versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 15-Jul-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190103
A obesidade é um problema pandêmico de saúde pública não somente em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Uma vez que sua incidência cresce em crianças e em adolescentes, a obesidade representa uma questão alarmante considerando sua evolução e suas associações. Muitas comorbidades associadas à obesidade, tais como hipertensão, dislipidemia, e resistência à insulina aumentam o risco de mortalidade cardiovascular e pioram a qualidade de vida em adultos.1 Vale sempre a pena enfatizar que o processo aterosclerótico inicia-se nas primeiras fases da vida,2-5 como foi demonstrado em autópsias de crianças, com uma forte associação entre os níveis de colesterol LDL antes do óbito e a presença de estrias de gordura na aorta.2 Tal observação foi documentada em muitos estudos no Brasil, demonstrando que políticas públicas devem ser reforçadas em direção a esse problema.6-8
Em diferentes abordagens com crianças escolares na cidade de São Paulo, durante um período de dez anos, nós estudamos o impacto de características bioquímicas, antropométricas, clínicas, e nutricionais, bem como de condições socioculturais e econômicas sobre a obesidade.
Um dado interessante foi a correlação positiva entre obesidade e número de salários mínimos (e seus múltiplos) por família, indicando um possível aumento nos gastos com alimentos pouco saudáveis nos grupos mais ricos.9,10 Tabagismo passivo no domicílio associou-se com menores valores de HDL colesterol.11 A distância entre a área urbana e a área rural foi dividida em oito categorias para comparação dos valores de colesterol total. Quanto maior a proximidade de áreas rurais, menores os níveis de colesterol. Nossa interpretação para esse fato foi a de que as dietas eram mais adequadas em termos de uma maior ingestão de vegetais e menor de alimentos industrializados. Para chegar a essa conclusão, utilizamos de uma nova abordagem estatística, um modelo hierárquico multinível.12,13 Uma intervenção contínua é realizada por meio de conversas semanais na rádio local, comunicados de imprensa, programas de televisão, participação em reuniões de pais e professores, e acampamentos lúdicos e divertidos com os estudantes. A comparação dos níveis de colesterol de estudantes do mesmo ano escolar com os valores de dez anos atrás mostrou uma melhora estatisticamente significativa.14
Além das pesquisas mencionadas no Brasil, outros programas semelhantes têm sido realizados em outras cidades, como em Campinas15 e São Caetano do Sul.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) reuniu a maioria dos pesquisadores dos estudos acima em um único programa - SBC vai à escola - lançado em 2017 juntamente com o Ministério da Educação do Estado de São Paulo. O plano é alcançar as cinco regiões brasileiras até o ano de 2020.
O artigo apresentado nesta edição - Relação entre Dislipidemia, Fatores Culturais e Aptidão Cardiorrespiratória em Escolares - amplia o espectro de elementos relacionados ao risco cardiovascular, principalmente em alunos com sobrepeso e obesidade. O projeto “SBC vai à escola” incorporará o teste PROESP-BR. A prevalência encontrada de 41,9% de dislipidemia é realmente alarmante, e quase 100% maior que os dados da literatura. Tal fato clama por ações imediatas dos Ministérios da Saúde e da Educação. O estudo abre ainda a possibilidade para novos e abrangentes estudos, por se tratar de uma investigação relativamente nova mediante as publicações sobre os fatores de risco para doenças ateroscleróticas.16
Artigos sobre pontos de corte critério-referenciados para aptidão cardiorrespiratória em crianças,17 padrões de sono, índice de aumento (augmentation index), velocidade de onda de pulso, resistência à insulina, teste com crianças pré-escolares, cognição, rigidez arterial, entre muitos outros, podem ser esperados no futuro próximo dos autores deste artigo relevante e muito bem conduzido.