versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.24 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 09-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0179
A expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), nos últimos anos, tem marcado um progresso indiscutível do Sistema Único de Saúde (SUS), pois surge como espaço de mudanças no modelo assistencial. Esse avanço na resolução dos problemas de saúde da população brasileira, no ambiente em que vivem e estabelecem suas relações familiares, não significa, contudo, que se tenha chegado à situação ideal, mas representa progresso na área da saúde.1
À luz desse contexto, na busca de ampliar a abrangência e o escopo das ações da ESF, bem como sua resolubilidade foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que estão em processo de implantação em todo território brasileiro. Eles são compostos por profissionais de diferentes áreas de conhecimento que atuam de maneira integrada e apoiam os profissionais das equipes da ESF, além de trabalharem diretamente no apoio matricial às equipes das unidades às quais estão vinculados.2
Diversas ações de apoio são desenvolvidas por estes profissionais, dentre elas: discussão de casos, clínica compartilhada ou não, construção conjunta de projetos terapêuticos, educação permanente, intervenções no território, ações intersetoriais, de prevenção e promoção da saúde, além de discussão do processo de trabalho das equipes.3 O desenvolvimento dessas ações pauta-se na diretriz da integralidade, definida em três objetos: o indivíduo, as práticas de saúde e a organização do sistema de saúde.4
Observa-se que inúmeras atividades podem ser desenvolvidas pelos profissionais do NASF. Estas têm o foco de atuação no cuidado integral e compartilhado com a equipe da ESF, além do estabelecimento da longitudinalidade do cuidado.3
Considerando que o NASF se configura como serviço de apoio a ESF, criado em 2008 no Brasil, mas que tem apresentado aumento exponencial de implantação e implementação na rede de atenção do SUS, esse estudo possibilitará reflexões acerca desta temática, em especial, sobre a necessidade de integralidade das ações dos profissionais da ESF com os do NASF, evidenciar as potencialidades e dificuldades para a efetivação desse princípio, o que será relevante para oferta de uma assistência de qualidade para o usuário.3
Em virtude deste cenário delineou-se como objetivo deste estudo analisar a percepção de médicos e enfermeiros sobre as ações desenvolvidas pelo Núcleo de Apoio a Saúde da Família.
Estudo descritivo com abordagem qualitativa, desenvolvido nas 11 Unidades Básicas de Saúde (UBS) (sete na zona urbana e quatro na rural) que são apoiadas pelos três Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) de Teresina, Piauí, Brasil.
Participaram do estudo 16 médicos e 23 enfermeiros. Essa pesquisa adotou como critérios de inclusão: médicos e enfermeiros de ambos os sexos, efetivos e que trabalhem na ESF que recebe apoio do NASF há pelo menos dois meses. Foram excluídos três médicos e um enfermeiro que no momento da coleta de dados estavam de férias, um enfermeiro por ser substituto, três médicos que não estavam presentes na UBS na ocasião da visita dos pesquisadores após duas tentativas de aplicação do instrumento, dois médicos e um enfermeiro que trabalhavam há menos de 2 meses na UBS. De tal modo, que foram excluídos oito médicos e três enfermeiros, ressalta-se que duas equipes de Saúde da Família, no momento da coleta de dados, não possuíam profissionais médicos.
A coleta de dados ocorreu de novembro de 2017 a janeiro de 2018. Utilizou-se roteiro de entrevista aberto contendo perguntas relacionadas à percepção sobre ações desenvolvidas pelo NASF, quais sejam: Qual sua percepção sobre as ações desenvolvidas pelo NASF nesta UBS? Como tem ocorrido/efetivado a integralidade das ações do NASF com a sua equipe de Saúde da Família (SF)? Quais as dificuldades/facilidades para ocorrer à integralidade das ações do NASF com a sua equipe de SF?
Os participantes receberam orientações detalhadas sobre o estudo e depois que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi aplicado o roteiro de entrevista nos consultórios (médico e de enfermagem) das UBS. Para o registro desses relatos foi utilizado Mp3, conforme aceite dos participantes, com a finalidade de reproduzir de forma fidedigna as respostas fornecidas durante a entrevista para posterior transcrição e análise dos dados. As entrevistas tiveram, em média, duração de 30 minutos. Com relação à identificação dos participantes atribuiu-se a letra E quando se tratava de enfermeiro(a) e M quando se tratava de médico(a), além do número ordinal de cada entrevistado.
Para análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise temática, que se divide em três etapas: pré-análise (transcrição e organização das entrevistas, leitura flutuante e constituição do corpus), exploração do material (codificação, enumeração, classificação e agregação) e tratamento dos resultados obtidos com interpretação, considerando o objetivo proposto. Assim, buscou-se agregar vários depoimentos em classes ou categorias temáticas, que favoreceram objetivamente o agrupamento dos dados, sendo exaustivas, exclusivas, concretas e adequadas.5
Conforme os princípios éticos norteadores de pesquisas envolvendo seres humanos, dispostos nas Resoluções n.º 466/12 e n.º 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde6, o estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí com parecer de número 2.085.463.
Após o mapeamento dos dados obtidos por meio da técnica de entrevista, emergiram núcleos temáticos de informações convergentes para formação de três categorias.
Os profissionais relataram que o desenvolvimento das ações do NASF é positivo, pois favorece o trabalho em equipe, a prática multiprofissional, a diversidade das ações, a cooperação e a parceria entre as equipes de ESF e NASF.
O NASF é muito importante para a Estratégia, uma vez que tem profissionais capacitados de várias áreas que dão um suporte. (M1)
Eu acho muito importante, eles colaboram muito. No nosso caso, tem educador físico, nutricionista, assistente social, psicólogo e fisioterapeuta. Então realmente tem ajudado muito. (E1)
É muito construtivo, pois a gente precisa muito de encaminhamento, por exemplo, para psicólogo, fisioterapeuta e ajuda porque o tratamento do paciente tem que ser multiprofissional. (M8)
Facilita muito as atividades da equipe de saúde com o NASF. (M10)
Eu acho importante ter o NASF e nós precisamos na ESF. Tem o psicólogo, tem a nutricionista, fisioterapeuta. Então é importante as ações em conjunto, para o melhor desempenho da equipe. (E12)
O NASF, aqui na unidade, ele nos dá bom suporte, a gente vendo a necessidade de encaminhamento e da parceria com eles. Do atendimento multiprofissional com o NASF. (E13)
A minha percepção é que o NASF só tem a acrescentar na UBS. Tem ajudado muito! (E20)
A formação multiprofissional da equipe do NASF foi considerada positiva, pois permite a diversificação das ações desenvolvidas, o que possibilita maior oferta de serviços à comunidade assistida pelas equipes de saúde da família, como pode ser observado nos depoimentos abaixo.
Eu tenho mais contato com eles no atendimento domiciliar. Assim, visitando os pacientes que estão acamados. (M16)
Eles participam muito, nos ajudam muito com dinâmicas, até também em resolução de problemas e a gente faz visitas com eles. (E18)
O NASF vem para dar esse apoio, para a gente poder fazer, principalmente, ações educativas, que são extremamente importantes para saúde da família. O NASF vem para realizar essas ações e também dar uma complementariedade em relação às outras atuações profissionais. (E21)
Realmente, com a chegada do NASF melhorou essa contrarreferência. (E22)
Eu tenho uma visão do NASF muito boa, eles me ajudam demais. Qualquer coisa que acontece eu corro para eles, encaminho, peço sugestão. Eles estão sempre prontos a ajudar. Eu gosto demais do NASF! (M5)
A partir do exposto, também se observa a importância do estabelecimento de uma relação harmoniosa e de cooperação entre os profissionais desses serviços que compõem a Atenção Básica, para que seja possível o desenvolvimento das atribuições do NASF em parceria com a ESF como foi evidenciado pelos participantes nos depoimentos a seguir.
É uma ajuda muito boa que dá para gente. Porque integra mais. Faz com que o usuário da unidade não seja preciso sair da sua área para um atendimento. (M4)
São umas ações boas, um trabalho em equipe! Um trabalho somatório, que está muito bom. (M9)
A minha percepção que as ações desenvolvidas pelo NASF são de muita importância! Acontece assim, com muito compromisso e resumindo são ações muito necessárias. Eu passei a ter contato com o NASF, então digo sempre que eu não vivo hoje, não trabalho hoje sem o NASF! É muito importante, é muito bacana esse entrosamento. (M11)
As ações são muito boas! Porque ele está junto com o paciente, o paciente não precisa se deslocar para que ele consiga ir atrás de resolver um problema. (E11)
Eles realmente desenvolvem o apoio, como é um pressuposto que é para eles poderem apoiarem as equipes. Eles realmente contemplam todas aquelas diretrizes e realmente apoiam as equipes. Eu me sinto apoiada pelo NASF! (M12)
Soma muito essa integralidade junto a nossa equipe de saúde da família e só traz benefícios para a comunidade. (M15)
Para integração entre as ações desenvolvidas pelos profissionais do NASF com os da ESF, os participantes mencionaram como ferramentas que favorecem este processo a estrutura física, intitulada por eles como ponto de apoio, a comunicação efetiva e o compartilhamento de atividades, conforme os discursos em sequência.
A gente tem o privilégio do NASF funcionar aqui nessa UBS. Então, assim, é bem eficaz mesmo essa integralidade. A gente já repassa as demandas para eles diretamente, não tem essa de intercâmbio, encaminhamentos burocráticos, a gente já fala diretamente com os profissionais na maioria das vezes e, assim, é muito fácil, facilita a ação aqui tanto dessa equipe que trabalha, quanto da outra, justamente por a gente ter o núcleo do NASF aqui nessa UBS. (M1)
Uma das facilidades é o ponto de apoio deles ser aqui na nossa UBS. Então, todo dia, mesmo que eles tenham atividade em outras unidades, eles passam aqui na chegada e na saída, então isso facilita o contato, a comunicação. É muito bom o contato por elas estarem presente aqui e também porque temos muitos projetos e eles se encaixaram nesses projetos. (E15)
Sempre fica alguém do NASF aqui, então a gente sempre está fazendo esse trabalho em conjunto. E aí a facilidade é que de vez em quando a gente encontra um membro aqui e isso facilita. A programação que eles fazem com a gente, isso são processos facilitadores do trabalho. O NASF ele é um núcleo que a gente não se vê mais sem ele. Eles são complementos das nossas ações. (E16)
A maior facilidade que eu acho é que a equipe do NASF eles ficam aqui. Eles estão sempre aqui na nossa unidade e com isso facilita muito o atendimento, às vezes, eu mando um paciente hoje e, às vezes, ele atende hoje mesmo, já é resolvido a situação dele naquele mesmo dia. (E23)
Pode-se observar nos discursos abaixo que a comunicação entre os profissionais envolvidos no cuidado ao usuário foi expressa pelos participantes como fundamental para o planejamento e desenvolvimento de ações conjuntas. Os entrevistados também apontam sobre estratégias utilizadas para que ocorra essa troca de informações como é o caso da realização de reuniões entre as equipes e o uso de ferramentas digitais.
Às vezes, o profissional vem aqui na UBS ou então, às vezes, eu converso com ele pelo WhatsApp mesmo. Passo algum caso, a gente combina entre si como a gente pode fazer o atendimento do paciente de acordo com a situação. (M3)
Eles vêm aqui, a gente conversa quando surge algum caso, a gente manda mensagem. A gente se comunica também através de mensagem. Já foi criado até um grupo do NASF com a minha equipe no WhatsApp para a gente mandar as informações que a gente considera urgente. A comunicação é boa! (E5)
Por meio de reuniões e de mensagens via WhatsApp que a gente, às vezes, tem um problema, a gente já tem um grupo montado, então a gente troca alguma informação, marca uma reunião e assim está acontecendo. (E6)
Eu acho que existe bastante comunicação entre as duas equipes, a gente se comunica bastante. (E17)
A gente sempre está em contato também através de grupo do WhatsApp e isso ajuda muito, por que a gente tem o contato diário mesmo tendo o contato da reunião mensal. (E19)
A integralidade das ações entre médicos e enfermeiros da ESF com a equipe do NASF foi expressa em diferentes momentos, desde a realização de atividades educativas até o atendimento clínico compartilhado, descritos nos depoimentos que seguem.
A gente faz o planejamento das necessidades trazidas pelos próprios Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Então se a gente observa uma necessidade de uma demanda na área, a gente agenda e elas (NASF) colocam no cronograma delas. (E3)
Há uma parceria. A gente tem planejamento conjunto. Eles apresentam o cronograma de atividades deles, as proposições e nós adequamos também o nosso cronograma as atividades deles. Então é em parceria. (M14)
A gente discuti tudo aquilo que o agente de saúde descobriu na semana na área e vai planejar as ações conjuntas que a gente vai fazer em relação a esses problemas. (M7)
Eles fazem os atendimentos, a gente agenda os pacientes para eles. Eles encaminham, fazemos visita juntos, fazemos atendimentos, é coletivo, atividades coletivas, tudo o que a gente precisa eles estão juntos com a gente. (E9)
A gente trabalha de forma agendada com elas. A gente encaminha e agenda os pacientes e também a gente faz atendimento compartilhado! A gente faz palestras, a gente faz atividades alusivas, educativas. É bastante eficaz e eficiente. (E10)
Esta categoria aborda os entraves percebidos pelos profissionais para que ocorra integração entre as ações desenvolvidas por eles e pelos profissionais do NASF. Estes entraves incluem desde o tempo disponibilizado pelos membros do NASF a cada UBS apoiada até a restrição de transportes para o deslocamento da equipe do NASF para as UBS.
A dificuldade é o tempo que os profissionais do NASF têm para atender toda essa comunidade pela qual eles são responsáveis. (E2)
Como o NASF não é exclusivo dessa unidade, eles têm um tempo muito reduzido e ainda não está definido esse cronograma, portanto isso torna difícil. (E4)
É insuficiente! Se tivesse mais tempo era melhor. Porque dava mais tempo para eles virem para as unidades básicas que eles fossem responsáveis. (M2)
Como tem uma equipe de NASF para atender a várias UBS, então o tempo é restrito. Então muitas ações, que assim, poderiam ter um envolvimento melhor ou uma atenção maior não podem ser feitas porque tem que distribuir essa atenção para as outras unidades. (M13)
A única dificuldade que eu vejo é o tempo deles! Porque são muitas equipes para apoiarem, acho que são 9 equipes, então eles têm pouco tempo para dedicarem a cada equipe dessa.(E14)
Para o desenvolvimento de atividades compartilhadas entre a equipe do NASF e da ESF, faz-se necessário a utilização de meio de transporte. Contudo, a falta de disponibilidade do transporte, quando necessário, foi elencada como entrave para o desenvolvimento de ações por ambos os serviços.
Uma das maiores dificuldades é que nem sempre a gente tem facilidade de transporte. Ultimamente a Fundação Municipal de Saúde (FMS) já limitou a vinda do carro de apoio. (M6)
A dificuldade é que, às vezes, a gente planeja uma coisa e elas não vêm na hora que a gente planeja por causa da questão do carro. Porque o carro nunca está na hora que a gente combina as ações. Sempre elas chegam, às vezes, depois, quando o carro não vem para fazer a ação. (E7)
Questão de transporte, às vezes, a gente quer dar uma palestra. Não tem transporte para pegar. Às vezes, o carro delas atrasa e elas não chegam no horário por conta do carro. (E8)
Observa-se nos discursos que a visão positiva dos médicos e enfermeiros da ESF relaciona-se à característica multiprofissional na composição da equipe do NASF. Esse fator é atrelado à contribuição significativa no âmbito da complementariedade das ações na ESF, principalmente, no que diz respeito à necessidade de atendimento especializado, pois, dessa forma, aumenta o escopo de atuação da ESF e, com isso, a resolutividade dos problemas enfrentados pela população.
A composição multiprofissional da equipe do NASF tem apoiado e fortalecido as ações desenvolvidas pelos profissionais da ESF, além de auxiliar na organização do serviço oferecido, uma vez que reduz as filas de espera para atendimento especializado, acompanhando a evolução dos modelos assistenciais em saúde que buscam atenção integral, compartilhada e resolutiva.7-8
Essa multiprofissionalidade possibilita o intercâmbio de saberes entre diversas áreas, que busca compartilhar os conhecimentos relacionados à atuação de cada profissional para, consequentemente, ofertar um atendimento integral. Ressalta-se que a troca de saberes é ferramenta indispensável para o aprimoramento do cotidiano do trabalho em equipe, em especial quanto à integração, na medida em que se cria uma ponte entre conhecimento, reflexão e ação, e se amplia as intervenções. Essa característica retrata a metodologia de trabalho do NASF que se baseia no apoio técnico pedagógico, conhecida como apoio matricial.4
Acrescenta-se que apesar da equipe do NASF ser composta por profissionais de diferentes áreas e desenvolver um processo de trabalho integrado, faz-se necessário a preservação das peculiaridades de cada profissão, de maneira a evitar uma ideia de atuação genérica da equipe, fato que viria a descaracterizar o intuito principal de compartilhar, discutir e assim resolver os problemas do indivíduo, da família e da comunidade do território de atuação do núcleo e das equipes por ele apoiadas.9
Por conseguinte, a diversidade das ações desenvolvidas pelo NASF também foi mencionada pelos participantes do presente estudo como ponto positivo, pois impacta no modo de cuidar do indivíduo e da família ao promover mudanças consideráveis no processo saúde-doença, a partir do desenvolvimento de ações de promoção da saúde, visitas domiciliares, encaminhamentos, além da referência e contrarreferência.
Nesse sentido, o aumento na procura dos usuários pelos serviços de saúde da Atenção Básica é resultado da operacionalização do acolhimento, expansão da oferta de serviços e poder de resolutividade dos problemas a partir da articulação NASF e ESF, o que tem possibilitado a oferta de cuidado integral e humanizado.9
Uma das ações realizadas pelo NASF e mencionada pelos participantes foi o desenvolvimento de atividades educativas, pilar de atuação na ESF. Essa atividade alicerça o desenvolvimento de um modelo de saúde que não é centrado na doença, mas na identificação das possibilidades de empoderamento da população com relação ao próprio cuidado em saúde, de acordo com o contexto ao qual estão inseridos, o que influencia na diminuição da demanda assistencial na UBS, bem como otimiza o processo de atendimento.7
A Visita Domiciliar (VD), também, citada como exemplo de atividade realizada pelos profissionais do NASF, possibilita estreitamento na relação entre ambas as equipes, indivíduo e família, ao passo que dá acesso a determinantes sociais, como por exemplo, o contexto familiar, condição de moradia, a dinâmica habitacional e os padrões de adoecimento da família. Essas características ajudam a traçar um plano de cuidado compartilhado, além de direcionar as atividades com o intuito de incentivar o autocuidado.10
Outra ação destacada foi a realização de encaminhamentos diretos - aqueles que não precisam de processo burocrático, muitas vezes cansativo e demorado, como por exemplo, marcação de consultas on-line, pois os profissionais do NASF frequentam as UBS, os quais são vinculados, com regularidade. Essa proximidade permite um feedback rápido e efetivo entre estes profissionais sobre o acompanhamento da demanda assistida, possibilita avaliar determinantes para progressão ou regressão do seguimento terapêutico, característica referida pelos profissionais no que diz respeito à contrarreferência eficaz. Entretanto, não se pode esquecer que o NASF não funciona como porta de entrada ao sistema de saúde. Apesar de estar vinculado diretamente à ESF, a demanda deve ser direcionada da UBS.7
Também, identifica-se nos depoimentos a parceria entre os profissionais da ESF e do NASF. Os participantes justificam a importância desse fator para percepção positiva que têm em relação ao NASF, principalmente, pelo suporte, pela integração, pela resolutividade e pelo apoio proveniente dessa relação, assim como a melhoria na amplitude dos serviços prestados.
Estudo realizado em Fortaleza-Ceará apontou que a cooperação entre os profissionais do NASF e da ESF ocorre, principalmente, devido ao bom relacionamento que estabeleceram ao longo do processo de trabalho, o que facilita o compartilhamento de saberes durante os atendimentos e, consequentemente, a oferta de cuidado integral.9
O trabalho em equipe pressupõe o estabelecimento de colaboração, integração e parceira para o alcance dos objetivos de forma satisfatória, o que possibilita a troca de conhecimentos por partes dos profissionais envolvidos, fator que impacta positivamente na prestação do cuidado, na ampliação da atuação do serviço ofertado e maior resolutividade das problemáticas enfrentadas.11
Além disso, a partir do exposto nos relatos, compreende-se que em virtude da UBS ser localizada na comunidade assistida tanto pela ESF quanto pelo NASF, este local é entendido como “ponto de apoio” dos profissionais do núcleo e essa configuração é referida pelos entrevistados como benéfica na medida em que permite maior aproximação entre eles e oportuniza o compartilhamento de atividades.
Todavia, ressalta-se que o NASF não possui instalações próprias, portanto, utiliza-se das dependências da UBS em que a equipe da ESF trabalha, sem a obrigatoriedade de manter componentes do núcleo de maneira fixa nessas instalações, já que o NASF funciona como apoio complementar a várias UBS que abrangem territórios diferentes. Com isso, entende-se que o NASF deve desenvolver, também, atividades fora desta estrutura física, em locais de convivência das comunidades assistidas, desenvolvendo ações de prevenção, promoção e proteção à saúde.3
Outro aspecto considerado importante para integralidade das ações é a comunicação. Segundo os entrevistados, essa característica é indispensável para o estabelecimento de um cuidado integral, independentemente do local, pois por meio da comunicação é possível conhecer as individualidades e necessidades do cliente, além do contexto familiar e social no qual ele está inserido, o que contribuirá para o aprimoramento da oferta de assistência.12
Nessa perspectiva, compartilhar informações se torna fundamental entre as equipes envolvidas no cuidado em saúde e deve ocorrer de modo que permita a sua efetividade. Pesquisa realizada em Campina Grande-Paraíba demonstrou que a comunicação se configura como estratégia que promove ligação entre as equipes envolvidas no cuidar, pode ser exercida durante reuniões, sendo estes caracterizados como momentos importantes para compartilhar, planejar atividades e objetiva a integralidade das ações entre os diferentes serviços.13
De fato, as reuniões se caracterizam como espaços de intercâmbio de informações entre os atores envolvidos no cuidado, entretanto com o surgimento e avanço da tecnologia os profissionais têm utilizado outros meios de comunicação, como por exemplo, os digitais. A incorporação de novas tecnologias de comunicação em saúde, tais como WhatsApp e mensagens de texto, têm favorecido a troca de informações de forma mais interativa, permitido maior fluxo de atualizações em menor tempo e possibilitado a colaboração entre os envolvidos, assim tem-se configurado como elemento de valor para a ampliação de canais de comunicação nesse cenário.10
Pode-se observar que o planejamento conjunto das atividades, além da adequação dessas atividades nos cronogramas das equipes do NASF e da ESF, tem favorecido a integralidade das ações. As atividades compartilhadas expressas pelos depoentes foram atendimentos clínicos, visitas domiciliares, atividades educativas e encaminhamentos. Nesse sentido, discussões de caso, atendimento clínico, visitas domiciliares e educação em saúde são atividades desenvolvidas em conjunto, entre os profissionais do NASF e da ESF, e têm favorecido a integralidade das ações ofertadas à clientela do território adscrito, além da troca de saberes entre os atores destes serviços. Esse modelo de trabalho ajuda na medida em que propicia um ambiente em comum, que se caracteriza por ser favorável ao desenvolvimento de parcerias mais sólidas entre as equipes envolvidas, pelo estreitamento das relações com o compartilhamento das ações desenvolvidas.14
Ressalta-se que o NASF realiza suas atividades com base no matriciamento, que consiste em oferecer um suporte tanto assistencial, como também técnico-pedagógico, de equipes especializadas a generalistas de referência, aqui exemplificada pela ESF.4 Assim, a proposta de trabalho do NASF está voltada para a corresponsabilização dos cuidados de saúde, no compartilhamento das atividades entre as equipes do NASF e da ESF que deve ser pautado na união de conhecimentos, habilidades e experiências, bem como na parceria e horizontalidade das ações.15
Ademais, observa-se nos discursos que o tempo disponibilizado pelos profissionais do NASF configura-se como fator limitador para o desenvolvimento de ações compartilhadas entre eles e os membros da ESF. A restrição do tempo para os entrevistados impacta diretamente na oferta de atendimento pelo NASF à comunidade, no envolvimento destes em atividades compartilhadas de assistência à saúde, bem como na interação entre as equipes.
Deve-se ressaltar que, embora, os discursos deem ênfase aos entraves, essas percepções demonstram limitações referentes ao conhecimento das diretrizes de funcionamento do NASF. O desenvolvimento das atividades pelas equipes da ESF tem seguido o arranjo tradicional de encaminhamentos, em que o NASF funciona como referência e não como apoio, suporte e compartilhamento das ações. Essa perspectiva desvia um dos focos da atuação do NASF para a ESF, qual seja a corresponsabilização, fator que gera impacto no entendimento da disponibilidade e resolutividade do NASF em relação à demanda a ser atendida.16
Esta afirmativa encontra suporte em estudo que identificou que os profissionais do NASF tinham o tempo de atuação afetado devido à grande quantidade de atendimentos especializados, dentre os quais destacavam-se, principalmente, os encaminhamentos individuais.17 Observa-se a percepção limitante sobre o apoio ofertado pela equipe do NASF, uma vez que a parceria que existe com os membros da ESF deveria buscar reafirmar as diretrizes da AB, por meio do compartilhamento de ações, priorizando a abordagem coletiva.
Os NASFs podem ser classificados em três tipos (1, 2 e 3), sendo diferenciados pela quantidade de equipes da ESF que apoiam.18 Assim, a falta deste esclarecimento tem gerado questionamentos em relação à distribuição mencionada, especialmente, no tocante à falta de exclusividade de uma equipe do NASF para cada equipe da ESF existente nos municípios que recebem este serviço relacionada ao fator tempo de dedicação.15
Em paralelo à questão da restrição do tempo disponibilizado pelos profissionais do NASF às UBS que eles apoiam, os depoentes acrescentaram a essa dificuldade a grande demanda territorial. Destaca-se que quanto mais equipes da ESF o do NASF têm para apoiar, mais famílias deverão ser assistidas, uma vez que, pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), cada equipe da ESF deverá acompanhar até mil famílias que corresponde em média a 3.500 pessoas.2
Faz-se necessário a compreensão por parte dos profissionais da ESF sobre a filosofia de atuação do NASF, que tem buscado a partir do apoio matricial o compartilhamento de ações entre esses serviços. Assim, a ESF conseguirá resolver grande parte dos problemas de saúde de sua comunidade, configurando-se como primeiro nível de assistência do SUS, e desafogará os outros níveis de atenção à saúde, a exemplo, do terciário.19
Pesquisa realizada na cidade de São Paulo evidenciou que as equipes do NASF trabalhavam com grupos terapêuticos, temáticos e educativos, na maioria das vezes, em parceria com os profissionais da ESF, e conseguiam resultados positivos relacionados à melhoria na qualidade de vida dos indivíduos, das famílias e das comunidades por elas assistidas.17
No que concerne ao transporte, foi destacado a falta ou número insuficiente de veículos, fator considerando entrave para o desenvolvimento de atividades em tempo oportuno pelos profissionais do NASF e da ESF. Além disso, essa dificuldade, relacionada ao transporte, tem afetado a realização de ações fora da UBS, como por exemplo, em polos de academias na praça, no Programa Saúde na Escola (PSE), nas visitas domiciliares, nas atividades educativas, dentre outras.
Transportes insuficientes cedidos pelos municípios têm afetado diretamente o serviço prestado pelas equipes do NASF e da ESF, pois muitas vezes a acessibilidade geográfica da UBS não coopera, por conseguinte, os domicílios de algumas famílias ficam distantes e de difícil acesso, sendo imperativa a disponibilização do transporte público. Essa problemática tem impactado de maneira negativa no desenvolvimento e compartilhamento das ações por esses serviços, o que tem gerado descrédito por parte da população assistida, que muitas vezes separa um tempo de seus afazeres cotidianos para participarem de atividades divulgadas previamente, porém elas não acontecem.20
Salienta-se que o gestor deve dispor de condições para o deslocamento dos profissionais das equipes do NASF e da ESF ou ajuda de custo ou vale-transporte, quando necessário, para que haja o desenvolvimento a contento das atividades planejadas por esses serviços à comunidade assistida.2
A percepção de médicos e enfermeiros sobre as ações desenvolvidas pelo NASF é positiva e encontra-se relacionada ao caráter multiprofissional do trabalho em equipe, que é permeado pela comunicação efetiva entre os pares. Os profissionais referem que para o pleno exercício profissional a comunicação entre as equipes, embora de maneira informal, por meio da incorporação das ferramentas digitais, tem favorecido a cooperação multiprofissional.
Alguns fatores foram referidos como pontos-chave para a integralidade do trabalho entre a ESF e o NASF - a diversificação das atividades desenvolvidas, bem como a priorização do compartilhamento dessas ações (atendimentos conjuntos, visitas domiciliares, atividades de educação em saúde). A existência do ponto de apoio do NASF em uma UBS possibilitou a proximidade das equipes. Também foram relatados entraves para integralidade das ações - o tempo disponibilizado a cada equipe apoiada, a demanda a ser assistida, e a restrição de transportes para o deslocamento da equipe do NASF para as UBS.
Tem-se como limitação deste estudo a própria abordagem metodológica que não permite generalizações, uma vez que as percepções são singulares de cada participante. Diante do exposto, o trabalho em questão destacou pontos para o estabelecimento de vínculo e compartilhamento de ações entre os profissionais do NASF e da ESF. Assim, essa pesquisa busca estimular a elaboração de futuros estudos congêneres no âmbito da AB, bem como contribuir para melhorias, em relação aos entraves elencados, com vistas a trazer benefícios para a assistência.