versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.1 São Paulo jul. 2019 Epub 08-Ago-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190122
Desde a primeira publicação do Escore de Risco Framingham no final dos anos 50, derivado de dados obtidos em um estudo observacional para investigar fatores de risco cardiovascular, vários outros escores de risco foram criados em todo o mundo e têm se tornado cada vez mais populares, particularmente nos últimos 10 a 20 anos, em medicina cardiovascular. O objetivo de um escore de risco é individualizar o risco para um certo paciente através do uso de equações funcionais baseadas em múltiplos fatores de risco. Pacientes de alto risco devem ser submetidos a intervenções específicas para melhorar o desfecho.
Apesar deste enorme aumento no desenvolvimento de escores de risco, a maioria não foi implementada na prática clínica. De fato, muitos modelos mostraram baixo desempenho preditivo (conforme avaliado por sua calibração e discriminação) e alguns são mal relatados ou foram desenvolvidos utilizando métodos inadequados. Por essa razão, diretrizes internacionais foram criadas para o adequado desenvolvimento e relato de modelos preditivos.1 Para que esse objetivo seja alcançado, ele deve incluir uma seleção adequada da coorte de desenvolvimento, metodologia adequada para seleção de variáveis e uma validação adequada, tanto interna quanto externa. De fato, a validação externa é particularmente importante, porque testa o desempenho de um modelo preditivo em uma coorte diferente de pacientes independentes, onde eles geralmente têm um desempenho menos satisfatório. Também pode permitir a comparação com outros instrumentos de estratificação de risco. Este passo é essencial para uma implementação segura na prática clínica.
A estratificação de risco é importante porque as populações são heterogêneas e apresentam um amplo espectro de risco. Atualmente, há tratamentos muito caros e potentes, também com risco aumentado de eventos adversos e, portanto, as decisões de manejo devem ser apoiadas com instrumentos de estratificação de risco, embora o julgamento clínico continue sendo essencial nessas decisões. Infelizmente, na prática clínica, há uma percepção equivocada do clínico de que o uso de indicadores de risco individuais é suficiente para prever o desfecho e também há a crença de que o uso de regras de previsão pode levar ao tratamento excessivo e que elas consomem tempo.2 Isso leva ao paradoxo risco-tratamento, o que, em muitos casos, resultará em tratamento inadequado e desfecho ruim em pacientes com risco muito alto.
Nessa revista, Gil et al.,3 apresentam um artigo onde compararam vários escores de estratificação de risco bem conhecidos, derivados tanto de ensaios clínicos randomizados quanto de registros.3 Eles também incluíram alguns escores desenvolvidos para outros fins de estratificação de risco em medicina cardiovascular. Os escores que apresentaram a melhor previsão de mortalidade intra-hospitalar foram os escores GRACE, ACTION-Registry-GWTG e ProACS, mas para o desfecho em longo prazo, nenhum dos escores estudados foi apropriado. Trata-se de uma análise retrospectiva realizada em 1.452 pacientes internados com síndrome coronariana aguda (SCA), 45,1% com infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, com mortalidade intra-hospitalar de 6,5% e 9,9% de morte/SCA não-fatal durante um período de seguimento de 1 ano.
O escore de risco ProACS foi desenvolvido com um propósito muito específico de fornecer um escore de risco simples e muito fácil, com variáveis imediatas, que poderiam ser aplicadas inicialmente, no primeiro contato com o médico, para melhor decidir sobre a estratégia de manejo do paciente.4 O ProACS foi desenvolvido a partir de um dos maiores registros mundiais, o Portuguese Registry of Acute Coronary Syndromes (Registro Português de Síndromes Coronarianas Agudas), que incluiu mais de 45.000 pacientes.5 No estudo de desenvolvimento, esse escore mostrou boa discriminação em todas as coortes do estudo (desenvolvimento, validação interna e externa), e resultados semelhantes também foram relatados em uma coorte de validação externa independente.4.6 A calibração foi adequada em todos esses estudos. Entretanto, os resultados foram um pouco piores em comparação ao escore de risco GRACE, e foi incluída uma recomendação de que esse estudo deveria ser utilizado apenas como escore de estratificação de risco inicial, com o escore de risco GRACE a ser utilizado posteriormente, após a hospitalização. Surpreendentemente, no presente estudo, a discriminação do ProACS foi ainda alta, com estatística-c similar quando comparada com os escores de estratificação de risco mais potentes, mas a calibração não foi adequada, particularmente na coorte com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST.
Um achado importante é que o escore de risco ProACS é muito semelhante ao escore de risco C-ACS;7 no entanto, este último foi desenvolvido no Canadá com diferentes características dos pacientes e mostrou discriminação muito baixa na população portuguesa, ressaltando a importância dos estudos de validação externa regional. Além disso, os escores de risco desenvolvidos a partir de ensaios clínicos randomizados foram menos úteis em comparação com os escores de risco desenvolvidos a partir de registros, em coortes mais representativas de populações do mundo real. A coorte de ensaios clínicos é muito seletiva, limitando a extrapolação para populações em geral; os pacientes são geralmente mais jovens e saudáveis, com menor taxa de comorbidades e os ensaios clínicos não reproduzem práticas e estratégias utilizadas na maioria dos centros. Por essa razão, a validade externa dos modelos derivados de ensaios clínicos é geralmente menor, como observado no presente estudo.
O principal objetivo do escore de risco ProACS é estratificar imediatamente o risco em pacientes com SCA para decidir sobre o manejo adequado e, portanto, seu objetivo principal é o desfecho em curto prazo. Os resultados no seguimento de longo prazo não foram adequados. Para o desfecho em longo prazo, a inclusão de outras variáveis, como função renal, troponinas e outras, também é importante.
O que não deve ser esquecido é que, para cada escore de estratificação de risco, os estudos de impacto também devem ser realizados após a validação externa. De fato, a validade externa não significa que os efeitos clínicos benéficos serão obtidos quando utilizarmos um escore de risco e ela não fornece informações sobre os possíveis eventos adversos. Os estudos de impacto são essenciais e devem ser estudados separadamente do desenvolvimento e da validação, preferencialmente em ensaios clínicos randomizados e geralmente não são realizados. Considerando os fatos expostos, os pesquisadores devem dedicar mais tempo à validação e avaliação do impacto dos modelos existentes, em vez de desenvolver mais modelos que provavelmente nunca serão utilizados na prática clínica. Este deve ser o próximo passo para apoiar definitivamente o uso do escore de risco ProACS na prática clínica.
Com base nos resultados apresentados neste estudo, o escore de risco ProACS provavelmente logo será implementado na prática clínica, devido à sua aplicação fácil e simples na prática clínica e alta discriminação apresentada, mas estudos de impacto são necessários.