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Novo modelo de estadiamento para indicação de cirurgia faríngea em pacientes com apneia obstrutiva do sono,

Novo modelo de estadiamento para indicação de cirurgia faríngea em pacientes com apneia obstrutiva do sono,

Autores:

Tatiana Aguiar Vidigal,
Fernanda Louise Martinho Haddad,
Rafael Ferreira Pacheco Cabral,
Maria Claudia Soares Oliveira,
Ricardo Rodrigues Cavalcante,
Lia Rita Azeredo Bittencourt,
Sergio Tufik,
Luis Carlos Gregório

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.6 São Paulo set./dez. 2014

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.09.003

Introdução

A síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma doença de alta prevalência, que acomete 32,9% da população adulta da cidade de São Paulo, Brasil,1 e que compromete a qualidade de vida dos pacientes em decorrência da sonolência diurna excessiva, do prejuízo das funções cognitivas e do aumento do risco para as doenças cardiovasculares.2,3 A ventilação com pressão aérea positiva contínua, em especial o CPAP ("continuous positive airway pressure") é o tratamento de escolha para os pacientes com SAOS moderada a grave4; no entanto, muitos pacientes apresentam dificuldade em se adaptar a esse tratamento em longo prazo.3,57

A uvulopalatofaringoplastia foi o procedimento cirúrgico mais realizado na faringe em tratamentos da SAOS; no entanto, a taxa de sucesso, quando indicada de forma indiscriminada, foi de cerca de 40%.6 Inúmeros fatores foram considerados desfavoráveis nos resultados, como a gravidade da doença, a idade, a presença de múltiplos locais de obstrução, a obesidade e as alterações anatômicas da maxila e mandíbula.8

Várias técnicas de cirurgia faríngea são descritas na literatura e, de acordo com uma metanálise,9 o procedimento de uvulopalatofaringoplastia isolado, com ou sem amigdalectomia, interfere no índice de apneia e hipopneia, porém mantém a SAOS residual,9,10 principalmente em pacientes com SAOS moderada a acentuada.

Na tentativa de melhorar a indicação da uvulopalatofaringoplastia, Friedman et al.11 propuseram um estadiamento clínico baseado no exame físico otorrinolaringológico e antropométrico para pacientes com SAOS, utilizado até os dias atuais. Tal estadiamento baseia-se em três critérios clínicos: índice de mallampati modificado (IMM), tamanho das tonsilas palatinas e índice de massa corpórea (IMC). O IMM classes 3 e 4 demonstram uma má relação entre o palato mole, a língua e a orofaringe e as tonsilas palatinas graus 3 e 4 são consideradas hipertróficas. Desse modo, os pacientes foram divididos em quatro grupos: Grupo I: pacientes que apresentam IMM classes 1 ou 2 associados a tonsilas palatinas grau 3 ou 4 e IMC menor que 40 kg/m2; Grupo II: pacientes com IMM classes 3 ou 4 associados a tonsilas palatinas grau 3 ou 4 ou IMM classes 1 ou 2 com tonsilas palatinas grau 1 ou 2 e IMC menor que 40 kg/m2; Grupo III: pacientes com IMM classes 3 ou 4 associados a tonsilas palatinas 1 ou 2 com IMC menor que 40 kg/m2; e Grupo IV: pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 ou com alteração craniofacial significante, independentemente do IMM e do tamanho da tonsila.

De acordo com esse estadiamento, Friedman et al., em 2004,12 publicaram em uma série de 134 pacientes submetidos à cirurgia faríngea, em que o sucesso cirúrgico para os grupos I, II e III foi de 80,6%, 37,9% e 8,1%, respectivamente, sendo que os autores contraindicaram o procedimento nos pacientes do grupo IV, demonstrando que a presença do IMM classes 3 e 4 poderia minimizar o resultado cirúrgico, mesmo em pacientes com tonsilas palatinas hipertróficas, e que a presença de alterações craniofaciais evidentes e a obesidade classe III seriam fatores de contraindicação para o procedimento.

Porém, Martinho e cols.13 em uma série de casos de sete pacientes obesos com SAOS, com IMM classes 3 e 4 e com hipertrofia das tonsilas palatinas graus 3 e 4, encontraram redução significante do índice de apneia e hipopneia (IAH) (pré-operatório: 81 ± 26/h e pós-operatório: 23 ± 18/h - p < 0,05) e melhora da saturação mínima da oxihemoglobina (pré-operatório: 69 ± 14% e pós-operatório: 83 ± 3% - p < 0,05) após amigdalectomia ampliada. Este estudo sugere, apesar do pequeno número de pacientes, que a hipertrofia das tonsilas palatinas talvez seja o principal fator associado ao sucesso da cirurgia faríngea, independentemente da presença da obesidade e do IMM.

Diante disso, fica evidente que a avaliação clínica e anatômica dos pacientes com SAOS é determinante para a escolha da melhor modalidade terapêutica a ser empregada. No entanto, não existe até então um modelo de estadiamento ideal para indicação da cirurgia faríngea no tratamento da SAOS, principalmente para os pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 ou com alteração craniofacial significante, independentemente do IMM e do tamanho das tonsilas palatinas.

Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi propor um novo modelo de estadiamento para indicação de cirurgia faríngea em pacientes adultos com SAOS, bem como descrever a técnica cirúrgica da amigdalectomia ampliada no tratamento desses pacientes.

Método

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética (CEP: 0268/11).

Foi realizado um estudo retrospectivo através da análise de prontuários de pacientes atendidos no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007, em um ambulatório de distúrbio respiratório do sono do departamento de otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço.

Os critérios de inclusão foram: idade entre 18 e 65 anos, de ambos os sexos, ter SAOS moderada a grave, que foram submetidos à amigdalectomia ampliada para o tratamento da SAOS, com exame polissonográfico pré e pós-operatório.

Foram excluídos pacientes com indicação de outros tratamentos clínicos ou cirúrgicos da SAOS que não a amigdalectomia ampliada como forma isolada de tratamento, que apresentassem algum outro distúrbio do sono que não SAOS, que usassem medicações sedativas ou álcool ou com doença clínica descompensada.

Protocolo de avaliação

Rotineiramente, neste ambulatório os pacientes são submetidos ao protocolo de avaliação, que consiste na verificação otorrinolaringológica, escala visual analógica, escala de sonolência de Epworth14 e polissonografia basal, que é repetida após três meses do tratamento cirúrgico.

Na escala visual analógica, os pacientes são questionados quanto à presença de ronco e pausas testemunhadas, que são considerados habituais quando presente em todas as noites ou quase todas as noites. Na escala de sonolência de Epworth,14 sugere sonolência diurna excessiva quando apresenta escore acima de 9. Esses critérios foram utilizados em associação aos achados de polissonografia para o diagnóstico da SAOS, segundo a II classificação internacional de distúrbios do sono (ICSD-2)15 e pela AASM, 2005.16

Avaliação otorrinolaringológica

A avaliação otorrinolaringológica consistiu na inspeção do esqueleto facial, na oroscopia e rinoscopia anterior. Para o trabalho em questão, descreveremos apenas os critérios a serem utilizados no estadiamento a ser proposto. São eles: a graduação das tonsilas palatinas (GTP), o índice de mallampatti modificado (IMM) e o índice de massa corpórea (IMC), calculado através da fórmula: peso (kg) / altura2 (m2).

O IMM foi realizado como proposto por Friedmann et al. (1999),17 no qual o paciente encontra-se sentado com máxima abertura de boca e com a língua relaxada e posicionada dentro da cavidade oral. Os pacientes foram classificados em quatro graus: grau 1 (visualizase bem toda a orofaringe, incluindo o palato mole, os pilares amigdalianos, as tonsilas palatinas e toda a úvula); grau 2 (visualiza-se o polo superior das tonsilas palatinas e a úvula); grau 3 (visualiza-se parte do palato mole e a inserção da úvula); e grau 4 (visualiza-se apenas o palato duro).

Conforme proposto por Friedman et al. (1999)17 e Zonato et al. (2003),18 as tonsilas palatinas foram classificadas em: grau 1 (ocupam até 25% da orofaringe); grau 2 (até 50% da orofaringe; grau 3 (até 75 % da orofaringe); e grau 4 (ocupam acima de 75% da orofaringe). Foram considerados como hipertrofia obstrutiva das tonsilas palatinas os graus 3 e 4.

Polissonografia basal

O polissonígrafo utilizado foi um sistema computadorizado "EMBLA" (EMBLA® S7000, EMBLA systems, Inc, Broomfield, CO, USA). Foi realizado um registro de noite inteira, em quarto escuro e silencioso, especialmente designado para este procedimento, com monitorização de eletroencefalograma, eletro-oculograma, eletromiograma tibial e submentoniano, eletrocardiograma, fluxo aéreo por cânula nasal associado a transdutor de pressão e termístor oral, movimentos respiratórios por cintas tóraco-abdominais de pletismografia de indutância, saturação da oxi-hemoglobina (SpO2) por oximetria, registro do ronco por microfone e sensor de posição corporal.

O estadiamento do sono seguiu os critérios propostos por Rechtschaffen e Kales,19 e os despertares seguiram os critérios da Associação Americana de Distúrbios do Sono (ASDA – American Sleep Disorders Association, 1992).20 O estadiamento dos eventos respiratórios seguiu os critérios propostos pela AASM (American Academy of Sleep Medicine, 1999).16

O diagnóstico da SAOS seguiu os critérios clínicos e polissonográficos da II classificação internacional dos distúrbios do sono (ICDS, 2005),15 e foram considerados o aumento leve do IAH quando os pacientes apresentaram valores do índice entre 5 e 15, aumento moderado, os valores entre 15 e 30, acentuados, e os valores acima de 30 eventos por hora de sono.

A polissonografia basal foi repetida após três meses do tratamento cirúrgico faríngeo. Considerouse como sucesso parcial uma redução de 50% do IAH e um IAH < 20/hora, seguindo os critérios utilizados por Friedmann et al. (2005).21

Técnica cirúrgica - amigdalectomia ampliada

A técnica cirúrgica utilizada nos pacientes com tonsilas hipertróficas é conservadora, pois o principal objetivo é a ampliação lateral da faringe com preservação e reposicionamento dos pilares, onde aborda-se principalmente a parede lateral da orofaringe, poupando a região do palato mole e da úvula (linha média). Dessa forma, denominamos a técnica de amigdalectomia ampliada. Inicialmente, é realizada a amigdalectomia bilateral, com incisão unciforme periamigdaliana na mucosa que recobre os músculos palatofaríngeo e palatoglosso, após tração medial da mesma, visando a máxima preservação da mucosa desta região. Segue-se a remoção da amígdala por dissecção junto à cápsula da tonhemostasia através de cautério bipolar e pontos simples com fio vicryl rapid 3.0®. É feito então o fechamento do plano muscular da loja amigdaliana, com pontos simples no sentido craniocaudal, usando o fio vicryl rapid 3.0® Após o fechamento do plano muscular, é feita a remoção do palato "web" (membrana formada pela inserção baixa do pilar posterior da úvula), quando presente, através de bisturi elétrico ou tesoura, sendo esse o limite superior da ressecção na linha média. Segue-se então o fechamento do plano mucoso, com fio vicryl rapid 3.0®, com pontos simples, no sentido craniocaudal. Caso a úvula seja considerada longa, segue-se a realização de uvulectomia parcial, correspondente ao terço distal mucoso da mesma. O objetivo dessa técnica é a ampliação lateral da faringe e anteriorização do palato mole. O procedimento é realizado sob anestesia geral, sem medicação sedativa pré-anestésica, como recomendado em pacientes com SAOS. Os pacientes permanecem internados por 24 horas e, na alta, recebem antibioticoterapia (amoxacilina na dose de 50 mg/kg/dia durante sete dias) e analgésicos não opiáceos (paracetamol e dipirona). Os retornos são feitos em 1, 3, 12, 18 e 24 semanas.

Novo estadiamento proposto

No estadiamento proposto (tabela 1), optamos por realizar o desmembramento do estádio II de Friedmann I. (1999)17 (tabela 2) em dois subitens separados. Incluímos um subitem para os pacientes com obesidade classe III (IMC acima de 40 kg/m2) com tonsilas palatinas graus 3 e 4 associados a qualquer classe do IMM, o qual denominamos estádio V. A cirurgia foi contraindicada para os pacientes com obesidade classe III e com tonsilas graus 1 e 2, independentemente do IMM. Assim, os pacientes foram divididos em seis grupos: Estádio I, pacientes com tonsilas palatinas grau 3 ou 4 e IMM classe 1 ou 2; Estádio II, pacientes com tonsilas palatinas grau 3 ou 4 e IMM classe 3 ou 4; Estádio III, pacientes amigdalectomizados (0) e com tonsilas grau 1 ou 2 e IMM classe 1 ou 2; Estádio IV, pacientes amigdalectomizados (0) e com tonsilas grau 1 ou 2 e IMM classe 3 ou 4; e Estádio V, pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 com tonsilas palatinas grau 3 ou 4 e IMM classe 1, 2, 3 ou 4; Estádio VI, pacientes com IMC acima de 40 kg/m2 com tonsilas palatinas grau 1 e 2 e IMM classe 1, 2, 3 ou 4, que são pacientes que optamos por não indicar cirurgia devido à alta morbidade.

Tabela 1 Novo estadiamento para indicação de cirurgia faríngea em pacientes com síndrome da apneia obstrutiva do sono 

Estadio IMM GTP IMC
Estádio I 1 ou 2 3 ou 4 < 40 kg/m2
Estádio II 3 ou 4 3 ou 4 < 40 kg/m2
Estádio III 1 ou 2 1 ou 2 < 40 kg/m2
Estádio IV 3 ou 4 1 ou 2 < 40 kg/m2
Estádio V 1, 2, 3 ou 4 3 ou 4 > 40 kg/m2
Estádio VI 1, 2, 3 ou 4 1 ou 2 > 40 kg/m2

IMM, índice de mallampati modificado; GTP, graduação das tonsilas palatinas; IMC, índice de massa corpórea.

Tabela 2 Estadiamento de Friedman para indicação de uvulopalatofaringoplastia em pacientes com síndrome da apneia obstrutiva do sono17 

IMM Tamanho das tonsilas palatinas IMC
Friedman I 1 ou 2 3 ou 4 < 40 kg/m2
Friedman II 1 ou 2
3 ou 4
0, 1 ou 2
3 ou 4
< 40 kg/m2
Friedman III 3 ou 4 0, 1 ou 2 < 40 kg/m2
Friedman IV 1,2,3 ou 4 0, 1, 2, 3 ou 4
Alteração craniofacial evidente
> 40 kg/m2

IMM, índice de mallampati modificado; IMC, índice de massa corpórea.

Os pacientes foram divididos dentro do estádio correspondente, conforme o IAH, sendo: o grupo 1 com pacientes com SAOS leve (entre cinco e 15 eventos por hora de sono e queixa clínica associada); o grupo 2 com pacientes com SAOS moderada (entre 15 e 30); e o grupo 3 com pacientes com SAOS acentuado (acima de 30).

Resultados

Dos 622 prontuários revisados dos pacientes atendidos no período do estudo, 129 pacientes receberam indicação de amigdalectomia ampliada e 54 apresentavam os critérios de inclusão e fizeram parte do estudo.

Dos 54 pacientes, 35 (64,8%) eram homens e 19 (35,1%) mulheres com idade variando entre 18 e 61 anos, com média de 38,9 ± 7,5 anos. Após estadiados os pacientes, foram divididos da seguinte forma: Estádio I: nove pacientes (16,6%); Estádio II: oito pacientes (14,8%); Estádio III: 14 pacientes (25,9%); Estádio IV: 13 pacientes (24%) e Estádio V: 10 pacientes (18,5%); e as taxas de sucesso cirúrgico foram de 88,9%, 75,0%, 35,7%, 38,5% e 100,0%, respectivamente. Os dados de cada grupo, as taxas de sucesso e de insucesso se encontram na tabela 3. Houve diferença estatística nos estadios III, IV e V (p = 0,02; p = 0,03 e p < 0,01). Os estádios III e IV apresentaram as maiores taxas de insucesso (p = 0,02 e p = 0,03), e as maiores taxas de sucesso foram observadas no estádio V (p < 0,01).

Tabela 3 Comparação entre taxas de sucesso e insucesso segundo o novo estadiamento para pacientes submetidos à amigdalectomia ampliada para o tratamento da SAOS 

Sucesso Insucesso Total p
N % N %
Estádio I 8 88,9 1 11,1 9 0,07
Estádio II 6 75,0 2 25,0 8 0,44
Estádio III 5 35,7 9 64,3 14 0,02
Estádio IV 5 38,5 8 61,5 13 0,03
Estádio V 10 100,0 0 0,0 10 < 0,01
Estádio VI Sem indicação cirúrgica

Valor de significância p < 0,05; teste Qui-quadrado.

Quanto ao IAH, 24 pacientes (44,4%) apresentaram aumento leve; 20 pacientes (37,0%) aumento moderado e 10 pacientes (18,6%) aumento acentuado do IAH (tabela 4). O insucesso foi significantemente maior no grupo de aumento leve do IAH (p < 0,01) e o sucesso maior no grupo de aumento acentuado do IAH (p = 0,01).

Tabela 4 Comparação entre taxas de sucesso e insucesso segundo o aumento do índice de apneia e hipopneia 

Sucesso Insucesso Total p
N % N %
IAH 5-15 9 37,5 15 62,5 24 < 0,01
IAH 15-30 16 80 4 20 20 0,08
IAH > 30 10 100 0 0 10 0,01

IAH, índice de apneia e hipopneia por hora de sono.

Valor de significância p < 0,05; teste Qui-quadrado.

Dentro de cada estádio proposto, os pacientes foram divididos de acordo com o aumento do IAH, e não houve diferenças estatisticamente significantes (tabela 5).

Tabela 5 Comparação entre taxas de sucesso e insucesso segundo o novo estadiamento e o IAH para pacientes submetidos à amigdalectomia ampliada para o tratamento da SAOS 

SAOS Sucesso Insucesso Total p
N % N %
Estádio I
Leve 0 0 1 100,0 1 0,11
Moderado 6 100,0 0 0,0 6 0,33
Acentuado 2 100,0 0 0,0 2 0,77
Estádio II
Leve 2 66.6 1 33,3 3 0,64
Moderado 2 66,6 1 33,3 3 0,64
Acentuado 2 100,0 0 0,0 2 0,53
Estádio III
Leve 4 40 6 60,0 10 0,54
Moderado 1 25 3 75,0 4 0,54
Acentuado 0 0 0 0,0 0 -
Estádio IV
Leve 2 22,2 7 77,8 9 0,11
Moderado 2 66,6 1 33,3 3 0,31
Acentuado 1 100 0 0,0 1 0,38
Estádio V
Leve 1 100 0 0,0 1 -
Moderado 5 100 0 0,0 5 -
Acentuado 4 100 0 0,0 4 -
Estádio VI
Sem indicação cirúrgica

Ao estadiarmos os pacientes conforme Friedman et al. (2005),21 obtivemos os seguintes resultados: no grupo Friedman I, foram incluídos nove pacientes com uma taxa de sucesso cirúrgico de 89%; no grupo Friedman II, 22 pacientes com sucesso cirúrgico de 50%; no grupo Friedman III, 13 pacientes com taxa de sucesso cirúrgico de 38%; e, por último, no grupo Friedman IV foram incluídos dez pacientes com taxa de sucesso cirúrgico de 100% (tabela 6). Diferenças estatisticamente significantes foram observadaos nos estádios Friedman III e IV, sendo maior o insucesso no Friedman III (p = 0,03) e o sucesso no IV (p < 0,01).

Tabela 6 Comparação entre taxas de sucesso e insucesso segundo o estadiamento proposto por Friedman 

Sucesso Insucesso Total p
N % N %
Estádio I 8 89,9 1 11,1 9 0,13
Estádio II 11 50,0 11 50,0 22 0,07
Estádio III 5 38,5 8 61,5 13 0,03
Estádio IV 10 100,0 0 0,0 10 < 0,01

Discussão

O estadiamento proposto demonstrou que a cirurgia de amigdalectomia ampliada para o tratamento da SAOS apresenta maiores taxas de sucesso em pacientes com tonsilas palatinas hipertróficas (estádios I, II e V), e que a concomitância com um IMM classes 3 e 4 (estádio II) diminuiu esta taxa de sucesso nesses pacientes. É, porém, superior àqueles com tonsilas palatinas normotróficas (estádios 3 e 4), mesmo nos pacientes com IMM favorável (estádio III) e naqueles com obesidade classe III (estádio V). Dessa forma, o desmembramento do estádio II proposto por Friedman et al.17 e a inclusão dos pacientes que apresentem obesidade classe III associado a tonsilas palatinas hipertróficas podem otimizar a indicação das cirurgias faríngeas no tratamento da SAOS.

O CPAP é considerado padrão ouro no tratamento da SAOS moderada a grave, com o inconveniente de muitos pacientes terem dificuldade na adaptação do mesmo, principalmente em longo prazo, fazendo com que o tratamento cirúrgico possa ser uma opção terapêutica.22

Quando realizada de forma sistemática, a taxa de sucesso da uvulopalatofaringoplastia é de 40,7%6; porém, se os pacientes forem selecionados de acordo com presença de alterações anatômicas na orofaringe, como hipertrofia tonsilar, pilares medianizados, palato redundante e úvula alongada, a taxa de sucesso é maior.11,12,21 Alguns trabalhos na literatura demonstraram taxas de sucesso superiores quando indicada em pacientes com SAOS leve a moderada,23,24 porém, no presente estudo, verificamos que os pacientes com aumento acentuado do IAH foram os que mais se beneficiaram com o tratamento cirúrgico, provavelmente pelo critério de sucesso adotado. Em pacientes com aumento leve do IAH, uma redução menor do que 50% foi considerada insucesso, quando, na realidade, sabemos que nesses pacientes o controle dos sintomas clínicos é um desfecho mais importante do que o IAH, até mesmo porque, nos pacientes com IAH menor do que 15 por hora, só consideramos a presença da SAOS quando há queixa clínica associada. Outro fato que nos faz acreditar que a gravidade da SAOS não seja um fator determinante na indicação das cirurgias faríngeas para o tratamento da SAOS é que quando comparamos o grau de aumento do IAH entre os estádios não encontramos diferenças significantes em relação ao sucesso. Achados semelhantes foram descritos por Friedmann et al. (2004),12 que também não encontraram associação entre a gravidade da SAOS e o sucesso das cirurgias faríngeas.

Friedman et al., em 2002,11 propuseram um estadiamento baseado em alterações sobre a via aérea superior (tamanho das tonsilas palatinas e IMM) e no IMC, que mostrou taxa de sucesso cirúrgico de 80,6% nos pacientes com IMC abaixo de 40 kg/m2, com tonsilas hipertróficas (graus 3 e 4) e IMM favorável (1 e 2), independentemente da gravidade da SAOS, diminuindo sensivelmente conforme esses parâmetros foram variando nos outros estádios.

Levando-se em consideração que Martinho et al.,13 em uma série de casos de pacientes obesos com IMM classes 3 e 4 e tonsilas palatinas hipertróficas (pacientes estádio II e IV de Friedman), encontraram melhora significante nos parâmetros respiratórios polissonográficos, foi possível observar que uma readequação do estadiamento proposto por Friedman17 poderia ser útil na melhora da indicação das cirurgias faríngeas, uma vez que esse estadiamento misturou pacientes com tonsilas normotróficas e hipertróficas no estádio 2 e contraindicou a cirurgia em pacientes com obesidade classe III, mesmo com tonsilas hipertróficas (estádio IV).

Confirmando os achados de Martinho et al.13 e de Friedman et al.,21 o presente estudo mostrou que os pacientes que apresentaram maiores taxas de sucesso com o procedimento foram os que apresentaram tonsilas palatinas hipertróficas, independentemente do IAH13,21 e da presença de obesidade classe III,13 e que a presença do IMM 3 e 4 minimizou a taxa de sucesso desses pacientes. Porém, a presença do IMM 1 e 2 em pacientes com tonsilas palatinas normotróficas não favoreceu o sucesso do procedimento. Assim sendo, é possível observar que o IMM desfavorável minimizou o resultado terapêutico, porém, a sua ausência não melhorou o resultado cirúrgico nos pacientes que não apresentavam tonsilas palatinas hipertróficas.

Conclusão

Apesar das limitações desse estudo, em especial por se tratar de um estudo retrospectivo e de pequena casuística, podemos concluir que o novo estadiamento proposto pode auxiliar e otimizar a indicação e os resultados cirúrgicos da amigdalectomia ampliada para o tratamento de pacientes com SAOS.

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