versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.24 no.1 Rio de Janeiro 2020 Epub 30-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0123
O Capital do Cliente (CC), também denominado de Capital Relacional (CR), constitui-se um elemento formador do Capital Intelectual (CI) nas organizações e refere-se ao relacionamento destas com seus clientes e fornecedores, utilizando diversas formas de interação interna e externa, evidenciadas mais efetivamente, quando ocorre demonstração do valor que possui uma rede de clientes satisfeitos.1,2 Neste estudo, ao definir o referencial teórico nomeamos o paciente/usuário da rede hospitalar como cliente, visto ser o elemento formador mais importante do Capital Intelectual de uma organização. Pois, ele é quem utiliza e paga pelo serviço, seja no setor privado ou público.3
Nesse sentido, a gerência do CC nas organizações deve ser direcionada para a satisfação do cliente com ações que envolvam os componentes: Retenção do cliente; captação de outro cliente; suporte ao cliente; inovação direcionada pelo cliente; relacionamento; comunicação; reclamações; confiança; rapidez de respostas e imagem da empresa.1
Esses componentes, no contexto das organizações hospitalares, são vivenciados de forma diferenciada das demais organizações, pois a área de saúde é influenciada pelo sistema político e social do País, cujo planejamento de produção, deve considera-la como uma empresa que cuida de vida humana,4 mas que necessita também, adotar boas práticas de gestão orientadas para a eficiência em sua atividade-fim.5 Assim, as estratégias para a Captação e Retenção de Clientes são limitadas, principalmente, no setor público que, muitas vezes, é obrigado a extrapolar sua capacidade de atendimento diante de demandas crescentes da população.
Por conseguinte, no setor privado, é clara a influência do contexto político e social diante da dependência dos recursos contratados nos planos de saúde. No entanto, mesmo que esses aspectos sejam restritivos, possibilitam escolhas dos clientes, nas limitadas opções, considerando a referência do adequado atendimento das suas necessidades e expectativas, que possibilita elevar o seu nível de satisfação e fidelidade para com a organização.6
Nesse entendimento, o cliente satisfeito é promotor da imagem positiva da organização, amplia a sua fidelização, com consequente aumento da competitividade, crescimento e desenvolvimento organizacional.7
Sabe-se que o cliente/usuário/paciente é a razão de existir da enfermagem, cujo cuidado, é a essência da sua prática estando associado às relações com a família, os demais profissionais de saúde e com os fornecedores de serviços e insumos. A relação com os fornecedores também constrói o CC de uma organização por se constituir em uma aliada que assegura a continuidade e o desenvolvimento dos processos.7
Portanto, para a enfermagem, atender as necessidades do cliente envolve relações intra e extra organizacionais, destacando-se que o processo assistencial, exigem ininterruptas ações de avaliação da qualidade do serviço prestado e da satisfação do cliente. Nesse sentido, a avaliação deverá ser contínua e processual, focada na valorização do cliente e na competência de todos os profissionais, e consequente atendimento das necessidades implícitas e explícitas, redução de queixas, promoção de ambiente agradável e de relações empáticas que favoreçam ao cliente a manifestação dos seus desejos.1
Considerando que a qualidade das relações da organização com clientes e fornecedores repercute no CC, e que o processo de gestão vem sofrendo influências dos avanços científicos, tecnológicos, do nível de informação e das exigências da população, tornou-se relevante questionar: como são utilizados os componentes do CC na gestão de enfermagem em hospitais? O estudo teve como objetivo: analisar como os componentes do capital do cliente são utilizados na gestão da enfermagem em hospitais.
Trata-se de um estudo qualitativo, que analisou os relatos de gestoras de enfermagem atuantes em nove hospitais da cidade de Salvador, região Nordeste do Brasil, sobre as suas experiências em utilizar o CC na prática profissional. Selecionou-se 32 enfermeiras para participar do estudo, por ocuparem o cargo de gestão das 32 organizações hospitalares de médio e grande porte de Salvador-Bahia. A coleta de dados ocorreu de outubro de 2014 a maio de 2015 e não foi encontrado sexo masculino ocupando cargo de gestão. Foram incluídos nove hospitais que autorizaram a pesquisa: três públicos, cinco privados e um filantrópico. Após a identificação e a localização das gestoras, foram realizados contatos com as mesmas mediante a apresentação das pesquisadoras e do projeto de pesquisa e encaminhados os convites através de e-mail e redes sociais, cujo conteúdo explicava a intenção da pesquisa, objetivos e importância da participação no estudo. Dessas enfermeiras selecionadas, 12 não responderam; duas não tiveram disponibilidade para participar; duas estavam de férias; uma de licença maternidade; e três aguardavam parecer da comissão de pesquisa do hospital para participação, as quais não obtiveram respostas.
Realizadas 12 entrevistas com enfermeiras gestoras, seguindo o critério de exaustão das informações, para a finalização de busca de participantes, cinco de hospitais públicos, quatro de hospitais privados e três de hospitais filantrópicos, que gerenciavam os serviços de enfermagem, como: gerentes, coordenadoras, diretoras e assessoras, que se encontravam há pelo menos 6 meses na função, por entender que, após esse período no cargo, já estavam integradas na organização, mais seguras no processo de gestão quanto a formulação de políticas institucionais. Excluídas as gestoras em férias ou de licença. O tempo médio do cargo na gerência variou de 5,8 a 10 anos.
O roteiro da entrevista constou de duas partes, sendo a primeira com informações sociodemográficas; e a segunda, com a seguinte questão: Descreva-me como você utiliza na pratica de gestão os componentes do capital do cliente a seguir: Captação e retenção de clientes, satisfação do cliente e sistema de parceria/integração. Durante o processo, a pesquisadora precisou esclarecer dúvidas em relação aos termos, quando necessário, para que respondessem aos propósitos do estudo, facilitando, assim, a fluidez dos relatos.
As entrevistas foram gravadas com autorização das participantes, utilizando o programa de gravador de voz instalado no celular da primeira autora, docente e doutoranda, que realizou a entrevista, a fim de se registrarem todas as informações fornecidas. Essas entrevistas duraram em média 30 minutos e foram realizadas individualmente, em sala silenciosa, exclusiva e sem interrupções no local de escolha das entrevistadas. Ao término da entrevista, as participantes tiveram a oportunidade de ouvir as gravações, para autorizar a transcrição.
Os dados analisados, segundo a Análise de Conteúdo, seguiram três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados.8 Na primeira etapa, foi realizada a leitura flutuante do conteúdo das entrevistas, para se chegar à constituição do corpus. Posteriormente, na segunda, foi obedecida a exaustividade, determinada pelo uso de todo o conteúdo das entrevistas, a representatividade para que expressasse os componentes do CE, e a homogeneidade das entrevistas, buscando suas similaridades e pertinência do conteúdo aos objetivos da pesquisa. Em seguida, realizados recorte, decomposição, codificação e atribuição da unidade de enumeração das unidades de registro ou temática que, pela similaridade, foram agrupadas em uma categoria e duas subcategorias para organização das informações e análise. O ponto de saturação dos dados foi alcançado quando as informações começaram a se repetir sem que novos elementos fossem identificados na categoria de análise. A terceira e última etapa da Análise de Conteúdo efetivada mediante interpretação dos resultados e a síntese da análise.
O estudo aprovado sob o Parecer número 812.679/2014, CAAE 36373614.3.0000.0048 atendeu às diretrizes e as normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, preceituadas pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e segue os critérios consolidados para relatos de pesquisa qualitativa (COREQ).9
As participantes, após ouvir os esclarecimentos necessários, concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, uma das quais foi entregue à enfermeira entrevistada e a outra ficou com a pesquisadora. Para preservar a identidade das gestoras, foi utilizado o sistema alfanumérico G de gestora, seguido do número, conforme ordem de ocorrência das entrevistas, de G1 a G12.
As 12 entrevistadas foram do sexo feminino, ocupavam cargos de administração geral do serviço de enfermagem, que receberam denominações de acordo com a organização administrativa do hospital: gerência, coordenação, diretoria e assessoria. O tempo nos referidos cargos variou de um ano e meio a 20 anos, tempo de formada variou de 8 anos a 40 anos; todas com pós-graduação em nível de especialização na área de gestão, duas com mestrado e uma com doutorado; o tempo de admissão na organização variou de 6 a 35 anos. Essas características individuais das gestoras entrevistadas facilitaram o entendimento de seus relatos considerando o contexto a que está vinculada, e as suas experiências e qualificações para o cargo.
As participantes utilizavam os elementos formadores do Capital Intelectual: capital humano, capital estrutural e capital do cliente, durante o gerenciamento das atividades do serviço de enfermagem, que foram apresentados e analisados no relatório da tese: Capital Intelectual na Gestão das Enfermeiras em Organizações Hospitalares,a defendida pela primeira autora, em 2015, na Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, do qual foram realizados recortes que analisaram, individualmente, as categorias Gestão de Pessoas e Gestão de Processos Operacionais, referentes ao capital humano e capital estrutural, respectivamente.10,11
Para este estudo, foram extraídos dessa tese, para análise, os conteúdos relacionados ao capital do cliente e a categoria Gestão do Atendimento ao Cliente. Identificou-se que para o atendimento ao cliente, no serviço de enfermagem, é realizado um conjunto de ações gerenciais para a avaliação da satisfação do cliente e para a melhoria da relação com fornecedores externos.
A avaliação da satisfação do cliente foi realizada nos serviços de enfermagem pelas gestoras, utilizando instrumento de avaliação, busca ativa e sistemática e os dados da ouvidoria, que resultaram em mudanças, aprimoramento e o desenvolvimento de melhores práticas no atendimento de enfermagem:
[...] uma coisa que eu estou sempre analisando é a satisfação do cliente. Eu trabalho justamente na busca de que o processo da assistência seja bem feito, viabilizando, inclusive, condições que o hospital possa atender esse cliente, trabalhando de forma indireta, mas buscando a satisfação do cliente [...] como é que ele verbaliza nos dados da Ouvidoria e nos dados de pesquisa de satisfação do cliente (G8).
A gente faz um trabalho todo com foco na satisfação do cliente [...] quando o cliente sai ele preenche um boletim de satisfação, avaliando o serviço; então, esse boletim vem para a gente e a gente leva para o RH [...] às vezes, quando o paciente sugere, a gente implanta e liga para ele para dizer que a gente implantou aquela sugestão que ele tinha dado (G11).
A mensuração de satisfação do cliente sobre os serviços de enfermagem é realizada através de formulários próprios, elaborados pelas enfermeiras:
A gente construiu também esses formulários de satisfação do cliente, e eles eram muito ativos, aplicados em todos os pacientes admitidos e avaliados para nortear condutas no serviço [...] (G1).
A gente tem uma pesquisa de satisfação do usuário para todo o hospital [...] um dos serviços que é avaliado é o Serviço de Enfermagem (G3).
Foram citadas a utilização da busca ativa e os dados da ouvidoria para a avaliação da satisfação do cliente:
Temos a pesquisa de avaliação, temos visita, que são as buscas ativas mesmo; a gente faz as visitas nos quartos porque o cliente só pega o formulário para dizer que está insatisfeito; então a gente tem essa outra forma de ir buscar também essa avaliação... (G4).
A gente também faz a mensuração da satisfação do cliente. Comecei uma busca ativa, fazer o serviço contrário; ela [pessoa responsável] ia orientar os clientes, qual era a importância deles se manifestarem através do opinário (G2).
A gente tem a Ouvidoria, que é uma das ferramentas que a gente utiliza para avaliar e classificar as avaliações de satisfação [...] a Ouvidoria, tanto faz do cliente, como do profissional; então eu recebo elogios e críticas, tanto do serviço, quanto dos profissionais (G9).
A Ouvidoria aqui [...] é para os clientes e também os funcionários que estão insatisfeitos com algumas coisas; a Ouvidoria traz aqui e eu chamo coordenadoria [...] tem muita gente aqui que elogia e cita o nome da pessoa (G10).
A utilização das informações serve de referência para o desenvolvimento de melhores práticas no atendimento de enfermagem, conforme excertos:
[...] a questão da satisfação do cliente, eles trazem muitas informações e a partir dela você também muda muito, mas a gente cresce, a gente transforma e faz a mudança [...]a satisfação do cliente é um dos elementos de mudança que sempre provoca isso. Estimulamos os pacientes para avaliar o serviço (G5).
Nós temos um trabalho muito de pró-atividade. Eu não espero que o cliente venha apresentar uma queixa; eu procuro visitar aquele cliente; a gente estimula que seja feita essa visita diária [...] procuro saber o que é que a gente precisa melhorar para atender a satisfação dele, e com isso a gente tem, eu acredito, melhorado bastante a questão da satisfação do cliente [... ](G6).
A relação com fornecedores de produtos e serviços é uma realidade das gestoras para a aquisição de materiais, equipamentos e serviços essenciais, que contribuem para a implementação de condutas no atendimento de enfermagem, conforme excertos:
A enfermagem é referência para a compra de materiais e equipamentos para o atendimento e nas questões administrativas para a resolução de problemas e implementações de condutas (G1).
Fornecedor não tem acesso à área assistencial é direto com a gerência [...] o fluxo de acesso de novos dispositivos passa por vários processos de viabilidade e começa com a enfermeira gestora (G4).
Temos serviços prestados por empresas terceirizadas, higienização, esterilização de materiais especiais e fornecedores de consignados, por exemplo, (G12).
Na gestão do capital do cliente, as gestoras deste estudo, relatam desenvolver ações voltadas para a gestão do atendimento ao cliente e na relação com fornecedores externos, para o desenvolvimento do serviço e melhores práticas de cuidado.
Ações avaliativas implementadas no serviço para identificar o nível de satisfação do cliente, utilizando instrumento de avaliação próprio foram relatadas pelas gestoras, cujos dados, serviram de referência para o desenvolvimento de melhorias no atendimento. Nesse sentido, no âmbito das organizações de saúde, a exemplo de outros segmentos empresariais, a implementação de práticas avaliativas da qualidade do serviço, centradas no cliente, com utilização de instrumentos que visam medir a sua satisfação, veem crescendo, tanto no setor público como no privado, em vários países do mundo, principalmente, em países em desenvolvimento como Turquia, Índia, Arábia e Brasil.12-15
No Brasil, a cultura incipiente de avaliação dos resultados do atendimento dos serviços de saúde ainda pode ser considerada fragilizada, visto que a auditoria, sendo a mais utilizada, está focada em custos e aspectos financeiros, embora algumas mudanças venham ocorrendo nesse contexto, com a acreditação hospitalar, onde é necessário implantar e manter determinados padrões de qualidade no resultado do serviço, a exemplo da satisfação do cliente.16 Esses aspectos, aliados a compreensão de que o enfermeiro gerente deve direcionar suas ações para compatibilizá-los com os objetivos organizacionais e às necessidades do cliente, com vistas a uma melhor assistência de enfermagem, promoverão tanto o crescimento do profissional, quanto da organização.17 Dessa forma, as ações relatadas pelas enfermeiras entrevistadas neste estudo, reiteram concepções que clientes e fornecedores de produtos e serviços são parceiros e colaboradores, fontes de desenvolvimento e inovação.7
Estudo que analisou a diferença do cliente que compra o serviço de saúde em relação a outros clientes empresariais enfocou o significado do atendimento e cuidado de saúde, em um sistema complexo como o hospital, recomendando que as essas organizações reconheçam que cada componente do sistema envolvido no serviço depende de todas as outras partes para alcançar objetivos mútuos e, ainda, para satisfazer o paciente o serviço deve realizar pesquisa para saber o que realmente importa para eles.18
Na avaliação da satisfação do cliente, as gestoras utilizaram instrumentos de avaliação próprios, que serviram de referência para o desenvolvimento de melhores práticas no atendimento de enfermagem. Estudo evidenciou o impacto da avaliação da satisfação do paciente na melhoria da qualidade de cuidados apontando essa avaliação como ferramenta que proporciona oportunidades de melhorar a tomada de decisão estratégica, reduzir custos para uma gestão eficaz, monitorar o desempenho dos planos de saúde e atender as expectativas dos pacientes.17
Atender as necessidades e expectativas de pacientes faz parte de gerenciamento de qualidade, elevando o nível de satisfação e fidelidade dos pacientes, comprova estudo em hospitais privados iranianos.6 As gestoras entrevistadas, neste estudo, vão ao encontro desses resultados, demonstrando preocupação ao envidar esforços para viabilizar condições de atendimento ao cliente com foco na satisfação, no âmbito hospitalar. No entanto, deve-se atentar que satisfazer o cliente, pela complexidade do setor saúde, é um desafio, visto que envolve detalhes da experiência deste no serviço, que dependem de expertises profissionais no serviço de enfermagem, e suas relações com os demais profissionais da área que, muitas vezes, sofrem influências do ambiente organizacional, competências coletivas e precarização do trabalho, entre outros.
Estudo discute os desafios para a medição da experiência e da satisfação do paciente, destacando que essas experiências diretas e indiretas do paciente com o sistema de saúde é baseado em muitos fatores vivenciados antes, durante e após um episódio de cuidado. Dessa forma, podem não estar vinculados a qualidade dos cuidados recebidos, mas com as suas expectativas do prognóstico, tratamento, interação familiar e ambiente.19
Pesquisa com 422 pacientes em um hospital dos EUA comprova que medir a satisfação do paciente é importante no serviço de saúde, mas não deve ser usado como um indicador da qualidade geral, segurança ou eficácia do tratamento.20 Vale destacar que resultados de estudos sobre a avaliação da qualidade do serviço hospitalar trazem importantes conhecimentos sobre expectativas, percepção e satisfação do cliente. Na Índia, estudo apontou que tangibilidade, confiabilidade, responsividade, garantia, cortesia e empatia são aspectos importantes na criação de clientes satisfeitos.13 Estudo com 380 pacientes de hospitais privados no Paquistão apontou a empatia e segurança como elementos mais importantes na satisfação do paciente.21 No mesmo pais, outra pesquisa com 611 pacientes, acrescentou o ambiente físico e acolhedor, comunicação e privacidade como impactantes na satisfação e lealdade do paciente no hospital.22
É notório que no âmbito das organizações hospitalares a qualidade dos serviços de enfermagem repercute na satisfação do cliente em relação à organização como o todo. A relação entre condições de trabalho da enfermagem e satisfação do paciente foi avaliada em 430 hospitais e concluiu-se que nos hospitais onde os enfermeiros atuam com melhores condições de trabalho, a exemplo de menor carga de trabalho, menor relação paciente/enfermeiro e com maior remuneração e níveis de experiência, a satisfação dos clientes foram mais elevadas.23
O processo dialógico, integração e parceria com cliente e fornecedores são importantes para o processo produtivo na organização. A integração com o cliente permite compreender o que esperam e valorizam no atendimento, ajuda a identificar as necessidades expressas e não expressas e quais serviços são importantes para atendê-lo.7
As gestoras informaram utilizar a busca ativa para fazer um atendimento individualizado, para obter informações ou reclamações e fazerem mudanças, reestruturação e inovação no serviço, relataram também realizar a avaliação do atendimento quando o cliente recebe a alta e a implantação de mudanças no serviço. Essa avaliação produz direcionamentos para melhorar o atendimento, no entanto, deve ser realizada durante todo o processo, antes mesmo da admissão do cliente, aquisição ou utilização dos serviços. Nesse entendimento, as organizações hospitalares precisam compreender que avaliar a satisfação e ouvir as reclamações são meios mais eficazes para que os clientes informem caminhos para melhoria da assistência prestada.24
Avaliar o atendimento e satisfazer o cliente, de forma semelhante às empresas de outros segmentos, que necessitam reter seus clientes, devem ser valorizados nas organizações de saúde porque prestarem e venderem serviços complexos que, na maioria dos casos, o cliente, espontaneamente, não gostaria de receber ou que não são desejáveis devido ao adoecimento, necessidade de recuperação da sua saúde ou a manutenção da vida.3 Nesse aspecto, pode-se inferir que mesmo não desejando retornar ao hospital, o cliente satisfeito é fonte de referências para outros clientes e para a imagem positiva da organização evidenciando, assim, a sua missão social no sistema de saúde.
Apesar da realidade diferenciada das organizações de saúde, sobre a opção de manter a fidelidade do cliente, torna-se importante apontar o estudo que constatou ser o custo de manter um cliente, várias vezes menor do que o custo de atrair novos clientes, Reitera-se, portanto, que a capacidade da organização de identificar e de atender a necessidade do cliente e de manter uma eficaz gestão do sistema de informação e de relacionamento com o cliente aumenta a sua lealdade.25 Por essas razões, organizações devem conhecer a percepção e expectativas dos clientes, e analisar frequentemente os resultados dessa avaliação, visto que eles detêm o poder de determinar até que ponto um produto ou serviço atende ou não as suas necessidades e satisfaz suas expectativas.7
Quando o serviço tem foco no cliente, deve ter objetivos que atendam às suas expectativas, traduzidas em necessidades importantes que, por vezes, não são explicitadas. No entanto, quanto mais se conhece o cliente, mais evidentes se tornam as suas expectativas, possibilitando estratégias de melhoria que são favoráveis na fidelização.26 A satisfação dos clientes faz parte de padrões de qualidade em todos os processos e serviços oferecidos devendo atender e superar os seus desejos ou os encantarem.24 Estudos que avaliaram a satisfação no atendimento em serviço público, constataram fragilidade da humanização do cuidado por deficiências do acolhimento e da comunicação, contribuindo para a insatisfação do cliente.14,15,22 Dessa forma, ficou evidente que os desejos do cliente, considerados óbvios, ou mesmo elementares, não devem ser negligenciados, visto que o não atendimento desses, poderá desencadear a insatisfação e comprometer a qualidade da assistência.
As gestoras referiram utilizar instrumentos de avaliação como o questionário, elaborados por elas e aplicados através de visitas às unidades de internação e também os dados de formulários fornecidos pela Ouvidoria, para pesquisarem a satisfação do cliente em relação ao atendimento de enfermagem. No entanto, existem modelos de avaliação já validados e mais completos para o serviço de enfermagem, que estão disponíveis, podendo ser adaptados de acordo com o contexto organizacional.
Pesquisa de satisfação utilizando instrumento validado da versão brasileira do Patient Satisfaction Instrument,(ISP) permitiu a identificação de potencialidades e deficiências no hospital estudado, fornecendo subsídios para a reorganização das atividades assistenciais , gerenciais e de ensino.27 Outro estudo, aplicando o mesmo instrumento, concluiu que os cuidados de enfermagem, geralmente, atendem as expectativas dos pacientes. No entanto, destacou vieses em relação a esse resultado como a dificuldade de acesso dos usuários aos serviços que pode influenciar para que o atendimento seja considerado satisfatório pelo fato de tê-lo conseguido, relevando deficiências.28
Em outra experiência de adaptação e validação da escala The Satisfaction with Decision Scale (SWD), as autoras concluíram que a satisfação do paciente tem sido importante na avaliação dos cuidados da Enfermagem, na qualidade do processo de tomada de decisão e impactos das intervenções.29
Diversos modelos de questionários e formas de avaliar a satisfação do cliente na assistência à saúde são divulgados no âmbito internacional, a exemplo do modelo utilizado no Vietnã com 26 itens de avaliação envolvendo seis aspectos: acesso e admissão, informações gerais do paciente , tratamento e informações relacionadas, gerenciamento de reclamações, ambiente físico e acompanhamento.30 Estudo na China propôs modelo de avaliação e comprovou que a satisfação do paciente foi significativamente afetada pela percepção da qualidade, expectativa e impacto da doença, referência do hospital e as queixas dos clientes.31
Em instrumentos validados para a avaliação da satisfação de atendimento ao cliente, com possibilidades de adaptações, deve-se atentar para inclusão de elementos focados para a avaliação das experiências vivenciadas por estes em situação do atendimento, como a forma de acolhimento; informações e orientações recebidas; trajetória nos diversos setores; agilidade e a resolutividade dos problemas que levaram os clientes à organização.
As gestoras dos hospitais públicos, participantes deste estudo, relataram a utilização das informações da Ouvidoria para identificar queixas ou insatisfações dos clientes e implementar melhorias no atendimento. Nesse sentido, quando efetivo, as demandas geradas nesse processo promovem mudanças em organizações, sejam públicas ou privadas, principalmente, quando avaliam nível de confiança, aceitação e identificação de requisitos e expectativas de desempenho e dos serviços oferecidos,32-35 entretanto sabe-se que dados coletados quando o paciente já saiu ou está saindo do hospital, impede ações efetivas imediatas na melhoria daquela assistência. Recomenda-se, portanto, que a avaliação da satisfação do cliente não deve limitar-se ao momento da alta ou das queixas na Ouvidoria, mas antes, durante e depois do atendimento da enfermagem.
As gestoras relataram a relação com os fornecedores externos do hospital, principalmente, quando ocorre a aquisição de produtos e equipamentos e quando existem prestadores de serviços terceirizados, com a participação efetiva da gestora de enfermagem que acompanha e avalia esses serviços em hospitais públicos e privados.
Sabe-se que na enfermagem a relação com fornecedores externos é histórica, pelas ações gerenciais de estruturar o ambiente, prevendo e provendo recursos para a operacionalização da assistência. Atualmente, em muitos hospitais, existem serviços organizados, especificamente, para esse fim, porém a enfermeira continua participando desse processo, fazendo parte da equipe que desenvolve essas atividades.36
No entendimento sobre o CC, observou-se o consenso de que os fornecedores são parceiros e clientes em potencial, influenciam positivamente para a inovação e mudanças da estrutura organizacional. A eficiência do setor de suprimentos depende do estabelecimento de relações comerciais de credibilidade, confiabilidade e acessibilidade entre comprador e fornecedor.37,38
No âmbito do serviço público em que licitações e pregões são os meios utilizados para aquisição de materiais de consumo e permanente, a atuação da enfermagem ocorre na determinação do tipo de material a ser adquirido para as unidades de atendimento, padronização e especificação técnica, controle de qualidade dos materiais e emissão de parecer técnico que contribuem para a tomada de decisão organizacional sobre a adoção ou descontinuidade de aquisições de determinados materiais e equipamentos e na qualificação de fornecedores.36
Nesse sentido, a integração da enfermagem com fornecedores que fazem parte da rede de relações com o serviço, ocorre de forma mais direta com os prestadores de serviços terceirizados, serviços de manutenção e durante a avaliação de recursos materiais de consumo ou permanente. Assim, entende-se que a atuação do fornecedor para prover os recursos de forma racional, serviços eficientes e necessários para o cuidado seguro e de qualidade no hospital, depende do trabalho da enfermagem que fornece informações, descrições e avaliações das necessidades do cliente e serviço, em processo de interação efetiva.
Diante dos aspectos apresentados neste estudo envolvendo a gestão do capital do cliente como importante elemento para alavancar o desenvolvimento organizacional e profissional, vale ressaltar o estudo que comprovou, em serviço médico dermatológico, que ao perder cliente por insatisfação do atendimento resultou em consequências financeiras importantes para a organização e para os profissionais.39
Considera-se como limitações neste estudo a inviabilidade de generalização dos resultados para as demais organizações hospitalares por serem experiências de gestoras que atuam em determinados contextos. Porém, são experiências que podem servir de referência para outros cenários gerenciais da enfermagem.
As gestoras utilizaram os componentes do CC: Captação e retenção de clientes, satisfação do cliente, sistema de parceria/integração, ao realizar a gestão do atendimento ao cliente através de ações gerenciais necessárias para a avaliação da satisfação do atendimento de enfermagem por meio de busca ativa e sistemática e com a utilização de instrumentos de avaliação aplicados por elas, além de informações do setor de Ouvidoria e na interação com fornecedores de materiais, equipamentos e serviços terceirizados para promover mudanças e aprimoramento do serviço.
Contudo, para que essas práticas sejam efetivas no desenvolvimento do CC as avaliações do atendimento de enfermagem devem ser um processo continuo e estratégico que envolva ações articuladas para melhor atender as necessidades e satisfazer os clientes durante toda a sua trajetória na organização, não devendo limitar-se ao momento da alta ou das queixas na Ouvidoria.
Espera-se que este estudo contribua para o conhecimento de enfermeiras sobre o CC na prática de gestão e propicie entendimento do potencial do cliente/paciente/usuário e fornecedores como fontes indispensáveis de informação para a avaliação e estabelecimento de estratégias de melhoria da qualidade do cuidado, desenvolvimento profissional e alcance dos resultados organizacional.