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Notalgia parestésica e prurido neuropático. Relato de caso

Notalgia parestésica e prurido neuropático. Relato de caso

Autores:

Thiago Alves Rodrigues,
Eduardo José Silva Gomes de-Oliveira,
João Batista Santos Garcia

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.2 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190071

INTRODUÇÃO

Notalgia parestésica (NP), mencionada pela primeira vez em 1934 por Astwazaturow1 deriva do vocabulário grego, notos (dorso) e algos (dor), sendo pouco descrita na literatura. Apesar disso, acredita-se que é uma condição comum, mas subdiagnosticada2,3. É uma síndrome neuropática sensitiva que acomete a região dorsal entre os dermátomos de T2 a T6, e caracteriza-se por uma evolução crônica com períodos de remissão e exacerbação. O diagnóstico é clínico e o sintoma é de prurido localizado associado à sensação de queimação, parestesia, hiperestesia e podendo apresentar área bem delimitada de hiperpigmentação na região interescapular3.

A etiologia não é bem estabelecida, mas é considerada multifatorial, o que inclui a predisposição genética, o aumento da inervação cutânea local, a neurotoxicidade por agente químico e por lesão do nervo espinhal devido a trauma crônico e/ou compressão por alterações degenerativas da coluna ou tecidos moles adjacentes4. Além disso, foi descrito na literatura o sexo feminino como o mais afetado, porém não há preferência por raça. É uma doença que aparece na vida adulta, considerada benigna, mas que afeta diretamente a qualidade de vida dos pacientes3.

O objetivo deste relato foi demonstrar um caso de NP, desde a sua investigação clínica e laboratorial até a conduta adotada.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 77 anos, aposentada, compareceu para atendimento no Ambulatório de Dor Crônica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), relatando como queixa principal prurido intenso em região dorsal direita com extensão para a região inframamária, associado a dor intermitente, em queimação, choque e pontadas, que piorava com esforço físico e movimento. Seu sono não era reparador. Entre seus antecedentes pessoais, relatou diagnóstico de osteoporose e tuberculose há 5 anos à época da consulta, negando diabetes mellitus, hipertensão arterial e alergias. Negava histórico de lesões de pele em região dorsal. Ao exame físico, a paciente não apresentou banda muscular tensa palpável e pontos-gatilhos na região afetada. Não referiu dor à palpação do local, com discreta hipoestesia em dermátomos T5 e T6, não havendo alteração de sensibilidade térmica. O exame dermatoscópico era normal.

Os exames de ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna cervical, torácica e de pelve não apresentaram alterações. Na RNM lombar, descreveu-se discopatia degenerativa com abaulamentos discais discretos. Na tomografia computadorizada (TC) de tórax foi encontrado espessamento pleural apical bilateral e bronquiectasia.

A hipótese diagnóstica foi de NP, baseada na queixa principal de prurido intenso, na descrição subjetiva da dor e nos sinais presentes ao exame físico. A paciente, então, iniciou tratamento clínico com gabapentina (300mg) a cada 12 horas por via oral e codeína (30mg) em caso de dor.

Após seis meses de tratamento, a paciente referiu remissão completa do quadro de prurido, tendo apenas uma crise de dorsalgia leve naquele intervalo, com melhora completa ao usar codeína. Houve também melhora da qualidade do sono. Além do tratamento farmacológico, associou-se fisioterapia domiciliar respiratória e motora.

DISCUSSÃO

Neste relato, o caso clínico apresentado foi o de uma paciente com NP referindo prurido intenso e intermitente e dorsalgia irradiada para mama direita, com choques, pontadas e queimação.

A NP, mencionada pela primeira vez em 1934, é descrita como uma síndrome neuropática sensitiva caracterizada por prurido, dor e hipoestesia em parte superior do dorso, entre os dermátomos T2 e T61,5. Não tem preferência por raça e é descrita em todo o mundo. Não é considerada uma condição grave, mas possui grande impacto na qualidade de vida3. É caracterizada clinicamente por prurido localizado associado a dor, geralmente intermitente e paroxístico, com intensidade variável. Além de sensação de queimação ou frio, relatam-se queixas de parestesia, hiperestesia e pele hiperpigmentada bem-circunscrita na região dorsal, secundária aos arranhões crônicos e à fricção da área sintomática2,5-9.

A etiologia ainda é desconhecida, embora se pense que seja um prurido neuropático causado pela compressão do nervo sensitivo envolvendo as ramificações posteriores das raízes nervosas de T2 a T6, estando associada principalmente a alterações degenerativas nas vértebras2,5. Eventualmente, a compressão dos nervos pode causar disestesia e parestesia muito intensas, tipicamente localizadas na região da pele que é inervada pelo nervo lesionado. Essa sensação dolorosa ocorre quando os neurônios responsáveis pela integração ou transporte da percepção da coceira sofrem lesões em qualquer parte do sistema nervoso periférico ou central, representando cerca de 8% do total de casos crônicos de prurido6-8.

Os fármacos sistêmicos usados atualmente no tratamento de pacientes com NP, com resultados favoráveis no alívio do prurido e dor incluem gabapentinoides, antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos, anti-inflamatórios não esteroides, relaxantes musculares orais e anticonvulsivantes3. Neste caso, optou-se por usar a gabapentina, alcançando resultados satisfatórios como apresentado em alguns estudos, com diminuição da intensidade da dor e do prurido9,10.

Outras formas de tratamentos disponíveis descritos são: creme tópico de capsaicina, corticosteroides tópicos, anestésicos tópicos (lidocaína), estimulação cutânea, bloqueio do nervo paravertebral e cirurgia de descompressão nervosa espinhal. Entretanto, não há um tratamento considerado padrão. A avaliação de sua eficácia na NP é prejudicada pela escassez de artigos sobre o tema2,3.

CONCLUSÃO

Este relato corroborou alguns achados já descritos na literatura, como a boa resposta ao uso de gabapentinoides em pacientes com diagnóstico de NP. Entretanto, são necessários mais estudos para caracterizar e entender melhor a patogênese da referida doença, bem como para gerar uma otimização e padronização da terapêutica escolhida.

REFERÊNCIAS

1 Astwazaturow M. Über parästhetische Neuralgien und eine besondere form derselben-notalgia paraesthetica. Deutsche Zeitschrift für Nervenheilkunde. 1934;133(3-4):188-96.
2 Shin J, Kim YC. Neuropathic itch of the back: a case of notalgia paresthetica. Ann Dermatol. 2014;26(3):392-4.
3 Chiriac A, Podoleanu C, Moldovan C, Stolnicu S. Notalgia paresthetica, a clinical series and review. Pain Pract. 2016;16(5):E90-1.
4 da Cruz CM, Antunes F. Physical medicine and rehabilitation role on notalgia paresthetica. Case report and treatment review. Am J Phys Med Rehabil. 2018;97(12):929-32.
5 Raison-Peyron N, Meunier L, Acevedo M, Meynadier J. Notalgia paresthetica: clinical, physiopathological and therapeutic aspects. A study of 12 cases. J Eur Acad Dermatol Venereol. 1999;12(3):215-21.
6 Stumpf A, Ständer S. Neuropathic itch: diagnosis and management. Dermatol Ther. 2013;26(2):104-9.
7 Hachisuka J, Chiang MC, Ross SE. Itch and neuropathic itch. Pain. 2018;159(3):603-9.
8 Misery L, Brenaut E, Le Garrec R, Abasq C, Genestet S, Marcorelles P, et al. Neuropathic pruritus. Nat Rev Neurol. 2014;10(7):408-16
9 Maciel AA, Cunha PR, Laraia IO, Trevisan F. Efficacy of gabapentin in the improvement of pruritus and quality of life of patients with notalgia paresthetica. An Bras Dermatol. 2014;89(4):570-5.
10 Loosemore MP, Bordeaux JS, Bernhard JD. Gabapentin treatment for notalgia paresthetica, a common isolated peripheral sensory neuropathy. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2007;21(10):1440-1.