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O diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil: o caminho percorrido pelas famílias

O diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil: o caminho percorrido pelas famílias

Autores:

Vivian Costa Fermo,
Gabriella Norberto Lourençatto,
Tiago dos Santos Medeiros,
Jane Cristina Anders,
Ana Izabel Jatobá de Souza

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145

Esc. Anna Nery vol.18 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2014

http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20140008

RESUMEN

Objetivo:

Este estudio visa realizar la descripción del camino recorrido por el niño, adolescente y sus familias, desde el comienzo delos signos y síntomas hasta la definición del diagnóstico de cáncer.

Métodos:

Estudio descriptivo exploratorio con abordaje cualitativa. Ha sido utilizada la entrevista semiestructurada como recurso para recolecta de material empírico.

Resultados:

Han participado del estudio 10 familiares de niños y adolescentes con diagnóstico de cáncer, en tratamiento quimioterápico. Los sujetos del estudio han relatado las experiencias de forma detallada y cronológica, realizando la descripción del inicio de los signos y los síntomas; las idas y venidas por los servicios de salud; la actuación de los profesionales en el sector primario y en el especializado.

Conclusión:

El niño y adolescente recorren un largo camino delante de la situación oncológica, evidenciando las dificultades relacionadas al acceso a los recursos diagnósticos, lo que compromete las posibilidades de un diagnóstico precoz.

Palabras-clave: Niño; Adolescente; Enfermería Oncológica; Cáncer; Diagnóstico Precoz

INTRODUÇÃO

O progresso no desenvolvimento do tratamento do câncer na infância cresceu significativamente nas últimas quatro décadas, aumentando as possibilidades de cura e sobrevida. Estima-se que em torno de 70% das crianças acometidas de câncer podem ser curadas se o diagnóstico for precoce e a doença tratada em centros especializados. Isso porque, apesar de o câncer infantojuvenil tercurto período de latência, altas taxas de proliferação e maior caráter invasivo, ele apresenta melhores respostas ao tratamento desde que descoberto precocemente1. Com o sucesso do tratamento, esses pacientes se curam, recompõem a dinâmica familiar e reintegram-se à vida social2.

O diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil é um desafio; os sinais e sintomas não são necessariamente específicos, e por isso muitas crianças/adolescentes são encaminhadas ao centro de tratamento com a doença em estágio avançado. Essa situação pode acontecer em decorrência do tipo de tumor, da idade do paciente, da suspeita clínica, da extensão da doença, do cuidado e/ou percepção da doença pelos pais, do nível de educação dos pais, da distância do centro de tratamento e do sistema de cuidado de saúde. Assim, é importante que os profissionais da saúde, por meiodo conhecimento técnico e científico, reconheçam a possibilidade da doença e suas principais formas de apresentação3.

A experiência com o câncer apresenta-se como um longo caminho a ser percorrido pela criança ou adolescente e por sua família, com repercussões diversas no seu cotidiano, considerando as consequências precoces e tardias do tratamento. As diferentes modalidades terapêuticas no campo da oncologia oferecem novas chances de cura à criança e ao adolescente, abrindo-lhes novas perspectivas de vida.

Assim, o objetivo deste estudo é descrever o caminho percorrido pelas famílias, desde o início dos sinais e sintomas até a definição do diagnóstico de câncer da criança ou adolescente, em especial para contribuir com um cuidado de enfermagem cada vez mais atento no sentido de ampliar as possibilidades do diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil, uma vez que, para o sucesso terapêutico,é fundamental a redução do tempo entre o aparecimento dos sinais e sintomas e a definição do diagnóstico, aumentando a expectativa de cura.

METODOLOGIA

Este é um estudo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa. A pesquisa de campo foi realizada no Ambulatório de Oncologia do Hospital Infantil Joana de Gusmão. Trata-se de um hospital-escola da região sul do país, que, entre outras especialidades, é referência regional para o atendimento a crianças e adolescentes com distúrbios onco-hematológicos.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da referida instituição, sob o parecer nº 002/2010. Os sujeitos da pesquisa foram consultados quanto ao desejo de participação e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para assegurar o anonimato dos participantes, utilizou-se um sistema de identificação no qual os nomes verdadeiros foram substituídos pela letra F (que representa "familiar") seguida de um algarismo numérico para diferenciá-los entre si. Por exemplo: F1 (familiar 1), F2 (familiar 2), e assim sucessivamente.

Participaram do estudo oito mães, um avô e um pai de criança e adolescente com diagnóstico de câncer em tratamento quimioterápico. Realizou-se a coleta do material empírico no período de março a maio de 2010, mediante entrevistas semiestruturadas que continham as seguintes questões norteadoras: Como e quando você percebeu que algo estava errado com seu filho? Quais eram os sinais e sintomas que seu filho apresentou na ocasião? Qual serviço procurou? Quanto tempo demorou para confirmar o diagnóstico? Diga-me como os profissionais da saúde podem ajudar as famílias nesse período de definição do diagnóstico.

As entrevistas foram gravadas com a anuência dos envolvidos e transcritas posteriormente. Concluída essa etapa, fizeram-se leituras repetidas dessas entrevistas com a finalidade de apreender as falas dos sujeitos. A análise percorreu as etapas preconizadas pela técnica de análise temática de conteúdo, ou seja, pré-análise, análise dos sentidos expressos e latentes, elaboração das temáticas e análise final4. Optamos por não analisar estatisticamente o material empírico como preconizado originalmente pela técnica, mas por realizar uma análise compreensiva deste.

Após todo esse processo apresenta-se uma categoria que emergiu do material empírico, a longa peregrinação: do adoecimento ao início do tratamento, mostrando-se o caminho percorrido pelas famílias para a definição do diagnóstico de câncer da criança/adolescente e a atuação dos profissionais nesse contexto.

RESULTADOS

A longa peregrinação: do adoecimento ao início do tratamento

O período que antecede a confirmação do diagnóstico de câncer infantojuvenil muitas vezes é longo e difícil. As famílias percebem que algo está errado por meio dos sinais e sintomas apresentados e também pela mudança de comportamento durante atividades rotineiras de seus filhos. Na maioria das vezes,essas alterações são percebidas de forma leve e corriqueira, agravando-se repentinamente, e em algumas situações a própria criança e/ou adolescente alerta os pais de que algo está diferente:

Em fevereiro ela tinha dores migratórias pelo corpo. Eu pensava que era dor do crescimento, depois ela estava com raiva, tristeza e sonolenta. No dia treze de março dava febre no final do dia (F1).

Ele me mostrou. Era pequeno como um grão de ervilha (F2).

Os pais descrevem com riqueza de detalhes o caminho percorrido na busca para solucionar o problema dos filhos, como a data de início dos sinais e sintomas, o início do aparecimento da doença e a procura pelos serviços de saúde. Essas informações emergem ricas em detalhes, independentemente do tempo transcorrido, e incluem preocupações, dúvidas e procedimentos envolvidos:

Dia doze de março, à meia-noite, ele começou a sentir dor na perna. Tomou dipirona a tarde inteira e a febre só aumentava (F3).

Março de 2009, ele estava sentado, foi levantar, sentiu dor e caiu. Não conseguiu caminhar mais. A dor era na tíbia, local do tumor (F4).

As famílias iniciam sua trajetória com idas e vindas em diversos atendimentos e recorrendo a vários recursos até alcançarem a definição do diagnóstico, demandando a procura por médicos clínicos-gerais e de diferentes especialidades, bem como o atendimento de outros profissionais e arealização de inúmeros exames e internações, como demonstram as falas a seguir:

Aparecia um caroço, levava ela na massagista, o caroço sumia. Apareceu um em cima do pé, fazia massagem e ao invés de diminuir, aumentava (F5).

Apareceu uma íngua na virilha, levei ao médico, que disse que era normal. Uma semana depois saiu outra íngua. Liguei pra outro especialista e ele mandou fazer exames que deram alterados. Fui encaminhada para o infectologista (F6).

Outro aspecto importante se refere às avaliações médicas incorretas e aos tratamentos ineficazes, que, na maioria das vezes, determinaram o atraso do diagnóstico correto da doença. Nos relatos, embora houvesse sinais e sintomas, a possibilidade do câncer parecia estar oculta aos olhos dos médicos:

O médico disse: "É normal, doença de criança, vai doer dois meses e vai parar. Mas já estava fazendo dois meses que ela estava com dor" (F7).

Ele diagnosticou que era enxaqueca, deu um remédio. Durante uns dias a gente deu o remédio e a dor de cabeça parou. Depois de um tempo o olho dela começou a saltar (F8).

No intuito de contornar a demora na definição do diagnóstico e temendo algo mais grave, as famílias acabam lançandomão de diversos meios para solucionar o problema de forma mais rápida, buscando, inclusive, serviços médicos particulares:

Os primeiros exames foram particulares. Pelo SUS ia ter que esperar 5 meses pela ressonância. A ressonância, o ultrassom, eu paguei [...]. Moro em cidade pequena. Pra fazer os exames tive que me deslocar. Tem que marcar, tem prazo. Se não fosse essa demora, não teria ido pro ovário, pro pulmão direito, pra costela (F5).

Em alguns relatos ficou evidenciada a fragilidade na organização dos serviços de saúde, uma vez que, além da demora no acesso, ocorre o não atendimento das necessidades da criança e do adolescente que buscam por um serviço resolutivo e de qualidade:

Se o SUS não podia pagar uma tomografia, eles podiam ter chamado os pais e perguntar: você pode mandar bater? Durante oito meses mandaram tomar remédio pra sinusite (F9).

Em outra perspectiva, um dos pais afirmou que o Sistema Único de Saúde supriu todas as necessidades de atendimento e tratamento de seu filho:

Tudo pelo SUS, inclusive os exames. Foi a maior rapidez. Sempre fui bem atendida pelos médicos, pelas enfermeiras, por todos (F10).

Para a definição do diagnóstico correto foram envolvidos, em média, de dois a cinco profissionais para cada caso. As especialidades mais procuradas estão relacionadas com os sinais e sintomas que a criança ou adolescente apresentou, sendo identificados com maior frequência o pediatra-geral, o reumatologista, o oftalmologista e o ortopedista.

Esse cenário evidencia que os profissionais da saúde precisam identificar os sinais de alerta do câncer infantojuvenil para atuar no diagnóstico precoce. É necessária a constante atualização das equipes de saúde nos diferentes níveis de complexidade, a fim de ampliar seus conhecimentos e direcioná-las para uma conduta adequada, de modo a serem capazes de suspeitar do câncer, solicitar exames mais detalhados e, se necessário, encaminhar a criança ao especialista.

Considerando que a maioria dos entrevistados não residia na cidade onde a criança realizava o tratamento, as dificuldades relacionadas ao despreparo dos profissionais nos locais de origem emergem como algo que os marcou durante o processo do adoecimento ao tratamento. Essa realidade é demonstrada na fala a seguir:

O médico disse: tua filha não tem cura, vou mandar pra Florianópolis pra fazer um tratamento pra prolongar a vida. Não me deu esperança. Aqui os médicos são acostumados a lidar com esse tipo de coisa, com pais, com criança, e disseram: depende do tratamento, da vontade do paciente, de um monte de coisa (F3).

O momento de diagnóstico do câncer está estreitamente vinculado a sentimentos de desespero, medo, tristeza e preocupação com o futuro da criança. Nessa fase, as famílias requerem profissionais competentes, tanto no âmbito do conhecimento técnico-científico como também no que se refere ao apoio e à escuta atenta. Diante desse contexto, identificam-se tanto a oferta de uma assistência integral como um cuidado mecanicista.

Quando fui procurar o ortopedista, ele me disse: o que vocês querem? Já passaram por quatro médicos. Quem tanto tem médico não tem nenhum (F7).

Fui atendida pela assistente social, muito insensível. Disse muita coisa ao mesmo tempo. Falou de dinheiro, demissão. Eu disse: não entendi. Ela:"você está estressada". Vou precisar de psicólogo (F2).

Os profissionais da saúde são pessoas maravilhosas, que me ajudaram, pegaram meu filho no colo e trataram com o máximo de carinho e dedicação (F4).

DISCUSSÃO

A confirmação do diagnóstico do câncer acentua ainda mais a experiência no universo da doença grave. Os longos períodos de tratamento que requerem procedimentos invasivos e agressivos exigem um envolvimento emocional, muitas vezes além do que é possível suportar. Entretanto, é a partir do diagnóstico definido e do início do tratamento que a criança, o adolescente e a família, embora mergulhados em um período de reestruturação e incertezas5, aprendem a lidar com o câncer, com o ambiente hospitalar e com os procedimentos terapêuticos, passando a adaptar sua vida à realidade da doença.

Observamos que, no início, as similaridades de sinais e sintomas do câncer com outras doenças maiscomuns da infância dificultam a confirmação do diagnóstico. Em consequência disso, as famílias recorrem a diversos atendimentos e recursos até alcançarem a definição do diagnóstico, sendo preciso a busca por vários médicos, o atendimento de profissionais não médicos, inúmeros exames e possíveis internações6,7.

Com a atual rede de serviços disponível no Brasil, o primeiro médico a ser procurado é o pediatra generalista ou o médico clínico-geral, que normalmente está vinculado à Estratégia de Saúde da Família, uma das principais formas de reorganização dos serviços de saúde e porta de entrada da população através da atenção primária. Esse profissional em toda a sua carreira deverá presenciar poucos casos de neoplasia maligna em relação às doenças comuns da infância. Por isso, o câncer não é a primeira hipótese considerada, o que contribui, muitas vezes, para o atraso do diagnóstico, a evolução da doença, a piora do prognóstico, um tratamento mais agressivo e maiores sequelas do tratamento8.

Atualmente, 70% dos diagnósticos de câncer são feitos por médicos não oncologistas, o que evidencia sua importância no controle da doença9. No que concerne à investigação e definição do câncer, há também a atuação dos demais profissionais da área da saúde, em especial o enfermeiro. Uma avaliação mais abrangente deve reunir informações como: o conjunto de sinais e sintomas, dados dos exames físicos e laboratoriais, aspectos ligados ao sexo, à região, ao histórico familiar, entre tantas outras variáveis que não estabelecem propriamente o diagnóstico, mas racionalizam seus diferenciais. Assim, antes do diagnóstico, os aspectos diferenciais devem ser minuciosamente estudados, não somente pelo médico, mas por todos os envolvidos na assistência à saúde.

É possível constatar que o adoecer de uma criança nem sempre leva a equipe de saúde e/ou os pais a pensarem em algo complexo, tampouco em doença crônica como o câncer.

Embora os sinais e sintomas apresentados justifiquem maior atenção, os pais acreditam que estes sejam um reflexo de "dores de crescimento" ou que estejam associados a um problema que possa ser facilmente resolvido. Assim, a definição do diagnóstico é dificultada enquanto a criança não demonstra limitações severas diante da doença10,11. Nesse contexto, as famílias mantêmsuas responsabilidades, funções e atividades habituais, ao passo que o adoecimento pelo câncer ainda é confundido como uma doença "normal" da infância.

Já os profissionais da saúde muitas vezes, postergam o diagnóstico por não cogitarem a existência do câncer na criança, por mais que as evidências dessa doença estejam presentes. A difícil tarefa de lidar com as preocupações dos pais de maneira adequada, avaliando corretamente os principais sintomas inespecíficos, e o acesso rápido aos exames diagnósticos, são os mais importantes passos em direção ao diagnóstico precoce. Os médicos devem formar o hábito de realizar um estudo detalhado dos sinais e sintomas mais comuns e aqueles estatisticamente relevantes da doença10,11.

Embora o câncer infantojuvenil não seja comum, estabelecer um diagnóstico não condizente com o real problema de saúde da criança e/ou adolescente pode acarretar sérios agravos. Em alguns casos, o tratamento inadequado pode diminuir ou até mesmo mascarar os sinais e sintomas apresentados pela criança e pelo adolescente. Essa situação colabora para aumento do período entre o início da doença e seu tratamento correto, o que acaba refletindo na evolução da doença.

Em consonância com a questão do diagnóstico tardio do câncer na infância, enfatiza-se que é frequente a queixa dos pais em relação à necessidade de serem persistentes para que os médicos aprofundem as investigações, pois muitas vezes não há solicitação de exames complementares e atenção às queixas referidas12.

Conclui-se que a responsabilidade pelo atraso do diagnóstico pode ser do paciente, dos pais, do médico, do comportamento biológico da doença e das razões socioeconômicas (sistema público ou privado de saúde)3,7,12. Os principais fatores relacionados ao atraso no diagnóstico podem estar relacionados à idade da criança no momento do diagnóstico, ao nível de educação dos pais, ao tipo de câncer, à apresentação de sinais/sintomas, ao local do tumor, ao estágio do câncer e à especialidade médica consultada pela primeira vez. A procura pelopediatra na primeira consulta está mais associada à precocidade do diagnóstico do que a busca por médico clínico-geral e outras especialidades3.

É relevante destacar a fragilidade e as falhas na estrutura do SUS, as dificuldades de realizar exames complementares pelo SUS, a falta de medicação e a desorganização dos serviços públicos. Isso equivale a afirmar que em alguns casos os princípios da descentralização, acessibilidade e resolutividade no SUS não vêm sendo cumpridos, colocando em risco a saúde da população8,12,13.

O SUS garante o atendimento integral a qualquer doente com câncer. Existem no Brasil mais de 300 estabelecimentos de saúde destinados pelo sistema público à assistência oncológica de alta complexidade. Essas redes de tratamento estão espalhadas por 26 estados e 128 diferentes municípios. Embora esse suporte seja garantido como política de Estado, é necessária a preocupação com a capacidade de resolutividade dos serviços. Acredita-se que quanto mais bem preparados estiverem os envolvidos no cuidado à saúde, melhor será o uso dos recursos e ferramentas disponíveis para o trabalho1.

Chama a atenção a riqueza de detalhes acerca dos sinais e sintomas da doença na busca pelo diagnóstico e tratamento. Infelizmente essas histórias estão repletas de dificuldades, de entraves e de atitudes pouco compreensivas por parte dos profissionais de saúde. Esse aspecto deve conduzir a uma reflexão séria acerca do papel que cabe a cada um nesse processo, pois a equipe de saúde que atua na área da pediatria necessita de um conhecimento técnico-científico amplo, visto que os pais vivenciam situações permeadas por dúvidas e indagações, necessitando confiar no saber do profissional que atende seu filho.

Levando-se em conta que o conhecimento técnico da equipe de saúde interfere diretamente na qualidade do tratamento oferecido, é necessário o atendimento da criança e adolescente em sua integralidade, dando valor às queixas referidas, como também a realização de uma anamnese adequada, sempre atentando para a possibilidade de uma doença como o câncer. A avaliação adequada é uma condição primordial para um diagnóstico preciso, pois quanto maior é seu atraso, mais avançada é a doença, menores são as chances de cura e maiores serão as sequelas decorrentes de um tratamento mais agressivo.

Na atualidade, é de responsabilidade do médico pediatra identificar casos suspeitos, iniciar a investigação suplementar e encaminhar a criança ou o adolescente ao serviço de referência. A precocidade e a destreza que devem mover esses procedimentos são decisivas para que essa clientela receba o tratamento com todo o potencial de eficácia e dele se beneficie em sua máxima amplitude. Com isso, tem-se o objetivo de alcançar melhores índices de cura e redução das sequelas, permitindo um tratamentocom mais êxito, já que a sobrevida é significativamente melhor em doenças localizadas, assim como são melhores os resultados funcionais2.

Portanto, já na atenção primária, o profissional da saúde tem uma suposição diagnóstica através de várias etapas, durante as quais deve proceder a uma análise cuidadosa, com base principalmente em seu conhecimento do caso e da doença, sempre considerando o paciente em seus aspectos biopsicossociais. Nesse processo, toma decisões, cujo acerto ou erro repercute sobre a vida do paciente e sua qualidade de vida.

Em decorrência de todos esses aspectos, percebe-se que há muito para ser feito a fim de que a equipe de saúde assuma a responsabilidade que lhe cabe quanto à prevenção e ao controle do câncer infantojuvenil, bem comoquanto à elaboração precoce do diagnóstico. São necessárias a adequação das condutas diagnósticas e terapêuticas e maior agilidade no encaminhamento dos casos.

Além de haver pontos frágeis relacionados ao conhecimento técnico-cientifico em relação ao câncer infantojuvenil, há a queixa de que os profissionais da saúde "enxergam" somente a pessoa que está doente, não voltando seu cuidado também para o acompanhante14. Assim percebemos que as relações entre os envolvidos se mostram frágeis, traduzindo um preparo voltado para a intervenção técnica em detrimento dos anseios psicológicos da família.

Os pais vivenciam o sentimento de opressão pela abrangência da quantidade de informações técnicas e, simultaneamente, têm de enfrentar medos e ansiedade em relação à doença para tomar decisões quanto ao tratamento. Muitos pais relatam sentir dificuldade em lidar com seus próprios sentimentos e, portanto, não têm os recursos emocionais para preparar seus filhos de forma adequada para a "montanha-russa" emocional durante a jornada do câncer. Os pais com dificuldades em expressar seus sentimentos tendem a internalizar suas emoções negativas, e invariavelmente isso se manifesta como queixas somáticas e sentimento de sobrecarga pela experiência emocional da doença de seu filho15.

É necessário que o profissional de saúde tenha a sensibilidade mais aguçada perante os usuários, considerando a sua situação de saúde e doença. É imprescindível que os enfermeiros, junto as suas equipes, desenvolvam ou fortaleçam o prazer de trabalhar com esses usuários, de modo que isso se reflita na qualidade da assistência prestada.

Para alcançar de modo pleno o objetivo de apoiar e repercutir positivamente no cuidado, é indispensável uma comunicação interpessoal efetiva, por meio da troca de mensagens verbais e não verbais codificáveis entre os envolvidos, marcada por uma postura sincera e flexível, com informações coerentes com as necessidades e potenciais de cada família. Nesse sentido, as orientações de enfermagem, aliadas ao trabalho interdisciplinar, são essenciais para promover melhor qualidade de vida tanto para a criança e o adolescente com câncer como para sua família16.

Vale lembrar que nem sempre os familiares verbalizam as dificuldades vivenciadas, sendo importante que os profissionais de saúde, em especial a enfermagem, disponham de instrumentos que ajudem na identificação dos tipos de apoio que favorecerão essa clientela, a fim de poderem contribuir no percurso que o câncer impõe, planejando serviços e cuidados apropriados, com base nasnecessidades surgidas em cada fase da doença. O profissional da área de oncologia lida com múltiplas complicações do tratamento e efeitos colaterais, problemas psicossociais, religiosos e conflitos familiares. Diante da magnitude e complexidade que envolve a trajetória do câncer, não basta que os profissionais se preocupem com a utilização de recursos tecnológicos ou com o aprimoramento de técnicas: torna-se necessário o aprimoramento de habilidades, capacidades e competências para oferecer uma assistência mais compreensiva, voltada para a especificidade da criança/adolescente e sua família.

Com o diagnóstico precoce do câncer, minimiza-se o tratamento e maximiza-se a qualidade de vida. Os profissionais que atuam na área oncológica, em especial na pediatria, têm como desafio diminuir as consequências do tratamento agressivo, direcionando o cuidado para a melhoria da qualidade de vida dos sobreviventes, como também, reintegrar o paciente à sociedade de forma não discriminatória para que exerça sua cidadania de maneira plena. O tratamento de câncer afeta a vida dos pacientes em vários âmbitos, não se restringindo ao biológico e atingindo também as esferas social e emocional. Assim, o sobreviver ao câncer compreende o tempo de sobrevida, as condições de vida e os limites impostos pela doença e pelo tratamento, o que torna necessário promover melhor qualidade de vida no período de sobrevivência17.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

No caminho das famílias deste estudo constatam-se uma vez mais a força e a esperança com as quais elas se movem em busca do diagnóstico e tratamento de seus filhos, reforçando a garra e a vontade de fazer valer seus direitos, mesmo que estes nem sempre sejam conhecidos por elas ou reconhecidos por outros. O caminho árduo, a longa peregrinação descrita pelas famílias na luta pela vida, fornece um retrato da realidade aos profissionais, que, a partir dele, podem construir caminhos de cuidados mais solidários e cada vez mais embasados no conhecimento técnico-científico.

De igual forma, identifica-se que, para o diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil e, consequentemente,maiores chances de cura e qualidade de vida adequada, são necessárias ações que impliquem a atuação conjunta das organizações de saúde e dos órgãos de formação dos profissionais,a fim de promover um cuidado integral, já que se percebeu o comprometimento dos princípios de acessibilidade, integralidade e resolutividade. É indispensável que o SUS responda às necessidades da população em todos os seus níveis, oferecendo acesso a todas as modalidades de assistência e aos diferentes tipos de tecnologia, como também melhor formação de seus recursos humanos. Estes precisam conhecer os sinais e sintomas do câncer infantojuvenil e utilizar os recursos disponíveis, não se esquecendo de cuidar do ser humano em sua singularidade, com base nos princípios do cuidado humanizado. Acredita-se que isso ampliará a resolutividade dos problemas de saúde dos indivíduos.

Os profissionais de saúde devem atuar em equipe a fim de oferecer informações e apoio contínuo às famílias, para ajudá-las a enfrentar as situações estressantes, de modo que possam colaborar e participar ativamente do tratamento. Assim se viabilizará o necessário conforto de todos aqueles que estão envolvidos no processo de tratamento, esclarecendo as questões que permeiam o acompanhamento do paciente oncológico.

Este estudo mostra a amplitude e relevância do diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil e traz algumas contribuições para a área de conhecimento. Espera-se que no futuro o termo "diagnóstico precoce" não seja mais usado como uma meta a ser atingida, e sim como um fato inserido nas diferentes realidades e processos de saúde e doença por que uma criança ou adolescente possa vir a passar.

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