versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.23 no.2 Rio de Janeiro 2019 Epub 11-Fev-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0156
O envelhecimento demográfico representa, paralelamente, oportunidades e desafios. Ao passo que parte dos idosos continua a realizar atividades cotidianas, sociais e laborais, a despeito de suas particularidades, outros representam grandes demandas aos serviços sociais e de saúde, devido à carga de doenças crônico-degenerativas e suas consequências na manutenção da autonomia e independência.1,2
No contexto de maior fragilidade, mais custos e menos recursos financeiros e sociais insurgem a busca por uma atenção especificamente estruturada ao idoso,3 uma vez que a prestação de cuidado pela família tem se tornado cada vez mais difícil, tendo em vista as grandes mudanças na estrutura dos lares. As novas conformações dos grupos familiares, as migrações internas e externas de gerações jovens e a entrada das mulheres no mercado de trabalho, que em muitas culturas são responsáveis pelo cuidado dos entes mais velhos, diminuíram a capacidade da família em prover o cuidado informal em tempo integral ao idoso.1
Os familiares, por vezes, sem alternativa, devido as poucas opções de serviços que prestam assistência ao idoso, tornam-se cuidadores e com a sobrecarga das demandas diárias alteram seu estilo de vida e deixam de realizar as atividades laborais formais, cotidianas e de lazer.4 A complexidade dessa situação evidencia a necessidade de reduzir os riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes. Para tanto, demanda-se ações que garantam, às pessoas, oportunidades para que façam escolhas favoráveis à saúde e isto extrapola a atuação de um único setor, e impõe como necessárias as ações intersetoriais, cuja finalidade é a corresponsabilização pela promoção da saúde dos indivíduos e populações.5
Nessa perspectiva, estudo que propõe um modelo brasileiro de cuidado integrado ao idoso descreve o centro de convivência como nível de atenção voltado, principalmente, à promoção da saúde dos idosos.3 Tal serviço é vinculado à Rede de Proteção Social e destina-se à permanência diurna de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e desenvolve para estes, atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais e de educação para a cidadania.6
O centro de convivência configura-se como uma alternativa de apoio ao cuidado e atua de forma a reduzir a sobrecarga dos familiares de idosos,7 mas pouco se sabe sobre as repercussões do serviço no âmbito da promoção da saúde para esse grupo e no suporte à Rede de Atenção à Saúde (RAS). As publicações sobre a influência dos serviços de cuidados sociais aos idosos e seus familiares são incipientes nos países em desenvolvimento,8 com conhecimento atual inconsistente e, portanto, com necessidade de ampliação.9,10
Diante desse contexto e ao considerar que os serviços de cuidados diurnos a idosos configuram-se como ação estratégica no que tange ao fortalecimento da rede de serviços de apoio às famílias que possuem idosos em seus lares,6pergunta-se: Quais repercussões ocorrem na vida do familiar após ingresso do idoso no centro de convivência? O objetivo do estudo foi conhecer a percepção de familiares de idosos acerca da importância do centro de convivência no suporte à família e à Rede de Atenção à Saúde (RAS).
Estudo de abordagem qualitativa desenvolvido com 14 familiares de idosos que participam de um centro de convivência em um município no interior do estado do Paraná-Brasil.
A instituição é um serviço da Rede de Proteção Social, de caráter filantrópico, mantida por meio de doações da comunidade e recursos provindos de ações beneficentes realizadas pela mesma. Tem capacidade para atendimento de 20 indivíduos. A admissão no serviço pode ser feita por solicitação da família, assistência social ou por meios judiciais. Para tal, é feita uma triagem, que consiste em uma visita domiciliar realizada pela Assistente Social do serviço à residência do idoso, em que são analisadas a situação financeira, as relações familiares, as condições de moradia e a capacidade do idoso em realizar atividades básicas de vida diária. Idosos mais vulneráveis socialmente e independentes para realização de atividades básicas de vida diária são o público alvo do serviço.
Apesar de os idosos assistidos pelo serviço não serem dependentes para as atividades básicas de vida diária (banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, transferência, continência e alimentação), a maioria possui dependência para as atividades instrumentais (limpar a casa, cuidar da roupa, fazer comida, usar equipamentos domésticos, fazer compras, usar transporte pessoal ou público, controlar a medicação e finanças) e comprometimento cognitivo leve a moderado.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas no mês de janeiro de 2016. A seleção dos sujeitos foi por conveniência e os critérios de inclusão foram: ser familiar de idoso que participa do centro de convivência há pelo menos, três meses e residir junto ao idoso há pelo menos, seis meses.
As entrevistas foram realizadas por duas enfermeiras mestrandas com experiência em pesquisa qualitativa e integrantes de um grupo de pesquisa sobre envelhecimento, vinculado a uma universidade paranaense. Inicialmente, foram estabelecidos contatos telefônicos e feitos os convites prévios para participar do estudo e mediante aceite verbal foram agendados os horários para entrevistas, em local e data de preferência dos familiares. Não houve nenhuma recusa em participar da pesquisa.
No encontro agendado, os participantes receberam explicações sobre a pesquisa e seus objetivos, o caráter voluntário, a necessidade de gravação das entrevistas. Quatro entrevistas ocorreram no domicílio dos participantes e as demais no centro de convivência. Estas foram gravadas em meio digital e tiveram duração média de 20 minutos, sendo que cada familiar foi entrevistado apenas uma vez.
Utilizou-se a questão norteadora: “Conte-me o que mudou na sua vida após o ingresso do idoso no centro de convivência”. A busca por novos informantes concluiu-se quando o material coletado permitiu atingir o objetivo do estudo, segundo a avaliação das pesquisadoras.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e, em seguida, revisadas em relação à ortografia, sem que a essência fosse modificada. Após, as informações foram submetidas à técnica de análise de conteúdo na modalidade temática, que consiste nas etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos dados e inferência dos resultados.11
Na pré-análise foi realizada a leitura flutuante das entrevistas impressas, destacando-se os pontos de interesse, seguida da exploração do material com a leitura minuciosa e exaustiva de todo o conteúdo. Após, realizou-se a codificação das mensagens, por meio da qual se apreenderam os núcleos de sentido, que foram agrupados, gerando-se as categorias temáticas. Terminada a categorização, realizou-se a inferência a partir dos dados obtidos.11
Para se entender melhor as repercussões na vida do familiar advindas da participação do idoso no centro de convivência, os achados deste estudo foram discutidos à luz do referencial da Promoção da Saúde.5 Este traz em sua base o conceito de que a promoção da saúde é um conjunto de estratégias e formas de produzir saúde pela articulação intersetorial entre as redes de atenção.
O estudo foi desenvolvido em consonância com a legislação ética vigente e o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá - PR, sob parecer nº 1.349.694/2015. Todos foram esclarecidos acerca da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. Os sujeitos foram identificados com a letra “F”, referente ao termo “Familiar”, seguidos de algarismos arábicos, conforme a ordem de realização das entrevistas.
Os participantes do estudo foram 14 familiares de idosos inseridos no centro de convivência. A caracterização destes, quanto ao sexo, idade, parentesco com idoso, ocupação e renda, bem como o tempo que o idoso está inserido no serviço, consta na Tabela 1.
Tabela 1 Caraterísticas sociodemográficas de familiares de idosos que frequentam um centro de convivência e tempo de permanência do idoso no serviço, Brasil, 2016.
Familiar | Sexo | Idade | Parentesco | Ocupação | Renda familiar (per capita)* | Tempo que o idoso está no centro de convivência (anos) |
---|---|---|---|---|---|---|
F-1 | F | 19 | Neta | Estudante | 1 | 3 |
F-2 | F | 55 | Filha | Auxiliar Administrativo | 1,1 | 0,5 |
F-3 | F | 62 | Irmã | Aposentada | 1 | 2 |
F-4 | M | 49 | Filho | Professor | 1 | 1 |
F-5 | F | 52 | Sobrinha | Zeladora | 1 | 10 |
F-6 | F | 64 | Irmã | Aposentada | 1 | 2 |
F-7 | F | 25 | Neta | Cabeleireira | 1 | 5 |
F-8 | F | 48 | Filha | Autônoma | - | 1 |
F-9 | F | 67 | Esposa | Aposentada | - | 5 |
F-10 | F | 45 | Filha | Do lar | 1 | 1 |
F-11 | F | 67 | Filha | Zeladora | 0,7 | 1 |
F-12 | M | 34 | Filho | Pintor | 1,1 | 0,3 |
F-13 | F | 81 | Mãe | Cuidadora de idosos | 1,2 | 3 |
F-14 | F | 52 | Filha | Do lar | 1 | 3 |
*Em salários mínimos.
A partir das respostas dos participantes foi possível conhecer as repercussões na vida da família advindas da participação do idoso no centro de convivência e a importância desse serviço no suporte à RAS. Estas foram agrupadas em três categorias: ‘O centro de convivência como alternativa de apoio ao cuidado e à institucionalização’, ‘Um tempo para si: o familiar do idoso e o autocuidado’ e ‘Influências positivas na relação familiar’.
Os profissionais dos distintos pontos de atenção da RAS, com conhecimento da importância da atuação de outros setores para oferta da atenção à saúde das pessoas, ao identificarem a situação de vulnerabilidade das famílias, indicaram e/ou encaminharam os idosos ao centro de convivência.
O posto de saúde indicou que eu viesse aqui. Liguei e expliquei a situação (dificuldade financeira) que estava passando, devido à necessidade de ficar em casa com ele. Marcaram uma entrevista em casa e depois chamaram ele para um tempo de adaptação (F-5).
O neurologista indicou que a gente procurasse um lugar para deixar ele, para nossa tranquilidade e segurança dele (F-6).
A inserção do idoso no centro de convivência trouxe maior integração entre a RAS e a Rede de Proteção Social, com troca de informações sobre a atenção dispensada ao idoso e, por vezes, à sua família. Além disso, a parceria entre os distintos setores e pontos de atenção fez que ambos fossem corresponsáveis pela saúde dos idosos e seus familiares.
Antes de conhecer o centro de convivência, os familiares atrelaram seu papel ao exercido pela Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e, por isto, inicialmente, a maioria teve receio em inserir os idosos neste. O contato com o serviço permitiu que os significados atribuídos fossem modificados para serem construídas novas concepções. Foi entendido que o centro de convivência oferta atividades físicas, recreativas e culturais, entre outras, e que se destina à permanência diurna dos idosos.
Eu achava que fosse um asilo e depois que fui visitar, vi que é um centro de atividades para pessoas da idade dela, que tem atividade física, artesanato, entre outras coisas (F-4).
No início, nós pensamos que não seria adequado colocar o pai num lugar assim (asilo). Então, a gente veio conhecer (F-9).
A atuação do centro de convivência ofertou apoio à família no cuidado ao idoso no período em que este permanecia no serviço. Permitiu que fossem mantidos os laços afetuosos e relacionais advindos da convivência familiar, uma vez que ao final do dia o idoso retorna à sua residência. Para alguns familiares, especialmente, os que estavam em idade produtiva, a inserção do idoso no centro de convivência foi uma alternativa à institucionalização em serviços de longa permanência, já que a estadia diurna deste na instituição diminuiu a sobrecarga do cuidado.
Minha família falou que quando eu não aguentar mais cuidar do tio era para colocar ele em um asilo. Mas, enquanto ele está aqui (centro de convivência) vamos levando [...]. No asilo perde o contato com a família e isso é ruim para ele e para nós. Aqui ele vem de manhã e volta à tarde e não fica sozinho, sem ninguém (F-5).
O centro de convivência, ao suprir as necessidades básicas dos idosos durante o período diurno, prestou apoio à família no cuidado do seu ente, inclusive com compartilhamento de responsabilidades, que lhes motivou a continuidade do cuidado em domicílio. Além disso, o serviço atuou no suporte à RAS para que, integrados, pudessem atender as necessidades dos idosos e familiares.
O fato do idoso estar inserido em um serviço de atendimento diurno diminuiu a sobrecarga e gerou maior disponibilidade de tempo aos cuidadores. Para os familiares aposentados, especialmente os cônjuges, a participação do idoso no centro de convivência proporcionou e/ou aumentou o tempo de descanso.
É o único tempo que tenho, é a hora que ele está no centro de convivência. É o tempo que eu tenho para descansar [...]. Para mim, diminuiu a sobrecarga, foi muito bom, pois não é o dia inteiro que ele tem que passar comigo (F-6).
Com a participação do idoso no serviço, os familiares puderam dedicar mais tempo às suas necessidades pessoais e realizar atividades aprazíveis, como as sociais, intelectuais e de lazer. Puderam também se dedicar às questões domésticas, de saúde e financeiras. Com isso, conseguiram exercer maior controle sobre a própria vida e optaram por trajetórias adequadas à sua condição socioeconômico cultural para modificar seus comportamentos e vislumbrar a melhoria da saúde.
Agora é bom, quando eu preciso ir ao mercado ou pagar as contas, não preciso me preocupar com ele, não saio preocupada e nem preciso sair tão correndo (F-3).
Agora tenho mais tempo para as minhas coisas e até faço caminhada (F-6).
Diante das necessidades dos idosos, o responsável pelo cuidado tinha dificuldade de manter uma ocupação devido à necessidade de permanecer junto ao seu ente. A assistência prestada pelo centro de convivência foi uma oportunidade para membros da família em idade produtiva iniciarem ou continuarem a exercer uma atividade laboral remunerada.
Ele ficava junto com meus filhos e comigo, eu já estava agoniada, porque queria ter minha vida lá fora e trabalhar, mas ao mesmo tempo eu não podia deixar ele sozinho (F-5).
A gente cogitava a possibilidade de alguém de casa parar de trabalhar para cuidar dele, mas não temos condições financeiras para isso. O complicado é que a gente tem que trabalhar, não é caso de opção. O centro de convivência foi uma benção mesmo (F-7).
Os familiares que, devido às necessidades financeiras, se dividiam entre o trabalho e o cuidado informal ao idoso perceberam influências positivas em sua rotina. Muitas vezes, frente à necessidade de manter uma ocupação remunerada, o familiar, com pouca ou nenhuma alternativa, deixava o idoso sozinho no domicílio, o que gerava inseguranças e a frequente necessidade de afastar-se do trabalho para permanecer com seu ente. Isto trazia conflitos laborais, que foram minimizados com a inserção do idoso no serviço.
Hoje a gente consegue trabalhar, pois sabe que ele está seguro. Antes a gente ia trabalhar sem paz, preocupadas com o que poderia acontecer, com ele sozinho dentro de casa, com a notícia que a gente poderia estar recebendo. Então, trouxe tranquilidade, paz no nosso dia a dia (F-10).
Eu tenho mais disposição no trabalho agora. Quando ele estava em casa era ruim para mim, pois ficava preocupado e não sabia se trabalhava ou ficava com ele. Ficava enrolado com meu serviço e agora que ele não precisa ficar só comigo durante o dia, as coisas andam melhores (F-12).
Previamente ao ingresso do idoso no centro de convivência, os familiares tinham oportunidades reduzidas de executar atividades diversas, como as laborais, domésticas, físicas, sociais, intelectuais e de lazer. A inserção do idoso no serviço modificou esse contexto ao diminuir a sobrecarga do cuidado e ao permitir que utilizassem o tempo disponível para melhorar o estilo de vida e para ingressarem e/ou manterem-se com uma ocupação laboral formal.
O familiar, muitas vezes, estava envolvido em atividades laborais formais e domésticas e, ainda, com a responsabilidade de cuidar do seu ente. Essa situação gerava sobrecarga e ao somá-las às atitudes negativas do ente cuidado, ocasionava desgaste e atritos na relação entre cuidador e idoso.
Minha mãe ficava muito em casa, não fazia nada. Ela queria tudo pronto e só sabia pedir. Eu fui me irritando e comecei a falar coisas que não devia, mas é que eu estava no meu limite (F-2).
O centro de convivência foi uma iniciativa que promoveu o bem-estar mental dos familiares, ao gerar condições de vida satisfatórias e agradáveis. Isto repercutiu no contexto da relação familiar e o cuidado dispensado ao idoso no domicílio tornou-se uma experiência positiva e fonte de bem-estar.
Depois que ele começou a participar do centro de convivência, a gente tem até mais diálogo entre a família. Se diverte mais [...] Ficou bem mais agradável. (F-8).
Até o amor por nosso pai aumentou. Agora que ele tem menos tempo para ficar em casa, a gente acaba paparicando mais ele (F-9).
O cuidado ao idoso estava centralizado, quase sempre, em apenas um familiar, o qual era privado de realizar atividades laborais e aprazíveis. Este, com o sentimento de ambivalência em querer permanecer em período integral com o idoso e a impossibilidade de dedicar-se totalmente a essa atividade, devido à condição financeira, entre outras, impunha à necessidade de compartilhar a tarefa com demais membros da família, os quais nem sempre tinham pretensão ou tempo para auxiliar. Essa situação gerava conflitos na família, que diminuíram quando o idoso começou a frequentar o centro de convivência.
Quando não tinha creche (centro de convivência) era uma discussão entre a família. Ninguém queria a responsabilidade de ficar o dia todo com ele. Minhas irmãs falavam: ‘eu não tenho tempo, não dá para ajudar’. Para mim era uma carga grande, uma correria e agora melhorou nessa parte (F-12).
Notou-se que o ingresso do idoso no centro de convivência propiciou aos familiares diversas oportunidades que diminuíram a sobrecarga e, consequentemente, o estresse. E isto influenciou positivamente as relações entre os familiares e o idoso e a saúde mental dos cuidadores.
As ações de promoção da saúde devem se dar por meio da intersetorialidade para que consigam, efetivamente, reduzir as vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos e culturais. Além disso, a identificação das diferenças nas condições e nas oportunidades de vida das pessoas são ações necessárias a fim de alocar esforços para a repartição equitativa dos bens sociais, para que as mais desfavorecidas também tenham chances de melhorar de vida.5 Possivelmente, a partir dessa perspectiva, os profissionais da RAS ao identificarem a situação de vulnerabilidade das famílias, encaminharam os idosos ao centro de convivência.
As condições de saúde das pessoas e coletividades são determinadas socialmente e, portanto, não podem ser desvinculadas dos modos, condições e estilos de vida destes, os quais, muitas vezes, são garantidos por meio de políticas públicas.12 Nesse sentido, notou-se que a integração entre a RAS e a Rede de Proteção Social promoveu a saúde dos familiares de idosos ao atuar nos determinantes sociais da saúde, em especial, nos relativos aos modos e estilos de vida.
Além disso, o apoio ofertado pelos centros de cuidados diurnos para idosos motiva os cuidadores familiares a continuar a prestação de cuidados em domicílio,6 o que ocorre, especialmente, devido à percepção destes em relação ao compartilhamento das responsabilidades e à melhora do estado de saúde e qualidade de vida dos idosos, a partir do ingresso nesse tipo de serviço.7 Isto, seguramente, tem influência nos índices de institucionalização, que são menores quando a família tem suporte para o cuidado do idoso.13,14
A harmonia no relacionamento familiar é crucial para que o cuidador realize suas funções.15 Contudo, a sobrecarga do cuidador e as atitudes negativas dos idosos proporcionam uma fragilização em tal relacionamento, o que torna o cuidado uma atividade desgastante e faz que minimizem-se os esforços para sua realização.15,16 Ao inserir o idoso em um centro de convivência que oferta atividades físicas, cognitivas e sociais, entre outras, que impactam positivamente nos problemas comportamentais dos idosos10 as repercussões estendem-se para o cuidador na diminuição de ocorrência de reações afetivas negativas em relação ao ente cuidado17 e faz que este tenha mais energia e paciência para lidar com desafios relacionais.6
Pesquisa reafirma o descrito acima, ao sugerir que há diminuição dos estressores relacionados ao cuidado do idoso quando o familiar recebe apoio de serviços de cuidados diurnos para idosos.18 O nível de estresse do cuidador é influenciado pelo tempo que o idoso permanece no serviço10, tendo este, níveis de cortisol significativamente menores nos dias em que é assistido pelo centro de cuidados, quando se comparado aos dias que fica em casa.18
Neste estudo, os entrevistados demonstravam que com a inserção do idoso nos serviço tiveram mais oportunidades de dedicarem-se à sua saúde, contudo, não foram enfáticos com relação às repercussões na saúde física. Nesse sentido, a literatura demonstra que cuidadores familiares de idosos que possuíam mais dias de descanso, ou seja, que deixavam os idosos mais tempo no serviço, apresentaram menor propensão a ter danos na saúde funcional em comparação aos que usavam o serviço por menor período.19
Pesquisa com 23.815 idosos brasileiros demonstrou que 30% destes possuem dificuldade para realizar uma ou mais atividades da vida diária. Entre aqueles com limitações funcionais, 81,2% informaram necessitar de ajuda para realizar atividades e maioria (81,8%) recebiam ajuda unicamente informal. Dos idosos que declararam receber ajuda 62% a receberam de familiar que não era remunerado para tal e que residia no mesmo domicílio e 35,8% de familiar não remunerado que residia em outro domicílio.20
Além disso, outro estudo inferiu que em países em desenvolvimento a necessidade de auxílio dos idosos para realização de atividades de vida diária aumentará ainda mais devido à expansão de morbidades causada por fatores de risco relacionados ao estilo de vida.21 Esses dados dão a dimensão do desafio a ser enfrentado pela sociedade brasileira para garantir cuidados aos idosos com limitações funcionais. Frente a esse contexto, como forma de orientar quais ações podem ser tomadas nos diversos cenários, o Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde aponta que todas as nações, independente dos recursos que dispõem, devem e podem implementar intervenções que promovam ou mantenham a capacidade funcional dos idosos.22
Para tanto, o foco deve ser no desenvolvimento de um sistema que ajude os idosos a envelhecerem, serem cuidados e ainda manterem vínculos com sua comunidade.22 Nesse sentido, os centros de cuidados diurnos têm mostrado que respondem as necessidades da população com resolutividade, boa relação custo-eficácia e com resultados na melhora da funcionalidade dos idosos, bem-estar e qualidade de vida tanto para estes como seus familiares.23 Inclusive, no Brasil, os custos financeiros e sociais elevados dos serviços de institucionalização mostram que não compensam e isto tem dado vulto às iniciativas de cuidado em que o idoso continua inserido na comunidade.24
Apesar disso, no Brasil, mesmo com a Constituição Federal, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso descrevendo que é de responsabilidade da família e do Estado o suporte aos idosos para defender sua dignidade e bem-estar, a participação do Estado ainda é incipiente quando comparada a das famílias. Estas, na maioria das vezes, dispensam sozinhas o cuidado ao idoso, o que ocorre devido à dificuldade de acesso aos serviços, que são insuficientes para o atendimento da população.24
Importante ressaltar aqui, que a responsabilidade de cuidados dos idosos deixada inteiramente a família já não é mais sustentável. Isto não significa que o cuidado seja de responsabilidade exclusiva do Estado. Deve-se estabelecer uma relação em famílias, comunidades e Estado para que o cuidado seja compartilhado. Logo, os gastos com serviços de longa duração para idosos devem ser vistos como investimentos, uma vez que, além de beneficiarem os idosos, também influenciam os cuidadores que se dedicam informalmente a estes para que consigam ingressar ou manterem-se no mercado de trabalho formal, aumentando a mão de obra produtiva do país22 e a não terem, em longo prazo, dificuldade de acesso à aposentadoria.1
O Ministério da Saúde orienta que para a implantação de uma linha de cuidado integral à saúde da pessoa idosa existe a necessidade da articulação intersetorial, visto que o setor saúde é apenas um dos aspectos que compõe o cuidado. Ao considerar a capilaridade e a semelhança na organização do Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que se encontram em serviços descentralizados nos territórios e, em especial, por meio da convergência nas diretrizes da Política de Assistência Social (SUAS) e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (SUS) têm-se possibilidades de articulação intersetorial,12 resolutivas e sustentáveis para produzir saúde não só dos idosos, mas também de seus familiares.
O estudo permitiu conhecer as repercussões na vida da família advindas da participação do idoso em um centro de convivência. O serviço configurou-se como instituição promotora de saúde ao corresponsabilizar-se pelo cuidado dos idosos junto à RAS e as famílias. Proporcionou aos cuidadores familiares disponibilidade de tempo para o cuidado de si e para manter-se ou engajar-se no mercado de trabalho formal e influenciou positivamente nas relações familiares. Repercutiu, em especial, nos determinantes sociais da saúde dos familiares relacionados à oportunidade trabalho formal, renda e estilo de vida.
Esta pesquisa contribui com a construção do conhecimento científico na área gerontogeriátrica ao demonstrar o centro de convivência como uma opção de cuidado ao idoso e que proporciona repercussões positivas no cotidiano da família. Para os profissionais da saúde, em especial, da Enfermagem, que atuam em diversos setores e níveis de atenção, seja na assistência, gestão, pesquisa ou ensino este estudo contribui para que possam vislumbrar a intersetorialidade, entre a saúde e a assistência social, como forma de promover a saúde dos familiares que cuidam de idosos.
As limitações relacionam-se a abrangência do estudo, já que foi realizado em um único serviço, de um município, mas isto não invalida a importância dos resultados encontrados. Destaca-se o valor deste estudo para a gestão com vistas a estimular a ampliação da modalidade ‘centro de convivência’ e incluí-los nas redes de atenção ao idoso, quando da consolidação destas. Este estudo motiva e desafia a elaboração de novas pesquisas para o aprofundamento temático, inclusive que investiguem a qualidade de vida junto a diferentes membros familiares que convivem com idosos que frequentam o centro de convivência.