvesters’ representations of the significance of the highway. It is concluded that officials have disregarded the environmental impact both on the mangrove swamps and on the daily lives of crab harvesters. While the latter may even view the road as positive, they have been confronted with a progressively dwindling crab population and a growing number of crab dealers.

Key words: nature; highway; crab harvesters; Bragança, Pará; Amazon

Este artigo tem como objetivo analisar os impactos socioambientais da construção da rodovia PA-458, entre a cidade de Bragança e a praia de Ajuruteua, no Pará, especialmente do ponto de vista dos mariscadores que vivem da coleta do caranguejo-uçá (Ucides cordatus).

O suporte documental para a análise dos impactos socioambientais da construção da rodovia compreende, num primeiro momento, documentos oficiais da prefeitura de Bragança, jornais e fotografias, utilizados para referir o contexto de construção da estrada. Num segundo momento, fazemos uso de fontes orais, a fim de analisar como os mariscadores de caranguejo compreendem os impactos provocados pela rodovia em seu cotidiano. O trabalho de campo foi realizado por Marcus Vinícius Cunha Oliveira, entre 2010 e 2014, como parte da pesquisa de mestrado que resultou na dissertação A estrada para o “progresso”: política, cultura e natureza em Bragança, Pará (1970-1996), defendida no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará (PPHIST/UFPA) (Oliveira, 2015).

Com questionários abertos, foram entrevistados dez mariscadores, todos residentes na comunidade de Bacuriteua, às margens da estrada que cortou o manguezal, em Bragança. Alguns dos entrevistados trabalhavam no local antes da construção da rodovia, outros eram mais jovens, o que permitiu identificar diferentes percepções sobre a atividade após as alterações ambientais promovidas pelo aterramento de parte do manguezal.

Em 22 de novembro de 2014, o pesquisador acompanhou um grupo de quatro mariscadores na busca do caranguejo, saindo da comunidade de Bacuriteua, às sete horas, e retornando às 17 horas, atividade fundamental para a compreensão de todo o processo da coleta do crustáceo. Estar entre eles revelou aspectos que somente a experiência de campo poderia fazê-lo, tais como o modo de pisar no lamaçal movediço, como manter o equilíbrio entre as raízes das plantas ou como capturar o caranguejo sem ser ferido por ele. Desse modo, a “experiência etnográfica“ (Clifford, 1998) entre os mariscadores enriqueceu nosso “olhar, ouvir e escrever” (Oliveira, 2000) sobre o trabalho deles.

Até meados do século XX, uma estrada de ferro fazia a ligação entre Belém e a cidade de Bragança, no nordeste do estado do Pará. Em 1964, a Estrada de Ferro Belém-Bragança (EFB) foi desativada, e a cidade de Bragança retornou à sua tradicional fonte de subsistência: a exploração dos recursos pesqueiros (Carvalho, 2000, p.35). Depois da desativação, a EFB passou a ser lembrada com forte saudosismo, ao mesmo tempo que se criticava a proclamada estagnação econômica da região.

A zona da estrada de ferro era apontada como importante centro de desenvolvimento do estado do Pará, funcionando como fonte de produção agrícola destinada ao abastecimento da capital e de outras regiões. A suposta derrocada da zona bragantina se teria materializado com a substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário. A consequência disso teria sido a conversão da produção agrícola em um sistema nada rentável, pois o alto frete rodoviário fazia com que a mercadoria produzida em pequena escala na zona bragantina não tivesse condições de competir no mercado.

Com a desativação da estrada de ferro, autoridades políticas de Bragança começaram a defender a construção de uma rodovia entre a sede do município e a praia de Ajuruteua, como forma de atrair turistas e criar alternativa para a economia local. O problema é que, no meio do caminho, havia um mangue. O município de Bragança está inserido na região que detém uma das maiores reservas de manguezais do mundo (Fernandes, 2003) nas latitudes próximas à linha do Equador, litoral amazônico, entre a foz do rio Oiapoque (no Amapá) e a baía de São Marcos (no Maranhão), área conhecida como “costa norte”.

A estrada começou a ser construída em 1973, abrindo caminho de 45km entre a sede do município e a praia. No discurso oficial, o aterramento de parte do manguezal seria compensado com o anunciado “desenvolvimento“ que a rodovia traria para o município. Conforme a socioantropologia do desenvolvimento,

o sistema de ajuda ao desenvolvimento é visto como uma máquina que despolitiza os temas que deve enfrentar (redução da pobreza, combate ao desmatamento, redução do aquecimento global etc.), que inventa problemas com os quais sua expertise pode lidar e que desconsidera outros que seriam politicamente espinhosos (Carneiro, 2012, p.132).

Foi o que ocorreu em Bragança, uma vez que o projeto de “desenvolvimento” anunciado a partir da construção da estrada desconsiderava a participação dos moradores locais, possuidores de interesses próprios e de universos simbólicos divergentes. Esse modelo continuava como prioridade mesmo diante de todas as consequências socioeconômicas registradas após a implantação de rodovias na Amazônia, tais como a Belém-Brasília e a Transamazônica (Becker, 1977; Petit, 2003; Castro, 2008).1

As condições naturais do ecossistema amazônico impuseram dificuldades ao empreendimento. Assim, os construtores da estrada tiveram que lidar com as fortes chuvas que costumam cair nos primeiros meses do ano na região, com o solo movediço do manguezal, imensas árvores no meio do caminho e diversos rios que foram aterrados ou que só puderam ser superados com pontes de madeira. Nesse sentido, o relato do mariscador José Monteiro da Silva (28 jan. 2014) é bastante significativo:

quando eles botavam a piçarra no mangue, as primeiras camadas era mermo que soltar dentro d’água: ia embora pro fundo, ia rachando tijuco, ia derrubando mangueiro, ia espocando raiz, era tudo, era assim. Aí... das outras é que já ia... já em cima daquela primeira camada era que eles iam continuando a levar o aterro pra frente e foi nisso que... até findaram.

Mesmo diante da expectativa de desenvolvimento que se criava com a construção da estrada entre Bragança e a praia de Ajuruteua, a difícil situação econômica pela qual passava o município, as dificuldades impostas pela natureza da região e a falta de recursos, devido à diminuição dos investimentos no setor rodoviário e ao bloqueio de verbas (Ajuruteua, 17 jul. 1982, p.3), atrasaram a conclusão da rodovia. A obra teve início no governo de Fernando Guilhon (1971-1975), estendeu-se pelos governos de Aloysio Chaves (1975-1978) e Alacid Nunes (1979-1983) e foi concluída com asfaltamento somente em 1991, na gestão do governador Jader Barbalho (1991-1994).

Jader Barbalho afirmava que era preciso explorar as condições naturais e culturais da região em favor dos paraenses. Seu discurso era regionalista, porém muito semelhante ao dos militares: mesmo diante da repercussão das resoluções da Conferência da União das Nações Unidas (ONU), em Estocolmo (1972), ele defendia de forma utilitarista o aproveitamento das possibilidades econômicas da região.2 Os militares se contrapunham às expectativas das lideranças da ONU na Conferência de Estocolmo e justificavam a exploração da natureza visando combater um tipo de poluição que, segundo eles, era pior: a pobreza (Dean, 1996; Duarte, 2005).

Os “efeitos perversos” do progresso3

A implantação da rodovia promoveu mudanças nas dinâmicas sociais das comunidades atravessadas por ela e no ecossistema do manguezal. Surgiu em meio à população local uma expectativa de desenvolvimento, subsidiada por mudanças em suas atividades econômicas, assentadas na introdução do transporte rodoviário. Por outro lado, “o contato com a cidade alterou o rol de aspirações dos pescadores e de seus filhos, não só em termos de moradia, vestuário, lazer, mas também, e principalmente, em termos de escolarização, condições de saúde e emprego” (Maneschy, 1993a, p.10).

O manguezal, um dos principais ecossistemas costeiros da Amazônia brasileira, ocupa 4.500km2 na costa do estado do Pará, correspondendo a cerca de 1/5 dos manguezais de todo o Brasil (Maneschy, 1993b, p.23). Situa-se na confluência do ambiente terrestre com o marinho em regiões subtropicais e tropicais. Com seus animais e plantas oriundos da terra e do mar, tem papel importante na história evolutiva das comunidades humanas litorâneas, constituindo fonte indispensável de recursos que têm garantido o estabelecimento e a vivência dessas comunidades. Nesse sentido, “o manguezal nunca pode ser apreendido como espaço estritamente da natureza” (Campos, 2012, p.383).

Quando se percorre a rodovia no sentido Bragança-Ajuruteua, nota-se um grande contraste: do lado direito, o manguezal vivo, com suas árvores de pé. Do lado esquerdo, a floresta devastada e o mangue em processo lento de recuperação e autoadaptação, resultado do aterramento (Figura 1).

Figura 1 : Floresta de manguezal em Bragança, às margens da PA-458 (Foto: Márcio Couto Henrique, 2015) 

Para que se mantenha, o ecossistema de manguezal necessita de condições específicas, como teor de salinidade adequado à vegetação; costas protegidas de ondas e marés violentas; amplitude de marés e terrenos com fraco declive, para permitir que a água do mar penetre; solo composto de silte e argila fina, rica em matéria orgânica; e temperaturas tropicais. Outra dependência desse ecossistema é a livre circulação das águas, pois grande parte do material orgânico (nutrientes) produzido pelas árvores é trazido pelas águas marinhas e continentais (Maneschy, 1993a). Assim, o aumento do nível relativo do mar pode resultar no recuo dos manguezais em direção ao continente, como resultado da frequência de inundações. A região bragantina é caracterizada por penínsulas cortadas por canais de maré que ligam o manguezal ao estuário.

Na prática, a abertura da praia de Ajuruteua como espaço de lazer foi feita para atender, especialmente, turistas da capital (Belém), de cidades vizinhas e estrangeiros. Helena Costa (2013, p.46) alerta que “o excesso de dependência do turismo nos locais de destino é poucas vezes percebido como problema, porém é uma temática crucial para questões de sustentabilidade e para a sobrevivência econômica regional em longo prazo”. Com a estrada, aumentou o número de turistas, mas houve encarecimento dos produtos no comércio e crescimento demográfico.

Além disso, a terra entrou no circuito da mercadoria e da apropriação privada, estimulando a especulação imobiliária. A instalação da indústria hoteleira fez pouca diferença, já que os hotéis são de pequeno porte e costumam receber turistas somente durante as altas estações, especialmente no mês de julho, criando empregos periódicos e com baixos salários. As alterações ambientais foram enormes. A geomorfologia do mangue mudou significativamente nos últimos anos, e o resultado tem sido a retração dos manguezais no litoral, sobretudo por conta do aterramento de parte desse ecossistema para a construção da rodovia. Com isso, a areia cobriu as camadas de lama, obstruiu as águas de maré e asfixiou a vegetação (Lara, Cohen, 2003).

Além da “morte” de parte do mangue e de inúmeros elementos da fauna e da flora por conta da barragem que alterou o fluxo da maré, houve o acúmulo de lixo na praia, construções irregulares nas dunas e o aumento da exploração de peixes e caranguejos, devido ao fácil acesso proporcionado pela via terrestre, ocasionando a diminuição desses recursos.

A invenção da “Princesinha do Atlântico”

O turismo foi um dos fundamentos da política econômica do governador Jader Barbalho, que explorava a noção da “viagem contemporânea à natureza” (Bruhns, 2010, p.158), profundamente relacionada ao mito da natureza “intocada” ou “selvagem”. Nessas áreas, os moradores das cidades encontrariam refúgio para as atribulações do mundo urbanizado, apreciando o belo e recompondo sua paz interior (Diegues, 2000).4 A partir disso, investiu-se na construção do imaginário da praia de Ajuruteua como a “Princesinha do Atlântico”, conforme veremos a seguir.

O asfaltamento da estrada Bragança-Ajuruteua compunha um plano integrado de turismo interno que abrangia outros municípios paraenses com praias de potencial turístico, mas que eram pouco visitadas por falta de estrutura viária. Apesar das claras alterações no ambiente e dos problemas acarretados pela intervenção antrópica, a construção da estrada foi defendida abertamente por políticos, poetas, jornalistas e por grande parte da população bragantina, alimentados, especialmente, pela esperança do propagado desenvolvimento que o turismo poderia proporcionar e pela opção de lazer em lugar tido como belo e aprazível.

Em fevereiro de 1975, o prefeito José Maria Cardoso defendia o turismo como salvação para Bragança:

Acredita o prefeito que os recursos naturais de Bragança, até hoje desconhecidos para a maioria dos paraenses, formam um grande manancial de atrativos, paisagens que permitirão bons momentos de lazer, práticas de esportes e outros divertimentos. ... As praias de Ajuruteua, como são conhecidas pela população bragantina, constituem um cenário que não ficam [sic] nada a dever aos demais balneários do estado (Turismo..., 9 fev. 1975, p.11).

O prefeito apostava nas condições naturais de Bragança como atrativo para os turistas. Afinal, o município exibiria praias “desconhecidas” que proporcionariam uma experiência “aprazível” de contato com a natureza, associada a momentos de lazer e divertimento. A matéria do jornal A Província do Pará (Turismo..., 9 fev. 1975, p.11) acompanhava uma fotografia da praia de Ajuruteua, explorando visualmente o imaginário apontado pelo prefeito (Figura 2).

Figura 2 : Imagem de Ajuruteua inexplorada (Fonte: Turismo..., 9 fev. 1975, p.11) 

O discurso do prefeito explorava a ideia da satisfação dos indivíduos em um lugar de “natureza selvagem”, “inocência infantil”, “refúgio” e “intimidade”, imaginário que exerceu grande influência na criação de áreas naturais protegidas nos EUA e no Brasil. Esses espaços agradáveis eram considerados ilhas de grande beleza e valor estético que conduziriam o ser humano à meditação sobre as maravilhas da “natureza intocada”, ou seja, a busca de uma wilderness (vida natural/selvagem) (Diegues, 2000).

A construção da imagem de Ajuruteua como paraíso natural foi reforçada pela penetração da estrada na imensa floresta de mangue. O tamanho e o grande número das árvores, os caranguejos andando na estrada e os pescadores saltando dos botes com o pescado amarrado em cipós são elementos que compõem o imaginário de quem frequenta o lugar, trazendo a impressão de abundância e facilidade na aquisição do alimento. Até a década de 1990, era possível ver, à beira da estrada, placas que indicavam “Cuidado, caranguejo na pista”, alimentando esse imaginário edênico.

Além das praias, havia um conjunto de opções que poderiam ser exploradas para a prática de camping, caça e pesca, igarapés e áreas de campo, além da possibilidade de estabelecimentos de granjas. De acordo com o prefeito de Bragança, Ajuruteua apresentava outras vantagens, com extensas áreas que possibilitavam a construção de edificações permanentes, como casas de campo e hotéis (Turismo..., 9 fev. 1975, p.11).

A fim de comprovar as supostas vantagens turísticas da praia de Ajuruteua, o vereador Boulanger Ubiraci Nunes (27 mar. 1975) sugeriu que a prefeitura convidasse representantes dos meios de comunicação da capital para “melhor coletar dados e colher impressões na própria fonte, para a necessária divulgação”. Desse modo, procurava-se “vender” o espaço bragantino por meio do turismo, inserindo-o nas lógicas do mercado. Muito embora posterior a esse período, o conceito de cidade-mercadoria (Sánchez, 2001) nos ajuda a descrever as práticas que ocorreram em várias cidades nesse período, Bragança entre elas.5

Em abril de 1979, Jorge Ramos, poeta e diretor do Jornal do Caeté, percorreu um trecho da estrada pronta, acompanhado por Paulo Nunes, engenheiro responsável pela obra. Segundo matéria do referido jornal, “ao ouvir o marulho do mar, nos confins da estrada”, Ramos resolveu batizar a praia como a “Princesinha do Atlântico”, expressão que passou a ser usada nas propagandas turísticas do lugar. Paulo Nunes descreveu a praia como a “mais bela da região, em ambiente ainda não sofisticado, natural, o que vai representar um grande tento em favor de Ajuruteua” (Bem próximo..., 30 abr. 1979, p.4).

Em julho de 1980, o colunista Helder Aranha (26 jul. 1980a, p.6) dizia que “Ajuruteua é a nossa esperança. O turismo poderá ser a válvula que permitirá a este sofrido povo desfrutar dias melhores, sair da nossa situação de letargia econômica, industrial, educacional e etc.” Como se vê, eram grandes as expectativas projetadas na construção da rodovia.

De todo modo, o colunista estava atento às consequências do modelo de turismo implantado em Bragança. Em nota intitulada o “Perigo de Ajuruteua”, ele alertava para a cobiça sobre terrenos na região, que teria causado ocupação desordenada e representava “iminente perigo de invasão dos economicamente poderosos e [de] ser elitizada, perdendo assim sua principal característica natural, que é seu bucolismo” Aranha, 26 jul. 1980b, p.6). O jornalista temia que a praia viesse a se tornar um “reduto dos poderosos”, uma “nova Salinas”,6 em detrimento dos interesses da população. Apesar das críticas, o espaço bragantino continuou sendo produzido e vendido como mercadoria (Sánchez, 2001), acompanhado de uma série de discursos dos políticos locais e de setores da mídia, representando Ajuruteua como espaço paradisíaco.

Com a conclusão do asfaltamento da PA-458, em 1991, Edwaldo Martins (28 dez. 1991, p.1), colunista bragantino do jornal A Província do Pará, usou sua coluna para informar os leitores sobre o evento e enfatizou que Ajuruteua foi classificada pela revista Quatro Rodas como uma das mais belas praias do Pará. A expectativa de progresso estava relacionada ao potencial turístico incrementado pelo empreendimento rodoviário, que possibilitaria um “verão na beleza natural e selvagem da aprazível Ajuruteua” (O verão..., 15-22 jul. 1995, p.5).

Em 1995, a Secretaria de Turismo do Estado e a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) pretenderam criar um centro de lazer na Princesinha do Atlântico Ajuruteua..., 18-24 ago. 1995, p.7). Na edição de 2 a 9 de julho de 1995, outro texto do mesmo periódico enfatizava a “aprazível” praia como uma das opções aos turistas da capital e das cidades vizinhas. A matéria destacava, também, as “belezas naturais” e uma idealizada “fartura” do pescado, que barateava os preços nos bares e restaurantes do balneário (Ajuruteua..., 2-9 jul. 1995, p.4). Baseada numa articulada campanha de marketing, aos poucos se consolidou a imagem da Princesinha do Atlântico.

No processo de construção de Ajuruteua como espaço turístico, os sujeitos sociais que habitam os ambientes alterados com a construção da estrada foram deixados de lado. Assim, o foco foi a satisfação dos interesses de moradores urbanos abastados, e não dos trabalhadores rurais e extrativistas da região, privilegiando a indústria do lazer em detrimento da indústria extrativa ou agrícola.

De acordo com Bruhns (2010), o incentivo ao mercado turístico deve vir atrelado a outras políticas integradoras da população local nesse negócio, o que inclui cursos de capacitação ligados à área do turismo, para qualificar os moradores e inseri-los em atividades como indústria hoteleira e de prestação de serviços. Outras alternativas são a criação de políticas de financiamento para investimentos em atividades ligadas diretamente ao turismo ou a outas já existentes, como a indústria extrativa, com a formação de guias turísticos e oficinas de produção de artigos artesanais que fortaleçam a identidade cultural local, tornando os turistas testemunhos de seu estilo de vida (Bruhns, 2010; Costa, 2013). Ao longo dessa pesquisa, não identificamos ações da prefeitura de Bragança ou do governo do estado do Pará voltadas especificamente para o atendimento dessas demandas em torno da Princesinha do Atlântico.

Do ponto de vista do mariscador

No item anterior, vimos como a propaganda turística em torno da praia de Ajuruteua procurava construir a imagem de um lugar paradisíaco, marcado pelo bucolismo.7 Com efeito, a realidade é bem distinta, especialmente para aqueles que tiram seu sustento do manguezal, com a coleta do caranguejo, e enfrentam cotidiano desgastante e perigoso. Na prática, o trabalho dos mariscadores implica andar sobre solo lodoso e movediço (“tijuco”), em meio a um emaranhado de raízes “aéreas”, expostos a picada de insetos e ferrões de peixes, enfiando o braço até os ombros em buracos profundos, com sério risco de ser atacados por uma das patas cortantes do crustáceo ou pisar em troncos pontiagudos. Implica, ainda, viver “assombrado” pelo Ataíde8 e estar sujeito a um sistema de marretagem que os submete à dependência de patrões e lhes garante poucos recursos.9 A dureza desse métier pode ser medida pelas cicatrizes deixadas nos corpos dos mariscadores e por sua condição social precária.

Para compreender as mudanças provocadas pela rodovia tornou-se necessário reconstruir esse universo e situar o lugar da natureza e da ação antrópica, conhecendo de perto o principal sujeito que atua nesse espaço. Utilizamos o termo “mariscador”, porém, esses trabalhadores se identificam e são identificados de diversas formas, tais como “caranguejeiros”, “coletores”, “trabalhadores do mangue” (Campos, 2012), “tiradores” (Maneschy, 1993a, 1993b; Oliveira, 2013) ou “catadores” (Braga, 2013). A indefinição quanto à classificação desse tipo de trabalhador revela a fragilidade de sua organização política. De acordo com Do Vale Oliveira (2013), isso ocorre porque muitos deles desenvolvem outras atividades durante o ano, geralmente na pesca ou na agricultura.

Segundo a legislação, a categoria “tiradores de caranguejo” é associada às colônias de pescadores (Brasil, 29 jun. 2009). Contudo, os mariscadores de Bragança não sabem qual entidade procurar, haja vista não se considerarem pescadores, pois sua atividade apresenta diferenças com relação à desses, desde o recurso explorado, passando pelas técnicas, instrumentos, produção e formas de comercialização. Com isso, eles ficam impedidos de acessar políticas públicas e benefícios ofertados pelo governo federal, tais como aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensões e seguro-desemprego, voltados para pescadores em época do defeso de determinadas espécies (Oliveira, 2013).

Ao rememorar experiências anteriores à construção da rodovia, os mariscadores reportam a vida difícil no manguezal. Talvez por isso alguns definam a estrada como um evento positivo, percepção atrelada a três elementos básicos: o tempo de trabalho, que se modifica com a inserção da estrada; as mudanças nas formas de comercialização do produto; e o estreitamento dos laços familiares. Contudo, ao longo dos diálogos eles deixam escapar algumas alterações que foram prejudiciais às suas atividades, como o aumento do número de coletores, de marreteiros, a dependência do transporte, a “morte” de parte do manguezal, o desmatamento e a diminuição de caranguejos em locais tradicionais de coleta.

Ao refletir sobre a importância da estrada, o mariscador André Tavares da Gama (12 maio 2010) aponta para o abrandamento das dificuldades impostas pela natureza em sua atividade cotidiana, especialmente as que interferem em seu relacionamento familiar: “e a produção também melhorou, aí o carro já ia, a gente ia também, já vinha de tarde, já era mais perto pra gente, facilitou muito, facilitou muito pra gente. ... a família pode não ter o almoço, mas a janta tem. Aí facilitou pra gente mais”.

Antes da estrada, André Gama passava mais tempo no mangue, e, por extensão, longe da família, que, algumas vezes, ficava sem o almoço.10 Por outro lado, quando perguntado sobre as mudanças no manguezal, o mariscador afirmou que o caranguejo ficou mais “vasqueiro”, escasso, por conta do aumento do número de mariscadores na área, facilitado pela rodovia. Essa percepção foi unânime entre os interlocutores: a facilidade de acesso, especialmente de marreteiros, fez aumentar a pressão sobre a demanda do produto, e grande número de jovens desempregados se dirigiram ao manguezal, onde a recompensa financeira, mesmo não sendo alta, era imediata. Os mariscadores perceberam que as alterações ocasionadas pela estrada foram igualmente responsáveis pelo desaparecimento de um número considerável de crustáceos e da “morte” de parte do manguezal.

Olha, na época que eu trabalhava, estes manguezal aí pra banda da beira da estrada era tudo vivo, sabe? Depois que essa estrada foi formada, que foi atolado o manguezal com a estrada, teve parte que morreu muito. E aqui nessa beira da estrada tem muita paragem que morreu, né? (Gama, 28 jan. 2014).

Ao rasgar o manguezal, a estrada proporcionou novas possibilidades de exploração, além da utilização de meios de transporte como carro e bicicleta. Porém, surgiram problemas, como a necessidade de se deslocar a lugares mais distantes para obter coleta satisfatória, pois o aumento do número de coletores ocasionado pela facilidade de acesso e a “morte” de parte do manguezal (Figura 3) tornaram o caranguejo mais escasso nas regiões mais próximas.

Figura 3 : Área de manguezal atingida pelo aterramento, às margens da PA-458 (Foto: Márcio Couto Henrique, 2015) 

Ao analisar as mudanças, André Gama (12 maio 2010) enfatiza, mesmo de forma exagerada, o aumento de coletores no mangue como um dos fatores responsáveis pela escassez do caranguejo em algumas áreas, especialmente nas proximidades da estrada:

É porque naquele tempo tinha pouca gente que trabalhava na produção, tiração do caranguejo, hoje em dia não, é muita gente, muita gente, quer dizer... fica difícil, porque muita gente tira, naquele tempo mais ou menos era umas vinte pessoas que trabalhavam, hoje está numa base de umas quinze mil pessoas.

O aumento da área de exploração foi uma nova possibilidade forjada pela estrada e é comemorado pelos mariscadores, apesar de colocá-los em dependência do transporte, geralmente alugado, e acarretar mais despesas ao extrativista. Com a rodovia, ele pode ir mais longe, até lugares ainda não explorados e que lhe proporcionam uma produção mais satisfatória. Por outro lado:

tem paragem que dá mais ou menos quase dois quilômetros de distância da estrada pra dentro, porque está mais fácil o caranguejo pra banda de lá, já aqui na beira da estrada está mais difícil, porque tem muito consumidor, aí o caranguejo ficou mais difícil e está ficando mais vasqueiro, ele talvez não se acabe, mas dizer que ele ficou mais vasqueiro, ele fica (Gama, 12 maio 2010).

A rodovia também gerou mudanças nos procedimentos de comercialização, graças à facilidade da venda do produto, por conta do aumento do número de marreteiros às margens da estrada. Esses se beneficiaram do precário sistema de transporte público e das desvantagens a que estão submetidos os mariscadores, empreendendo um comércio desigual que os faz acumular capital, enquanto o coletor consegue apenas reproduzir as condições básicas de existência. Por outro lado, apesar das reclamações de alguns mariscadores contra a presença de marreteiros, eles entendem sua presença como fundamental para a economia extrativista local, pois estafados pelo trabalho pesado no manguezal e sem ter como levar seu produto para comercializar na cidade, veem no marreteiro figura indispensável para manter sua atividade.

Ao lembrar as dificuldades de seu ofício antes da estrada, Orivaldo Tavares da Silva (21 jun. 2010) recorda que seu pai partia de canoa e levava um dia para chegar ao local da coleta. Além disso, passava uma semana no manguezal para trazer caranguejo suficiente, tendo que vendê-lo na feira por conta própria:

Ah! Melhorou muito, melhorou uns trinta por cento, porque antigamente essa safra de pescar, tirar caranguejo, meu pai, nesse tempo eu ainda não ia, era pequeno, mas eu me lembro, né? Meu pai com os colegas dele iam tirar caranguejo, pescar, pegava as canoas, a gente tinha canoa, pegava daqui, por exemplo, ele saía daqui na segunda-feira pela parte numa hora dessa da manhã, né? Ele saía daqui, aí, quando chegava lá onde era o caranguejo, era a noite, por lado de umas onze horas, meia-noite. Aí, quando era de manhã, ele tirava o caranguejo, aí tirava manhã, depois da manhã e quinta, né? Tirava quinta e sexta, quando era a noite, saía de lá pra sábado de manhã tá aqui em Bragança, vendendo.

Estudos como os de Maneschy (1993a, 1993b) e Domingues (2008) ressaltam que a pressão comercial sobre a captura do caranguejo nessa região se intensificou a partir da década de 1970, e uma das explicações para o fato é a expansão rodoviária, exemplificada com a BR-308 (Capanema-Bragança) e a PA-458, em Bragança.11 Antes disso, a figura do marreteiro existia, mas em menor número, como aponta André Tavares da Gama (12 maio 2010):

a gente ia assim de canoa, porque quando não tinha essa estrada, a gente ia em canoa, chegava lá embaixo, a gente passava três dia, quatro dia, trabalhando lá ..., pra poder vender lá em Bragança, aí nessa época não tinha quase marreteiro, a gente tinha que ir lá em Bragança vender, agora não! Marreteiro, a gente tá tirando o caranguejo, já tem marreteiro na beira da estrada chamando pra pagar a gente, quantas peras12 a gente tem. ... Antes dessa estrada aqui, eu ia direto para feira vender lá, né? E depois que a estrada continuou aqui, começou transitar carro, aí já vende lá no marreteiro.

Gama avalia a grande presença de marreteiros de forma positiva, uma vez que aumenta a possibilidade de venda imediata do caranguejo, sem ter que ir à cidade. Antes da estrada, o esforço e os custos de comercialização eram maiores, e os mariscadores passavam mais tempo longe de suas famílias.

A diminuição do Ucides cordatus no manguezal bragantino foi uma das principais mudanças ocorridas após a ação antrópica que atingiu a região a partir da introdução da rodovia PA-458 e constitui uma das principais preocupações de estudiosos desse ecossistema. Não obstante, as interpretações de mariscadores, marreteiros e habitantes de localidades próximas ao mangue sobre as explicações e soluções para essa problemática são diversas e estão assentadas em um imaginário peculiar composto por elementos fantásticos e mágicos, articulados com a paisagem local. Para o mariscador Orivaldo da Silva, o caranguejo não vai acabar por se tratar de obra “divina” para sustentar o pobre e o rico. Para ele, o caranguejo só chegará ao fim quando acabarem todas as outras criaturas “divinas”, o homem incluído. Em outro relato, o mariscador afirma que o caranguejo não se acaba porque “é mina”, pode ser retirado do buraco hoje porque amanhã haverá novamente (Silva, 21 jun. 2010).

Ao analisar as percepções de natureza nos povoados de Porto da Roça, no município de Humberto de Campos, Maranhão, Bartolomeu Mendonça (2009) se deparou com concepção análoga à de Orivaldo da Silva. Ao indagar os moradores daquele povoado sobre a extração do caranguejo o autor ouviu que “quanto mais se tira, mais tem”. Os mariscadores costumam afirmar que o caranguejo “é mina, isto é mina, não acaba nunca”. Mendonça (2009, p.14) concluiu que “o imaginário coletivo local relaciona a constância de disponibilização do recurso com uma fonte que jorra sem parar, como uma nascente que mina da terra de modo constante e ininterrupto, desse modo não importa se aumenta os que bebem dessa fonte, ela continuará jorrando sempre”.

Assim como em Porto da Roça, os sistemas ecológicos de Bragança alimentam várias gerações de famílias, fato que reforça entre os mariscadores a crença de que a natureza será sempre autorregenerável. Para esses sujeitos, os acontecimentos tidos como “naturais” do ponto de vista do pensamento empírico-racionalista são resultado de uma experiência mágico-religiosa (Eliade, 1977).

As ideias de natureza dos mariscadores de Bragança são produtos de projeções humanas no mundo natural. As narrativas de André Tavares da Gama, Orivaldo Silva e Manoel Paixão são exemplares nesse aspecto e, ao demonstrar concepções de natureza atreladas a valores e significados peculiares, apresentam uma estrutura básica. Sempre que falam da perenidade do caranguejo usam de um valor essencial que não é definido explicitamente, mas que costura toda a história, a simetria (Portelli, 2010). Nesse caso, quando contestados sobre a exploração intensiva do crustáceo, que coloca em questão sua atividade, utilizam argumentos religiosos, o mito da criação, que guarda importância não mensurável para sua cultura.

Não vai dizer assim que vai se acabar, porque foi Deus que deu essa produção pros pobre né? (Gama, 12 maio 2010).

Hoje em dia é casa que você olha de lado e de outro é pra todo canto, então esse pessoal tem que comer todos os dias, tá entendendo, tá? Não é fácil não, cara, sustentar todo esse povo, só Deus mesmo, né?

Mas o que Deus deixou não se acaba não, que o dia que se acabar o caranguejo se acaba o peixe, se acaba o sururu, se acaba o boi, se acaba a vaca e se acaba nós também, que nós também, que somos vivente da criação dele... (Silva, 21 jun. 2010).

Só quando Deus quiser, que nós mesmos, só assim, como eu disse, só se derrubar o manguezal é que aterra aí se acaba, mas se não derrubar os paus do mangar nunca se acaba, só Deus mesmo, quando ele quiser, né? O caranguejo não é um peixe no mar, não se acaba assim (Paixão, 24 maio 2011).

Repete-se nas narrativas acima a premissa de que Deus é o responsável pela criação e pelo fim dos recursos naturais, sendo que só a vontade divina decidiria pelo fim do caranguejo. Desse modo, ao acreditar que exercem um direito “divino”, sustentado no mito da criação bíblico, os mariscadores excluem qualquer sentimento de culpa pela escassez do crustáceo.13

Considerações finais

O projeto de construção da rodovia PA-458 e a criação do balneário de Ajuruteua envolveram diversos sujeitos; porém, sua elaboração partiu dos interesses de cidadãos de Belém e Bragança, que viam na natureza o motivo edênico de contemplação, um lugar aprazível cujo potencial turístico deveria ser explorado. A natureza local foi percebida como “vantagem” sobre as regiões urbanizadas e também como armazém, onde os recursos são infinitos e abundantes e estão disponíveis para o usufruto do homem. Uma grande riqueza natural, “dádiva de Deus”.

Diante dessa perspectiva, as necessidades do ambiente físico e dos moradores locais foram deixadas de lado. A estrada foi construída sobre o aterramento de 26km de manguezais, incluindo o aterramento de vários canais, causando a morte de milhares de espécies animais e vegetais. Além disso, impediu o processo de irrigação para um dos lados da rodovia e causou a invasão de especuladores imobiliários que ocuparam desordenadamente a faixa do litoral. Por outro lado, cresceu a demanda pelos produtos extrativos, especialmente o pescado, condicionado pelo aumento concomitante de atravessadores que exploram mariscadores de caranguejo e pescadores artesanais abandonados pelo poder público. Apesar disso, os mariscadores consideram que suas condições de vida mudaram para melhor depois da construção da estrada.

A história da construção da rodovia PA-458 nos ajuda a refletir sobre os impactos dos diversos projetos de desenvolvimento implantados na Amazônia ao longo do século XX. De um modo geral, os governos têm se utilizado de um discurso técnico que anuncia o “progresso” para a região, mas que esconde projetos de poder que beneficiam apenas determinados grupos. Os mais afetados, os moradores locais, têm sido historicamente excluídos das distintas etapas de implantação desses projetos de desenvolvimento, arcando com o ônus dos impactos socioambentais que eles provocam. Ao focar na natureza apenas como recurso, como fonte de riquezas, deixa-se de lado a interrelação entre as dimensões físicas, humanas e simbólicas (Sanchez, 1979; Pádua, 2000).14 Assim, os saberes locais são desprezados.

Por outro lado, a história da construção da rodovia PA-458 evidencia o lugar da natureza nos projetos de desenvolvimento desse período. Estudos sobre os impactos socioambientais do aterramento de 26km de manguezais só começaram a ser feitos a partir da década de 1990 (Maneschy, 1993a) e com maior intensidade nos anos 2000 (Carvalho, 2000; Fernandes et al., 2007; Nascimento, 2008). Com a inauguração da estrada, o fluxo de turistas na praia de Ajuruteua aumentou, mas, sendo feito de modo desordenado e sem políticas de inclusão da comunidade local, o turismo levou consigo o problema do lixo, a especulação imobiliária, o encarecimento dos produtos no comércio e o crescimento demográfico igualmente desordenado.

De acordo com Worster (1991, p.199), “chegou a hora de comprarmos um par de sapatos resistentes para caminhadas, e não poderemos evitar sujá-los com a lama dos caminhos”. Um desses caminhos é o manguezal. Conforme demonstram as pesquisas da história ambiental, é necessário tornar a história mais inclusiva em suas narrativas. Precisamos inserir entre nossas preocupações a esfera não humana, o que inclui a natureza propriamente dita (mangues, rios, florestas, entre outros), além de criaturas fantásticas presentes nos mitos claramente relacionados às questões ambientais, como o encantado Ataíde que circula na zona bragantina.

No fim das contas, a análise dos chamados projetos de desenvolvimento na Amazônia evidenciam o quanto é necessário perceber que as consequências ecológicas de nossos feitos passados não podem ser ignoradas. Assim como a natureza desempenha um papel na moldagem dos métodos produtivos, tal como se percebe no trabalho de mariscar caranguejo no manguezal, as ações humanas (estradas, lixo, exploração desordenada, turismo, entre outros) interferem na natureza e produzem impactos que precisam ser sempre levados em consideração (Worster, 1991).

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