versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016ED3780
O perfil demográfico no Brasil e no mundo está se modificando. Se, na década de 1950, víamos uma pirâmide representada nos gráficos dos grupos etários, a tendência para 2060 é que veremos praticamente um retângulo.(1) O que significa que estamos envelhecendo, e os indivíduos com mais de 60 anos no Brasil representarão cerca de 33,7% de toda a população.(2) Um número alarmante para toda a sociedade e, principalmente, para os gestores de saúde pública, que precisam de novas estratégias para suportar o impacto que isto acarretará para todos.
O conhecimento detalhado dos aspectos demográficos, sociais, culturais, econômicos, de saúde, entre tantos outros, quando se fala de determinados segmentos populacionais, como é o caso dos idosos, se faz necessário. Eles adquirem representatividade nas sociedades, e isto deve ser traduzido como o alicerce principal para o estabelecimento de políticas voltadas para atender às demandas desses contingentes, independentemente de estarem tais políticas vinculadas às esferas públicas ou privadas,(3) pois envelhecer diz respeito à toda a sociedade, e não deve haver discriminação de tal população.
Com esta nova realidade, é de se esperar que as doenças próprias da “terceira idade” comecem a ter maior prevalência. É o caso da doença de Parkinson (DP), segunda doença neurodegenerativa com longa sobrevida mais prevalente no mundo, que acomete o indivíduo muitas vezes ainda em sua fase produtiva, geralmente a partir dos 40 a 50 anos, comprometendo sua qualidade de vida e seu envelhecimento, sendo uma das mais caras doenças neurológicas da velhice.(4,5)
No Brasil, a notificação da DP não é compulsória, o que nos leva a números estimados de sua prevalência no país. Fala-se em 220 mil pacientes e há estudos internacionais que sugerem que este número mais que dobrará até 2030.(6) No entanto, por outro lado, se levarmos em conta que, em 2009, o país contava com uma população de cerca de 21 milhões de pessoas de 60 anos ou mais de idade(7) e que, segundo pesquisa feita em cidade do interior de Minas Gerais (MG), o número de doentes de Parkinson representava 3,3% da população com a mesma idade acima,(8) isto infere que temos mais de 630 mil portadores de DP.
Os números são preocupantes, pois os encargos assistenciais que a doença acarreta são enormes. Estes pacientes são os que mais consomem os serviços de saúde, necessitam de medicamentos para o resto da vida, têm maior probabilidade de hospitalizações decorrentes de sua doença ou outro fator correlacionado, e necessitam de cuidados domésticos e alterações em seus lares para sua maior conveniência e segurança. Como o indivíduo pode ainda estar em sua fase produtiva, verifica-se que o custo gerado por ele à sociedade pode durar muitos anos, pois a expectativa de vida para 2030, por exemplo, está estimada em 78,6 anos e, para 2060, de 81,2 anos.(9) Some-se a isto o fato decorrente da crise em que o país se encontra, que “empurra” para o Sistema Único de Saúde (SUS) os indivíduos que não conseguem mais arcar com as despesas de planos de saúde particulares, provocando uma demanda maior do que a usual para o atendimento.
A ação do Estado, no sentido de oferecer à população qualidade de vida, é feita por meio das Políticas Públicas, que são princípios norteadores de ação do poder público, normalmente envolvendo recursos públicos, e formuladas como documentos (leis, programas, linhas de financiamento).(10,11) Dentre estas Políticas Públicas, estão as Políticas de Saúde, que são voltadas para a proteção social.
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Atenção à Saúde, publicou portaria (portaria 228, de 10 de maio de 2010)(12) especialmente voltada para estabelecer parâmetros sobre a DP no Brasil e suas diretrizes para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença. Esta portaria atesta a importância dessa doença na população (idosa) brasileira pelo Governo Federal, sendo um dos marcos legais para a orientação das ações no campo do envelhecimento, estando inserida nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.(13)
Muitos benefícios e direitos são assegurados aos doentes de Parkinson (bem como a outros deficientes) e, muitas vezes, são desconhecidos pelos próprios pacientes e/ou seus familiares, e também pelos profissionais que lhes acompanham e que podem contribuir para melhorar sua condição e qualidade de vida. Podemos citar aqui alguns, como a dispensação de medicamentos para a doença, assim como para outras comorbidades a ela relacionadas; auxílio doença e, posteriormente, a aposentadoria pela previdência social, e, ao valor desse benefício, acréscimo de 25% quando o segurado necessitar de assistência permanente de outra pessoa, o que depende da constatação por meio de perícia médica do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS); amparo social no valor de um salário mínimo, desde que a renda familiar mensal (per capita) seja inferior a um quarto do salário mínimo; isenção do imposto de renda dos rendimentos que sejam relativos à aposentadoria, pensão ou reforma (outros rendimentos não são isentos), incluindo a complementação recebida de entidade privada e a pensão alimentícia, recebidos por portadores da DP; liberação do rodízio de veículos em vigor na cidade de São Paulo (SP), aos parkinsonianos residentes na capital paulista; os doentes que comprovarem renda de um salário mínimo podem viajar de um Estado a outro de ônibus, trem ou barco, sem pagar passagem intermunicipal; isenção de até 30% sobre os impostos, para compra de veículos novos ou usados.(14–16)
O doente de Parkinson também pode usufruir de todos os benefícios que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência(17) assegura, desde que haja avaliação da deficiência, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, quando necessário.
Apesar das ações acima descritas serem recentes e pertencerem aos programas do governo com o objetivo de viabilizar os objetivos propostos, e muitas delas são de fato concretas, observamos que algumas conquistas ainda se dão por iniciativa de associações filantrópicas, entidades religiosas e/ou organizações não governamentais. Ainda que contem com o apoio da própria população interessada, seus familiares e amigos têm caráter pontual, atendendo a pequena parcela de pacientes.
Nesse contexto, destacamos as mais de 30 associações não governamentais espalhadas pelo país, voltadas para o interesse e o atendimento ao doente de Parkinson, que, na maioria das vezes, mantêm-se com recursos próprios, além de alguns patrocínios de empresas privadas, doações ou ações particulares que garantem sua subsistência.
Precisamos, então, não só estar atentos aos aspectos quantitativos que a transição demográfica nos apresenta, como também aos aspectos qualitativos, e o paciente vem em primeiro lugar. Estamos vivendo mais, em decorrência das transformações da vida da população nos âmbitos social, econômico e cultural, sugerindo novos olhares e planejamentos, com melhora substancial dos parâmetros de saúde. Porém, não basta viver mais, é necessário agregar qualidade aos anos adicionais de vida.
Hoje, envelhecer não é mais um privilégio. É uma realidade. E, se envelhecer sem doenças crônicas é uma exceção, ter a doença não significa necessariamente exclusão social.(7) Portanto, que se façam valer as Políticas Públicas existentes, para que o idoso, mesmo com doenças crônicas, como a DP, alcance de forma justa e democrática a equidade estabelecida nas leis. Que ele tenha mais qualidade de vida para preservar sua autonomia por mais tempo, diminuindo, em contrapartida, seu custo para o Estado e a sociedade.