versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.6 Rio de Janeiro jun. 2019 Epub 27-Jun-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018246.08132019
A fragmentação do cuidado em saúde configura-se hoje como um dos maiores obstáculos para um cuidado efetivo e de qualidade, principalmente se considerarmos o impacto do envelhecimento populacional e da carga de morbidade na saúde e qualidade de vida das pessoas1,2. A ausência de coordenação de cuidado tende a gerar dificuldades de acesso e de sua continuidade3, precisamente naqueles pacientes com necessidades complexas em saúde e que demandam ações de vários profissionais de saúde e em vários níveis do sistema de saúde4,5. A perda de coordenação através dos níveis de atenção é uma das causas mais frequentes de baixa qualidade de cuidado com duplicação de testes diagnósticos, polifarmácia, referenciamentos inadequados, discordância sobre planos de cuidado e risco aumentado de intervenções desnecessárias6, além de ser mais oneroso para todo o sistema2.
Serviços de saúde com maior equidade, eficiência e qualidade podem ser derivados da implementação de estratégias de integração de cuidados. Incrementos no acesso, continuidade e coordenação de cuidado também podem fomentar o processo7.
Neste contexto, vários países têm desenvolvido estratégias com esse objetivo, inclusive o Brasil8. Alguns estudos revelam importantes barreiras à coordenação de cuidado tanto relacionados ao modelo de saúde adotado no país como à organização das redes de saúde9.
No Brasil, questões como a transferência de informações clínicas entre os níveis de saúde, dificuldades de acesso, deficiências de realização de gestão da clínica e inadequada condições de trabalho foram consideradas como barreiras para o processo de integração nas redes de atenção à saúde. Outro estudo10, realizado em quatro capitais brasileiras, relata que a utilização de sistemas informatizados de regulação e modelo de regulação centrado na Atenção Primária à Saúde (APS) foram importantes para a integração da rede de atenção à saúde, além de melhorar o acesso. Embora com resultados diferentes entre esses 4 municípios, o monitoramento de filas de espera para a atenção especializada e a implantação de protocolos clínicos e prontuário eletrônico foram mecanismos importantes para a integração.
Na mesma lógica, a organização das Redes Integradas de Cuidado em Saúde (RICS) ou arranjos de organizações que promovem ou organizam-se para promover cuidado contínuo e coordenado de serviços de saúde para uma população definida sob a qual assume responsabilidade clínica e sanitária como também pelos resultados de saúde, têm sido desenvolvidas com o intuito de promover maior integração entre os níveis assistenciais11-13. Sob esta égide, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) recomenda a regulação em saúde como um componente de extrema importância e que deve, a princípio, tornar-se a estrutura responsável pela comunicação entre o nível primário de atenção e os demais níveis (especializado ambulatorial e hospitalar)13.
Derivado do campo das ciências econômicas e com o significado de controle sobre as falhas mercadológicas, o termo “regulação” norteia-se, no mercado de trabalho, pelos componentes de oferta e demanda. Na saúde, traz à tona importantes questões relacionadas à saúde suplementar, principalmente no que tange aos planos e seguros de saúde14. E, no Brasil, traz a premente necessidade de regular os sistemas de saúde numa tentativa de mediar a disputa entre a oferta e a demanda, inclusive com vários impactos no acesso aos serviços especializados e hospitalares15.
Regulação traz no seu conceito ideias fundamentais de controle (ajustamento e regramento), equilíbrio (correção e conservação), adaptação (interação e transformação) e direção (negociação e comando)16. As duas primeiras estão relacionadas aos processos operacionais e logísticos da regulação de acesso, processos normativos e com importante grau de rigidez. Adaptação e direção traduzem o papel político da mesma, sobretudo aquele relacionado à tomada de decisão17. Sugere-se ainda a divisão da regulação em dois processos: microrregulação (relacionado ao consumo dos serviços de saúde, ou seja, de como as pessoas têm suas necessidades resolvidas no cotidiano) e macrorregulação (mecanismos estratégicos da gestão)16. Por fim, tem-se utilizado com frequência o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS) que reduz a regulação ao encontro da alternativa assistencial adequada em tempo oportuno18.
No Sistema Único de Saúde (SUS), a regulação teve um olhar inicialmente mais direcionado para os mecanismos de controle e avaliação e, posteriormente, direcionado para os mecanismos assistenciais15. Desde 2008, a Política Nacional de Regulação em Saúde (PNRS)19 traz como definição de Regulação da Atenção à Saúde a produção das ações diretas e finais de atenção à saúde, estando, portanto, dirigida aos prestadores públicos e privados, e como sujeitos seus respectivos gestores públicos, definindo estratégias e macrodiretrizes para a regulação do acesso à assistência, além do controle da oferta de serviços e ações de monitoramento, avaliação, auditoria e vigilância da atenção e da assistência à saúde no âmbito do SUS. É exercida por toda a rede de saúde e tem como objetivo garantir a adequada prestação de serviços à população e seu objeto. A Regulação do Acesso à Assistência, derivada dessa, pode ser denominada regulação do acesso ou regulação assistencial aquela modalidade de regulação que tem como objetos a organização, o controle, o gerenciamento e a priorização do acesso e dos fluxos assistenciais, e como sujeitos seus respectivos gestores públicos. Por fim, a PNRS normatizou a organização, instalação e modo de funcionamento do Complexo Regulador em seus três níveis (municipal, estadual e federal).
Nesta premissa, a reestruturação do sistema público de saúde do Distrito Federal, baseado no fortalecimento da APS, prioritariamente por meio da Estratégia Saúde da Família20-22 e associado à reconfiguração da atenção especializada (ambulatorial23 e hospitalar24) e de sua rede de urgência e emergência25-27 trouxe, como importante desafio para a gestão deste sistema, a necessidade de promover a integração entre tais níveis. Assim, foi necessária a organização de um dispositivo responsável pelo recebimento das solicitações originadas, em sua maioria, provenientes das equipes de APS e que desempenhasse o papel de gatekeeper conduzindo o acesso equânime, transparente e seguro para a atenção especializada e hospitalar. Destarte, foi estruturado o Complexo Regulador em Saúde do Distrito Federal (CRDF)28 e suas Centrais de Regulação (CR) para a execução de um processo regulatório de acesso baseado no desenvolvimento de panoramas de oferta de serviços de saúde e no modelo de regionalização do Distrito Federal.
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar a implantação do processo de regulação em saúde desenvolvido na SESDF, bem como caracterizá-lo após a instituição do CRDF e refletir sobre futuros desafios e perspectivas, partindo do pressuposto da regulação do acesso em saúde como um dispositivo fundamental para o cuidado. Abordaremos, especificamente, a ordenação, relação e comunicação entre a demanda dos usuários e a capacidade instalada dos serviços sob regulação, ou seja, especificamente o componente de acesso à assistência por ser aquele mais intimamente ligado ao acesso.
A implantação da regulação do acesso à assistência no DF é uma experiência única no Brasil, por apresentar uma estrutura administrativa diferenciada dos demais estados da federação, necessitando da adoção de estratégia particular de implantação para abarcar suas peculiaridades. As primeiras iniciativas são de 2004, mesmo antes da PNRS, com a criação do Grupo Técnico de Regulação Assistencial (GTRA), cuja missão era divulgar entre os gestores da rede SESDF, os conceitos e as diretrizes ministeriais de regulação, no intuito de implantar as primeiras ações regulatórias no DF. Posteriormente, o GTRA foi configurado como a Coordenação Geral de Gestão da Regulação das Redes Assistenciais (CGGRRA), destacando-se entre suas competências a definição, estruturação, efetivação e direção do futuro Complexo Regulador, conforme as diretrizes vigentes do MS29.
Nesse contexto, foram criadas também as Coordenações Regionais de Regulação Assistenciais (CORA), instaladas em cada região de saúde do Distrito Federal para dar apoio, na perspectiva regionalizada, à CGGRRA. Em 2006, a CGRRA tornou-se uma gerência e foi inserida oficialmente no organograma da SESDF.
Entendendo a relevância da regulação do acesso à assistência como componente importante para a gestão pública, de forma a garantir mais equidade e integralidade de cuidado, além de promover maior transparência aos cidadãos, estruturou-se, em julho de 2007, a Diretoria de Regulação (DIREG), subordinada à Subsecretaria de Programação, Regulação, Avaliação e Controle (SUPRAC). Esta diretoria era responsável pela definição de estratégias de controle da oferta de serviços e do acesso dos usuários à assistência em saúde. Desde a sua criação, a DIREG seguiu estruturada com o apoio de três gerências (Gerência de Regulação da Atenção Ambulatorial, Gerência de Regulação de Internação Hospitalar e a Gerência de Regulação de Alta Complexidade Interestadual, além de seus respectivos núcleos). Em 2009, houve a institucionalização de um Complexo Regulador no Distrito Federal por meio de publicação da Portaria SESDF n˚ 189, de 07/10/200930.
A criação e a implementação da primeira Central de Regulação da SESDF dá-se em 1º de setembro de 2006 com a Central de Regulação de Internação Hospitalar (CRIH). Tal ato administrativo é oficializado por meio das Portarias/GAB/SES nº 41 de 30/08/06 e nº 42 de 31/08/06, que definiram os fluxos operacionais relacionados ao funcionamento da Central, bem como elencavam as competências de seus servidores. A necessidade de se organizar os encaminhamentos de pacientes gravemente enfermos à terapia intensiva na SES/DF foi resultado de uma decisão gestora, em consonância com o Tribunal de Contas do DF (TCDF) e o Ministério Público dos Territórios e do DF (MPTDF), como parte de um processo corretivo frente aos escândalos noticiados na mídia à época. A parceria/acompanhamento dessa implantação pelo TCDF e MPTDF permitiu que todos os leitos de UTI entrassem para a regulação31,32.
Anteriormente à criação da CRIH, a ocupação dos leitos de UTI ocorria de forma desordenada e as regras para transferência de pacientes gravemente enfermos não estavam padronizadas. Em sua grande maioria, tais leitos eram ocupados mediante influência pessoal junto às unidades de terapia intensiva, dando a este processo características clientelistas. Não havia um controle gestor sobre a ocupação dos leitos em toda a rede SES/DF, o que dificultava as informações quanto à disponibilidade dos mesmos29,30.
Apesar de ter como função precípua regular os leitos hospitalares, públicos e privados, dos estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS no DF, a CRIH teve como objeto inicial e imediato a regulação dos leitos de terapia intensiva (hoje aproximadamente, 403 leitos), seguidos dos de cuidados intermediários neonatais. Até a reconfiguração do CRDF, em 2017, não havia a regulação dos leitos gerais na SESDF (aproximadamente 4.000 leitos). Desde a sua criação, a CRIH funciona 24 horas ininterruptas em esquema de plantão. Utiliza um sistema informacional próprio, desenvolvido por uma empresa prestadora de serviços de tecnologia da informação junto à SES/DF.
A Central de Regulação de Marcação de Consultas e Exames (CMCE) foi criada em 2004, sendo responsável pela regulação do acesso dos pacientes às consultas especializadas, exames e serviços de apoio diagnóstico e terapêutico.
Embora o processo regulatório estivesse desenhado, estimava-se, nessa época, que apenas 33% dos serviços realizados pela SESDF estavam disponíveis para a regulação, pois não foram institucionalizados mecanismos de controle da oferta de serviços realizados pela instituição29,30.
A Regulação do Acesso à Assistência é exercida pelo CRDF e suas unidades operacionais, abrangendo a regulação médica como autoridade sanitária para a garantia do acesso baseada em protocolos, classificação de risco e demais critérios de priorização definidos e pactuados entre os gestores envolvidos para a disponibilização da alternativa assistencial mais adequada à necessidade do cidadão por meio de atendimentos às urgências, consultas, leitos e outros que se fizerem necessários, contempla as seguintes ações: a) Regulação médica da atenção pré-hospitalar e hospitalar às urgências; b) Controle dos leitos disponíveis e das agendas de consultas e procedimentos especializados; c) Padronização das solicitações de procedimentos por meio dos protocolos assistenciais; d) Estabelecimento de referências entre unidades de diferentes níveis de complexidade, de abrangência local, interregional e interestadual, segundo fluxos e protocolos pactuados. A regulação das referências interregionais é responsabilidade do gestor distrital, expressa na coordenação do processo de construção da programação pactuada e integrada da atenção em saúde, do processo de regionalização e do desenho das redes.
O CRDF configura-se dentro da SESDF como uma Unidade de Referência Distrital (URD), ou seja, é uma unidade pública de atenção à saúde destacada por suas especificidades assistenciais, especialização ou finalidade, como referência para todas as Regiões de Saúde. Tem a premissa de coordenar todo o processo de regulação do acesso aos serviços de saúde na SESDF, sejam eles próprios, contratados ou conveniados. As competências do CRDF estão demonstradas no Quadro 1.
Quadro 1 Atribuições do CRDF e de suas CR, Distrito Federal, 2018.
Complexo Regulador em Saúde (CRDF) |
---|
- Garantir o acesso aos serviços públicos de saúde de forma adequada, levando em consideração os princípios da equidade, universalidade e integralidade; - Implementar ações que incidam sobre prestadores de serviços, públicos e privados, de modo a orientar uma produção eficiente, eficaz e efetiva das ações de saúde; - Fomentar o uso e a qualificação das informações dos cadastros de usuários, estabelecimentos e profissionais de saúde em plataformas operacionais de base nacional; - Orientar às diretorias dos hospitais próprios, conveniados e contratados da SES/DF, a adoção de medidas administrativas e assistenciais necessárias ao funcionamento da rede de atenção ao paciente; - Controlar a oferta de leitos disponíveis, bem como e a agenda de consultas, exames e procedimentos; - Padronizar os protocolos de regulação para as áreas reguladas após a pactuação dos gestores envolvidos; - Estabelecer as grades de referência e contra referência entre unidades, conforme fluxos e protocolos padronizados, diagnosticando, adequando e orientando os fluxos da assistência; - Capacitar de forma permanente as equipes de regulação que atuarão nas unidades de saúde; - Subsidiar as ações de planejamento, controle, avaliação, auditoria em saúde e o processamento das informações de produção para a tomada de decisões; - Subsidiar a programação pactuada e integrada; - Organizar fluxos de referência especializada interregional e interestadual. |
Centrais de Regulação (CR) |
- Absorver ou atuar de forma integrada aos processos autorizativos, de acordo com os protocolos previamente estabelecidos; - Fazer a gestão e monitoramento da ocupação de leitos e agendas das unidades de saúde; - Efetivar o controle dos limites físicos e financeiros dos serviços sob regulação, conforme a Programação Pactuada Integrada (PPI); - Aplicar os critérios de classificação de risco, priorização de atendimentos e parâmetros de encaminhamentos, conforme pactuação prévia entre os atores envolvidos; - Executar a regulação do processo assistencial, baseada em protocolos regulatórios. |
As estruturas operacionais do CRDF são denominadas Centrais de Regulação (CR) e desenvolvem as ações-meio do processo regulatório, isto é, recebem as solicitações, processam e agendam/direcionam o atendimento/encaminhamento de acordo com o escopo determinado. São atribuições dessas Centrais. As competências do CR estão demonstradas no Quadro 1.
O CRDF abrange oito (08) CR, conforme o escopo de atuação: Central de Regulação de Internação Hospitalar (CERIH), Central de Regulação Ambulatorial (CERA), Central de Regulação Interestadual e de Alta Complexidade (CERAC), Central de Regulação de Cirurgias Eletivas (CERCE), Central de Regulação do Transporte Sanitário (CERTS), Central de Regulação de Urgências (CERU), Central de Informações Toxicológicas e Atendimento Psicossocial (CEITAP) e Central Estadual Transplantes (CET). As responsabilidades e vinculações de cada uma das Centrais de regulação está descrita no Quadro 1. As Centrais de Regulação do CRDF estão vinculadas a 3 diretorias: Diretoria de Regulação da Atenção Ambulatorial e Hospitalar (DIRAAH), Diretoria da Central Estadual de Transplantes (CET) e Diretoria do SAMU. A descrição detalhada de cada Central de Regulação segundo responsabilidades e subordinação, estão representadas no Quadro 2.
Quadro 2 Centrais de Regulação do CRDF segundo responsabilidades e subordinação.
Sigla | Central de Regulação | Escopo e responsabilidades | Subordinação |
---|---|---|---|
CERIH | Central de Regulação de Internação Hospitalar | Regulação dos leitos hospitalares dos estabelecimentos de saúde vinculados ao SUS, com a regulação de leitos de UTI e a regulação de leitos gerais e internações clínicas e cirúrgicas. | DIRAAH# |
CERA | Central de Regulação Ambulatorial | Responsável pela regulação do acesso dos pacientes às consultas especializadas, exames, bem como aos demais procedimentos ambulatoriais. | DIRAAH# |
CERAC | Central de Regulação Interestadual e de Alta Complexidade | Regulação do acesso de pacientes que necessitam de procedimentos de alta complexidade fora do seu Estado de origem, como Tratamento Fora de Domicílio (TFD) e a autorização dos procedimentos de alto custo realizados na rede SES/DF junto ao MS. | DIRAAH# |
CERCE | Central de Regulação de Cirurgias Eletivas | Regulação do acesso aos procedimentos cirúrgicos eletivos em toda a rede SES/DF. | DIRAAH# |
CERTS | Central de Regulação do Transporte Sanitário | Regulação do transporte eletivo de pacientes. | DIRAAH# |
CERU | Central de Regulação de Urgências | Regulação do acesso aos serviços de urgência e emergência Pré-Hospitalar Móvel e Hospitalares. | Diretoria do SAMU 192 |
CEITAP | Central de Informações Toxicológicas e Atendimento Psicossocial | Regulação das urgências e emergências nas áreas de toxicologia, atenção psicossocial e violência. Referência em Toxicologia Clínica no SUS. | Diretoria do SAMU 192 |
CET | Central Estadual Transplantes | Regulação do acesso a transplantes em consonância com a Central Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde. | CET## |
#Diretoria de Regulação da Atenção Ambulatorial e Hospitalar. ##Diretoria da Central Estadual de Transplantes.
O CRDF também se configura com um elo entre os solicitantes e os prestadores de serviços e é responsável pela harmonia entre esses dois lados. Assim, na mesma medida em que todas as regiões de saúde deverão garantir a qualificação das solicitações a serem enviadas às CR do Complexo Regulador, as unidades executantes deverão se responsabilizar pela disponibilização tempestiva dos serviços, respeitando as regras de governança da oferta.
As características próprias da organização do Distrito Federal e de seus serviços de saúde impulsionou a construção de um modelo de regulação para que se atendesse à lógica de um território que ao mesmo tempo abarca características de um município de grande porte e também de um estado30. Assim, optou-se pela distribuição dos serviços de saúde sob regulação na perspectiva de panoramas, os quais foram denominados Panoramas de Regulação33.
Panorama de Regulação ou Modelo de Regulação consiste na subdivisão de serviços da atenção especializada e hospitalar, conforme distribuição regional, resultando na formação de quadros de oferta desses serviços. Deste modo, de acordo com a conformação desses quadros, dar-se-á o tipo de panorama a ser executado pelo CRDF e suas CR. Cabe ressaltar que a configuração destes panoramas é dinâmica e deve ser monitorado continuamente, sendo constituídos da seguinte forma:
Panorama 1 ou Regulação Regional: Refere-se ao quadro de oferta de serviços que está presente em todas as regiões de saúde do Distrito Federal, ou seja, ocorre quando o território/região de saúde possui aptidão para gerenciar sua própria distribuição de oferta e a alocação da demanda dos pacientes, conforme sua capacidade instalada. Além disso, o território ou região de saúde torna-se responsável pela qualificação das solicitações (consultas/procedimentos/internações), de acordo com os fluxos e protocolos vigentes.
Panorama 2 ou Regulação Pactuada (interregional): Refere-se à região ofertante do recurso que deve ter aptidão para gerenciar, além de suas demandas, também as de outro território/região, mediante pactuações prévias (cotas de atendimentos). O território deverá atender as classificações de risco da sua própria região e as das pactuadas. A fila de espera para agendamento de cada especialidade seguirá as diretrizes de priorização de acordo com a classificação de risco e complexidade de cada especialidade, respeitados os protocolos e linhas de cuidado adotados pela SES/DF.
Panorama 3 ou Regulação Central: Refere-se aos recursos que não estão presentes na maioria dos territórios, estando concentrados em unidades executantes específicas que servem a toda a rede SESDF. São os serviços, escassos e estratégicos que servem à população do DF como um todo. O processo regulatório para o acesso a esses serviços é realizado pelas CR do próprio CRDF com gerenciamento das demandas, avaliação e marcação observados os fluxos e protocolos vigentes.
O modelo para operacionalização de regulação de acesso conforme panorama estabelecido encontra-se esquematizado na Figura 1.
Hospital Regional de Sobradinho (HRS), Hospital Regional de Planaltina (HRPL), Unidade Básica de Saúde (UBS), Pactuação Programada Integrada (PPI), Complexo Regulador em Saúde do Distrito Federal (CRDF).
Figura 1 Exemplo de operacionalização dos panoramas de regulação. Complexo Regulador em Saúde, SESDF, 2018.
No âmbito da SESDF, a regulação em saúde, por meio do CRDF, deve promover o controle do acesso aos serviços a partir da atenção primária e das unidades de pronto atendimento a outros níveis de atenção, considerando a equidade, a integralidade, os recursos assistenciais disponíveis e a melhor alternativa assistencial às necessidades da população. No entanto, algumas considerações baseadas em perspectivas e desafios devem ser feitas.
O CRDF tornou-se responsável por um conjunto de estratégias e ações definidas em um plano de regulação assistencial, para todos os níveis do sistema, visando à organização efetiva de uma rede pública articulada hierarquicamente, com níveis tecnológicos crescentes de resolução, a partir do planejamento articulado em bases regionais, por meio das CR.
Assim, deve-se potencializar estes processos como dispositivo do cuidado em saúde e não apenas um ato normativo burocrático. A regulação em saúde deve ser um mecanismo vivo dentro do sistema de saúde e não apenas um aglomerado de profissionais de saúde que permitem ou não, baseado em protocolos clínicos, o acesso do paciente a um serviço especializado ambulatorial ou hospitalar15. Realizar, monitorar e avaliar a possibilidade de diálogo entre o tradicional método de regulação, por vezes muito centrado em normativas com pouca ou nenhuma flexibilidade e formas inovadoras de regulação, centradas no usuário e nas suas necessidades de saúde, configura-se como um dos maiores desafios do CRDF.
Como havia pouca tradição de regulação de serviços (apenas urgências pré-hospitalares, leitos de UTI e uma parte das consultas e procedimentos hospitalares) optou-se por reestruturar o CRDF via normatização e, posteriormente, agregar mais qualidade ao processo “vivo” de regulação. Embora com caráter normativo e, por vezes burocrático, a organização/reestruturação do CRDF por meio de suas CR exercem um importante papel na organização da assistência à saúde. Primeiro, porque institui o papel da autoridade sanitária, executando agendamentos/direcionamentos da forma mais equânime possível, não cabendo mais outra forma de acesso aos serviços. Segundo, porque possibilita a adoção de protocolos de regulação com critérios claros para todos os cidadãos trazendo, assim, transparência para todo o processo. Mesmo contendo critérios bastante normativos, estes protocolos tem a função de uniformizar parâmetros dentro de uma rede tão extensa como a da SESDF. De forma complementar, sugere-se que a construção dos mesmos seja realizada de forma coletiva (profissionais e gestores), principalmente, porque auxiliam na publicização da oferta e na forma de acessá-la.
Ainda nesta perspectiva, sugerimos que o arcabouço jurídico que pauta a regulação deva estar em contínua integração com as demais políticas de saúde. Tal ação, apesar de caráter simples, pode contribuir sobremaneira para a organização de processos mais integrados, agregando assim, mais qualidade ao processo do cuidar.
Outro desafio que se faz presente para a consolidação do CRDF e de seus processos regulatórios dentro da estrutura da SESDF, é a adoção de mecanismos de incorporação tecnológica. Reforçar processos para o desenvolvimento de tecnologia, sobretudo as relacionadas à inteligência artificial, pode trazer grande benefício para o processo.
Frente a isso, em 2018, o CRDF, por meio do Projeto Regula+Brasil, iniciou a implantação do Núcleo de Telessaúde do DF. Trata-se de um projeto desenvolvido em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês e Ministério da Saúde tendo como objetivo diminuir o tempo de espera para consulta especializada, priorizar o atendimento de pacientes mais graves e prover suporte aos médicos da APS para os problemas de saúde mais comuns. Todo o processo é baseado na adoção de protocolos de regulação e conta com o aporte técnico do Núcleo de Telessaúde do Rio Grande do Sul. Nessa primeira fase estão contempladas as filas de espera para as seguintes especialidades: cardiologia, endocrinologia, pneumologia e dermatologia34. A implantação do Núcleo de Telessaúde no DF é um importante início, mas ações para a sua sustentabilidade devem ser planejadas. Nesta ótica, poderia ser dedicado maior tempo aos processos educacionais para com os profissionais de saúde potencializando ainda mais a qualidade da rede de atenção à saúde35.
Contudo, cabe ainda ressaltar, apesar de não ser, a princípio, objeto deste artigo, a relação do Distrito Federal com a Rede Interfederativa de Desenvolvimento (RIDE)36. Este processo já tem sido objeto de reuniões da SESDF, porém necessita, majoritariamente, de definições do Ministério da Saúde para o seu desenho. O Distrito Federal configura-se como importante provedor de saúde, sobretudo na média e alta complexidade para os outros 33 municípios da RIDE. Embora já com algum tempo de existência, urge a necessidade de uma discussão pormenorizada de pactuações desses municípios e respectivos estados para com o Distrito Federal. Ao todo, a RIDE contempla um quantitativo populacional de 4,4 milhões de habitantes configurando-se como a quarta região mais populosa do país37.
Não obstante, a APS merece o devido reconhecimento e fortalecimento de seus fluxos e aprimoramento das práticas de apoio matricial, fomentando intervenções contextualizadas nos territórios causando impactos em toda a rede de atenção. Deve ser vista como a verdadeira ordenadora da linha de cuidados dentro de uma rede de saúde, e somente a partir dela é que conseguiremos quebrar a hegemonia vigente da fragmentação do cuidado tão presente em nossos serviços.
Por fim, acreditamos que os processos regulatórios precisam e devem ser pautados sob a égide constitucional que garante não só o direito à saúde, mas o direito à vida. Isto “nos dá oportunidade de sairmos do lugar ordenador, normativo e cartorial para um outro, novo, que nos aproxima da dor, da espera, do cuidado”15. Assim, a regulação passa a ser, de fato, centrada no usuário e nas suas reais necessidades.