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O desenvolvimento da linguagem da criança após o implante coclear: uma revisão de literatura

O desenvolvimento da linguagem da criança após o implante coclear: uma revisão de literatura

Autores:

Clarice Gomes Monteiro,
Ana Augusta de Andrade Cordeiro,
Hilton Justino da Silva,
Bianca Arruda Manchester de Queiroga

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.3 São Paulo mai./un. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015151

INTRODUÇÃO

Novos avanços tecnológicos capazes de aproximar a pessoa surda da condição de ouvinte fomentam a necessidade de estudar os processos de desenvolvimento de linguagem de pessoas que se utilizam destas tecnologias, tal como o implante coclear (IC)(1,2).

Ainda não se conhece claramente como as crianças usuárias de IC organizam as informações linguísticas e em que ponto isso se constitui em fator crítico para o desenvolvimento de linguagem(3,4), uma vez que a capacidade da criança implantada escutar os sons da fala não significa que ela consiga processar todos os sinais sonoros e suas complexas informações linguísticas(5).

Pesquisas recentes mostram que as crianças com IC desenvolvem a linguagem de forma diferente quanto à quantidade de vocabulário receptivo e expressivo em comparação com crianças ouvintes de mesma faixa etária, mantendo as etapas de aquisição de linguagem previstas para crianças ouvintes(6,7).

Ainda assim, persiste a ideia errônea de que a aquisição de linguagem e os problemas escolares enfrentados por uma criança surda serão solucionados com a utilização do implante coclear(5,8).

De forma geral, a utilização de IC tem sido associada a melhores resultados no que diz respeito à percepção auditiva, desenvolvimento da linguagem e leitura, em comparação com crianças utilizadoras de aparelhos auditivos convencionais (AASI). Porém, os benefícios individuais da implantação coclear variam bastante(9).

O que é amplamente observado é uma enorme variabilidade nos ganhos de desempenho auditivo produzidos pelo implante, que pode ser explicada por uma série de fatores relativos ao paciente implantado e à tecnologia empregada. Os fatores do paciente que afetam seu desempenho auditivo dizem respeito à etiologia da surdez, à idade em que a surdez ocorreu, à idade em que o implante é realizado, ao tempo de privação sensorial, e ao grau de audição residual. Os fatores tecnológicos dizem respeito ao tipo de implante(7).

Salvo as especificidades de cada paciente, é essencial para a equipe que acompanha a criança ter parâmetros balizadores dos ganhos possíveis e tangíveis após a cirurgia, principalmente para dar retorno às expectativas familiares que surgem devido ao procedimento de implantação.

OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo buscar na literatura estudos que descrevam o desenvolvimento de linguagem de crianças após a realização do implante coclear, visando estabelecer os possíveis avanços alcançados, considerando as especificidades das populações estudadas.

ESTRATÉGIAS DE PESQUISA

Para a formulação desta revisão, buscou-se responder à seguinte pergunta: O que sabemos sobre os avanços no desenvolvimento de linguagem de crianças após a realização de cirurgia de implante coclear? A partir deste questionamento, a pesquisa bibliográfica foi realizada nas plataformas de busca Pubmed e nas bases de dados Web of Science, Scopus e Science Direct. Foram utilizados descritores (DeCS e MESH) — palavras-chave para a recuperação de assuntos da literatura científica. Foram realizados os seguintes cruzamentos nas línguas inglesa e portuguesa: implante coclear (DeCS/MeSH) AND desenvolvimento de linguagem (DeCS/MeSH); implante coclear (DeCS/MeSH) AND vocabulário (DeCS/MeSH); implante coclear (DeCS/MeSH) AND educação (DeCS/MeSH); implante coclear (DeCS/MeSH) AND escrita (DeCS/MeSH); implante coclear (DeCS/MeSH) AND vocabulário (DeCS/MeSH); implante coclear (DeCS/MeSH) AND escrita (DeCS); implante coclear (DeCS/MeSH) AND teste de linguagem (DeCS/MeSH).

A busca foi feita de forma independente por dois pesquisadores e os pontos de conflito foram resolvidos em momento posterior por um terceiro avaliador. Não foi estabelecido limite em relação ao período das publicações.

CRITÉRIO DE SELEÇÃO

Como critérios de inclusão foram selecionados artigos originais que abordavam crianças usuárias de implante coclear, nos quais eram mencionados o desenvolvimento de linguagem após a cirurgia. Foram excluídos artigos de estudo de caso, dissertações, capítulos de livros, editoriais e artigos originais que não referenciavam no título, no resumo ou no texto aspectos de desenvolvimento da comunicação oral, percepção dos sons e da fala ou que abordavam outras fases do desenvolvimento humano (adolescentes, adultos e idosos).

ANÁLISE DOS DADOS

Os artigos encontrados foram inicialmente selecionados pela relevância do título. Os que atendiam aos critérios de inclusão e exclusão foram, então, submetidos à leitura dos resumos e, se enquadrados nos critérios preestabelecidos, analisados na íntegra, seguindo um protocolo criado para tal fim, gerando uma tabela de análise protocolar criada para este estudo. Nela foram contemplados os seguintes pontos: autor, ano, local, amostra, tipo de estudo, objetivo, métodos utilizados, principais resultados e conclusão (Tabela 1).

Tabela 1 Resultados dos estudos selecionados seguindo as variáveis analisadas 

AUTOR(ES)
ANO
PAÍS
POPULAÇÃO/ AMOSTRA TIPO DE ESTUDO OBJETIVOS MÉTODOS PRINCIPAIS RESULTADOS CONCLUSÕES
Szagun e Stumper (2012)(10)
Alemanha e Reino Unido
25 cças S ou UIC, em TF;
sendo 12 ⊗ e 13☒ ;
IMI 11 meses;
SC;
4 cças com ICB.
Longitudinal Examinar a influência da idade de implantação e fatores socioambientais no progresso linguístico das crianças que receberam IC entre 6 meses e 3,5 anos. Gravação de fala espontânea em interação com os pais + questionário ① com os pais. As cças exibiram vocabulário considerável e crescimento gramatical ao longo do tempo.
Em cças implantadas até 24m, o progresso foi + mais acentuado anteriormente, as cças implantadas posteriormente, o fizeram mais tarde.
Níveis mais altos de escolaridade materna foram associados com o progresso linguístico mais rápido; idade no momento do implante não foi.
Período sensível (até 24m) para a aprendizagem da língua, o ambiente de linguagem materna-infantil contribui mais crucialmente para o seu progresso linguístico do que a idade no momento do implante.
Iwasaki et al. (2012)(11)
Japão
190 crianças, sendo 60 (31,6%) UICU, 128 (67,4%) eram UIC e AASI e 2 (1,1%) eram UICB. Longitudinal Investigar uma grande variedade de fatores que influenciam a audição, fala e desenvolvimento da lgg com IC. Pacote de avaliação do desenvolvimento da linguagem para crianças com deficiência auditiva, japoneses (ALADJIN) A máxima pontuação de discriminação da fala, e classificação da inteligibilidade de fala em usuários de IC foi significativamente (p <0,01) melhor do que nos U IC e AASI. As pontuações para PVT-R (p <0,01), SCTAW e WFT em UIC foram melhores do que aqueles UIC e AASI. As pontuações de STA e TQAID em UIC e AASI foram significativamente (p <0,05) melhores do que aqueles UICU. A alta correlação (r = 0,52) foi encontrada entre a idade de IC e máxima pontuação discriminação da fala. Os escores dos testes de fala e lgg nas cças implantadas antes dos 24m têm sido melhores do que os das cças implantadas após 24 m. O IC foi eficaz para o desenvolvimento da lgg em cças DA japonesas e o IC precoce foi mais eficaz para os resultados de produção de vocabulário e sintaxe.
Ostojić et al. (2011)(12)
Sérvia
30 cças de 4 a 7a, divididos em três grupos: E1 - 10 cças S UIC, E2 - 10 cças S com AASI e C - 10 cças NA, tds na mesma idade. Tds as cças S, tinham SC severa a profunda e estão em TF. Transversal Avaliar a influência da percepção auditiva melhorada devido ao IC na compreensão de palavras abstratas em cças, em comparação com cças com DA com AASI e crianças com AN. Teste de vocabulário ② Os resultados gerais para o teste todo (100 palavras) mostraram uma diferença significativa em favor da AN em comparação com cças com DA. As cças com AN descrito com sucesso ou definido 77,93% de um total de 100 palavras. A taxa de sucesso para as cças com IC foi de 26,87% e para as cças com AASI foi de 20,32%. Testes de palavras abstratas mostrou uma diferença ES entre o IC e as cças com AASI (Mann-Whitney U-teste, p = 0,019) o que implica considerável vantagem de IC sobre AASI em relação ao desenvolvimento discurso bem-sucedido em crianças surdas pré-linguais.
Chramm et al. (2010)(6)
Alemanha
5 cças com AN e 5 com SNS. Tds as cças do 2º grupo foram observadas durante 36 meses após a primeira montagem do IC.
As cças do grupo IC são SC e tinham recebido AASI antes de receber ICB.
Longitudinal Este estudo teve dois objetivos: (1) para documentar o desenvolvimento auditivo e lexical de cças S que receberam o 1º IC com a idade de 16 m e o segundo IC com a idade de 31 m e (2) comparar os resultados dessas cças com os de cças com NA. O desenvolvimento auditivo do grupo IC foi documentado a cada 3m até 2a (idade auditiva) e para o grupo de audição normal, em idade cronológica.
LEAQ + Elfra-1.
Em ambos os grupos, as cças apresentaram padrões individuais de desenvolvimento auditivo e de linguagem. As cças com IC desenvolveram de forma diferente quanto à quantidade de vocabulário receptivo e expressivo em comparação com o grupo AN. 3 crianças no grupo com IC precisaram de quase 6 meses para fazer ganhos no desenvolvimento da fala que eram consistentes com o que seria esperado para a sua idade cronológica. No geral, o desenvolvimento receptivo e expressivo em todas as crianças do grupo implantado aumentou com o tempo de audição. A identificação precoce e implante precoce são aconselháveis para dar às crianças com perda auditiva neurossensorial a chance realista de desenvolver vocabulário expressivo e receptivo satisfatórios e também para desenvolver de forma estável as habilidades fonológica, morfológicas e sintáticas para a vida escolar.
Wie (2010)(13)
Noruega
42 crianças: 21 UIC e 21 com AN, acompanhado aos pares de acordo com sexo e idade cronológica. Longitudinal Examinar o desenvolvimento da linguagem receptiva e expressiva em cças que receberam ICBS entre 5 e 18m, e comparar os resultados com o desenvolvimento da linguagem em ordem cronológica de cças da mesma idade com AN. Os dados foram coletados no pós-operatório de IC e nos check-ups (3, 6, 9, 12, 18, 24, 36 e 48m). Questionário LittlEARS + Escala de Mullen Early Learning + Inventário Desenvolvimento Infantil de Minnesota. Função auditiva coclear dos UIC de acordo com LittlEARS foi comparável ao das cças com AN dentro de 9 meses pós-implantação. Os escores médios após 9 e 12 meses foram de 31 e 33, respectivamente, no SPL, contra 31 e 34 nas cças com AN. Escores de linguagem receptiva e expressiva das cças mostrou que, após 12-48 meses com IC, 81% tinham habilidades de linguagem receptiva dentro do intervalo normativo e 57% tinham habilidades de linguagem expressiva dentro do intervalo normativo. O número de cças que marcou dentro da faixa normal aumentou com o aumento da experiência IC. O presente estudo mostrou que a capacidade de as cças SPL desenvolverem a complexa língua falada expressiva e receptiva, após o ICB precoce parece promissor. A maioria das cças desenvolveram habilidades de linguagem em um ritmo mais rápido do que as suas idades auditivas sugeririam e ao longo do tempo alcançado habilidades de linguagem receptiva e expressiva dentro do intervalo normativo.
Damen et al. (2006)(14)
Estados Unidos da América
32 cças UIC, no ensino regular, com SC ou SPL + 37 com AN.
20 crianças eram SC, 12 SPL (<3 anos de idade).
Transversal Comparar o desempenho em sala de aula de cças com lC com a de seus pares com AN no ensino regular. Profs preencheram 2 questionários: AMP e SIFTER. As cças UIC marcaram acima da média na AMP e suficientemente bem em todos as áreas, exceto na de comunicação do questionário SIFTER. Rankings de classe não diferiu significativamente entre os alunos com ou sem IC. No geral, o grupo de AN superou o grupo UlC. O desempenho em sala de aula de crianças com IC foi negativamente correlacionada com o tempo de surdez e idade no momento do implante. Todos os dados audiológicos longitudinais das crianças UlC apresentaram melhora no reconhecimento de fala em conjunto aberto. Embora os resultados sejam encorajadores, o grupo lC pontuou significativamente menor do que seus pares com audição normal na maioria dos domínios do questionário, tanto da AMP como da SIFTER. As variáveis mais importantes para o desfecho neste estudo foram idade na implantação e tempo de surdez.
Svirsky et al. (2000)(15)
Estados Unidos da América
70 cças foram avaliadas cerca de 4m antes de receberem os seus IC, e depois novamente aos 6, 12, 18, 24 e 30m após a implantação. Transversal Comparar o desenvolvimento da lgg de cças com SPL UIC e prever o desenvolvimento da linguagem dessas cças se não tivessem recebido os implantes. Por fim, o desenvolvimento da lgg medida da amostra de cças com IC foi comparado com as normas obtidas por cças com AN. Escala RDLS + PBK A taxa de desenvolvimento da lgg após a implantação superou a expectativa de cças S não implantadas (p <.001), e foi semelhante ao das cças com AN. Apesar de uma grande quantidade de variabilidade individual, os melhores desempenhos no grupo implantado parecem estar a desenvolver um sistema linguístico oral, baseado principalmente na entrada auditiva, obtidos a partir de um IC.

Legenda: IC→ implante coclear; S→ surdo; cças→ crianças; UIC→ usuário de implante coclear; UICU→ usuário de implante coclear unilateral; UICB→ usuário de implante coclear bilateral; TF→ terapia fonoaudiológica; ⊗→ meninas; ☒→ meninos; IMI→ idade média de implantação; SC→ surdez congênita; ICB→ implante coclear bilateral; Questionário ①→ (adaptação germânica de “MacArthur-Bates Comunicative Development Inventories”) com Transcrição segundo “the Child Language Data Exchange System”; AASI→ aparelho de amplificação sonora individual; DA→ deficiência auditiva; AN→ audição normal; Teste de vocabulário ②→ [Vasić S. Art of speech, excercizes and tests of speech. Belgrade: Beogradski izdavačko-grafički zavod; 1980.(Serbian)]; ES→ estatisticamente significativa; SNS→ surdez neurossensorial; LEAQ→ LittlEARS Auditive Questionnaire foi utilizado para analisar o desenvolvimento auditivo das crianças; Questionário para os pais Elfra-1→ que foi desenvolvido para a detecção de linguagem precoce de crianças alemã aos 12 meses de idade, que estavam em risco de desenvolver problema de fala e linguagem; SPL→ surdez pré-lingual; Questionário para professores: AMP→ avaliação da Performance de Ensino e SIFTER→ Instrumento de Triagem para segmentação de Risco Educacional; ICBS→ implante coclear bilateral simultâneo; NC→ notas de campo; DNPM→ desenvolvimento neuropsicomotor; RDLS→ Escalas Reynell de Desenvolvimento de Linguagem; PBK→ teste de reconhecimento de palavras; ALADJIN→ TQAID, Peabody- revisto; PVT –R; SCTAW; WFT e STA

RESULTADOS

Foram encontrados 5.052 artigos a partir da busca de descritores (DeCS/MeSH). Desse total, 3.414 foram excluídos pelo título, 1.245 pelo resumo e 358 pela leitura do texto completo, sendo selecionados, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, 35 artigos, porém 28 eram repetidos nas bases de dados, resultando em sete trabalhos analisados nesta revisão (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma do número de artigos encontrados e selecionados após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão 

A heterogeneidade dos estudos não permitiu a análise estatística (meta-análise), em especial porque o delineamento dos estudos, a amostra, a idade da população e os objetivos dos estudos foram variados. Entretanto, a despeito dessas divergências, importantes reflexões e conclusões podem ser retiradas desta revisão.

O levantamento bibliográfico e a análise dos artigos selecionados revelam que o interesse pela documentação detalhada do desenvolvimento de linguagem de usuários de IC, com ênfase na população pediátrica teve início apenas nos anos 2000(15). Este fato pode ser explicado pela indicação clínica do IC só ter sido liberada pelo Food and Drugs Administration (agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, responsável por proteger e promover a saúde pública através da regulação e supervisão da segurança de alimentos e produtos) do governo norte-americano em 1990(7).

Podemos perceber a partir da análise dos artigos que países do continente europeu (Alemanha, Reino Unido, Sérvia e Noruega), asiático (Japão) e norte-americano (Estados Unidos da América) estão produzindo maior conhecimento dentro desta área de interesse. Este dado reflete os resultados de nações pioneiras nas cirurgias de IC; porém, chama nossa atenção a ausência de trabalhos realizados na França - país que sempre se destacou nos estudos com IC - e na Holanda – país que realizou a primeira cirurgia de IC em crianças(16).

A população estudada nos artigos selecionados nesta revisão teve uma amostra muito heterogênea, tendo um mínimo de dez crianças(6) (cinco usuárias de IC e cinco com audição normal) e máximo de 190(11) (sendo 60 usuárias de IC unilateral, 128 usuárias de IC+AASI e duas usuárias de IC bilateral). Percebeu-se, porém, maior quantidade de estudos com amostra menor que 100 indivíduos(6,10,12-15).

Apenas um estudo(13) utilizou grupo controle, estando os indivíduos pareados por sexo e idade cronológica. A maioria dos artigos não especificou o gênero das crianças(6,11,12,14,15).

Quanto ao tipo de estudo, quatro(6,10,11,13) foram longitudinais e três(12,14,15), transversais; o que mostra uma tendência à escolha por estudos longitudinais em estudos mais recentes, provavelmente porque, neste tipo de estudo, é possível apreender maiores detalhes e realizar acompanhamento com reavaliações periódicas, sendo possível comparar os ganhos ponderais de cada paciente.

Tendo em vista o método de avaliação das crianças para verificação do desenvolvimento de linguagem, não houve um padrão, porém, em quatro(6,10,13,14) dos artigos, foi utilizado pelo menos um questionário, que pode ter sido realizado com as crianças, com os pais ou com os professores. Apenas dois artigos utilizaram escalas ou inventários de classificação(13,15). A avaliação por escalas é um procedimento que deve ser pensado com cautela, pois sua classificação é bastante subjetiva, sendo, em geral, mais efetiva quando aplicada por pessoas não envolvidas diretamente na pesquisa. Nos estudos anteriores, não foi informada a participação de terceiros para esta aplicação, podendo causar viés de interesse nos resultados obtidos.

Somente três artigos utilizaram testes (ou bateria de testes) com as crianças, e a falta de conclusões foi justificada pela dificuldade em avaliar de forma eficiente crianças pequenas, uma vez que as crianças têm sido submetidas ao IC cada vez mais cedo.

Apesar da riqueza de detalhes obtida em gravações de fala espontânea das crianças (com posterior análise), apenas um(10) estudo optou por esta estratégia. Chamamos atenção para ele, pois é um dos estudos mais recentes, o que pode sugerir uma mudança qualitativa nas avaliações mais atuais.

Contrariando o senso comum, apenas um(10) estudo não verificou associação entre o progresso linguístico e a idade no momento do implante. Este dado pode ser explicado pela média de idade no momento de implantação, que foi de 11 meses. A literatura(11,14) refere que crianças implantadas antes dos 24 meses apresentam respostas significativamente melhores, e, sendo a média de idade de implantação tão jovem, os ganhos tendem a ser semelhantes(17).

Os estudos que investigaram crianças com audição normal (AN), usuárias de AASI e usuários de IC, concordaram com a literatura preexistente: as crianças com AN apresentam resultados melhores que as crianças com IC e estas últimas apresentam respostas melhores que as usuárias de AASI(12-15). Nos estudos longitudinais, o desenvolvimento receptivo e expressivo em todas as crianças do grupo implantado aumentou com o tempo(6,10,11,13); o que já era de se esperar, visto que a experiência auditiva favorece o melhor desempenho linguístico(13).

O estudo que obteve resultados mais detalhados dos ganhos linguísticos das crianças usuárias de IC e os comparou com os resultados de crianças com NA foi o estudo realizado na Noruega, pois com o questionário LittlEARS conseguiu demonstrar que a função coclear dos usuários de IC foi comparável ao das crianças com NA após nove meses da cirurgia.

CONCLUSÃO

O IC é eficaz para o desenvolvimento de linguagem de crianças com perda auditiva quando acompanhada de terapia fonoaudiológica, obtendo resultados mais acentuados (sintaxe e vocabulário) quanto mais precoce seja realizada a cirurgia.

Embora os estudos com IC sejam encorajadores, verifica-se que os usuários de IC apresentam desenvolvimento linguístico e educacional significativamente menor que seus pares com audição normal, porém melhor que os usuários de AASI, podendo igualar-se a eles com o passar do tempo.

Escores de linguagem receptiva e expressiva das crianças mostraram que, após 12-48 meses com IC, 81% tinham habilidades de linguagem receptiva dentro do intervalo normativo e 57% tinham habilidades de linguagem expressiva dentro do intervalo normativo. O número de crianças que atingiu a faixa normal aumentou com o aumento da experiência IC.

A revisão em questão mostrou que existe a possibilidade e a necessidade de estudos de aprofundamento, a fim de estabilizar e padronizar instrumentos avaliativos e comparativos para elucidar o desenvolvimento de linguagem nesta população.

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