versão impressa ISSN 1414-462Xversão On-line ISSN 2358-291X
Cad. saúde colet. vol.27 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1414-462x201900010454
The theoretical and methodological framework of matrix support should guide the work of the Family Help Support Centers (NASF).
To analyze the work process of the NASF teams from the perspective of matrix support from the data of the 2nd External Evaluation Cycle of the NASF’s National Program for Improving Access and Quality (PMAQ).
We analyzed 57 NASF teams from 9 municipalities in the Northeast classified in Stratum 6 of the PMAQ. The performance of municipalities was classified into three categories: A (above 75%) for satisfactory condition; B (between 25% and 75%) to moderate; and C (below 25%) to unsatisfactory.
In the Planning of Actions and in the Schedule Organization, 22.80% and 33.33% of the teams presented classification A, respectively. The Matrix Support Organization had the highest percentage of satisfactory classification (54.38%). The worst performances were observed in Demand Management and Shared Attention (22.80%).
NASF plays an active role in planning and developing of actions integrated with eAB, has a shared agenda organization. However, it presents weaknesses in the evaluation and monitoring of actions. These facts can be used to determine the capacity of EqNASF to deal with the management of existing demands, in order to improve eAB.
Keywords: family health; support; work; primary health care
A expansão de cobertura assistencial promovida pela ESF deu visibilidade a novas necessidades de saúde, gerando a demanda pela atuação de outros profissionais, visando ampliar as ações realizadas pelas equipes de saúde da família (eSF). Nesse contexto, criam-se os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), mediante a Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008 1,2 .
O processo de trabalho do NASF é guiado pelas diretrizes da AB, a fim de dar suporte para as equipes na concepção da integralidade com foco no território sob sua responsabilidade. As Equipes NASF (EqNASF) devem ter seu trabalho orientado pelo referencial teórico-metodológico do apoio matricial. Este apoio proporciona a produção de saúde de maneira inovadora com a incorporação da prática interdisciplinar 3 .
O apoio matricial pode ser entendido como um arranjo organizacional, relacionado com o trabalho em redes, atuação em território definido, compartilhamento de saberes, deliberação conjunta e cogestão. Além disso, tem um componente educador e formativo por disponibilizar espaços de discussão, troca de saberes e reflexão para a prática 4 .
As atividades do NASF, pautadas no apoio matricial, são exercidas em duas dimensões: clínico-assistencial, por meio de ação direta com os usuários e compartilhada com a equipe de referência, e técnico pedagógica, pelo apoio educativo com e para as equipes 2 . Contudo, tendo em vista a flexibilidade nas definições teóricas que direcionam o trabalho do NASF, o apoio matricial pode apresentar-se com diversas formas de atuação, variando conforme as demandas locais. Sampaio et al. 5 elucidaram cinco tipos de apoio: técnico-assistencial, político-comunitário, técnico-assistencial, político-institucional e gerencial-administrativo.
Outra estratégia de fortalecimento da ESF proposta pelo Ministério da Saúde (MS) foi a criação, através da Portaria 1.654 publicada em 19 de julho de 2011, do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Este programa propõe dar visibilidade às diferenças existentes na realidade da ESF, uma vez que o objetivo é induzir a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da AB 6 .
Com base no exposto, propõe-se, no presente trabalho, analisar o processo de trabalho das equipes NASF sob a perspectiva do apoio matricial a partir dos dados do 2º Ciclo de avaliação externa do PMAQ-NASF. A análise aqui empreendida pode contribuir para aprimorar o processo de trabalho das EqNASF ancorado no referencial teórico-metodológico do apoio matricial.
Trata-se de um estudo descritivo de recorte transversal, com abordagem quantitativa, realizado a partir de fontes secundárias (dados do PMAQ obtidos na avaliação externa do 2° Ciclo). A fim de conferir maior homogeneidade ao contexto a ser analisado, delimitou-se para o estudo a análise dos dados referentes aos municípios da região Nordeste que foram classificados no Estrato 6 do PMAQ. Esta escolha se justifica pelo fato de estes municípios serem os melhores classificados, o que, em tese, indica maior aproximação com as definições das Portarias Ministeriais que orientam o processo de trabalho do NASF.
Dentre os municípios certificados no 2º Ciclo de Avaliação Externa do PMAQ, se enquadraram nos critérios do estudo 9 municípios, com um total de 57 EqNASF. Todas as EqNASF participantes dessa pesquisa são da modalidade Tipo 1, ou seja, apoiam entre 5 e 9 equipes de saúde da família e/ou eAB 7 .
Foram utilizados os dados da subdimensão I do Módulo IV do PMAQ. Esses dados são específicos para o NASF, coletados por meio de entrevista com os profissionais das EqNASF e da verificação de documentos na unidade. Foram analisados os aspectos referentes ao Apoio Matricial contidos nas subdimensões: Planejamento das Ações do NASF (PA), Organização da agenda (OA), Organização do Apoio Matricial às EAB (AM) e Gestão da demanda e da atenção compartilhada (GDA).
Para a análise dos dados, inicialmente se utilizou o programa Microsoft Excel , no qual as subdimensões foram convertidas em escores, por meio da Equação 1:
Com A e B sendo os valores da primeira e da última variável equivalente a cada EqNASF, respectivamente, realizando, então, a soma de todos os valores. Em seguida, os escores foram transformados em indicadores percentuais que refletiram aspectos da qualidade das EqNASF em cada subdimensão, utilizando-se a Equação 2:
Na qual Z representa o valor do escore percentual, Y representa o escore bruto obtido com a fórmula anterior e X sendo a EqNASF, em que mín(x) e máx(x) foram o menor valor e o maior valor obtido para a EqNASF em questão, respectivamente.
Com base nos valores percentuais, realizou-se uma classificação do desempenho dos municípios em três categorias: A (indicador acima de 75%), demonstrando condição satisfatória; B (indicador entre 75% e 25%), representando condição moderada; e C (indicador abaixo de 25%), demonstrando condição insatisfatória. Para essa classificação, utilizou-se a Equação 3:
A qual é uma fórmula condicional, em que Z representa o valor do escore percentual obtido com a fórmula anterior, e, caso o valor de Z fosse menor do que 25%, classificar como a categoria “C”, caso fosse maior do que 75%, classificar como categoria “A”. Nos casos de não se enquadrar nessas condições, utilizar a classificação “B”.
Utilizou-se, então, o Statistical Package for the Social Sciens (SPSS) versão 23.0 for Windows, em que as frequências absolutas e relativas foram calculadas para as variáveis categóricas e medidas de posição central e de dispersão para as variáveis contínuas. O teste de Kolmogorov-Smirnov indicou distribuição não-normal dos dados. Assim, na análise univariada utilizou-se o teste de Kruskal-Wallis, considerando estaticamente significativo p<0,05. Tendo em vista que o Alpha de Cronbach é usado para estimar a proporção de variância que é sistemática ou consistente em um conjunto de pontuações de teste, variando de 0 (nenhuma variação consistente) a 1 (todas as variações consistentes), procedeu-se, também, à aplicação do Alpha de Cronbach geral, obtendo-se um valor de 0,721, determinando que a avaliação caracteriza uma medida fidedigna, com confiabilidade satisfatória. O Alpha de Cronbach por subdimensão mostrou que não houve grandes variações dessa medida em relação a cada subdimensão, significando que todas contribuíram de uma maneira equânime.
Os dados estão apresentados em duas perspectivas: na primeira, estão os dados gerais de cada subdimensão (PA, OA, AM e GDA), conforme a Figura 1 ; na segunda perspectiva, estão os dados comparativos do desempenho entre as equipes em cada subdimensão, apresentados nas Tabelas 1 , 2 , 3 e 4 , mediante a classificação A, B e C para uma melhor análise das aproximações e distanciamentos do trabalho dessas equipes em relação ao esperado.
Figura 1 Distribuição das Equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (EqNASF) por desempenho em cada subdimensão. PA: Planejamento das Ações do NASF; OA: Organização da agenda; AM: Organização do Apoio Matricial às EAB (AM); GDA: Gestão da demanda e da atenção compartilhada
Tabela 1 Melhores e piores desempenhos das Equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (EqNASF) no planejamento das ações (PA)
SUBDIMENSÃO | Melhores Classificadas | Piores Classificadas |
---|---|---|
PLANEJAMENTO DAS AÇÕES | 13 EqNASF | 4 EqNASF |
A EqNASF realiza atividade de planejamento mensalmente | 84,61% | 50% |
Planejamento do NASF integrado ao da eAB | 100% | 50% |
NASF participa de monitoramento e análise de indicadores com a eAB | 84,61% | 50% |
Tabela 2 Melhores e piores desempenhos das Equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (EqNASF) na organização da agenda (AO)
SUBDIMENSÃO | Melhores Classificadas | Piores Classificadas |
---|---|---|
ORGANIZAÇÃO DA AGENDA | 19 EqNASF | 1 EqNASF |
Cronograma/agenda do NASF foi pactuado com a eAB | 100% | 100% |
NASF disponibiliza seu cronograma/agenda para as equipes apoiadas | 100% | 0% |
Agenda: consultas compartilhadas com profissionais da eAB e do NASF | 100% | 100% |
Agenda: discussão de casos | 100% | 0% |
Tabela 3 Melhores e piores desempenhos das Equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (EqNASF) na Gestão da demanda e da atenção compartilhada (GDA)
SUBDIMENSÃO | Melhores Classificadas | Piores Classificadas |
---|---|---|
GESTÃO DA DEMANDA E DA ATENÇÃO COMPARTILHADA | 12 EqNASF | 13 EqNASF |
NASF monitora as solicitações de apoio das equipes, identificando as demandas mais frequentes e o percentual de atendimento da demanda observada | 75% (sim); 25% (algumas vezes) | 23,07% (algumas vezes) |
Análise do número de encaminhamentos realizados de forma equivocada ou desnecessária para a atenção especializada | 9,17% | 0% |
Análise do número de solicitações de atendimentos desnecessariamente direcionados ao NASF | 83,33% | 0% |
Tabela 4 Melhores e piores desempenhos das Equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (EqNASF) na organização do Apoio Matricial (AM)
SUBDIMENSÃO | Melhores Classificadas | Piores Classificadas |
---|---|---|
ORGANIZAÇÃO DO APOIO MATRICIAL ÀS eAB | 31 EqNASF | 5 EqNASF |
NASF dedica tempo semanal/quinzenal para reunião da EqNASF | 100% | 100% |
NASF atua em horário coincidente com o da eAB | 100% | 100% |
Periodicidade que o NASF realiza atividade/encontro com as equipes apoiadas | 61,29% (semanal); 35,48% (diariamente); 3,22% (quinzenalmente) | 60% (não existe periodicidade definida); 20% (periodicidade é diferente entre cada uma das equipes apoiadas); 20% (semanal) |
Atividades realizadas nos encontros com as eAB: | ||
Consultas individuais do profissional do NASF | 100% | 60% |
Consultas compartilhadas com os profissionais da eAB | 100% | 40% |
Discussão de casos, eventos sentinelas, casos difíceis ou desafiadores | 100% | 60% |
Discussão de casos que poderão gerar encaminhamentos | 96,77% | 40% |
Construção conjunta com a eAB de projetos terapêuticos | 100% | 20% |
Articulação com a eAB de ações com outros pontos da rede de saúde e intersetorial | 96,77% | 60% |
Atividades de educação permanente com a eAB | 100% | 60% |
Discussão sobre o processo de trabalho da eAB e do apoio do NASF | 96,77% | 40% |
Intervenções no território em conjunto com sua equipe | 96,77% | 40% |
Visitas com os profissionais da sua equipe | 96,77% | 100% |
Definição de critérios de acesso, fluxos, atribuições de cada profissional | 93,55% | 20% |
Monitoramento e avaliação de resultados da atenção compartilhada | 80.65% | 0% |
NASF monitora o PTS | 100% | 20% |
Forma mais frequente da eAB compartilhar o caso com o NASF: | ||
Encaminhamento por escrito | 67,74% | 0% |
Discussão de casos | 100% | 0% |
Consultas compartilhadas | 96,77% | 0% |
Agendamento de consultas diretamente na agenda do profissional do NASF | 67,74% | 20% |
Contato telefônico | 100% | 20% |
Outros | 41,94% | 0% |
De modo geral, o desempenho das EqNASF foi moderado em três das subdimensões analisadas: PA com 70,18%, 64,92% na subdimensão OA e 56,15% na subdimensão GDA, conforme se verifica na Figura 1 . Apenas na subdimensão AM houve uma quantidade maior de equipes classificadas como condição satisfatória, obtendo um total de 54,38%. Além disso, observou-se que houve um maior número de equipes com piores desempenhos na subdimensão GDA, obtendo-se um quantitativo de 22,80% ( Figura 1 ).
A Tabela 1 , evidencia que o planejamento do NASF integrado ao da eAB ocorre em todas as EqNASF bem classificadas. Além disso, em 84,61% dessas equipes, o NASF realiza atividade mensal de planejamento, bem como participa do monitoramento e da análise dos indicadores e informações de saúde em conjunto com as eAB.
Observa-se na Tabela 2 que as EqNASF com melhores desempenhos pactuam e disponibilizam o cronograma/agenda para as equipes apoiadas. Dentre as atividades contempladas na agenda dos profissionais do NASF, 100% das EqNASF com melhor desempenho afirmaram realizar consultas compartilhadas com outros profissionais da eAB e do NASF, além de realizarem discussão de casos. Por outro lado, a EqNASF com condições insatisfatórias afirmou que o cronograma/agenda do NASF não é disponibilizado para as equipes apoiadas, assim como não consta na agenda a discussão de casos.
Na Tabela 3 , observa-se que apenas 23,07% das EqNASF com baixos escores monitoram, algumas vezes, as solicitações de apoio da eAB, identificando as demandas mais frequentes e o percentual de atendimento da demanda observada, ao passo que 75% das EqNASF com condições satisfatórias o realizam sempre.
As EqNASF com piores desempenhos não realizam a análise de equívocos nos encaminhamentos para a atenção especializada e dos atendimentos solicitados de forma desnecessária para o NASF. A fragilidade na análise de encaminhamentos equivocados para a atenção especializada também está presente nas EqNASF com classificação satisfatória, em que apenas 9,17% a realizam.
De acordo com a Tabela 4 , a periodicidade dos encontros entre o NASF e as equipes apoiadas nas melhores classificadas é, na maioria das vezes, semanal (61,29%), enquanto que 60% das equipes com classificação C afirmaram que não existe periodicidade definida. Ainda assim, tanto as equipes bem avaliadas, quanto as que tiveram avaliação insatisfatória, afirmaram dedicar tempo para reunião interna da EqNASF, e ter seu horário de atuação coincidente com o da eAB.
As EqNASF com menores pontuações demonstraram deficiência em ações básicas do apoio matricial, como: realizar consultas individuais do profissional do NASF (60%) e consultas compartilhadas com os profissionais da eAB (40%), realizar discussão de casos, de eventos sentinelas, de casos difíceis (60%) e de casos que poderão gerar encaminhamentos a outros pontos de atenção (40%).
Acerca da realização de atividades de educação permanente com a eAB, todas as EqNASF com melhor desempenho executam essa atividade, enquanto que 40% das equipes com pior classificação não a fazem.
Observou-se que as condições insatisfatórias das EqNASF acerca do apoio matricial também envolveram aspectos relacionados à ausência de construção conjunta com os profissionais da eAB de projetos terapêuticos (20%), de ações com outros pontos da rede de saúde intersetorial (60%), de atividades de educação permanente (60%), de discussão de casos sobre o processo de trabalho da eAB e do próprio apoio do NASF à equipe (40%), bem como a falta de elaboração de intervenções no território (40%). Percebeu-se, ainda, que essas equipes não participam do monitoramento dos Projetos Terapêuticos Singulares construídos em conjunto com as eAB (20%).
O PMAQ é embasado no conjunto de estratégias prioritárias definidas pela Política Nacional de Atenção Básica 6 . Para a sua construção, foram utilizados os dispositivos que dão suporte teórico para o funcionamento dos mais diversos aspectos do SUS, incluindo o Caderno de Atenção Básica nº 39.
Dessa forma, os itens avaliados constituem aspectos básicos referentes ao trabalho do NASF no matriciamento. Conforme os resultados obtidos, observou-se a existência de EqNASF que não estão realizando atividades primordiais que compõem os objetivos da atuação do NASF na AB, revelando uma possível dificuldade na implementação destas.
Compreendendo o apoio matricial como dispositivo para produzir transferência de tecnologias, é fundamental que as ações entre as equipes (matricial e de referência) sejam efetivamente compartilhadas, para que no “fazer junto” das equipes se produzam novos saberes 7 . A organização da agenda dos profissionais é o primeiro passo para a garantia desse “fazer junto”.
No âmbito dos dados gerais das subdimensões, verifica-se que a maior parte das equipes obteve condições moderadas em relação à Organização da Agenda, o que pode contribuir para que a programação de ações individuais e coletivas, assistenciais e educativas, sejam realizadas de forma compartilhada. Com isso, a organização da agenda, favorece, também, que o NASF possa desenvolver ações não programadas diante de situações imprevistas. Além disso, facilita a comunicação entre as equipes e possibilita o conhecimento sobre onde encontrar os profissionais da EqNASF 2 .
Com relação ao Planejamento das Ações, percebe-se a articulação entre os membros da EqNASF e destes com as equipes de saúde da família. Reforçando, então, que as equipes avaliadas entendem a importância do planejamento em equipe para a integralidade do cuidado e a realização de ações que efetivamente atendam às necessidades de saúde das pessoas e grupos 8 .
Pontes, Ellery, Loiola 9 afirmam que, embora o trabalho em equipe seja um tema bastante abordado na literatura, essa habilidade é algo pouco trabalhada na formação dos profissionais de saúde. Diferentemente dos achados da presente pesquisa, Matuda et al. 10 , constataram fragilidades acerca da colaboração interprofissional entre profissionais das eAB e do NASF, uma vez que ainda persistem visões de trabalho individualizado e com pouca integração.
Verificou-se importante fragilidade no que tange especificamente à Gestão da Demanda e da Atenção Compartilhada. Esse resultado sugere que, embora exista uma organização conjunta da agenda de trabalho entre as equipes matricial e de referência, a maior parte das equipes apresenta dificuldade em monitorar as solicitações de apoio das eAB relacionadas à quantidade de atendimentos direcionados ao NASF de forma desnecessária ou quantidade de encaminhamentos equivocados para a atenção especializada.
A gestão das demandas existentes é essencial no matriciamento, pois facilita a filtragem das necessidades, orienta os processos a serem executados e agiliza as devoluções à eAB, bem como o encaminhamento dos usuários aos especialistas adequados de forma mais eficaz 10 . Com isso, evita-se erro nos encaminhamentos e a realização de solicitações sem necessidade ao NASF, otimizando a sua atuação.
O NASF surge para ampliar o escopo das ações realizadas pelas eSF, conferindo-lhes maior resolubilidade. Espera-se que o NASF promova melhor acesso aos serviços mediante a reorganização da demanda e diminuição da busca pelos serviços de nível secundário e terciário 11 .
Observando-se, ainda, o baixo percentual de equipes que analisam o número de encaminhamentos realizados de forma equivocada ou desnecessária para a atenção especializada (9,17%), se é remetido, então, ao fato de haver uma falha no controle de ações que deveriam ser dos profissionais do NASF, assim como casos que deveriam ser encaminhados para setores de nível secundário ou terciário. Tudo isso pode favorecer uma sobrecarga nos profissionais, podendo contribuir para que a demanda clínico-assistencial sacrifique a demanda técnico-pedagógica, por exemplo.
Cunha e Campos 12 afirmam que a falta de serviços de saúde especializados, ou a dificuldade de acesso a eles, pode conduzir a um funcionamento equivocado do NASF, que assume um papel de substituir o serviço, na tentativa de responder à demanda da população. Silva et al. 11 também elucidam, em seu estudo, que o NASF não deve assumir o papel dos outros níveis de atenção, mesmo com as filas de espera para atendimento em serviços de atenção secundária.
Não obstante, não é previsto, nem possível, que estes profissionais deem conta dessa demanda, cabendo-lhes avaliar as necessidades e definir prioridades, fazendo encaminhamentos para a atenção especializada, quando necessário. Nesse sentido, a gestão da demanda e da atenção compartilhada representa uma ferramenta de grande relevância para avaliar como as EqNASF estão lidando com as solicitações de cuidado que recebem e as decisões tomadas em relação a elas.
Para dar resolutividade às demandas do território, é fundamental que as equipes produzam Projetos Terapêuticos Singulares (PTS). Sua construção é uma estratégia de grande relevância para ampliar a compreensão sobre os problemas das famílias, sobretudo àquelas em maiores condições de vulnerabilidade, como também favorece a construção de soluções para enfrentamento dos problemas identificados 13 .
Os dados revelaram que todas as EqNASF com melhores desempenhos declararam realizar atividades de Educação Permanente em Saúde (EPS), assim como a maioria (60%) das equipes com condição insatisfatória. Compreendendo a EPS como estratégias de colocar o processo de trabalho em análise a partir do compartilhamento de saberes em prol de resolução de problemas concretos enfrentados no mundo do trabalho, atividades como construção de PTS, discussões de casos complexos e organização de processos de trabalho, a partir das demandas do território, podem ser compreendidas como estratégias de EPS 14 .
Para a construção da clínica do apoio matricial, a organização conjunta de PTS entre o NASF e a eAB proporciona a existência de um espaço de discussão coletiva com uma equipe interdisciplinar e favorece o trabalho das EqNASF. O monitoramento do PTS foi bem avaliado entre as equipes que obtiveram melhores escores, porém, a maioria das com piores avaliações (80%) afirmaram não o realizar.
Os dados apontam que as equipes com piores desempenhos não compartilham casos por meio de encaminhamentos por escrito, discussão de caso e consultas compartilhadas. Esses achados demonstram fragilidade na troca de saberes e experiências entre a eAB e o NASF, e, portanto, no matriciamento.
A ausência de compartilhamentos de tarefas e discussão de casos, pode ser atribuída à ausência de horário destinado às atividades compartilhadas ou excesso da demanda, conforme constatado no estudo de Klein e Oliveria 15 , em que se observou que a maioria dos profissionais reclama da dificuldade em realizar ações conjuntas com as eAB em virtude de estas não possuírem horário para atividades compartilhadas pelo excesso de demanda e sobrecarga de trabalho com altas metas de produção. Além disso, observaram, também, que, nas discussões de casos, a equipe se sentia desgastada para definir quem se responsabilizaria pela assistência específica.
O compartilhamento de casos mais complexos entre as EqNASF e eAB é fundamental para o trabalho articulado e sistemático, na medida em que estimula a troca de informações e saberes entre os profissionais e potencializa a busca de soluções para os problemas identificados 2,16 .
A análise do processo avaliativo empreendida no presente trabalho, revela aspectos e dimensões do matriciamento das EqNASF que estão funcionando de forma exitosa, bem como aspectos e situações que necessitam de mudanças.
Os dados mostraram que o NASF tem uma forte atuação no planejamento e desenvolvimento de ações de forma integrada com eAB, assim como organiza a sua agenda de forma compartilhada. Contudo, apresenta fragilidades relacionadas à avaliação e monitoramento das ações. Fatos estes que podem apontar para a necessidade de fortalecer a capacidade de atuação das EqNASF no que tange à gestão das demandas existentes, a fim de ofertar um melhor apoio às eAB, aumentando, com isso, o escopo e a capacidade resolutiva delas.
Vale salientar que, embora as equipes com condições insatisfatórias tenham sido em menor porcentagem, ainda assim são equipes que estão trabalhando sem cumprir muitos aspectos básicos dispostos nos documentos ministeriais que dão suporte para a atuação do NASF.
Espera-se que esses achados possam estimular os gestores e os profissionais do NASF a buscarem um aprimoramento da atuação das EqNASF nos serviços de saúde, a fim de que se atinja um nível de excelência do trabalho do NASF com a gestão e com suas equipes apoiadas, e, consequentemente, beneficiar e aperfeiçoar o funcionamento de toda a rede de saúde.