versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.2 São Paulo ago. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180158
O implante transcateter de válvula aórtica (TAVI) é uma alternativa em rápida expansão à substituição cirúrgica da valva aórtica em pacientes considerados inoperáveis ou com risco operatório alto ou intermediário. Entretanto, a regurgitação aórtica residual (RA) secundária ao vazamento paravalvar (PVL) continua sendo uma limitação do procedimento.1 Embora a RA residual após a TAVI seja frequente, afetando até cerca de 70% dos pacientes tratados,2-4 ela pode ser de moderada a grave em aproximadamente 12% deles,4 ficando constantemente abaixo de 5% quando se utilizam dispositivos de geração atual, os quais possuem características específicas de vedação.1 Convém destacar que a RA moderada/grave apresenta impacto clínico negativo após o TAVI, com aumento de 3 vezes na mortalidade em 30 dias, e aumento de 2,3 vezes na mortalidade em 1 ano.4 Assim, sua avaliação e quantificação precisas por meio de uma abordagem multimodal são fundamentais para a utilização apropriada de procedimentos adicionais visando à redução da PVL, tais como pós-dilatação com balão (PDB), valve-in-valve ou oclusão percutânea do vazamento.1,5
Embora a ecocardiografia com Doppler tenha sido, até o momento, o método mais comum para avaliar a RA após o TAVI, sua quantificação precisa constitui um desafio, pois os jatos de RA são frequentemente múltiplos e excêntricos.3,5-7 Portanto, outros métodos para quantificação adequada da RA têm sido avaliados nos últimos anos, como a ecocardiografia 3D, o índice de RA hemodinâmico, a aortografia e até a ressonância magnética cardiovascular, cada um com suas vantagens e desvantagens específicas.1,5,7
Nesta edição da revista, Miyazaki et al.,8 investigaram uma avaliação angiográfica quantitativa da RA por videodensitometria (VD-AR) antes e depois da realização de PDB. A VD-AR produziu uma redução significativa de 24,0 [18,0 a 30,5]% para 12,0 [5,5 a 19,0]% (p < 0,001) após a PDB, com algum nível de melhora do grau de RA em até 70% dos pacientes tratados. É importante ressaltar que se observou uma RA significativa (VD-AR > 17%) em 47 pacientes (77%) antes, e em 19 pacientes (31%) após a PDB; além disso, em até um quarto deles, a VD-AR pré-PDB ficou abaixo de 17%, indicando que essa manobra adicional poderia ter sido evitada. O estudo tem suas limitações inerentes, como, por exemplo, o tamanho relativamente pequeno da coorte, a realização retrospectiva de seleção de pacientes e aquisição de imagens, e o fato de a decisão de realizar ou não a PDB ter ficado a critério dos operadores. Assim, o estudo compreende apenas casos em que a PDB foi considerada necessária, e foram selecionadas apenas aortografias com imagens de boa qualidade.
De modo notável, a técnica utilizada para quantificar a VD-AR constitui um novo método para determinar com precisão a fração de regurgitação em aortografias realizadas durante o TAVI; ela inclui a utilização de um software especializado e demonstrou excelentes reprodutibilidade e acurácia.9,10 Essa técnica oferece uma avaliação precisa da gravidade da PVL, e um índice de VD-AR maior do que 17% foi correlacionado ao aumento da mortalidade e ao remodelamento cardíaco reverso prejudicado após o TAVI.11,12 Embora as medições da VD-AR sejam realizadas apenas offline, já está em curso o desenvolvimento de uma avaliação on-line em tempo real, de modo a permitir que esse método ajude a guiar o TAVI em um futuro próximo. Isso porque a PDB é atualmente realizada em cerca de 10% a 20% dos pacientes após o TAVI, e reduz a gravidade da PVL em pelo menos um grau em mais de dois terços dos pacientes.13,14 No entanto, a PDB pode estar associada ao aumento do risco de eventos cerebrovasculares e lesão do anel valvar aórtico portanto, recomenda-se a utilização criteriosa desse procedimento.13,14
Em conclusão, uma vez que a PVL tem um impacto negativo nos desfechos clínicos após o TAVI, sua avaliação adequada por meio de uma abordagem integrativa multimodalidades e multiparamétrica é fundamental. Deve-se priorizar a prevenção da PVL pelo dimensionamento preciso do anel aórtico por meio de técnicas de imagem 3D, uso de dispositivos transcateter com características aprimoradas de vedação e posicionamento e dimensionamento ótimos do dispositivo. Ainda assim, se a PVL ocorrer após o TAVI, o cardiologista intervencionista pode considerar procedimentos corretivos, tais como a PDB, valve-in-valve ou a oclusão percutânea do vazamento periprotético. A nova técnica de VD-AR após o TAVI também permite avaliar quantitativamente a regurgitação pós-TAVI, e pode auxiliar nas decisões sobre realizar ou não a PDB, bem como determinar sua eficácia. Futuros estudos prospectivos são necessários para confirmar os presentes resultados.