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O conhecimento de mulheres sobre os métodos para prevenção secundária do câncer de mama

O conhecimento de mulheres sobre os métodos para prevenção secundária do câncer de mama

Autores:

Carla Vitola Gonçalves,
Valéri Pereira Camargo,
Jussara Marli Cagol,
Bruna Miranda,
Raul Andres Mendoza-Sassi

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.12 Rio de Janeiro dez. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320172212.09372016

Introdução

O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo, sendo o mais comum entre as mulheres, respondendo por 22% dos casos novos/ano. Se diagnosticado e tratado oportunamente, a sobrevida média após cinco anos chega a 61% nos países desenvolvidos1.

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer do Brasil (INCA), estima-se que 57120 novos casos de câncer de mama tenham sido diagnosticados em 2014, com um risco de 56,09 casos/100 mil mulheres2. Embora as taxas de detecção precoce tenham aumentado, um terço dos registros de casos novos ainda correspondem à doença localmente avançada25. Sendo assim, as taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas, provavelmente porque o diagnóstico ocorre em estádios avançados2.

O melhor prognóstico e a redução da mortalidade se relacionam com o rastreamento e o diagnóstico precoce da doença, mediante a prevenção secundária, e é onde se concentram a maior parte das ações preventivas realizadas. Dentre as formas mais eficazes para a detecção precoce do câncer de mama estão o exame clínico da mama (ECM) e a mamografia (MMG)28. Atualmente, o autoexame das mamas (AEM) não é estimulado como estratégia isolada para a detecção precoce, e sim como ação de conhecimento do próprio corpo8.

O rastreamento deve iniciar-se aos 40 anos, mediante a realização anual do exame clínico das mamas, seguido, nas mulheres de 50 a 69 anos, pela realização da mamografia, com um intervalo máximo de dois. Mulheres pertencentes a grupos de risco devem iniciar um rastreamento anual a partir dos 35 anos, com o ECM e com a MMG3,9. A idade recomendada para o inicio do rastreamento e o tipo de método utilizado difere em parte quando se trata das recomendações da entidade que congrega os especialistas da área (MMG iniciando a partir dos 40 anos de idade)9.

A literatura relaciona o conhecimento sobre o câncer de mama e de seus exames de detecção precoce com o aumento da motivação em relação à saúde, podendo influenciar a prática da realização desses exames. Alguns estudos mostram que uma maior sensibilização sobre o câncer de mama pode promover a sua detecção precoce1012, principalmente na mulher idosa, que tem mais riscos para desenvolvê-lo, demora mais para reconhecer os sintomas e procurar auxílio. Sendo assim, este estudo objetiva avaliar o conhecimento das mulheres sobre os métodos de rastreamento do câncer de mama. Essa informação pode ser muito importante na avaliação da implementação de medidas para a educação em saúde.

Métodos

O estudo realizado foi de tipo transversal e de base populacional, adequado para os objetivos pretendidos, realizado no município de Rio Grande (RS), no extremo sul do Brasil. Segundo estimativa do IBGE (2010), o município tinha 197.228 habitantes, sendo 96% residentes em região urbana. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), no mesmo ano, era de 0,744 e o PIB per capita, em 2012, era de R$ 45.088,30. A economia se baseia principalmente na atividade do porto marítimo (segundo maior porto marítimo do Brasil), a indústria de fertilizantes e o polo naval13.

Este estudo faz parte de um projeto maior, realizado entre abril a novembro de 2011, intitulado Educação, conhecimento sobre fatores de risco e utilização de serviços de saúde em mulheres residentes em uma cidade do Sul do Brasil: estudo de base populacional. A população de estudo foi formada por mulheres residentes na cidade de Rio Grande, com idade igual ou superior a 18 anos.

O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). O estudo fez parte de um projeto maior que estimou um tamanho de amostra de 1582 mulheres. O cálculo post-hoc do poder estatístico mostrou que com esse n se teria um poder de 80% para identificar um RR de 2, considerando um nível de confiança de 95%, para um fator de exposição que tivesse uma razão de não expostos/expostos de 5 e para uma prevalência do desfecho de 5% em esse grupo não exposto.

Considerando que existiam 1,13 mulheres maiores de 18 anos por domicílio, estimou-se que deveriam ser visitados 1400 domicílios para se obter o tamanho da amostra desejada.

A amostragem de tipo aleatória foi por múltiplos estágios. Primeiro, utilizou-se uma amostragem por conglomerados, sorteando-se 50 setores censitários entre os 246 existentes na zona urbana do município do Rio Grande. Posteriormente, em cada um dos setores sorteados, e mediante amostragem aleatória simples, foi selecionada uma quadra e dessa quadra uma esquina. A seguir, e mediante amostragem sistemática, foi visitada a partir da esquina sorteada, uma de cada duas residências, até completar 28 em cada setor. Participavam do estudo todas as mulheres com idade igual ou superior a 18 anos que residissem nos domicílios sorteados e que tivessem condições mentais e intelectuais para responder o questionário.

O conhecimento sobre como fazer o rastreamento do Ca de mama foi investigado através da pergunta: Você (a Sra.) sabe como descobrir o câncer de mama mais cedo? Ao contrário de pesquisas onde o entrevistador lê às opções e a entrevistada responde a cada um delas, nesta pesquisa optouse por avaliar o conhecimento espontâneo das entrevistadas e, assim, as opções não eram lidas. O entrevistador anotava a resposta da entrevistada. As medidas consideradas como adequadas para a prevenção secundária do Câncer de mama foram o AEM, o ECM e a MMG. Também era anotado quando a entrevistada respondia “não sei”.

As variáveis independentes estudadas incluíram a idade (categorizada em grupos de 10 anos), a cor da pele (classificada em branca e preta e outras), o estado civil (com companheiro e sem companheiro), a escolaridade em anos completos (categorizada em segundo grau incompleto ou segundo grau completo), a renda per capita familiar, transformada em quartis, (sendo o 1° quartil o mais pobre), a situação em termos de trabalho (com trabalho, sem trabalho), a situação de tabagismo (sim ou não), uso de álcool (sim ou não), e se possui convênio privado de saúde (sim ou não).

Os dados foram coletados mediante um questionário pré-codificado e testado. Foi realizado um estudo piloto para avaliar o instrumento e a logística do estudo em um dos setores censitários que não foi sorteado. Seis entrevistadoras, treinadas para essa tarefa aplicaram o questionário nos domicílios selecionados. Todas as mulheres residentes no domicilio sorteado respondiam o questionário. Se a pessoa não se encontrava no domicílio no momento da entrevista, se retornava posteriormente. No caso de pessoas que se recusavam a realizar a entrevista ou não eram achadas, eram realizadas duas novas tentativas, utilizando diferentes estratégias. Havendo uma terceira recusa ou não se localizando a pessoa pela terceira vez, se contabilizava como perda. As perdas não tiveram reposição. Antes de realizar a entrevista, as pessoas liam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e se concordavam, assinavam autorizando sua participação no estudo.

Os dados dos questionários eram digitados duplamente e de forma independente, utilizando o programa EpiData 3.1 (EpiData Association, Dinamarca). Após verificação de erros de amplitude e consistência, os dados foram transferidos para o programa de estatística Stata, versão 11 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Foi realizada uma análise descritiva, com cálculo de médias e desvios padrões, para variáveis numéricas, e com cálculo de proporções para o caso de variáveis categóricas. A seguir foi realizada uma análise bivariada para estudar a associação entre o desfecho com as variáveis de interesse, sendo calculadas as Razões brutas de Prevalências (RPb) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95). Na etapa multivariada foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta, de tipo para trás, e considerando a opção para amostra por conglomerados do Stata (opção “cluster”). As RP ajustadas e seus IC95 foram calculados seguindo um modelo hierárquico de análise14 que compreendeu dois níveis de determinação, sendo o mais distal formado pelas variáveis sociodemográficas e o segundo mais proximal pelo tabagismo, uso de álcool e convênio de saúde. As variáveis de cada nível que tivessem um p menor a 0,05 eram mantidos no modelo para ajuste como o nível seguinte. Nos testes de significância foi considerado um valor de p menor a 0,05 de um teste bicaudal. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da instituição.

Resultados

Das 1629 mulheres encontradas, 1596 responderam ao questionário (2% de perdas). As características da amostra podem ser vistas na Tabela 1. Sobre as medidas para diagnóstico precoce do câncer de mama, 1355 (84,6%) referiram o autoexame, 456 (28,6%), à mamografia e, apenas 191 (12%), ao exame clínico da mama, realizado por um profissional de saúde, como importantes para a prevenção. Apenas 5,5% não soube responder ao menos um dos três métodos.

Tabela 1 Características da amostra estudada, conhecimento do auto-exame da mama como método para prevenção do câncer de mama e fatores associados. (n = 1596). 

Variável Características da Amostra (%) Auto-exame
N (Prevalência) Bivariada
RP (IC95)
Multivariada
RP (IC95)
Idade P < 0,001b P = 0,001b,c
>=70 159 (9,9) 108 (67,9) 1 1
60-69 186 (11,7) 156 (83,9) 1,23 (1,09-1,40) 1,25 (1,10-1,41)
50-59 272 (17,0) 241 (88,6) 1,30 (1.16-1,46) 1,32 (1,18-1,49)
40-49 303 (19,0) 262 (86,5) 1,27 (1,13-1,43) 1,29 (1,15-1,46)
30-39 257 (16,1) 229 (89,1) 1,31 (1,17-1,47) 1,33 (1,19-1,50)
<=29 419 (26,3) 359 (85,7) 1,26 (1,13-1,41) 1,27 (1,13-1,42)
Cor da pele P = 0,2 P = 0,3
Preta e outras 465 (29,1) 403 (86,7) 1 1
Branca 1131 (70,9) 952 (84,2) 0,97 (0,93-1,01) 0,98 (0,94-1,02)
Estado civil P = 0,5 P = 0,04c
S/companheiro 869 (54,4) 743 (85,5) 1 1
C/companheiro 727 (45,6) 612 (84,2) 0,98 (0,94-1,03) 0,96 (0,91-0,99)
Escolaridade P = 0,08 P = 0,9
2° grau incompleto 973 (61,0) 814 (83,7) 1 1
2° grau completo 623 (39,0) 541 (86,8) 1,04 (0,99-1,08) 0,99 (0,95-1,05)
Renda em R$ (quartis) P = 0,3b P = 0,2
1° Média (DP) 215,5 (71,5) 335 (83,8) 1 1
2° Média (DP) 440,8 (67,8) 330 (84,4) 1,01 (0,99-1,03) 1,02 (0,96-1,08)
3° Média (DP) 745,3 (134,9) 367 (86,8) 1,04 (0,98-1,10) 1,06 (1,00-1,13)
4° Média (DP) 2421,4 (1506,9) 313 (85,5) 1,02 (0,96-1,08) 1,04 (0,97-1,11)
Trabalha P = 0,09 P = 0,6
Não 1016 (63,7) 851 (83,8) 1 1
Sim 579 (36,3) 503 (86,9) 1,04 (0,99-1,08) 0,99 (0,94-1,03)
Fuma P = 0,04 P = 0,1
Não 1160 (72,7) 973 (83,9) 1 1
Sim 436 (27,3) 382 (87,6) 1,04 (1,01-1,09 1,04 (0,99-1,09)
Álcool P = 0,5 P = 0,1
Não 1238 (77,6) 1055 (85,2) 1 1
Sim 358 (22,4) 300 (83,8) 0,98 (0,93-1,03) 0,96 (0,91-1,01)
Tem convênio P = 0,4 P = 0,4
Não 679 (42,5) 570 (83,9) 1 1
Sim 917 (57,5) 785 (85,6) 1,02 (0,98-1,06) 1,02 (0,97-1,07)

Quanto ao autoexame das mamas como forma de diagnosticar precocemente o câncer de mama (Tabela 1), observamos que todas as faixas etárias abaixo dos 70 tiveram uma probabilidade entre 25 e 33% superior, dependendo do grupo de idade, comparado com o grupo de 70 anos ou mais. Também se observou entre as mulheres com companheiro uma menor probabilidade de citar esse método preventivo secundário, com uma redução de 4%. Os outros fatores pesquisados não foram significativos.

Sobre a realização do exame clínico das mamas por um profissional de saúde como forma de detecção precoce do câncer de mama (Tabela 2), a maior probabilidade de referir este método ocorreu entre as mulheres brancas (RP: 1,47; IC95%: 1,05-2,07), com 11 anos ou mais de escolaridade (RP: 1,32; IC95%: 0,99-1,76) e as que trabalhavam fora de casa (RP: 1,57; IC95%: 1,21-2,03). No que diz respeito à renda, foi observada uma tendência linear de aumento da resposta exame clinico das mamas, conforme aumentou o quartil de renda, chegando a ser três vezes maior entre as mulheres do 4° quartil (RP: 3,04; IC95%: 1,96-4,70), em comparação com o 1° quartil. O fumo foi outro fator que afetou significativamente o desfecho, e as mulheres fumantes tiveram uma probabilidade 56% menor de citar o exame clínico das mamas como forma de prevenção secundária.

Tabela 2 Conhecimento do exame clínico das mamas como método para prevenção do câncer de mama e fatores associados. (n = 1596). 

Variável Exame Clínico mamas
N (Prevalência) Bivariada
RP (IC95)
Multivariada
RP (IC95)
Idade P = 0,4b P = 0,15
>=70 17 (10,7) 1 1
60-69 20 (10,8) 1,00 (0,55-1,85) 0,99 (0,53-1,85)
50-59 36 (13,2) 1,24 (0,72-2,13) 1,42 (0,80-2,53)
40-49 32 (10,6) 0,99 (0,57-1,72) 1,18 (0,62-2,24)
30-39 40 (15,6) 1,46 (0,86-2,48) 1,65 (0,91-3,00)
<=29 46 (11,0) 1,03 (0,61-1,74) 1,06 (0,58-1,93)
Cor da pele P = 0,004 P = 0,02c
Preta e outras 38 (8,2) 1 1
Branca 153 (13,5) 1,66 (1,18-2,32) 1,47 (1,05-2,07)
Estado civil P = 0,006 P = 0,04c
S/companheiro 92 (15,9) 1 1
C/companheiro 99 (9,7) 0,68 (0,51-0,89) 0,76 (0,58-0,99)
Escolaridade P < 0,001 P = 0,06
2° grau incompleto 86 (8,8) 1 1
2° grau completo 105 (16,9) 1,91 (1,46-2,49) 1,32 (0,99-1,76)
Renda (quartis) P < 0,001 P < 0,001c
23 (5,8) 1 1
29 (7,4) 1,29 (0,76-2,19) 1,10 (0,64-1,85)
47 (11,1) 1,93 (1,20-3,12) 1,55 (0,96-2,51)
90 (24,6) 4,28 (2,77-6,61) 3,04 (1,96-4,70)
Trabalha P < 0,001 P < 0,001c
Não 99 (9,7) 1 1
Sim 92 (15,9) 1,63 (1,25-2,13) 1,57 (1,21-2,03)
Fuma P < 0,001 P < 0,0001c
Não 170 (14,7) 1 1
Sim 21 (4,8) 0,33 (0,21-0,51) 0,44 (0,28-0,68)
Álcool P = 0,005 P = 0,06
Não 164 (13,3) 1 1
Sim 27 (7,5) 0,57 (0,39-0,84) 0,67 (0,46-1,02)
Tem convênio P < 0,001 P = 0,2
Não 47 (6,9) 1 1
Sim 144 (15,7) 2,27 (1,66-3,11) 1,23 (0,87-1,74)

Em relação ao conhecimento da mamografia como um método de diagnóstico precoce para o câncer de mama (Tabela 3), houve uma maior probabilidade de referir este método nas mulheres brancas (RP: 1,28; IC95%: 1,06-1,74), com companheiro (RP: 1,26; IC95%: 1,08-7,00) e com 11 anos ou mais de escolaridade (RP: 1,31; IC95%: 1,12-1,54). Novamente surgiu uma tendência linear em relação ao quartil de renda. A prevalência da resposta que identificava a mamografia como forma de prevenção secundária foi 26%, 77% e 90% maior do segundo ao quarto quartil, respectivamente, em comparação ao primeiro. Por fim, ter convênio de saúde mostrou um aumento na probabilidade de referir à mamografia (RP: 1,28; IC95%: 1,05-1,56).

Tabela 3 Conhecimento da mamografia como método para prevenção do câncer de mama e fatores associados. (n = 1596). 

Variável Mamografia
N (Prevalência) Bivariada
RP (IC95)
Multivariada
RP (IC95)
Idade p = 0,06b p = 0,08b
>=70 39 (24,5) 1 1
60-69 61 (32,8) 1,34(0,95-1,88) 1,29 (0,91-1,83)
50-59 92 (33,8) 1,38 (1,01-1,90) 1,32 (0,94-1,87)
40-49 90 (29,7) 1,21(0,88-1,67) 1,10 (0,76-1,58)
30-39 73 (28,4) 1,16 (0,83-1,62) 1.01 (0,69-1,49)
<=29 101 (24,1) 0,98 (0,71-1,36) 0,96 (0,68-1,39)
Cor da pele P = 0,009 P = 0,25
Preta e outras 111 (23,9) 1 1
Branca 345 (30,5) 1,28(1,06-1,54) 1,12 (0,93-1,34)
Estado civil P = 0,02 P = 0,004c
S/companheiro 228 (26,2) 1 1
C/companheiro 228 (31,4) 1,20 (1,02-1,40) 1,26 (1,08-7)
Escolaridade P < 0,001 P = 0,001c
2° grau incompleto 392 (34,4) 1 1
2° grau completo 231 (50,7) 1,60(1,38-1,87) 1,31 (1,12-1,54)
Renda (quartis) P < 0,001a P < 0,001 a,c
66 (16,5) 1 1
91 (23,3) 1,41 (1,06-1,88) 1,26 (0,94-1,69)
146 (34,5) 2,09 (1,62-2,70) 1,77 (1,34-2,32)
144 (39,3) 2,38 (1,85-3,08) 1,90 (1,43-2,54)
Trabalha P = 0,001 P = 0,09
Não 263 (25,9) 1 1
Sim 193 (33,3) 1,29(1,10-1,50) 1,14 (0,98-1,34)
Fuma P = 0,002 P = 0,3
Não 357 (30,8) 1 1
Sim 99 (22,7) 0,74 (0,61-0,90) 0,90 (0,74-1,11)
Álcool P = 0,005 P = 0,7
Não 1238 (77,6) 1 1
Sim 358 (22,4) 0,57 (0,39-0,84) 0,96 (0,80-1,16)
Tem convênio P < 0,001 P = 0,02c
Não 138 (20,3) 1 1
Sim 318 (34,7) 1,71(1,43-2,03) 1,28 (1,05-1,56)

Discussão

Com este estudo podemos observar que o autoexame é bastante lembrado pelas mulheres como método de prevenção secundária (84,5%), não mostrando diferença estatística significante quanto aos fatores socioeconômicos. Acreditamos que a menção de tantas participantes a esse exame possivelmente seja o reflexo de campanhas de saúde anteriormente veiculadas pela mídia, onde esse método era mencionado como fundamental para detecção precoce do câncer de mama. Estudos têm apontado à mídia como importante meio de aquisição de conhecimento sobre câncer de mama15, inclusive independentemente de escolaridade ou renda16.

Já o exame clínico das mamas realizado por profissionais de saúde é um método simples não-invasivo e sem custos, com sensibilidade de 94.5% e especificidade 87.7%17. Quando realizado por profissional treinado pode detectar tumor de até um centímetro, se superficial17. Pode ser útil em áreas onde o diagnóstico tardio é a realidade, em consequência da indisponibilidade de recursos para diagnósticos por imagem. No entanto, este método foi citado para prevenção do câncer por apenas 12% das pacientes estudadas. Verificou-se que as mulheres brancas, com maior escolaridade e que trabalham fora de casa apresentaram maior probabilidade de citarem o exame clínico como rotina preventiva do câncer de mama. Além disso, observa-se uma tendência linear de aumento de resposta referente ao exame clínico, na medida que aumenta o quartil de renda. A diferença na prevalência do desfecho entre o último e o primeiro quartil foi quatro vezes maior. Estudos mostram que a realização do exame clínico da mama está associada às características sociodemográficas das mulheres, sendo que mulheres idosas, não brancas, com menor renda familiar per capita, menor escolaridade e que realizaram suas consultas no SUS, apresentam uma menor probabilidade de realizarem o exame1820. Justamente no grupo de mulheres que apresenta uma maior dificuldade de acesso aos métodos diagnósticos por imagem, em que o exame clínico tem sido menos realizado. Sendo assim, se estas mulheres não souberem da importância de terem suas mamas examinadas por um profissional de saúde, elas não poderão solicitar este exame durante a consulta.

Ainda em relação ao exame clínico das mamas, as mulheres com companheiro e fumantes apresentaram uma probabilidade de 40% e 70%, respectivamente, de não referirem esse exame como método preventivo do câncer. Esse resultado parece paradoxal, pois é justamente o grupo das mulheres com companheiro que apresenta maior probabilidade de realizar esse exame20 e, portanto, deveria ter maior conhecimento. Isso sugere que, se bem o conhecimento é importante para a realização da triagem, não é, certamente, o único fator e nem é indispensável para que ocorra essa realização. No que diz respeito ao grupo de fumantes, esse resultado é previsível, uma vez que assinala um tipo de comportamento com menor preocupação em saúde, e estudos tem mostrado que a realização do exame é menor entre fumantes20. Contudo, preocupa o fato deste ser um importante fator de risco para diferentes tipos de neoplasia, inclusive as de mama6,15,21 e, no entanto, justamente o grupo de fumantes não consegue reconhecer os meios de prevenção da doença. Esse fato pode ocorrer porque o tabagismo é facilmente associado a problemas pulmonares ou cardíacos, mas não é associado ao câncer de mama pela população em geral.

O principal método de rastreio com detecção precoce das neoplasias de mama é o exame radiológico, a mamografia é capaz de identificar lesões subclínicas25. No presente estudo esse método foi mencionado como preventivo por apenas 26,8% das mulheres entrevistadas. Estudo realizado com mulheres idosas em São Paulo observou que 55% das mulheres referiram a mamografia como o exame utilizado na detecção precoce do câncer de mama10. Lembrar que a menor prevalência encontrada no nosso estudo pode acontecer pela forma em que se perguntou sobre o conhecimento dos métodos, uma vez a resposta da mulher era espontânea e não induzida. Encontramos no nosso estudo uma prevalência de conhecimento da mamografia duas vezes maior do que a prevalência do exame clínico. Essa diferença pode estar explicada pela maior informação que as mulheres recebem sobre esse tipo de exame de triagem e o estudo antes citado encontrou que 32% das mulheres referiram a mídia como sua principal fonte de informação.

Quanto aos fatores associados ao aumento da citação da mamografia como método secundário de prevenção, observamos uma tendência linear em relação ao quartil renda, com prevalência passando de 26% no 1° quartil, para 90% no 4° quartil (p<0,001). Além disso, as mulheres com companheiro, 2° grau completo, e que possuíam convênio, também apresentaram maior probabilidade de referenciarem à mamografia, mas os efeitos foram menores. Estudos que analisaram fatores associados a realização da mamografia encontraram que mulheres brancas, não idosas, com companheiro e maior nível socioeconômico tiveram maior probabilidade de fazer esse exame2226. Estudo realizado em Juiz de Fora (MG) entrevistou 4.621 mulheres, com mais de 60 anos, observou que mulheres com 70 anos ou mais, sem companheiro, com 4 anos ou menos de escolaridade, renda inferior a 3 salários mínimos e usuárias do sistema publico de saúde apresentavam uma menor freqüência de realização da mamografia22. Achado semelhante foi observado em inquérito Multicêntrico de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP), que entrevistou 290 mulheres de 40 anos ou mais, verificou que as mulheres com renda menor ou igual a 5 salários mínimos tinham uma probabilidade 2,5 vezes maior de não ter realizado mamografia nos últimos dois anos23. Podemos concluir que o acesso a escolaridade e a informação e as melhores condições socioeconômicas influenciam tanto no conhecimento da mamografia como método preventivo, como na sua execução.

Como limitações do estudo, é importante ressaltar que o tipo de delineamento utilizado não permite estabelecer relação causal e sim associações com os fatores estudados, já que existe a possibilidade de causalidade reversa. Mas, certamente, e para determinados fatores como os sociodemográficos, essa possibilidade se reduz, porque a relação inversa é pouco plausível. Outra limitação a considerar é o viés recordatório. Este tipo de erro sistemático também parece pouco provável no atual estudo, porque a lembrança do desfecho (conhecimento de formas de rastreamento) não parece ser afetado pelo transcurso do tempo. Outro aspecto a ressaltar é que as respostas à pergunta sobre como diagnosticar precocemente o câncer de mama, ao contrário de outros estudos, eram dadas pela entrevistada sem nenhum tipo de indução. Acreditamos que é por isso que as prevalências de exame clínico e mamografia foram baixas, como foi dito anteriormente. Por outro lado, podemos ter maior certeza de que os valores encontrados representam o que as mulheres conhecem de formas de prevenção sem se valer de algum tipo de dado ou ajuda que facilite a lembrança dos métodos. Finalmente, como o estudo foi de base populacional, com mulheres de 18 anos ou mais, existe a possibilidade de extrapolação dos seus resultados apenas para populações semelhantes.

Os resultados deste estudo apontam para a necessidade de maior esclarecimento por parte da população feminina sobre os métodos de prevenção secundária do câncer de mama para que o diagnóstico seja precoce e se evite um dano maior. O autoexame foi o mais lembrado e tal fato pode ser explicado pelas intensas campanhas veiculadas na mídia abordando esse aspecto. O conhecimento dos métodos preventivos pela mulher pode aumentar a sua realização. Mulheres sem conhecimento adequado não podem agir com maior autonomia em relação aos seus cuidados com sua saúde. No que diz respeito aos métodos de rastreamento do câncer de mama, essa falta de conhecimento reduz a possibilidade de exercer o poder de solicitar a realização do exame clínico de mama durante a consulta de rotina, e da solicitação e realização da mamografia quando indicado. Uma vez que a mídia apresenta papel de destaque na divulgação e na formação do conhecimento dos procedimentos adotados na prevenção do câncer de mama10,15,16, concluímos que se faz necessário o reforço dos programas de prevenção existentes, e a inclusão de campanhas informativas sobre os métodos adequados para a prevenção dessa neoplasia, informando que o autoexame, se bem que é recomendável que seja realizado, por si só não é eficaz na prevenção secundária de essa neoplasia.

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