versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.2 Rio de Janeiro fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.21492015
The assessment of dietary intake is important in nutrition science, however the methods used for this purpose may lead to misreporting, thereby skewing the results associated with diet. This study aims to assess the prevalence of misreporting of dietary intake and associated factors. This is a cross-sectional study with users of nine Health Promotion Services – called ‘City fitness facilities’ – in Belo Horizonte in the State of Minas Gerais. Sociodemographic and economic data were collected together with information on health history and perceptions, dietary habits and nutritional status. The assessment of energy intake was performed using 24-hour dietary recalls and misreporting of energy intake was determined using the McCrory method. Of the 487 users assessed, 82.3% were female and 50.5% were elderly. The prevalence of underreporting was 11,9%, being more prevalent among participants with dyslipidemia and very high waist circumference and was less prevalent among adults, people satisfied with their body weight and those with appropriate meal frequency. Overreporting was found in only 0.8% of the sample. Underreporting was identified as being a problem in this population, thus calling for strategies for improving dietary reporting accuracy.
Key words: Energy intake; Diet surveys; Primary Health Care
A avaliação da ingestão alimentar é de extrema importância na ciência da nutrição, estando, entre as suas diversas aplicações, a identificação de problemas nutricionais a partir do monitoramento da ingestão de alimentos e nutrientes, e a determinação de associações entre a ingestão alimentar e o processo saúde/doença1.
Para tal, tornam-se necessários métodos de inquérito alimentar válidos e que forneçam informações confiáveis2 que estão susceptíveis ao fenômeno da notificação imprecisa, a qual compreende tanto a super (relato de alimentos que não foram ingeridos e/ou aumento das quantidades) quanto a subnotificação (não relato de todos os alimentos ingeridos e/ou relato em quantidades menores). Essa imprecisão pode comprometer, seriamente, a interpretação dos resultados de pesquisas que relacionam nutrição e saúde, sobretudo quando se refere ao conteúdo energético da dieta, interferindo, consequentemente, na avaliação da ingestão de nutrientes3,4.
Essa ocorrência da notificação imprecisa pode ser determinada por métodos que validam a ingestão energética autorreferida3,5, propiciando magnitudes diferentes entre os estudos e as populações5. Estudo de revisão bibliográfica apontou prevalência de subnotificação da ingestão alimentar variando de 21,5% a 67%, e de supernotificação, de 1% a 6% entre as mulheres e 1,6% entre homens, com o uso do R24h como método para avaliação do consumo alimentar. Já com a utilização do diário alimentar, a subnotificação variou de 11,9% a 44%, enquanto a supernotificação, de 3,5% a 7%6.
Diante da importância dessa avaliação nos estudos para uma melhor qualidade dos dados, a escassez na literatura de trabalhos nacionais que realizem tal investigação, somando que esse fenômeno é altamente influenciado por fatores sociais e culturais, torna-se fundamental estudá-lo em qualquer população na qual se pretenda mensurar o consumo alimentar7. Além disso, é importante, ainda, determinar os diferentes fatores associados à notificação imprecisa para elucidar o modo com o qual as características dos sujeitos influenciam no relato de ingestão de alimentos, aumentando, assim, a compreensão deste processo a fim de favorecer a fidedignidade da avaliação e delineamento de intervenções mais apropriadas4.
Dessa forma, buscou-se avaliar a prevalência de notificação imprecisa do consumo energético e seus fatores associados entre usuários de Serviços de Promoção da Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Trata-se de um estudo transversal realizado entre 2013 e 2014 no contexto das Academias da Saúde, que fazem parte de uma estratégia do projeto de Promoção de Modos de Vida Saudáveis “BH +Saudável”, elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, com o objetivo principal de contribuir para a promoção da saúde e a produção do cuidado e de modos saudáveis de vida da população8,9.
Este trabalho foi uma parte do projeto intitulado “Consumo de frutas e hortaliças em serviços de promoção da saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais: fatores associados e intervenções nutricionais”, desenvolvido em 18 Academias da Saúde, duas em cada região administrativa do município, sendo esse número obtido por meio de processo amostral de forma a se alcançar uma amostra representativa do serviço no município, considerando o Índice de Vulnerabilidade à Saúde, assumindo-se como premissa que as Academias atendam usuários com distintos índices, já que são serviços de saúde com acesso universal, localizados em pontos estratégicos das regionais, garantindo variabilidade amostral9.
Para o desfecho do presente estudo realizou-se um cálculo amostral considerando uma população média de 265 usuários no turno matutino por Academia da Saúde de BH a partir de informações da prefeitura, erro alfa de 5%, 95% de confiança e percentual máximo esperado de notificação imprecisa de 29,6% (27% de subnotificação e 2,6% de supernotificação) utilizando-se como método de avaliação do consumo alimentar o R24h6, obtendo-se um número estimado de 316 indivíduos10. Assim, utilizou-se dados de nove Academias da Cidade, uma em cada região administrativa do município.
O estudo foi realizado com todos os usuários das Academias da Cidade que atendessem aos critérios de inclusão: ter 20 anos ou mais de idade, aceitar participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, para fins de análise, declaração de não estar realizando alguma tentativa atual para perda ou ganho de peso em virtude da sua implicação na notificação do consumo alimentar e possível confundimento nas análises11. Foram excluídas gestantes, usuários que faltaram a três marcações para a realização das entrevistas e aqueles que necessitavam de auxílio para responder o questionário.
Utilizou-se, para a coleta de dados, questionário estruturado pré-codificado e pré-testado, que consta de variáveis sociodemográficas e econômicas (idade – categorizada em adulto e idoso, sexo, profissão, renda per capita, e escolaridade), história e percepção de saúde, consumo alimentar e estado nutricional.
As informações foram coletadas por acadêmicos de graduação em Nutrição e Pós-graduação em Enfermagem e Saúde de uma universidade federal e por nutricionistas, e todos os entrevistadores passaram por treinamento no início do projeto e periodicamente para atualização e esclarecimento de dúvidas que surgiram durante a coleta. Contou-se ainda com um manual elaborado para fins do próprio estudo que continha instruções e padronização para todas as questões do protocolo. Ademais, todos os entrevistadores eram acompanhados por um supervisor responsável e realizava-se contínua análise de consistência das informações obtidas.
Os dados referentes à história e percepção de saúde incluíram morbidades autorreferidas (diabetes mellitus – DM, hipertensão arterial sistêmica – HAS e dislipidemias), morbidade psiquiátrica segundo o tratamento psiquiátrico autorreferido12, uso de medicamentos, tabagismo, percepção de saúde (categorizada em muito boa/boa, razoável e ruim/muito ruim), satisfação com o peso atual, e se alguma vez na vida já receberam orientação de algum profissional de saúde para mudança dos hábitos alimentares.
Quanto ao exercício físico, questionou-se a frequência semanal e o tempo diário dessa prática, para posterior classificação do nível segundo recomendações do Institute of Medicine (IOM)13.
Em relação ao consumo alimentar, aplicou-se dois Recordatórios Alimentar de 24h (R24h) presencialmente e um terceiro via telefone para uma subamostra de 25% dos participantes, ao longo de dias não consecutivos, contemplando todos os dias da semana, distribuídos aleatoriamente entre os indivíduos da amostra. Todos os participantes foram orientados sobre a importância de relatar o real consumo e, para facilitar o processo e minimizar os erros referentes à estimativa do tamanho das porções, utilizou-se, em uma amostra aleatória, um kit de medidas caseiras contendo utensílios diversos comumente usados pela população em estudo.
Os alimentos relatados tiveram suas medidas caseiras transformadas em gramas ou mililitros e o valor energético e o conteúdo de macronutrientes, colesterol e fibras foram obtidos com auxílio do software Dietwin Profissional 2008® acrescido de informações de diferentes tabelas de composição de alimentos e de rótulos de alimentos industrializados. Ressalta-se que na análise dos R24h foi inserido o consumo per capita diário de sal, açúcar e óleo de adição relatado pelos usuários.
A ingestão habitual de cada nutriente foi estimada pelo Multiple Source Method (MSM), possibilitando a estimativa da ingestão habitual de nutrientes ou alimentos14, sendo o consumo calórico avaliado de acordo com as recomendações do IOM13, a ingestão de macronutriente verificada qualitativamente, conforme os intervalos percentuais aceitáveis, com classificação em insuficiente, adequada e excessiva13, as frações lipídicas avaliadas segundo referências da Organização Mundial da Saúde – OMS15 e o colesterol e as fibras de acordo com o IOM13.
Para avaliação do consumo alimentar utilizou-se, também, um Questionário de Frequência Alimentar (QFA) qualitativo relativo aos últimos seis meses16 e avaliou-se o fracionamento das refeições, o consumo per capita diário de açúcar e óleo de adição e o hábito de “beliscar” alimentos entre as refeições.
Realizou-se avaliação antropométrica com aferição do peso e estatura para obtenção do Índice de Massa Corporal [IMC = peso (kg)/ altura (m)2], classificado de maneira diferenciada para adultos17 e idosos18 em que, para fins de análise, as categorias sobrepeso e obesidade foram agrupadas em uma única, denominada excesso de peso. Ainda, aferiram-se as circunferências da cintura (CC) e do quadril (CQ), sendo a primeira utilizada para avaliação do risco de complicações metabólicas associadas ao excesso de peso e, em associação com a segunda, calculado a Razão Cintura-Quadril (RCQ = CC/CQ), classificadas segundo recomendações19.
Para estimar a notificação imprecisa da ingestão energética utilizou-se o método proposto por McCrory et al.20, que considera a diferença percentual entre a ingestão energética (IE) e o gasto energético total (GET) previsto pela equação de Vinken et al.21. Os pontos de corte para determinação da notificação imprecisa foram definidos a partir do uso de ± 2 desvios-padrão (2DP), com base no intervalo de confiança de 95%, chegando-se ao valor de 46% a partir dos dados da própria amostra e metodologia adotada no estudo. Logo, definiu-se como indivíduos notificadores imprecisos aqueles cuja razão IE/GET fosse inferior a 54% (subnotificadores) ou superior a 146% (supernotificadores).
Utilizou-se os programas Microsoft Access 2010 para a construção do banco de dados, Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows versão 19.0 e Stata 11.0 como auxílio para as análises estatísticas, sendo adotado nível de significância de 5%.
A análise descritiva incluiu o cálculo das distribuições de frequências e medidas de tendência central e dispersão. Aplicou-se os testes Kolmogorov-Smirnov, para verificação do padrão de distribuição das variáveis quantitativas, sendo aquelas que aderiram à distribuição normal apresentadas em média ± desvio-padrão e, as demais, em mediana e intervalo interquartil (percentil 25 – percentil 75). Também foram realizados testes Qui-quadrado ou Exato de Fisher com a correção de Bonferroni, t de Student simples, Mann-Whitney e correlação de Spearman.
Por fim, construiu-se um modelo de regressão logística, considerando a subnotificação do consumo alimentar como variável desfecho. Utilizou-se o método backward para a construção do modelo múltiplo sendo o valor p < 0,20, obtido na análise bruta, o critério para a inclusão das variáveis explicativas, que foram definidas a partir de revisão da literatura e estudos prévios3-6. A qualidade do ajuste foi avaliada pelo teste Hosmer & Lemeshow e testou-se a interação entre as variáveis e o efeito de variáveis de confundimento como sexo, idade e estado nutricional.
Todos os participantes foram informados sobre os objetivos e os métodos do estudo por meio de carta de informação, e os que consentiram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declarando estarem cientes dos objetivos da pesquisa. O protocolo da pesquisa no qual se insere esse projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
No período de coleta de dados foram elegíveis, segundos os critérios de inclusão, 627 indivíduos. Destes, foram excluídos aqueles que se recusaram a participar da pesquisa (n = 64), os que atendiam aos critérios de exclusão (n = 41) e aqueles usuários cujo questionário apresentava dados faltantes que impossibilitassem a classificação da notificação do consumo alimentar (n = 35), resultando em uma amostra de 487 participantes.
Dos usuários avaliados, 82,3% eram do sexo feminino e 50,5% idosos, com mediana de idade de 60 (53 – 67) anos. Verificou-se mediana de 7 (4-11) anos de estudo, 41,5% aposentados e renda per capita mensal de R$ 678,00 (R$ 404,65 – R$ 1000,00) (Tabela 1).
Tabela 1 Subnotificação do consumo alimentar segundo perfil sociodemográfico e econômico, de saúde e antropométrico dos participantes. Belo Horizonte/MG, 2014.
Variável | Subnotificação | Valor p | ||
---|---|---|---|---|
|
||||
Total | Sim | Não | ||
Sexo (%) | ||||
Feminino | 82,3 | 12,3 | 87,7 | 0,688a |
Masculino | 17,7 | 10,7 | 89,3 | |
Idade (anos)* | 60,0 (53,0 -67,0) | 55,5 (48,0-61,0) | 61 (53,0-68,0) | < 0,001b |
Faixa etária (%) | ||||
Adulto | 49,5 | 17,1 | 82,9 | 0,001a |
Idoso | 50,5 | 7,0 | 93,0 | |
Anos de estudo* | 7,0 (4,0-11,0) | 6,0 (3,0-11,0) | 7,0 (4,0-11,0) | 0,470b |
Renda per capita (R$)* | 678,0 (404,7-1000,0) | 666,7 (406,8-1000,0) | 678,0 (401,9-1000,0) | 0,563b |
Profissão (%) | ||||
Do lar | 24,6 | 13,4 | 86,6 | |
Aposentado | 41,5 | 9,5 | 90,5 | 0,525a |
Desempregado | 1,8 | 11,1 | 88,9 | |
Outros | 32,1 | 14,3 | 85,7 | |
Diabetes mellitus (%) | ||||
Não | 83,8 | 10,9 | 89,1 | 0,166a |
Sim | 16,2 | 16,5 | 83,5 | |
Hipertensão arterial (%) | ||||
Não | 48,0 | 9,5 | 90,5 | 0,108a |
Sim | 52,0 | 14,3 | 85,7 | |
Dislipidemias (%) | ||||
Não | 56,9 | 7,9 | 92,1 | 0,001a |
Sim | 43,1 | 17,6 | 82,4 | |
Morbidade psiquiátrica (%) | ||||
Não | 87,1 | 11,4 | 88,6 | 0,312a |
Sim | 12,9 | 15,9 | 84,1 | |
Uso de medicamentos (%) | ||||
Não | 24,0 | 9,6 | 90,4 | 0,356a |
Sim | 76,0 | 12,8 | 87,2 | |
Tabagismo (%) | ||||
Não | 94,7 | 12,0 | 88,0 | 0,940a |
Sim | 5,3 | 11,5 | 88,5 | |
Percepção de saúde (%) | ||||
Muito ruim - Ruim | 1,6 | 37,5 | 62,5 | |
Razoável | 22,6 | 12,7 | 87,3 | 0,075a |
Bom - Muito Bom | 75,8 | 11,2 | 88,8 | |
Satisfação com o peso corporal (%) | ||||
Não | 16,6 | 24,7 | 75,3 | < 0,001a |
Sim | 83,4 | 9,5 | 90,5 | |
Orientação para mudança de hábitos alimentares (%) | ||||
Não | 51,2 | 12,1 | 87,9 | 0,938a |
Sim | 48,8 | 11,9 | 88,1 | |
Nível de atividade física (%) | ||||
Sedentário | 7,6 | 13,5 | 86,5 | 0,769a |
Pouco ativo | 92,4 | 11,9 | 88,1 | |
Índice de Massa Corporal (%) | ||||
Baixo peso | 9,0 | 2,4 | 97,6 | |
Eutrofia | 54,8 | 7,5 | 92,5 | < 0,001c |
Excesso de peso | 36,2 | 21,1 | 78,9 | |
Circunferência da cintura (%) | ||||
Normal | 51,9 | 7,7 | 92,3 | |
Elevada | 29,4 | 9,1 | 90,9 | < 0,001d |
Muito elevada | 18,7 | 28,6 | 71,4 | |
Razão Cintura-Quadril (%) | ||||
Normal | 55,8 | 11,2 | 88,8 | 0,526a |
Elevada | 44,2 | 13,1 | 86,9 |
Nota: * Resultados apresentados como mediana (p25-75). a Teste Qui-quadrado ou exato de Fisher. b Teste Mann-Whitney.
c Diferença estatística entre as categorias excesso de peso e baixo peso (p = 0,004) e excesso de peso e eutrofia (p < 0,001).
d Diferença estatística entre as categorias muito elevada e normal (p < 0,001) e muito elevada e elevada (p < 0,001).
Considerando o perfil de saúde, observou-se alta prevalência de HAS (52,0%) e dislipidemias (43,1%), sendo o uso de medicamentos referido por 76,0%. A maioria das pessoas apresentava percepção de saúde boa/muito boa (75,8%), estavam satisfeitas com seu peso corporal (83,4%) e foram classificadas como pouco ativas segundo o nível de atividade física (92,4%). Em relação à antropometria, aponta-se elevada prevalência de excesso de peso (36,2%), CC elevada e muito elevada (29,4% e 18,7%, respectivamente), bem como RCQ elevada (44,2%) (Tabela 1).
No que diz respeito aos hábitos alimentares, percebe-se baixa ingestão de frutas (65,1%), hortaliças (65,7%) e leite e derivados (80,7%), além de alta prevalência de consumo de 5 ou mais refeições diárias (Tabela 2).
Tabela 2 Subnotificação do consumo alimentar segundo hábitos e consumo alimentar dos participantes. Belo Horizonte/MG, 2014.
Variável | Subnotificação | Valor p | ||
---|---|---|---|---|
|
||||
Total | Sim | Não | ||
Fracionamento da dieta (%) | ||||
< 5 refeições diárias | 26,5 | 15,6 | 84,4 | 0,142a |
≥ 5 refeições diárias | 73,5 | 10,7 | 89,3 | |
Hábito de beliscar alimentos entre as refeições (%) | ||||
Não | 61,4 | 12,8 | 87,2 | 0,524a |
Sim | 38,6 | 10,8 | 89,2 | |
Consumo de frutas (%) | ||||
< 3 porções diárias | 65,1 | 12,4 | 87,6 | 0,704a |
≥ 3 porções diárias | 34,9 | 11,2 | 88,8 | |
Consumo de hortaliças (%) | ||||
< 3 porções diárias | 65,7 | 13,3 | 86,7 | 0,233a |
≥ 3 porções diárias | 34,3 | 9,6 | 90,4 | |
Consumo de leite e derivados (%) | ||||
< 3 porções diárias | 80,7 | 12,6 | 87,4 | 0,442a |
≥ 3 porções diárias | 19,3 | 9,7 | 90,3 | |
Consumo de embutidos (%) | ||||
≥ 2 vezes mensais | 47,4 | 10,5 | 89,5 | 0,343a |
< 2 vezes mensais | 52,6 | 13,3 | 86,7 | |
Consumo de doces (%) | ||||
> 2 vezes semanais | 22,3 | 9,4 | 90,6 | 0,347a |
≤ 2 vezes semanais | 77,7 | 12,8 | 87,2 | |
Consumo de frituras (%) | ||||
> 2 vezes semanais | 14,4 | 10,1 | 89,9 | 0,607a |
≤ 2 vezes semanais | 85,6 | 12,3 | 87,7 | |
Consumo de salgados, sanduíches e salgadinhos tipo “chips” (%) | ||||
≥ 2 vezes mensais | 25,1 | 16,8 | 83,2 | 0,064a |
< 2 vezes mensais | 74,9 | 10,4 | 89,6 | |
Uso do kit de medidas caseiras no R24h (%) | ||||
Não | 53,8 | 11,9 | 88,1 | 0,950a |
Sim | 46,2 | 12,1 | 87,9 | |
Ingestão de calorias (kcal)* | 1598,7 (1344,9-1847,3) | 1066,9 (896,4-1240,5) | 1649,3 (1454,3-1909,8) | < 0,001b |
Ingestão de carboidratos (% IE)** | 56,6 ± 7,5 | 54,8 ± 8,7 | 54,4 ± 7,3 | 0,704c |
Ingestão de proteínas (% IE)** | 14,7 ± 3,2 | 15,8 ± 3,4 | 14,5 ± 3,2 | 0,005c |
Ingestão de lipídios (%IE)** | 30,8 ± 6,7 | 30,6 ± 6,9 | 30,9 ± 6,6 | 0,759c |
Ingestão de AG saturados (% IE)** | 8,8 ± 2,2 | 8,9 ± 2,1 | 8,8 ± 2,1 | 0,792c |
Ingestão de AG monoinsaturados (% IE)** | 8,3 ± 1,9 | 8,2 ± 2,1 | 8,3 ± 1,9 | 0,803c |
Ingestão de AG poliinsaturados (% IE)* | 8,5 (6,7-11,0) | 8,4 (6,4-11,3) | 8,5 (6,8-11,1) | 0,863b |
Ingestão de colesterol (mg)* | 174,8 (131,9-213,9) | 127,1 (96,7-168,9) | 178,9 (138,3-219,2) | < 0,001b |
Ingestão de colesterol (mg/1000cal)** | 110,4 ± 37,0 | 119,4 ± 48,0 | 109,4 ± 35,2 | 0,130c |
Ingestão de fibras (g)* | 16,3 (12,6-20,9) | 10,9 (9,2-14,2) | 16,9 (13,6-21,8) | < 0,001b |
Ingestão de fibras (g/1000cal)* | 10,3 (8,3-12,7) | 11,1 (7,9-13,2) | 10,3 (8,3-12,7) | 0,534b |
Nota: * Resultados apresentados como Mediana (p25-p75). ** Resultados apresentados como Média ± Desvio-padrão. a Teste Qui-quadrado ou exato de Fisher. b Teste Mann-Whitney. c Teste t de Student. AG: Ácidos Graxos; g: gramas; IE: Ingestão Energética; mg: miligramas; g: gramas; ml: mililitros.
A avaliação do consumo alimentar a partir dos R24h apontou alta prevalência de ingestão insuficiente de calorias (49,3%), ácidos graxos monoinsaturados (80,9%) e de fibras (83,8%), além da ingestão excessiva de lipídios e ácidos graxos saturados por 24,8% e 27,9%, respectivamente (Tabela 3). Destaca-se que na avaliação do consumo alimentar utilizou-se o kit de medidas caseiras com 46,2% dos participantes em pelo menos um R24h.
Tabela 3 Adequação do consumo de calorias e nutrientes da amostra. Belo Horizonte/MG, 2014.
Variável | n | Valores |
---|---|---|
Calorias (%) | ||
Insuficiente | 240 | 49,3 |
Adequado | 210 | 43,1 |
Excessivo | 37 | 7,6 |
Carboidratos (%) | ||
Insuficiente | 55 | 11,3 |
Adequado | 404 | 83,0 |
Excessivo | 28 | 5,7 |
Proteínas (%) | ||
Insuficiente | 26 | 5,3 |
Adequado | 461 | 94,7 |
Lipídios (%) | ||
Insuficiente | 17 | 3,5 |
Adequado | 349 | 71,7 |
Excessivo | 121 | 24,8 |
Ácidos graxos saturados (%) | ||
Adequado | 351 | 72,1 |
Excessivo | 136 | 27,9 |
Ácidos graxos monoinsaturados (%) | ||
Insuficiente | 394 | 80,9 |
Adequado | 93 | 19,1 |
Ácidos graxos poliinsaturados (%) | ||
Insuficiente | 87 | 17,8 |
Adequado | 276 | 56,7 |
Excessivo | 124 | 25,5 |
Colesterol (%) | ||
Adequado | 453 | 93,0 |
Excessivo | 34 | 7,0 |
Fibras (%) | ||
Insuficiente | 408 | 83,8 |
Adequado | 79 | 16,2 |
A prevalência de notificação imprecisa do consumo alimentar encontrada na população em estudo foi de 12,7%, sendo 11,9% (n = 58) classificados como subnotificadores e 0,8% (n = 4) como supernotificadores. Optou-se por não avaliar os fatores associados à supernotificação devido à baixa prevalência observada, tal como efetuado por Yannakoulia et al.4.
A subnotificação foi mais prevalente entre os adultos (p = 0,001), naqueles com dislipidemias (p = 0,001), não satisfeitos com o peso corporal (p < 0,001), com excesso de peso (p < 0,001) e aqueles com CC muito elevada (p < 0,001) (Tabela 1).
Ainda, não houve diferença estatisticamente significante da subnotificação segundo os hábitos alimentares, porém identificou-se entre os subnotificadores maior ingestão de proteínas (p = 0,005). O consumo de colesterol (p < 0,001) e fibras (p < 0,001) também foi menor entre esses, no entanto, quando ajustado para 1000 calorias, não houve diferença estatisticamente significante, bem como quando avaliado segundo o uso do kit de medidas caseiras (Tabela 2).
Verificou-se correlação direta entre a razão IE/GET com a idade (r = 0,240; p < 0,001), renda per capita (r = 0,166; p < 0,001) e consumo per capita diário de açúcar (r = 0,240; p < 0,001) e de óleo de adição (r = 0,262; p < 0,001).
Por fim, verificou-se, por meio da análise multivariada, que a subnotificação do consumo alimentar foi mais prevalente entre os participantes que apresentavam dislipidemias (RP = 3,39; IC95%: 1,73;6,67) e circunferência da cintura muito elevada (RP = 6,58; IC95%: 2,95;14,66), e menos prevalente entre os adultos (RP = 0,22; IC95%: 0,11;0,46), aqueles satisfeitos com o peso corporal (RP = 0,42; IC95%: 0,19;0,89) e que apresentavam fracionamento da dieta igual ou superior a cinco refeições diárias (RP = 0,49; IC95%: 0,25;0,98) (Tabela 4).
Tabela 4 Modelo final da Regressão Logística de variáveis associadas à subnotificação do consumo alimentar. Belo Horizonte/MG, 2014.
Variáveis | RP | IC95% | Valor p |
---|---|---|---|
Faixa etária | |||
Adulto | 1,00 | - | |
Idoso | 0,22 | 0,11;0,46 | < 0,001 |
Dislipidemias | |||
Não | 1,00 | - | |
Sim | 3,39 | 1,73;6,67 | < 0,001 |
Satisfação com o peso corporal | |||
Não | 1,00 | - | |
Sim | 0,42 | 0,19;0,89 | 0,024 |
Circunferência da cintura | |||
Normal | 1,00 | - | |
Elevada | 1,48 | 0,66;3,33 | 0,345 |
Muito elevada | 6,58 | 2,95;14,66 | < 0,001 |
Fracionamento adequado da dieta | |||
Não | 1,00 | - | |
Sim | 0,49 | 0,25;0,98 | 0,042 |
Nota: RP: Razão de Prevalência; IC: Intervalo de Confiança. Teste de qualidade do ajuste: p = 0,9847.
O presente estudo apontou baixa prevalência de notificação imprecisa da ingestão energética e evidenciou associação da subnotificação com a faixa etária, comorbidades, satisfação com o peso corporal, CC e fracionamento da dieta. Houve ainda maior tendência a subnotificação com o incremento da idade, renda e consumo per capita diário de açúcar e óleo de adição.
A prevalência de supernotificação encontrada (0,8%) foi semelhante à de outros trabalhos, cujos valores variaram de 0,0% a 7,9%3,4,11,22, confirmando que o principal problema em estudos que abrangem a avaliação dietética é a subnotificação11.
A prevalência dessa, por sua vez, observada neste trabalho (11,9%), foi também similar a outros que utilizaram a mesma metodologia para sua detecção e para avaliação do consumo alimentar, como o de Avelino et al.23, que apontou prevalência de 15,1%, e o de McCrory et al.20, que encontrou 11% de notificação imprecisa (não houve especificação de sub ou supernotificação, porém destacou-se que a grande maioria desse valor correspondia à subnotificação). No entanto, foi inferior à encontrada em outros trabalhos24-26.
Como já apontado na literatura, a notificação imprecisa é desigualmente distribuída na população3 e torna difícil e limitada a realização de comparações entre essas prevalências nos diversos estudos pela diferença entre os métodos utilizados para sua detecção24,25 e para avaliação dietética27,28.
Destaca-se que, no presente estudo, a baixa prevalência se deve, provavelmente, ao rigor metodológico adotado durante a coleta de dados do consumo alimentar, o que possibilitou melhor estimativa da real ingestão energética dos indivíduos. Ainda, por se tratar de usuários que estão inseridos em um Serviço de Promoção da Saúde, provavelmente há maior preocupação com a saúde e, consequentemente, com a alimentação, aumentando a tendência do relato de forma mais precisa em busca de um retorno quanto à adequação daquele consumo.
No que diz respeito à relação da subnotificação com a idade, alguns estudos apontaram maior prevalência entre as pessoas mais velhas22,24,25 contradizendo os resultados aqui evidenciados. No entanto, relação similar foi encontrada por Yannakoulia et al.4, que detectaram menor razão IE/TMB (usada para detecção da tendência de subnotificação) entre pessoas mais jovens, justificando-se pela melhor consciência dessas sobre saúde e dieta. Assim, haveria uma maior tendência em não notificar o consumo alimentar verdadeiro, mas sim o que seria mais adequado segundo padrões de uma alimentação saudável.
Já a maior prevalência de subnotificação entre as pessoas que relataram presença de dislipidemias, também detectada por outros autores, pode indicar maior abrangência de informações sobre alimentação e saúde recebidas pelas pessoas doentes, favorecendo o relato mais aproximado das orientações recebidas4. Ademais, por ser uma doença revertida com a mudança da alimentação na sua fase aguda, propicia tentativas de melhorias dietéticas a fim de contribuir para o controle da situação.
Além da associação com condições de saúde, a subnotificação também pode se associar a aspectos psicológicos, tal como evidenciado com a insatisfação com o peso corporal. Esse parâmetro, comumente está atrelado ao descontentamento com a imagem corporal e ao desejo de ajuste social, que favorecem uma resposta mais aceitável socialmente23,27. Rasmussem et al.11 ainda encontraram associação com a tentativa de comer de forma mais saudável e a preocupação com o peso corporal.
Associado a esse fator encontra-se a relação com o excesso de peso, que é bem relatada pela literatura3,4,11,22-26 em virtude da comum insatisfação corporal evidenciada nestes casos22,27. No presente estudo observou-se relação independente entre subnotificação e a classificação de CC muito elevada, que também é um indicativo de excesso de peso, principalmente no que diz respeito ao excesso de gordura abdominal29.
Em relação aos hábitos alimentares, a maior prevalência de subnotificação entre aqueles com fracionamento inadequado da dieta também foi apontada na revisão bibliográfica realizada por Maurer et al.30, que indicou maior omissão de lanches entre as refeições nos subnotificadores e, consequentemente, menor número diário de refeições.
Destaca-se como limitações deste trabalho o delineamento transversal; e o uso de equações preditivas para detecção da notificação imprecisa do consumo alimentar. No entanto, o uso de técnicas padrão-ouro, como a água duplamente marcada, torna-se inviável em trabalhos que utilizam grandes amostras devido seu custo e complexidade; e a impossibilidade de avaliação daquelas pessoas que estão em atual tentativa de mudança de peso, limitação essa inerente ao próprio método para detecção da notificação imprecisa.
Cabe salientar a inovação da realização desta pesquisa no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Por se tratar de usuários de um serviço onde são realizadas atividades de intervenção que buscam melhora dos hábitos alimentares para recuperação ou prevenção da saúde, faz-se necessário o conhecimento de forma mais fidedigna possível do consumo alimentar deste público, a fim de possibilitar o atendimento das suas especificidades.
A partir desses resultados e diante da importância dessa avaliação para a melhor qualidade dos dados de avaliação do consumo alimentar, ressalta-se a necessidade do uso de estratégias para reduzir sua prevalência, seja com a utilização de técnicas alternativas para coleta de dados dietéticos ou de programas de orientação aos indivíduos sobre a importância e a necessidade do relato preciso, principalmente aqueles que apresentam maior tendência a notificar de forma incorreta.