versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.2 São Paulo fev. 2020 Epub 20-Mar-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20190884
A insuficiência cardíaca crônica (ICC) afeta aproximadamente 1 a 2% da população de países desenvolvidos e sua prevalência aumenta aproximadamente 1% em indivíduos com idade entre 55 e 64 anos e até 17,4% em indivíduos com idade maior ou igual a 85 anos.1,2 A ICC é uma patologia complexa, com múltiplas causas. O infarto do miocárdio (IM) figura como a mais comum de suas etiologias. É caracterizada por alterações estruturais ou funcionais cardíacas que afetam a mecânica ventilatória, prejudicando a captação e o suprimento de oxigênio aos sistemas e induzindo o estresse oxidativo.2
O estresse oxidativo, também nomeado atualmente como desequilíbrio redox,3 é conhecidamente uma condição associada ao desenvolvimento de diversas patologias, seja como gatilho ou consequência. O sistema biológico de reações de oxirredução pode sair de seu estado de equilíbrio quando a formação das espécies oxidantes supera a defesa antioxidante. Esse cenário favorece a oxidação de biomoléculas (lipídios, proteínas, DNA), resultando em dano estrutural e funcional das mesmas, ou seja, contribuindo para desfechos patológicos significativos.4
A pesquisa publicada neste número dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia teve como objetivo avaliar o dano ao DNA em diferentes tecidos, como o ventrículo esquerdo, os pulmões e os músculos esqueléticos (diafragma, gastrocnêmio e sóleo) em ratos submetidos ao IM para induzir a ICC.5 O interesse dos autores em avaliar a influência dessa patologia sobre outros tecidos é muito relevante, pois mostra as consequências desse quadro em outros órgãos além do coração. O indicador avaliado nesse trabalho foi o DNA, uma biomolécula vulnerável a diversos agentes que podem provocar danos.6 Em condições normais, cerca de 99% dos danos do DNA podem ser reparados, mas aproximadamente 1% pode permanecer no genoma da célula.7 Os danos ao DNA não reparados podem resultar em perda de informação genética, ou interferência na transcrição e replicação, sendo, portanto, deletérios ao organismo.6 Outro aspecto de grande importância é que os danos no DNA podem induzir à mutação,8,9 que pode ser relacionada com várias doenças, entre elas o câncer.10 Assim, a detecção de danos ao DNA constitui importante conduta em pesquisas ligadas ao desenvolvimento de doenças.
O trabalho mostra que o dano ao DNA foi notavelmente superior em todos os órgãos avaliados no grupo com ICC, justificado provavelmente pela hiperperfusão nesses locais, a qual gerou um estado pró-oxidativo tóxico a essa biomolécula. Apesar de esse trabalho analisar a lesão global do DNA, a qual pode ser produzida por outras etiologias e não somente o dano oxidativo, trabalhos em seres humanos já mostram a presença de O8-OHdG, um produto da oxidação de purinas, no plasma de pacientes com ICC, confirmando que essa doença acarreta lesão oxidativa do DNA. Sendo assim, os resultados do presente estudo vêm confirmar que há consequências em diferentes órgãos advindas da ICC e que investigações devem ser feitas para minimizar futuras complicações.