versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.3 Rio de Janeiro 2018 Epub 11-Jun-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0169
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é um grave problema de saúde pública no Brasil e no Mundo. Sua prevalência no Brasil varia de 22% a 44% para adultos (32%, em média), chegando a mais de 50% para pessoas de 60 a 69 anos e 75% naquelas de mais de 70 anos.1 Quando não controlada adequadamente, aumentam-se os riscos de complicações e os custos socioeconômicos decorrentes de tratamentos incorretos.
Os profissionais da Atenção Básica (AB) têm importância primordial nas estratégias de prevenção, diagnóstico, monitorização e controle da hipertensão arterial. Devem também, ter sempre em foco o princípio fundamental da prática centrada na pessoa e, consequentemente, envolver usuários e cuidadores, em nível individual e coletivo, na definição e implementação de estratégias de controle à hipertensão.2
No Brasil, a reorganização do modelo assistencial pautada na AB, tendo como foco a Estratégia Saúde da Família (ESF) e sedimentada sob a lógica da produção do cuidado integral, deve ser permeada pelo uso das tecnologias leves que fortalecem a escuta sensível, o vínculo, o respeito mútuo, a autonomia e as práticas de acolhimento. A ESF3 tem impulsionado a produção do cuidado mediante estabelecimento de vínculo entre família e equipe de saúde, por meio da escuta e participação do usuário no planejamento e intervenções das ações realizadas, apropriando-se do uso de tecnologias em saúde que contribuam para a autonomia do usuário e substitua o ato mecânico e frio do cuidado.
Nota-se, então, que na ESF a enfermeira busca empregar esses dispositivos para trabalhar uma abordagem mais ampliada no cuidado em saúde, com a finalidade de melhor atuar e agir nas práticas do cuidar e nas relações interpessoais. A prática de cuidado4 da enfermeira requer a utilização de tecnologias com maior ênfase nas tecnologias relacionais, uma vez que são primordiais para maior diálogo com os usuários dos serviços de saúde, possibilitando que a enfermeira consiga conhecer as expectativas destes no que se refere às suas práticas.
Percebe-se, então, que o cuidado produzido pelos profissionais que atuam na ESF, nem sempre retrata a valorização dessas tecnologias, sendo marcante o uso das tecnologias leve-duras e duras que, na maioria das vezes, não têm representado diminuição da prevalência da hipertensão e melhoria da qualidade de vida dos usuários.5 Atrelado a esse quadro, dificulta o controle dos níveis pressóricos e a redução das complicações que comprometem a saúde dos hipertensos. Aponta-se, então, a necessidade desses profissionais se apropriarem das tecnologias leves na produção do cuidado, cotidianamente, para fortalecer os processos relacionados junto aos hipertensos.
Sendo assim, a abordagem dessa temática é considerada um impasse na Saúde Pública, pois os usuários com DCNT, em especial, os hipertensos atingem segmentos de outros setores da saúde quando não há o controle adequado dos níveis pressóricos e impacta significativamente na sua saúde e no processo de trabalho dos envolvidos diretamente na produção do cuidado. Esses desdobramentos mostram-se como desafios a serem trabalhados pelos profissionais de saúde que devem impulsionar as tecnologias leves na ESF abrindo caminhos na utilização de novas habilidades de comunicação e na produção do cuidado em saúde. Diante disso, justificamos nosso interesse em produzir este artigo, pela importância do uso das tecnologias relacionais nas práticas de produção de saúde.
As tecnologias leves revelam as habilidades de comunicação verbais e não verbais, a capacidade de vínculo afetivo e as atitudes em relação aos usuários que melhoram a qualidade do atendimento e sua resolutividade.6 A comunicação, sendo realizada eficazmente, procura assumir a criação de um vínculo, com base na confiança e no respeito, atendendo integralmente à pessoa.7
Desse modo, esses dispositivos relacionais devem sobressair sobre as tecnologias leves-duras e duras no cuidado ao hipertenso, com o propósito de fortalecer vínculos, reunindo práticas que fortaleçam as trocas comunicacionais e as interações interpessoais, substanciais nas práticas do acolhimento e na humanização da assistência à saúde.
No campo da saúde, não8 há interação sem comunicação e ambas são inerentes ao cuidado, sendo habilidades necessárias de serem desenvolvidas para que o cuidado se efetive. Necessário9 se faz o uso consciente da competência em comunicação humana para o bem-estar de quem necessita de cuidado à saúde, quaisquer que sejam seu local de atendimento e os resultados esperados.
No processo relacional, os profissionais da ESF, principalmente a enfermeira, procuram produzir um cuidado pautado numa comunicação clara e compreensível, direcionado para o fortalecimento das tecnologias relacionais e de ações promotoras da saúde, imprescindíveis à produção do cuidado integral.
O cuidar da enfermeira deve ser norteado pela dimensão ética e pela centralidade da relação com o outro, de modo a contribuir para a construção de relações subjetivas e transformadoras que propiciem qualidade de vida aos usuários na perspectiva da integralidade do cuidado.4 Assim sendo, esses profissionais devem se espelhar no trabalho da enfermeira dentro da ESF que procura conceber melhoria nas abordagens comunicacionais e no aspecto relacional das interações para fortalecer a produção do cuidado da população assistida.
A relevância de abordar o emprego das tecnologias leves no cuidado ao hipertenso parte da assertiva de que esse aparato tecnológico nunca é parco, encontra-se sempre em processo, agindo mutuamente no momento em que o cuidado é ofertado a esse público. Além disso, é imprescindível à qualidade da atenção prestada aos usuários de HAS. Partindo dessa premissa, este trabalho teve como objetivo: analisar o emprego das tecnologias leves no cuidado ao hipertenso na Estratégia Saúde da Família.
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, resultado de um recorte de dissertação, tendo como cenário uma equipe de Saúde da Família, em um munícipio do interior do estado do Ceará, Brasil.
No município, o processo de implantação da Atenção Básica iniciou-se em 2000, ocorrendo, gradativamente, a substituição do modelo de saúde até então vigente, com o intuito de ampliar a extensão da sua cobertura, em virtude dos novos rumos direcionados à saúde do País. Atualmente, apresenta sete equipes de Saúde da Família (eSF), quatro equipes de Saúde Bucal (eSB) e um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), para dar suporte matricial às equipes da Estratégia Saúde da Família. Possui uma população estimada de 16.070 habitantes e dista da Capital do Ceará, Fortaleza, 585 km. Está inserido na Macrorregião do Cariri e na 20ª Microrregião do Crato, Ceará.
A população do estudo foi composta por 14 hipertensos e dois profissionais da ESF. Para os usuários, estabeleceram-se como critérios de inclusão: estarem cadastrados na Unidade de Saúde; residirem na área de abrangência da ESF; terem acompanhamento regular por, pelo menos, seis meses consecutivos; e de exclusão: apresentarem perturbações cognitivas e serem acamados. O critério de inclusão para os profissionais foi: atuarem na Estratégia Saúde da Família há, pelo menos, um ano; e de exclusão, estarem afastados do trabalho, por motivo de férias e/ou licença.
Os dados foram coletados no período de abril a maio de 2016, por meio da observação sistemática não participante, utilizando um checklist contendo os grupamentos das estratégias de comunicação terapêutica: expressão, clarificação e validação,9 subsidiada por um diário de campo para registro das informações referentes às observações e outras anotações percebidas em relação ao emprego das tecnologias relacionais. Cada participante foi observado, em média, por 15 minutos, totalizando 210 minutos de registro. Para manter o anonimato dos participantes, os hipertensos foram representados por emoções e sentimentos, como alegria, leveza, simpatia, preocupação, dentre outros, conforme as condições nos quais se encontravam no momento das consultas. Os profissionais foram identificados pelo uso das siglas (E - Enfermeiro) e (M - Médico).
Antes da coleta de dados, os participantes foram consultados sobre o interesse e a disponibilidade de participação na pesquisa, sendo esclarecidos sobre os objetivos e a condução do estudo e, em seguida, convidados a assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias, aclarando estarem cientes da finalidade da pesquisa e concedendo o uso das informações coletadas para fins científicos.
O material empírico advindo das observações e das anotações no diário de campo foi codificado e analisado qualitativamente, mediante Análise de Conteúdo Temática,10 seguindo as três etapas: a pré-análise, que corresponde à escolha do material a ser utilizado; exploração do material, que consiste na operação de codificação; tratamento dos resultados obtidos e interpretação, que coloca em relevo as informações obtidas, propõe inferências e realiza interpretações previstas no seu quadro teórico.
O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), de acordo com os princípios da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que rege as pesquisas que envolvem seres humanos,11 obtendo parecer favorável, conforme protocolo nº 1.506.165/2016 e CAEE: 50475315.5.0000.5534.
Do total da amostra estudada, em relação aos hipertensos, a maioria (86,0%) era pertencente ao sexo feminino. Os extremos de idade foram 39 a 72 anos, sendo a média de 59,5 anos. No tocante a situação conjugal, 57,0% eram casados. A quase totalidade dos entrevistados (71,4%) era composta por analfabetos. Em se tratando dos profissionais de saúde, tinham de dois a quatro anos de experiência profissional na Estratégia Saúde da Família. Por esses achados na pesquisa, em relação aos hipertensos, observou-se a necessidade de fortalecer o processo comunicativo para minimizar os riscos à saúde advindos da pressão arterial não controlada, bem como prevenir outros agravos cardiovasculares. No tocante aos profissionais de saúde, necessário se faz que esses sujeitos se sensibilizem e debatam sobre o fortalecimento dessas tecnologias nos processos de trabalho.
Utilizando a Análise de Conteúdo Temática, emergiram duas categorias, a saber: Tecnologias relacionais no cuidado ao hipertenso na ESF e processo de comunicação entre profissional de saúde-hipertenso na ESF, por meio dos registros no checklist e dos recortes considerados relevantes no diário de campo, como uma palavra, uma frase, um gesto, permitindo catalogar, refletir e destacar fatos importantes apresentados no decorrer da pesquisa, estando demonstradas a seguir:
As observações mostraram que, ao longo das consultas médicas e de Enfermagem, a prática do cuidado foi regada de elementos contributivos à qualidade da assistência prestada aos hipertensos, sendo permeada pela escuta receptiva, empatia, respeito mútuo e confiança, evidenciando-se por meio de relações harmoniosa, acolhedora e humanizada.
No serviço estudado, visualizamos profissionais de saúde que procuram "colocar-se no lugar do outro", projetando-lhes aquilo que queriam receber caso as situações fossem contrárias, demonstrando carinho e compreensão, buscando sentir o que eles sentem e pensar o que eles pensam. Isto foi evidenciado principalmente nas consultas de Enfermagem, manifestadas pelos relatos:
Leveza - A doutora me escuta [...]
E - A senhora só sai quando finalizar o que começou [...]
Paz - Estou com a pressão alta hoje.
E - Algum problema? A senhora quer me dizer o que aconteceu?
Tão logo, retratamos pelas falas atitudes favoráveis na interação profissional de saúde-hipertenso, por meio de escuta sensível, empática, respeitosa, confiável e acolhedora. Refletir sobre esses encontros possibilita perceber que as relações interpessoais e as condutas ante o tratamento são permeadas por um cuidado humanizado que direciona, de forma significativa, no atendimento às necessidades e prioridades dos hipertensos.
Depreendemos, então, que a utilização das tecnologias leves se torna imprescindível, pois fortalece o relacionamento terapêutico, permitindo maior interação entre profissionais de saúde e usuários, contribuindo, positivamente, no tratamento e cuidado direcionado aos hipertensos.
Na prática do cuidado de enfermagem, o profissional utiliza essas tecnologias aliadas às práticas do cuidado que embasam a profissão. Dessa forma, o cuidado como inerente ao ser humano, que considera suas necessidades e o auxilia no enfrentamento frente às dificuldades da enfermidade para, então, promover a sua saúde.12
O serviço de saúde deve se organizar para assumir sua função central de acolher, escutar e oferecer uma resposta positiva, capaz de resolver a grande maioria dos problemas de saúde da população, ou ainda se responsabilizar pela resposta, ainda que esta seja ofertada em outros pontos de atenção da rede.13 Assim, o uso das tecnologias leves nos serviços de saúde possibilita a realização de um trabalho que considera as singulares e subjetividades dos envolvidos no processo do trabalho em saúde, devendo ser utilizada por todos os profissionais da ESF tanto individual, como coletivamente.
O profissional que se move pela ética do cuidado caminha com a pessoa de quem cuida, fazendo conviver nos encontros a técnica, a efetividade e a eficácia em um clima de empatia e cuidado para promover sua saúde.14 Nessa ótica, averígua-se a comunicação empática pela Enfermeira, valorizando os hipertensos como sujeito ativo na produção do autocuidado, na promoção da autonomia e na independência para realizar as práticas do cuidar. A capacidade de empatia9 está intimamente relacionada aos sentimentos de confiança, envolvimento emocional e respeito mútuo que ocorrem no relacionamento interpessoal.
Destacamos nas observações que no processo de trabalho da ESF não se evidenciou situações de "ironias", "desprezos", "julgamentos", "jargões", "culpabilização" e "desatenção" dos profissionais de saúde na abordagem aos hipertensos. Identificamos momentos de escuta receptiva, vínculo e acolhimento, que contribuem para maior interação entre interação interpessoal, potencializando a produção do cuidado.15
Formas inovadoras de cuidado têm sido desenvolvidas, com destaque para a escuta qualificada, tecnologia leve que envolve relações do tipo diálogo, vínculo, acolhimento.16 Em um estudo17 realizado no Município de Fortaleza com profissionais e usuários da atenção básica, foi evidenciado que as tecnologias leves são uma forma de gerenciamento do trabalho nas relações que consequentemente desvela uma interação geradora de vínculos, ou seja, de "laços" que fortalecem o contato humanizado entre o profissional de enfermagem e usuário do serviço.
Nesse sentido, depreendemos a importância da incorporação das tecnologias leves nos processos de trabalho dos profissionais que atuam na ESF, pois potencializam os encontros entre os envolvidos, fortalecem os vínculos e melhoram as práticas assistenciais em saúde. Esperamos18 que a produção do cuidado realizada pelos profissionais das ESF perpasse uma visão mais ampliada de saúde, para que, em suas práticas cotidianas, o cuidado integral possa se tornar uma realidade mais próxima de ser alcançada.
Deve-se, ainda, destacar que situações de angústias e sofrimentos foram demonstradas nas falas dos hipertensos, como "[...] tem me dado muito trabalho [...]. Sofro com isso [...]." Embora se perceba no cotidiano dos serviços da ESF, uma demanda maior de atendimentos de enfermagem a usuários poliqueixosos, evidenciamos a sua preocupação ante as queixas dos hipertensos, solidarizando-se e sendo sensível aos problemas relatados, por meio de uma assistência acolhedora e humanizada.
No âmbito do cuidar, o emprego das tecnologias leves contribui para um atendimento planejado, eficaz e de qualidade. O uso dessas tecnologias19 leves deve assumir comando da produção do cuidado, servindo como dispositivo potencializador para uma lógica de trabalho que valorize as subjetividades e as singularidades dos sujeitos envolvidos no processo de trabalho.
O acolhimento e a humanização recriam possibilidades no cuidar, fortalecendo o vínculo, a amorosidade e a interação interpessoal. A Política Nacional de Humanização20 (PNH) propõe um atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com o acolhimento, promovendo a melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais.
Visivelmente, observamos práticas acolhedoras, humanizadas e momentos reflexivos e vivenciais que aprimoram o cuidado em saúde. Ainda assim, evidenciamos uma atenção centrada na doença, medidas prescritivas e orientações para controle adequado da HAS, sendo necessários avanços na dimensão do cuidar. Isto pode ser visualizado nas seguintes narrativas:
M - A senhora recebeu as orientações sobre o tratamento da pressão alta, como tomar as medicações corretamente, a dieta adequada e a importância das caminhadas para melhorar sua condição de saúde.
Paz - Fica em silêncio, ouvindo o doutor.
M - Vou explicar e desenhar na receita os horários que a senhora deve tomar a medicação [...].
E - O senhor ao sair daqui passa na recepção para agendar a consulta com a fisioterapeuta. Depois vá ao hospital para marcar esses exames. Quando fizer, volte aqui para me mostrar.
Pelos depoimentos, reiteramos que na unidade estudada, no processo de cuidado, ainda prevalece o uso de tecnologias leveduras e duras, mesmo havendo uma relação com vistas à promoção do vínculo, respeito e confiança nas interações de profissionais com hipertensos. Nesse sentido, necessário se faz potencializar as tecnologias leves na ESF para impactar, positivamente, nas relações intra e interpessoais e, ainda, colaborar para um cuidado integral e individualizado, tendo como foco o compromisso, a corresponsabilização e o autocuidado de cada usuário.
Sendo assim, os profissionais de saúde devem se instrumentalizar das tecnologias leves para fomentar o trabalho vivo em ato, com o intuito de produzir saúde e proporcionar um cuidado integral aos usuários. Trabalhar sob essa ótica fortalece a ambiência relacional e permite a criação de espaços que permitem novas possibilidades nas práticas do cuidar. Então, os elementos demonstrados na Figura 1 reforçam a importância das tecnologias leves na produção do cuidado.
Parte das mudanças na produção do cuidado está na governabilidade dos profissionais que atuam nas equipes de Saúde da Família, tendo como suporte o trabalho vivo em ato, pois a efetivação21 da tecnologia leve do trabalho vivo em ato na saúde é expressa como 'relações intercessoras' que estão na produção do trabalho - descrito como ato de cuidar - e consumo (do cuidado) que ocorrem ao mesmo tempo. Portanto, a produção17 desse tipo de tecnologia acontece no momento de encontro entre o profissional e o usuário na oferta de serviços de saúde, denominando essa produção como trabalho vivo em ato.
O emprego dessas tecnologias leves em cooperação com o trabalho vivo em ato é um sustentáculo fundamental à produção do cuidado, fortalecendo os vínculos, o respeito mútuo e a confiança, sendo potencializado pela abertura de espaços de escuta e criação de ambientes acolhedores e humanizados que valorizam as subjetividades e singularidades dos hipertensos.
A comunicação verbal esteve presente em todos os momentos de interação profissional de saúde-hipertenso, conforme os relatos a seguir:
E - Que bom! A senhora está fazendo a dieta recomendada pela nutricionista.
Alegria - Sim, doutora. E estou me sentindo muito bem [...]
Carisma - Doutora, a senhora pode ver meus exames?
E - Posso sim [...]. Estão bons. Parabéns! Desejo muita saúde para você.
Tranquilidade - Nós tomamos o remédio direitinho, todos os dias [...]
M - Nós. De quem o senhor está falando?
Tranquilidade - De mim e da minha velha.
Depreendemos, então, a valorização da comunicação verbal entre os agentes envolvidos para atender, significativamente, as necessidades e prioridades dos hipertensos. Quando o processo comunicacional acontece de forma eficaz e completa, é possível estabelecer vínculos e estreitar os laços com os usuários, facilitando o diagnóstico e medidas terapêuticas adequadas.
No campo da saúde, mais precisamente na área da enfermagem, a comunicação se constitui um fio condutor para a promoção do cuidado humanizado transcorrendo por meio de um processo dinâmico, que pode ser expresso por suas dimensões verbal e/ou não verbal, envolvendo percepção, compreensão e transmissão de mensagens.22 Para uma comunicação ser efetiva, devem ser levados em conta não somente aspectos verbais, como também não verbais.23
Dessa forma, evidenciamos que a comunicação verbal manifesta-se permeada por uma postura terapêutica, consumando-se numa assistência à saúde mediada pela constituição de orientações e intervenções que buscam atender às necessidades de saúde dos hipertensos.
Considerando a importância da comunicação durante o processo relacional, observamos orientações adequadas pelos profissionais de saúde, de forma acolhedora e humanizada, mas ainda numa interatividade unidirecional, como representado na seguinte narrativa:
M - A senhora recebeu as orientações sobre o tratamento da pressão alta, como tomar as medicações corretamente, a dieta adequada e a importância das caminhadas para melhorar sua condição de saúde.
Paz - Fica em silêncio, ouvindo o doutor.
Pelas observações na unidade pesquisada, evidenciamos a necessidade dos profissionais da ESF superar os desafios expressos nas trocas comunicacionais, buscando suplantar esse modelo que compromete as tecnologias relacionais. Quando se estabelece relações interpessoais bidirecionais, contribui para um agir positivamente na assistência à saúde prestada aos hipertensos.
Considerando a comunicação interpessoal como um processo bidirecional que depende tanto do emissor quanto do receptor da mensagem, torna-se necessário que o profissional, ao cuidar da família, decodifique corretamente sinais corporais de afastamento e insegurança, interprete o silêncio de maneira adequada, bem como se expresse adequadamente, com postura corporal aberta e disponível, demonstrando segurança pelo tom de voz e pela escolha adequada das palavras, em um local tranquilo e reservado.24
Nessa linha de pensamento, é notória a necessidade premente dos profissionais de saúde da ESF vislumbrar novas formas de cuidado, fortalecendo as relações dialógicas entre os envolvidos no processo, concentrando atenção e esforços para o modelo de comunicação bidirecional.
É preciso que haja transformação do processo de trabalho em saúde na perspectiva da efetivação dos princípios e diretrizes do SUS, o que envolve, dentre outros aspectos, a necessidade de reconstruir a relação entre os sujeitos que fazem o cotidiano dos serviços de saúde, realidade esta, atrelada ao processo de comunicação entre profissionais e usuários.25 Necessário se faz preparo técnico e humano dos profissionais envolvidos.26 As interações verbais jamais ocorrem sozinhas, pois sempre há o diálogo entre o verbal e o não verbal, não existindo comunicação verbal sozinha.29
Uma das modalidades de comunicação não verbal presentes nas observações foi a paralinguagem, demonstrado por meio de grunhidos "ahhh", "hum", "suspiros", acompanhada por um relacionamento interpessoal dócil e tranquilo. Nesse entremeio, evidenciamos que os profissionais utilizam tom de voz apropriado nas palavras expressas, entretanto, necessitam compreender as diversas situações retratadas pelos usuários, como tossir, sorrir, silenciar, para evitar incompreensões no processo comunicativo.15
As manifestações do corpo como "movimentar os braços", "menear a cabeça", franzir a testa", não foram devidamente valorizadas durante as relações interações na produção do cuidado, necessitando de um olhar diferenciado por parte dos profissionais de saúde em relação às mensagens corporais, pois podem representar raiva, ansiedade, impaciência, medo, entre outras expressões emblemáticas.15
Necessário se faz compreender essas mensagens, não apenas por trazer informações sobre as pessoas, mas também porque o nosso corpo é um importante centro de informações.27 Compreendê-las torna a relação interpessoal mais consistente e eficaz, pois reduz as situações de estresse, ansiedade e outras dificuldades no momento em que se operacionaliza a interação. É com base22 nessa interação com o outro que o ser humano se constitui.
Nas pessoas de quem cuidamos, a comunicação sempre existe, quer pelo seu olhar, pela expressão da sua face, pelos seus gestos e suas palavras, quer até pelo modo como ocupam o seu ambiente.28 Dentro desse contexto, a enfermeira busca se instrumentalizar dessas modalidades de comunicação para melhor direcionamento na produção do cuidado, com vistas a atender as necessidades dos usuários em todas as suas dimensões, fundamental para a oferta de uma assistência à saúde integral, acolhedora e humanizada.
Em se tratando da linguagem proxêmica, visualizamos na interação profissional de saúde-hipertenso representada por uma distância pessoal. A distância estabelecida entre profissionais de saúde e hipertensos é algo relevante nas trocas comunicacionais, pois15 dar atenção, fixar o olhar no usuário, observar, respeitar as diferenças e fortalecer as relações espaciais transmitem confiança, segurança e conforto, fundamentais para facilitar a interação.
O contato e o diálogo frente a frente contribuem para uma assistência de qualidade, valorizando os hipertensos em sua dignidade, possibilitando melhor conhecimento sobre as suas reais necessidades e permitindo uma análise detalhada e acompanhamento adequado desses usuários.
Na linguagem tacêsica, evidenciamos o toque instrumental no momento da aferição da pressão arterial por outros profissionais da equipe de saúde. Demonstrações de apoio, carinho e conforto foram observadas durante as consultas médica e de Enfermagem, mas o abraço, o aperto de mãos, o toque nas mãos, braços e ombros, que demonstrassem trocas comunicacionais afetivas não estiveram presentes nas observações.
Existem vários tipos de toques e um deles é o expressivo e afetivo, que tem a finalidade de demonstrar carinho, empatia, apoio, segurança e proximidade em relação à pessoa. O toque instrumental constitui o contato físico deliberado necessário para o desempenho de uma tarefa específica, exemplificando, fazer um curativo e injetar uma medicação.27 Esse artefato numa relação terapêutica contribui para o estabelecimento de vínculo, diálogo e cuidado entre os sujeitos envolvidos no processo comunicativo, proporcionando-lhes apoio e segurança, favorecendo a elevação da autoestima dos hipertensos.
Diante disso, é imprescindível a percepção, a compreensão e a valorização da comunicação não verbal, uma vez que ela se constitui um instrumento que possibilita a realização de um cuidado pautado na humanização.22 No entanto, os profissionais da unidade pesquisada necessitam apoderar-se melhor dessa modalidade de comunicação para implementar medidas adequadas na assistência prestada aos hipertensos, ampliando o processo comunicacional sob a perspectiva da intersubjetividade.
Isto exige treino e disposição, pois apenas o conjunto dos sinais possibilita a percepção fidedigna da mensagem. Reconhecer isso se faz necessário, uma vez que, para interpretar a comunicação do outro, é preciso saber lidar com a sua maneira de se comunicar.27
Na unidade estudada, ainda prevalece à comunicação verbal, em detrimento da linguagem não verbal, que é capaz de valorizar o outro e suas expressões faciais, gestuais e corporais. Compreender a sua essência na interação profissional serve de sustentáculo no processo do cuidar, intensificando-se pela utilização das tecnologias leves que fortalece o potencial do relacionamento terapêutico.
O momento urge por mudanças por parte dos profissionais da saúde que desempenham suas atividades na Estratégia Saúde da Família para um novo modo de compreender o processo de trabalho em saúde e as relações que se estabelecem entre serviços, profissionais e usuários.
Reforçamos, então, que os profissionais de saúde que atuam na unidade estudada necessitam apoderar-se, adequadamente, das habilidades de comunicação e das tecnologias leves para promover mudanças no trabalho em saúde, fomentando uma comunicação eficaz que fortaleça o processo relacional entre os sujeitos envolvidos na produção do cuidado em saúde, tanto de maneira individual, como coletivamente.
Os resultados desta pesquisa apontaram que a produção do cuidado é permeada por relações acolhedoras e harmoniosas, disseminadas pelo emprego de aparatos tecnológicos contributivos à qualidade das ações de saúde dispensados aos hipertensos - as tecnologias relacionais, em especial, pela Enfermeira, que potencializa a qualidade nas práticas de saúde pela sua essência na dimensão do cuidado humanizado.
Nesse modo de cuidar da saúde, além do uso das tecnologias leves, percebemos as tecnologias leves-duras e duras nos encontros nos diferentes espaços do cuidar, depreendendo-se a necessidade de os profissionais que atuam na ESF instrumentalizarem as tecnologias leves no trabalho vivo em ato para revitalizar o cuidado direcionado aos hipertensos e fortalecer o trabalho em equipe, com o intuito de produzir transformações nos sujeitos, valorizando as singularidades e subjetividades desses usuários.
Ressaltamos ainda que, em relação às trocas comunicacionais, os profissionais utilizam as linguagens verbal e não verbal nas práticas do cuidado em saúde. A comunicação verbal foi o alicerce para potencializar o saber-fazer na saúde, demonstrada por meio do apoio, confiança, respeito e segurança entre os sujeitos envolvidos no processo relacional. Em se tratando da comunicação não verbal, esta foi evidenciada pelo toque instrumental nos momentos da aferição da pressão arterial.
Assim, registramos a necessidade de os profissionais sedimentarem as tecnologias leves na ESF, pois abrem caminhos que potencializam as habilidades direcionadas à comunicação e à produção do cuidado. Queremos destacar que, estabelecer aproximação entre a comunicação bidirecional e as tecnologias leves permite maior eficiência nas ações e serviços ofertados pela ESF. Assim sendo, essas ferramentas devem ser exploradas por todos que atuam na AB para ampliar os diálogos na abertura de espaços que fortaleçam as práticas do cuidado e as relações interpessoais.
O estudo apresentou como limitação o fato de ter sido aplicado apenas em uma unidade de saúde do município, inviabilizando atingir a totalidade de todos os profissionais que atuam na ESF e, assim, comparar com outros estudos de maior dimensão. Sendo as tecnologias leves do trabalho vivo em ato na saúde essenciais para fortalecer a produção do cuidado por meio de habilidades de comunicação eficazes e apropriadas, intencionamos manter o diálogo sobre as tecnologias das relações para instigar transformações nos espaços do cuidado em saúde.
É oportuno ressaltar que este estudo pode trazer contribuições ao ensino e à pesquisa, permitindo aumentar o leque de conhecimentos de graduandos e pós-graduandos, principalmente, profissionais da Enfermagem, que almejam, continuamente, construir novos saberes para melhor atuar nas práticas de saúde. Na assistência, poderá contribuir para os profissionais que atuam na ESF se apropriarem desses aparatos tecnológicos para trabalhar com novas maneiras de produzir o cuidado em saúde à população. Sugere-se a realização de outras pesquisas, tendo em vista que essa temática, ainda projeta muitas reflexões que precisam ser dissecadas para maior aproximação entre profissional de saúde-usuário e melhor compreensão das necessidades desses usuários.