versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.1 São Paulo jul. 2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140111
Entre julho de 2012 e março de 2014, o Departamento de Hipertensão Arterial da Sociedade Brasileira de Cardiologia elaborou e publicou quatro documentos abordando alguns aspectos específicos sobre os cuidados com a hipertensão arterial1-4. Da mesma maneira, entre julho de 2013 e janeiro de 2014, as principais instituições internacionais também elaboraram documentos atualizando suas orientações gerais com relação à hipertensão arterial5-9. Alguns dos documentos brasileiros antecederam os internacionais, enquanto outros foram publicados concomitantemente.
O primeiro documento brasileiro, publicado ainda em 2012, abordou a Hipertensão Arterial Resistente1, e foi feita extensa revisão sobre o assunto com base nas evidências disponíveis na oportunidade. Além de definição, cuidados com o diagnóstico e possíveis causas, houve a preocupação de ressaltar que a maioria dos casos é, na verdade, de pseudorresistência ocasionada, principalmente, pela falta de adesão, sem deixar de destacar a importância de uma possível hipertensão secundária. O documento, finalmente, fez uma proposta de tratamento que incluiu o clássico e conhecido - mas quase sempre relegado a segundo plano - tratamento não medicamentoso e uma indicação objetiva de tratamento farmacológico, que leva em consideração a utilização de doses plenas de fármacos que inibem o sistema renina angiotensina aldosterona (IECA ou BRA) de um antagonista dos canais de cálcio de longa ação, de um diurético tiazídico e, como quarto fármaco, propôs a utilização da espironolactona. Como passo seguinte foi indicado um betabloqueador com ação vasodilatadora ou uma droga de ação central.
Comparando o documento brasileiro com as diretrizes publicadas em 2013 e 2014 por ESH/ESC5, JNC-86, ASH/ISH7 e CHEP8, não observamos diferenças significativas, verificando apenas que os documentos da ESH/ESC e do CHEP não apresentam recomendações específicas para a hipertensão resistente, apenas sugerindo o algoritmo convencional. Os documentos do JNC-8 e da ASH/ISH propõem como quarto fármaco uma escolha livre entre antagonista da aldosterona, betabloqueador ou droga de ação central. Na verdade, como é descrito no próprio posicionamento brasileiro, não há evidências definitivas sobre o quarto fármaco a ser utilizado, e um estudo multicêntrico genuinamente brasileiro10, que está em fase final de execução, deve responder parcialmente a tal questionamento, pelo menos no que diz respeito a esse aspecto.
O segundo documento foi publicado em meados de 2013, tratando especificamente dos cuidados com o Hipertenso Diabético2, e também aconteceu anteriormente às publicações internacionais. Sobre esse tema existem as maiores diferenças entre as diversas diretrizes (Tabela 1), apesar de, na realidade, serem detalhes que ao final pouco vão interferir no resultado final.
Tabela 1 Comparação entre os documentos para pacientes com diabetes tipo 2
Documento | Meta PA | Meta HbA1C | Meta LDL-CT | Droga inicial |
---|---|---|---|---|
DHA/SBC2 | 130 x 80 | < 7% | < 100 sem DCV | IECA/BRA |
< 70 > 40 anos | ACC/DIUR | |||
< 70 com DCV | ||||
ESH/ESC5 | 140 x 80-85 | < 7% | < 115 mod/alto RCV | IECA/BRA |
< 70 com DCV | ||||
JNC-86 | < 140 x 90 | - | - | IECA/BRA |
ACC/DIUR | ||||
ASH/ISH7 | <140 x 90 | - | - | IECA/BRA |
CHEP8 | < 130 x 80 | - | - | IECA/BRA |
ACC/DIUR | ||||
ADA9 | < 140 x 80 | < 7% | < 100 baixo RCV | IECA/BRA |
< 70 com DCV |
ACC: antagonista dos canais de cálcio; ADA: American Diabetes Association; ASH: American Society of Hypertension; BRA: bloqueador do receptor da angiotensina II; CHEP: Canadian Hypertension Education Program; DHA-SBC: Departamento de Hipertensão Arterial da SBC; DIUR: diurético; ESC: European Society of Cardiology; ESH: European Society of Hypertension; HbA1C: hemoglobina glicada; IECA: inibidor da enzima conversora da angiotensina; ISH: International Society of Hypertension; JNC-8: 8 Joint National Committee; LDL-CT LDL colesterol; PA: pressão arterial.
O posicionamento brasileiro define metas de PA em torno de 130 × 80 mmHg, valor que foi também adotado pela CHEP8 em seu documento publicado no início de 2014. O documento da ESH/ESC5 definiu metas de 140 × 80-85. A American Diabetes Association (ADA)9 estabeleceu metas de PA < 140 × 80 mmHg, enquanto JNC-86 e ASH/ISH7 definiram metas de PA < 140 × 90 mmHg para esse grupo. Foram definidas também as drogas preferenciais, sendo os IECAs ou BRAs mandatórios para os diabéticos com alterações renais, e qualquer uma das quatro classes (IECA, BRA, diuréticos, antagonistas dos canais de cálcio) para aqueles sem lesão renal. Quando em associação, os IECAs ou BRAs com antagonistas dos canais de cálcio foram apresentados como vantajosos, mas também podem ser utilizados os IECAs ou BRAs associados aos diuréticos. Como fármacos complementares, os betabloqueadores e as drogas de ação central entram nas associações. JNC-8 e CHEP fazem a mesma recomendação que o documento brasileiro para o uso de fármacos. O uso inicial de IECA ou BRA para todos os diabéticos é preconizado por ESH/ASH, ASH/ISH e ADA, sendo que para a associação a orientação é semelhante à dos demais. Adicionalmente, o documento brasileiro estabeleceu metas para o controle de glicemia (HbA1C <7%), valor semelhante ao proposto pela ESH/ESC e pela ADA, enquanto o JNC-8, a ASH/ISH e o CHEP não abordaram esse assunto. Também foram definidas metas para controle de lipídeos sanguíneos (LDL colesterol <100 mg/dL para aqueles com < 40 anos sem DCV e < 70 mg/dL para aqueles com > 40 anos e com DCV). Da mesma forma, ESH/ESC e ADA estabeleceram os mesmos valores para LDL-CT para os pacientes com DCV associada (LDL-CT < 70 mg/dL), e para os diabéticos de moderado a alto risco foi estabelecida meta de LDL-CT < 115 mg/dL pela ESH/ESC, enquanto a ADA estabeleceu valores de LDL-CT < 100 mg/dL para os de baixo risco. Os documentos de JNC-8, ASH/ISH e CHEP também não focalizaram esses aspectos.
O terceiro tema revisto pelo DHA/SBC está relacionado com Pré-Hipertensão, Hipertensão do Avental Branco e Hipertensão Mascarada, e apareceu no ABC no início de 20143. Foram abordados aspectos conceituais, de diagnóstico, prognóstico e, finalmente, de conduta. Em todos os casos houve orientação para o diagnóstico preciso, atenção especial aos casos identificados e com relação à conduta; para todos foram indicadas mudanças no estilo de vida com acompanhamento frequente. Com relação à terapêutica medicamentosa, foi feita indicação do mesmo esquema terapêutico dos hipertensos comuns para aqueles com hipertensão mascarada. Para os indivíduos com HA do avental branco foi indicado acompanhamento cuidadoso sem uso de medicamentos, ficando aberta a possibilidade de abordagem criteriosa com drogas para os indivíduos com risco muito elevado ou lesão de órgãos-alvo. Para os pacientes com pré-hipertensão, de acordo com as evidências existentes, também não foi indicado tratamento medicamentoso, deixando espaço para essa indicação apenas em casos selecionados, em indivíduos com alto risco cardiovascular, diabetes ou lesão renal estabelecida, sempre dependente de decisão médica individualizada. Também nesses casos, grande estudo originado no Brasil busca responder à questão do uso ou não de anti-hipertensivos em baixas doses nesse grupo de pacientes11. Novamente, o documento do DHA é absolutamente concordante com o da ESH/ESC. O documento da ASH/ISH faz rápida referência à pré-hipertensão e também indica o tratamento não farmacológico para esses casos. Além disso, não tece qualquer comentário sobre hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada. O JNC-8 e o CHEP não fazem qualquer alusão a essa questão em seus documentos.
Finalmente, a última publicação do DHA descreve um tema de bastante interesse, que é a Combinação de Drogas4. Esse documento é absolutamente alinhado com todos os demais e, além disso, dá orientações sobre o uso das associações de maneira clara, didática e com base no conjunto das evidências existentes. Esse tipo de esclarecimento por certo facilitará as condutas médicas, possibilitando melhores opções de tratamento.
Vemos, portanto, que a comunidade científica brasileira tem trabalhado de maneira coerente, utilizando as informações existentes de maneira moderna e alinhada com os demais organismos internacionais que tratam da questão. Nos documentos relacionados aos diabéticos, existem pequenas diferenças, e elas estão presentes em todas as diretrizes, demostrando que não é a informação diferente, mas a falta de informação definitiva que acaba por ocasionar essa variedade de opções.
Finalizando, vale a pena uma reflexão, dando destaque ao que é definido nas diversas publicações em suas considerações finais. Todas buscam fornecer subsídios para uma boa conduta médica, com base no conjunto das melhores informações científicas disponíveis. Entretanto, nenhuma orientação substitui o julgamento clínico e a conduta médica criteriosa orientada para cada tipo específico de paciente, com base nos princípios da ciência e da bioética.