versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 15-Jul-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190080
Recentemente, um novo e inovador medicamento tem sido prescrito a pacientes com insuficiência cardíaca. O sacubitril/valsartana é uma nova modalidade de medicamento que promove uma redução de 16% na mortalidade, 20% na mortalidade cardiovascular e 21% nas internações hospitalares por insuficiência cardíaca. O benefício é clinicamente relevante, e o ensaio clínico que demonstrou tal benefício alcançou significância estatística sem precedentes.1
O mecanismo de ação do sacubitril/valsartana combina o conhecido efeito vasodilatador da valsartana associado ao efeito inibitório do sacubitril sobre a neprilisina (NEP), o que resulta em níveis aumentados de peptídeos natriuréticos, ação aumentada de peptídeos natriuréticos endógenos nos tecidos alvos pelo aumento da meia vida nos tecidos, e consequentemente aumento no efeito vasodilatador, antiproliferativo e natriurético.1
Apesar de a abordagem atual de se substituir o enalapril por sacubitril/valsartana possa parecer apenas uma substituição de vasodilatadores em pacientes com insuficiência cardíaca, a adição do efeito natriurético do sacubitril pode na verdade representar o agente condutor dos benefícios clínicos. A favor desse conceito, podemos fazer alguns comentários:
a. A hipotensão, mais frequentemente observada em pacientes que recebem sacubitril/valsartana que naqueles que recebem enalapril, poderia estar associada com a hipovolemia causada pelo efeito natriurético do sacubitril;
b. Pacientes que receberam valsartana (160 mg duas vezes por dia) no ensaio Val-HEFT trial2 não mostraram o mesmo benefício sobre a mortalidade ou sobre eventos adversos hipotensivos demonstrados no estudo PARADIGM-HF (sacubitril/valsartana 97/103 mg duas vezes por dia).
c. Uma análise post hoc dos dados do estudo PARADIGM-HF revelou que o aumento na dose média de furosemida foi menor no grupo que recebeu sacubitril/valsartana em comparação àquele que recebeu enalapril, e que a dose mediana de furosemida aumentou somente no grupo que recebeu enalapril.3
Já está bem estabelecido, a partir de estudos observacionais e meta-análises, que doses aumentadas de diuréticos estão associadas a um pior prognóstico de pacientes com insuficiência cardíaca. Apesar dos vieses inerentes a estudos observacionais, é biologicamente plausível que os diuréticos sejam potencialmente prejudiciais devido ao aumento dos níveis plasmáticos de renina, ao efeito vasoconstritor e ao efeito hipocalêmico. Um dos poucos ensaios clínicos conduzidos com diuréticos em pacientes com insuficiência cardíaca, o estudo DOSE, mostrou maior toxicidade renal associada a maiores doses de furosemida. A redução na dose de diuréticos associada à terapia com sacubitril/valsartana pode ser um efeito secundário desejado desse composto em pacientes com insuficiência cardíaca.4,5
Nesse sentido, estudos sobre a retirada de diuréticos são necessários. O estudo REBIC (REde Brasileira de Insuficiênia Cardíaca) está em andamento, e pretende ser o maior ensaio clínico já realizado que avalie os efeitos da retirada de diuréticos em pacientes ambulatoriais com insuficiência cardíaca.6 Um subgrupo de pacientes que receberam sacubitril-valsartana será comparado com pacientes que receberam inibidores de enzima conversora de angiotensina/bloqueador de receptor de angiotensina quanto à tolerância da retirada do diurético.
Na ausência de outros dados disponíveis, recomenda-se uma maior atenção no status de volume dos pacientes e a prática de um limiar mais baixo para a diminuição ou mesmo a retirada de diuréticos em pacientes com insuficiência cardíaca recebendo sacubitril/valsartana.